domingo, 27 de agosto de 2023

A SUPERFÍCIE DA COMPULSÃO - Prof. Renato Dias Martino


A palavra controle, assim como sua prática é perigosa. Tentar controlar é um desrespeito. É aplicável às coisas. Controla-se objetos inanimados. Quando se tenta controlar alguém, estamos faltando com o respeito com ela. Controla-se o carro, controla-se o mouse do computador, controla-se coisas materiais, mas tentar controlar o outro, ou tentar controlar a si mesmo é faltar com o respeito. Bem, toda falta de respeito acarreta desdobramentos, consequências e consequências, muitas vezes desastrosas. A partir dessa reflexão, pode surgir a questão: Como lidar com pacientes que apresentem compulsão, sem se utilizar da palavra controle ou da tentativa de propor controlar seu comportamento? Tentar controlar a sua alimentação só vai fazer com que você tenha um desdobramento de revolta contra esta tentativa de controle. Quando você tenta controlar é que você está criando um “deveria ser”. Você está entregando isso para a instância da mente da qual Freud chamou de superego. Qualquer tentativa de elaboração que possa levar o sujeito a uma adequação alimentar precisa ser via ego, via “estar sendo”. Então, nós precisamos acolher esta compulsão para que a gente possa respeitá-la e se responsabilizar por isso. A responsabilização não é um controle, é um desdobramento do respeito. Existe por trás desta compulsão por comida algo muito maior. A compulsão por comida é apenas um pedacinho do que está acontecendo. Quando o paciente chega se queixando de compulsão alimentar, a última coisa que eu vou tentar tratar com ele é a compulsão alimentar. Vamos tentar acolher o que está por trás disso, que com certeza é uma grande insegurança, que é uma grande ansiedade, uma grande angústia, uma dificuldade de acreditar em si mesmo, um sentimento de solidão, uma série de outras questões que estão desdobrando numa compulsão alimentar. E você tratar compulsão alimentar sem olhar para isso tudo é simplesmente tratar da superfície e deixar a raiz do problema desprotegido, ou seja, isso aqui vai ser tratado, vai ser controlado e vai aparecer de uma outra forma, em uma outra atitude compulsiva, que não seja a alimentação, mas que vai ser tão danosa quanto. A tentativa de controlar é simplesmente uma tentativa de moldar uma superfície e não olhar para aquilo que realmente precisa ser acolhido, e não compreendido, mas acolhido. Precisa ser percebido, reconhecido, aprender a respeitar isso e se responsabilizar por isso. A partir desse processo abre -se a possibilidade da transformação.



quinta-feira, 24 de agosto de 2023

O HUMANO E OS GRUPOS - Prof. Renato Dias Martino – Transcrição



Vamos então, pensar na relação do ser humano e dos grupos. Quero fazer um alerta, antes de qualquer coisa. Vamos tirar as crianças e as vovó da sala, porque vamos tocar aqui, em assuntos bem dolorosos, bem desconfortáveis sobre as características desse bicho chamado ser humano. Uma criatura que é cercada de idealizações. Nós idealizamos o ser humano com inúmeras características que na realidade, não são dele, essas características idealizadas, romantizadas e na verdade, quando a gente está falando aqui, do ser humano, nós estamos falando, antes de qualquer coisa, de um animal perigoso, de um animal traiçoeiro. Talvez o mais traiçoeiro, o mais perigoso. A gente está falando aqui, de um animal que, onde ele se instala, ele acaba com todas as outras espécies de animais que não servem as suas conveniências, inclusive com outros seres humanos que também possam não servir as suas conveniências.

AFASTAMENTO DA NATUREZA

Cada criatura desse mundo tem suas características peculiares e o ser humano não é diferente. Mas talvez a característica mais peculiar do ser humano seja a característica de que ele é a criatura que mais se afasta se distancia da sua própria natureza. Ele se perdeu da sua própria natureza. Ele não consegue sequer reconhecer qual é essa sua natureza. Ele não sabe qual é a sua natureza. Dificilmente você pode definir qual é a natureza do humano. E ele, não só se distanciou da sua natureza, mas ele faz distanciar uma série de outras criaturas, seja por força-las a trabalhar para ele, pesado. Um cavalo, um boi, alguma coisa que ele coloca para trabalhar pesado para ele, ou seja como um animal de estimação, que ele pega e humaniza o bichinho e muitas vezes, transforma o bichinho em produto de compra e venda. Então, esta é uma característica marcante do ser humano se distanciar da sua própria natureza e fazer distanciar os outros bichos da sua própria natureza e não só o bicho da própria natureza influenciar nessa natureza para que ela se transforme as suas conveniências.

