Dürer, Melencolia I, 1514 |
Dois
caminhos depois da perda
O tema proposto nesse texto foi muito bem debatido por Sigmund Freud (1856 - 1939) e seus discípulos, porém sinto de extrema utilidade que possamos cogitar alguns aspectos dos caminhos que se pode tomar, quando aquilo que contamos como primordial, nos escapar.
O tema proposto nesse texto foi muito bem debatido por Sigmund Freud (1856 - 1939) e seus discípulos, porém sinto de extrema utilidade que possamos cogitar alguns aspectos dos caminhos que se pode tomar, quando aquilo que contamos como primordial, nos escapar.
A
palavra luto serve-nos para descrever o período que se segue depois da perda de
alguém que nos é importante, alguém que de alguma forma é ou foi alvo dos
nossos investimentos, alvo dos nossos interesses, ou mesmo, que éramos ligados.
A palavra luto serve para descrever a perda de uma pessoa amada, uma posição social
ou uma ideia que, se constatou, não viável a realidade. “Sentir o luto”
descreve de alguma forma o que deve ser desligado de nós e um processo natural
da vida.
Logo
ao nascer automaticamente temos que aprender a perder. O próprio momento do
parto é para o bebê o fim de um modelo de vida e o início de outro: ele passa
de um mundo, aquático para
um mundo aéreo (respiração
pulmonar) e, de uma alimentação via umbilical para a forma oral. Quando a perda
ocorre, nos recolhemos em direção do nosso ego
(eu) e nos desinteressamos em certa
medida pelas coisas do mundo (externo), nos voltando para dentro de nós mesmos
(interno). Esse mecanismo é o que poderíamos chamar de depressão, essa
expressão tão usada, para descrever “certos estados mentais”. É esse o fenômeno
psíquico que acompanha o período do luto que funciona como o processo de
cicatrização de um ferimento.
Como
na conduta do caracol do nosso jardim, que se recolhe até que o perigo passe. Desse
modo, assim que elaborado o período de luto, ou seja, quando a perda que
ocorreu no mundo real (externo) foi também aceita no mundo interno (afetos e emoções),
o sujeito inicia um processo de expansão para o mundo externo. Bem como lá no
jardim o caracol, depois de algum tempo, põe sua cabeça para fora da casca,
tentando retomar seu caminho.
De
uma forma esquemática, percebe-se o perigo, admite-se o risco, recolhe-se até
que retome a consciência da situação. Um período de reflexão, de como será o
mundo sem aquilo que julgava vital e, só depois disso, o sujeito se vê capaz de
retomar sua busca por novas ligações afetivas. Mas é fundamental para a
maturação deste processo que o “sujeito” reconheça o que perdeu, ou seja, saiba
o que se foi e como foi perdido e, também assuma as consequências. Porém, sem
que isso implique em interromper suas realizações.
Assim,
o ego se
mantém íntegro, mesmo depois da perda ou, em outras palavras, a autoestima permaneceu em
suas proporções e agora, se vê pronto para buscar novamente algo fora. Contudo,
a perda do objeto apresenta outro caminho em paralelo. Pensemos aqui na
melancolia.
Neste estado mental, os processos ocorrem muito semelhantes ao do trabalho
do luto, porém com algumas ressalvas de crucial importância.
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Na melancolia, também ocorreu à perda; da mesma forma, o sujeito sofre a depressão, como a perda do interesse pelo mundo externo (pessoas e coisas), todavia, diferente do luto, o ego sente-se empobrecido e enfraquecido, como se lhe faltasse um pedaço. Assim, é comprometida a autoestima. Como se disséssemos “sem isto, eu não consigo viver”. Parte do eu parece morrer junto com aquilo que se perdeu no mundo. Freud, em 1917, escreve: “No Luto é o mundo que se torna pobre e vazio, na melancolia, é o próprio ego”. O que parece morrer não é apenas aquilo que se deseja, mas o próprio desejo.