CRUELDADE HUMANA

Não vamos esquecer também, e quando a gente fala que o ser humano usa as outras criaturas a seu bel prazer, transformando em um produto de compra e venda colocando-as para trabalhar forçosamente, ele também faz isso com outros seres humanos. Nós temos a história da escravidão. E hoje, ainda, se não houver um trabalho muito bem dedicado das autoridades, para fiscalizar, o ser humano continua fazendo deste mesmo jeito. Sempre tentando ter vantagem a partir da vulnerabilidade do outro, de outra espécie, ou da própria espécie. Esse é o ser humano e eu não estou excluindo a nós mesmos disso. Cada um de nós aqui, tem isso aqui dentro de si e se não se submeter a um processo dedicado, vai continuar sendo assim.

EXIGÊNCIA E CONVENIÊNCIA

Inúmeras características que o ser humano manifesta, não são próprias da sua natureza e o tema da conversa hoje é uma delas. Nós estamos aqui, por exemplo, num grupo. Nós estamos num grupo do Skype, nós estamos num grupo aqui, pensando juntos. Não é isso? Mas a vida em grupo não é da natureza do humano. O ser humano não é um animal de grupo. Porque ele manifesta essas características, então? Por dois fatores básicos. Primeiro por ser obrigado e segundo, por conveniência. Porque aquilo lhe é conveniente, não porque faz parte do seu instinto.

PSICOLOGIA DAS MASSA E ANÁLISE DO EGO

Tudo isso aqui pode ser constatado nas suas experiências cotidianas, no seu dia a dia, facilmente. Tudo isso que eu vou dizer aqui. Só ter um pouquinho de coragem para prestar atenção. Mas nós temos também um livro do Freud, em que ele tratou esse assunto. E aí ficam parentes, um tema muito pouco tratado na análise de trabalho, literatura, ou algum psicanalista tratando da ideia de que o ser humano não é um animal de grupo. Pelo contrário, existe até psicanálise em grupo. Eles propõem isso. Mas, como como é que funciona isso, se a psicanálise individual já é um trabalho extremamente difícil? Porque, quando está ali, o analista e o paciente, duas pessoas na realidade, estão pelo menos seis pessoas: o sujeito a mãe e o pai, o analista mãe e o pai. Como é que faz para tratar num grupo, cara? 1921 em PSICOLOGIA DAS MASSAS E ANÁLISE DO EGO, Freud traz isso de maneira muito clara. Tem um capítulo lá, que se intitula INSTINTO GREGÁRIO, e aí, ele pega uma obra de um pensador chamado Trotter, um pensador que afirma que o ser humano é um animal gregário. Ele diz que sim, que o ser humano tem sua natureza um instinto agregado. Freud diz, não! Desculpe, meu amigo, mas com todo respeito, não tem! Por que ele não tem? Vamos partir, vamos começar aí, esmiuçar o porquê não teria. Quais os motivos que possam trazer evidências que o ser humano não é um animal de grupo. Se é que precisa! Para aquele que tem um pouquinho de coragem para enxergar.

HUMANO NARCISISTA

Primeiro, a natureza do ser humano é narcisista. O ser humano é um animal narcisista. Ele quer a mãe para ele só. Ele não é capaz de dividir nada com ninguém. Ele aprende a dividir, primeiro, porque ele é obrigado a dividir, segundo, porque ele é conveniente dividir. Aí ele consegue dar um pedacinho do lanche para o amigo. Mas, desculpe, não é da natureza dele. Vamos fazer um experimento. Se você pegar um cabritinho, por exemplo. Um cabritinho é um animal, o cabrito, a cabra é um animal gregário. Se você pegar um cabritinho, um filhotinho de cabrito, que nunca tenha visto um bando de cabrito, sei lá, um rebanho de cabrito. Você o pega de uma outra, de uma outra localidade e coloca ele próximo a um grupo que ele nunca tenha visto antes, ele se enfia no meio do grupo e vira do grupo. Você não vai reconhecer de maneira alguma que aquele animalzinho não era daquele grupo. Ele se enturma perfeitamente, harmonicamente e vai ficar uma beleza ali. Agora, se você pegar uma criança desconhecida, sozinha, longe da sua mãe e do seu pai, e colocar perto de uma de um grupo de pessoas, a última coisa que ela vai fazer é ir no meio do grupo dessas pessoas. Ela vai ter medo dessas pessoas. Ela tem medo do desconhecido. Pega umas criancinhas, assim, quatro ou cinco criancinhas de dois, três anos de idade, coloca numa sala, fecha a porta e vai embora. Deixa ali umas duas, três horas, volta depois para você ver o que aconteceu. Altas mordidas? Altas mordidas! Violência! E não deixe nenhum objeto pontiagudo, porque senão, você vai ter pelo menos um olho furado. Na realidade, o bebê humano tende a negar a existência do outro, da mãe por exemplo. A mãe não existe para ele, para ele a mãe é um pedaço dele. Só aos pouquinhos e depois de muito lutar contra isso, depois de levar para as últimas consequências, essa coisa de negar o outro, ele começa a perceber que a mãe é uma outra pessoa. Mas como a condição de que esta mãe vive para ele e por ele. Para satisfazer os seus desejos, porque se não for assim, também ele dá um jeito de negá-la. O bebê, no princípio da vida, funciona por, ele se liga o outro por identificação, ligação por identificação, ou seja, o outro é uma extensão de mim. Aí você vai dizer assim: “Não, mas aí, o cara quando ele fica adulto, ele é diferente!” Não”. É pior, porque ele passa de simular isso. Ele aprende a dissimular muito bem. Mas não muda muito. O Freud dá um exemplo bacana, no PSICOLOGIA DAS MASSAS EM ANÁLISE DO EGO, ele diz assim ó: “Normalmente o filho mais velho quer é privar o filho mais novo de qualquer regalia que ele possa ter em relação aos pais.” “Por que que ele pode e eu não posso?” O ser humano é um animal competitivo, que disputa. Ele precisa de um trabalho muito dedicado para deixar isso de lado, para dissolver isso, para colocar isso daí no lugar, ali dentro dele, muito bem reservado, muito bem contido. Porque, se ele não tiver isso trabalhado, ele vai continuar sendo assim. O ser humano, quando cresce, quando fica adulto, não muda muito. Não tem muita diferença. Na realidade, quando a gente fala de relações afetivas, o amor verdadeiro é raro. Raríssimo! Sempre foi e hoje em dia é muito mais. A maioria dos relacionamentos tem como fator de ligação, uma grande conveniência por estar juntos, ou porque existe uma culpa enorme. E vou mais longe... No final da vida isso aí piora bastante. Na velhice isso piora muito, porque, quando o sujeito começa a não ter muito mais coisas para oferecer, a maioria das pessoas se afasta. E aí você vai falar que esse animal é de grupo? Que grupo?

ANIMAL GREGÁRIO 

Animal gregário, você vai encontrar na natureza, vários animais gregários, várias aves, caprinos, equinos, suínos, búfalos, elefantes. Independente se o seu animal é forte, pode se defender, ou não, isso não tem nada a ver, não define. Ele pode se ser capaz de se defender dos predadores e ser um animal gregário. Mas o ser humano não é! Uma característica muito clara de um animal agregador é não precisar de um líder. Um animal gregário se agrega, se agrupa sem precisar de um líder. Precisou do líder já denuncia a ausência do instinto gregário. E o ser humano não consegue se agrupar muito tempo se não tiver um líder. Um líder para mostrar o caminho, um líder para ele projetar o seu superego. Sabe isso? Projetar o “ideal de eu”. Projetar aquele “deveria ser”. Projetar a censura. Projetar tudo aquilo que fiscaliza o funcionamento do sujeito, ele projeta no líder e fala: “Ele que vai falar para mim o que que é certo que é errado.” Precisou de um líder, cai por água a ideia do instinto de rebanho. E quando o líder se afasta, o que que acontece? O grupo se desfaz. Agora, é claro! A gente vai aí assim, nos grupos por exemplo, os grupos mais evoluídos, a gente vai falar de um líder subjetivo, abstrato, não é? Uma ideia que possa liderar, mas isso é muito raro. O que o ser humano tenta fazer, quando percebe que um grupo está muito coeso e está perturbando? Mandar prender o líder. Ou não? Manda prender o líder, ou mata o líder. O que aí vai acontecer é aquilo que chamamos de pânico. Quando o líder morre, ou se afasta por muito tempo, acontece o pânico. Vai cada um para um lado, perde o rumo.

ANIMAL DE HORDA 

Mas se o ser humano não é um animal de grupo, o Freud traz uma ideia interessante, uma proposta interessante, ele diz assim: “O ser humano é um animal de horda, assim como os outros grandes primatas.” Somos um grande primata, assim como os chimpanzés, como os gorilas, somos dessa mesma ordem e temos uma configuração grupal parecida com os grandes primatas. Ou seja, a sua estreita esfera familiar. Este é o grupo original do ser humano. A horda a sua família mais estreita. O que é um animal de Horda? É um animal que se mantém dentro da sua estreita esfera familiar, só a primeira esfera familiar. Mas ainda assim, quando um desses exemplares da espécie começa a crescer e se desenvolver, ele já começa a disputar, ali dentro e não consegue se manter ali dentro daquela esfera e já tem que se deslocar para criar uma outra horda.