No estado de melancolia, o eu se divide. Uma parte se volta contra a outra, condenando pela perda ou pela incapacidade de viver sem aquilo que se perdeu. Parte do eu se identifica com aquilo que se perdeu. O sujeito melancólico não deixa morrer, na fantasia, aquilo que morreu no real. Desta forma vive aquilo que se perdeu de uma forma narcísica, onde só existe para ele.
No estado de melancolia, o eu se divide. Uma parte se volta contra a outra, condenando pela perda ou pela incapacidade de viver sem aquilo que se perdeu. Parte do eu se identifica com aquilo que se perdeu. O sujeito melancólico não deixa morrer, na fantasia, aquilo que morreu no real. Desta forma vive aquilo que se perdeu de uma forma narcísica, onde só existe para ele.
Sigmund Freud (1856-1939) |
O
modelo de relacionamento que pode ter o desfecho melancólico, no caso da perda,
nos parece estar caracterizado de forma narcisista. Freud se utilizou
do “mito de Narciso”, por trazer em seu modelo grande simbologia. A palavra
grega “Narkissos”, que vem do grego “narkes”, significa “entorpecimento /
torpor” e ela deu origem à palavra narcótico.
Narciso, além disso, é a denominação da flor bela, todavia, inútil, pois morre
posteriormente a uma vida breve, estéril e tóxica.
A Mitologia Grega contava
que Narciso era filho do Rio Céfiso e da Ninfa Liríope. A mãe Liríope, que foi fertilizada
sendo vítima da insaciável energia sexual de Céfiso, teve uma gravidez penosa e
indesejável. Narciso, o filho, nasce tão belo que deixa a mãe assustada. Por
esse motivo ela busca o cego Tirésias (vidente), que revela a Ninfa Liríope que
Narciso viveria muitos anos com uma condição: de que ele não conhecesse a si mesmo. O mito
grego de Narciso só amou a si mesmo e quando amou o outro, o fez através de sua
imagem refletida na margem do rio, onde morreu depois de muito adorar sua própria
face.
A
proposta é que a relação ou o vínculo que se faz com aquilo que se perdeu
(segundo o modelo melancólico) é sobre aspectos do “eu” projetados no outro. Uma
relação por identificação. Parece-me, nesse caso, a única forma de viver sem o
objeto. Uma forma regressiva de estabelecer vínculos, pois é desta forma que o
bebê se liga à mãe e irá fazer suas ligações com outras coisas e pessoas, por
um bom tempo, ou até mesmo no decorrer de toda a vida, em certa proporção. O
bebê não existe sem a mãe ou alguém que cuide dele. Esse objeto de amor é
percebido de forma ambivalente.
Por
um lado, é idealizado por estar de posse de fatores inerentes à própria
existência do sujeito; porém, por outro, mantém um ódio gerado pela inveja
daquele que parece ter (ou tem) parte do “eu”
(algo que o eu parece não viver sem). Quando
o objeto é perdido, recai sobre o “eu”
o peso da falta. O que emerge e aparece
na consciência é o ódio em forma de culpa e auto-repreensão que, durante a
dependência, foi reprimido.
A
dificuldade de se deprimir, a impossibilidade ou incapacidade de viver a perda
dificulta o processo do luto. Torna-se uma prisão melancólica, o real passa a
ser evitado em troca da fantasia. A perda do objeto nos traz a chance de olhar
para o vazio, único lugar onde podemos construir.
Capítulo do livro Para
Além da Clínica. Renato Dias Martino - 1. ed. São José do Rio Preto, São Paulo:
Editora Inteligência 3, 2011.
Prof. Renato Dias
Martino
Psicoterapeuta e Escritor
renatodiasmartino@hotmail.com
Fone: 17-30113866
http://pensar-seasi-mesmo.blogspot.com/
5 comentários:
Muito bom!
Excelente. Bem didático.
Excelente. Bem didático.
Estou encantada com a maestria com que rege o texto sobre depressão, melancolia e luto. Vou te seguir e quero ler mais textos seus. Sua didática é um exemplo a ser seguido. Parabéns!
Muitos adultos tem dificuldade em lidar com o luto.E,para a criança será que é mais fácil?
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