TOLERÂNCIA A FRUSTRAÇÃO 

Para que ele consiga ter uma vivência dentro de um grupo harmônico, ele precisa de um trabalho muito dedicado para rebaixar a sua urgência de satisfação e ampliar, expandir a sua capacidade de tolerar desconfortos, tolerar frustrações. Ele precisa disso e isso são fatores da função materna e paterna. Quando ele tem um bom convívio dentro da sua horda, quando ele é muito bem cuidado pela mãe, pelo pai dentro da sua horda, ele desenvolve, sim, uma grande tolerância e ele até se adapta aos grupos. Mas que tipo de grupo? Grupos de trabalho. Assim como Bion colocou lá na EXPERIÊNCIA COM GRUPOS. O que é um grupo de trabalho? Isso aqui por exemplo. Existe um motivo muito bem estabelecido do porque estamos juntos. Existe um intuito de estar aqui. Todos nós estamos nesse mesmo intuito e assim que esse intuito completar... cada um para sua horda.

SUSCETIBILIDADE, AUTONOMIA E OS GRUPOS
 
Existem aqueles humanos que estão o tempo todo em grupos e muitas vezes não são grupos de trabalho e muitas vezes até são grupos de trabalho, mas ele está ali por outro motivo que não seja o motivo do trabalho, o tema do trabalho do grupo. O que acontece para esse ser humano está ali? É quando a horda primária não é acolhedora o suficiente, não está sendo saudável o suficiente para mantê-lo ali, ou ainda, quando ele não acredita em si mesmo. Quando ele não confia em si mesmo, ele se enfia nos grupos. Mas assim que ele começa a ter uma certa autonomia de acreditar em si mesmo e confiar em si mesmo, ele inicia um questionamento sobre esses grupos. Começou a acreditar em si mesmo, ele já começa a falar: Hummmm!  Não sei se faz sentido continuar aqui, não... Em psicoterapia, isso é muito comum. O paciente chega, começa o trabalho de psicoterapia, ele começa a se integrar, ele começa a acreditar um pouco mais nele e aí ele começa a questionar os grupos que ele participa. Grupo religioso, grupo de amigos. Amigos!?! Grupo do seu trabalho a instituição profissional que ele frequenta e até sua horda. “Caramba! Acho que eu estou sendo meio abusado, nesse lugar, hein?” Você começa a ser respeitado pelo teu psicoterapeuta, começa a ter uma relação de respeito com ele, de amor sincero e com limites, ou seja, ele começa a ter ali um novo modelo de relacionamento saudável e ele percebe que não é aplicável nos grupos que ele frequenta. Não dá para ser respeitoso, não dá para amar o outro, não tem limite. É sempre uma relação nociva, abusiva, tóxica. Isso quando o paciente não chega justamente porque ele foi machucado no grupo. Ele já chega dizendo: “Meu, estou sendo usado dentro da minha casa, estou sendo abusado no trabalho, estou sendo abusado, lá na igreja.” Porque grupos humanos, na sua maioria, são nocivos. Inveja, disputa desigual, abuso. Um querendo derrubar o outro. Raríssimo grupo humano que não tem isso. Grupos humanos são usualmente insalubres. O sujeito, quando ele está acreditando em si mesmo, o sujeito quando ele está confiando em si mesmo, quando ele está integrado na sua personalidade, ele tem muito pouco interesse nos grupos. Ele investe muito pouca energia em grupos, ele investe a sua energia na sua família, na sua horda, na sua estreita esfera familiar. A energia dele vai para ali. Frequenta os grupos de trabalho. Claro que frequenta! Mas ele frequenta esses grupos como grupo de trabalho. E mantem relações, vínculos com as pessoas, não com grupos. Ele tem vínculo saudáveis com pessoas.

GRUPO E ILUSÃO

Os grupos se mantêm por ilusão. O que mantém um grupo à ilusão. quando a verdade aparece o grupo se desfaz o Freud é muito claro quanto a isso e o Bion, lá em 1970, ATENÇÃO E INTERPRETAÇÃO, traz uma ideia muito bacana, que é a relação do místico e do grupo. Místico é um sujeito que tem três características incluindo do próprio místico, do gênio, do messias e do místico. O gênio é o que traz ideias novas, o messias é aquele que traz uma ideia promissora e o místico é aquele que traz a ideia verdadeira. Trouxe essas três ideias, pronto! O grupo já começa a te atacar, porque essas ideias atacam o grupo. Toda a ideia genial ameaça o grupo. Todo gênio foi condenado pelo grupo. Todo messias foi condenado pelo grupo e todo místico é atacado, é tido como louco, porque o grupo não está preparado para isso. E aí, nas palavras do Bion: “O místico destrói o grupo e o grupo destrói o místico”.

GRUPO E FALSIDADE 

A vida em grupo de força dissimular. Você tem que ser falso, no grupo. Para se manter harmonicamente num grupo humano, você precisa dissimular. Se você for muito verdadeiro dentro do grupo humano, logo, meu amigo, você é expelido. O grupo de rejeita. Não tem lugar dentro do grupo para o verdadeiro eu. E isso adoece o sujeito, enrijece o “falso eu”, o “falso eu” vai ficando grosso, espesso. Sufocando o “verdadeiro eu”. Isso é insalubre, porque você precisa se defender dentro do grupo, já que você está dentro de um ambiente onde tem vários animais como esse que eu falei lá no começo da fala. Perigosos, traiçoeiros, sagazes, narcisistas. Que precisam de um trabalho muito dedicado, maternas e paternas para aprenderem a amar, porque não é característica inata do ser humano capacidade de amar. Ele precisa aprender a amar e não só aprender a amar, mas para ele aprender a reconhecer limites. Porque sem limite, o amor não se sustenta. Então, a função materna é o que ensina amar e a função paterna ensina reconhecer o limite, que já existe. Ele precisa disso. Ele precisa de um trabalho dedicado. E aí, quando a gente pensa numa sociedade onde os pais deixam as crianças muito cedo, passar a maior parte do tempo com desconhecidos, terceirizando cuidado. Como é que fica isso gente?

terça-feira, 22 de agosto de 2023

Minicurso - TRANSFERÊNCIA E CONTRATRANSFERÊNCIA - Conceito e Aplicabilidade


 

Minicurso -
TRANSFERÊNCIA E CONTRATRANSFERÊNCIA 
Conceito e Aplicabilidade 

Das formulações de Sigmund Freud às contribuições de Melanie Klein e Wilfred Bion.
Possíveis relações com os modelos filosófico-cientifico e místico-religioso. 


4 encontros online, via SKYPE.
Às sextas, 09h, dias 08, 15, 22 e 29 de setembro.
Coordenação - Prof. Renato Dias Martino 

Investimento - 100, 
Para integrantes do GEPA - 80,
Inscrições via Pix.
Informações e inscrições pelo WhatsApp: 17991910375

segunda-feira, 21 de agosto de 2023

DESEJO, NECESSIDADE E RENÚNCIA – Prof. Renato Dias Martino

É a questão do desejo e da necessidade. Quando a gente está falando de desejo, nunca vai haver um contentamento real. Porque o desejo, quando é satisfeito ele automaticamente gera outro desejo. Um sujeito que está focado no desejo, é um sujeito ansioso, é um sujeito insatisfeito. Este desejo sempre vai estar caracterizado em objetos superficiais, objetos que realmente não tem uma necessidade de ser conseguido. O sujeito, quando está dando manutenção para o seu processo emocional e afetivo, ele é capaz de renunciar aos desejos. Não existe desejo que o sujeito não seja capaz de renunciar, quando ele está dando manutenção para o seu funcionamento emocional-afetivo. Agora, quando o sujeito não está dando manutenção, quando está ali, de alguma forma, inundado de questões mal elaboradas, impensadas, ele acaba cristalizando isso num desejo e ele precisa realizar esse desejo a qualquer custo e ele não consegue renunciar isso. E aí, isso vai gerando uma ansiedade enorme e quando ele não consegue, definitivamente aquilo ali, ele cai numa angústia danada, como se fosse um fracassado, porque ele não conseguiu obter aquele objeto de desejo que na realidade não faria qualquer diferença real no funcionamento da sua vida e muitas vezes viria até para prejudica-lo. Aquele desejo vai trazer para ele, uma série de percalços, uma série de prejuízos e na realidade se ele fosse capaz de renunciar a aquilo, ele teria um benefício muito maior do que conseguir aquilo. Mas como ele não conseguiu, ele atribui a ele, um fracasso. Mas, na realidade, o sucesso foi justamente não conseguir aquilo. É quando o paciente está tão imbuído nessa questão de obter o objeto de desejo, que ele seduz o psicanalista para que o psicanalista comece a trazer para ele, soluções para que ele consiga este objeto de desejo. Quando na verdade, o papel do analista é justamente trazer a possibilidade de pensar formas de ser capaz de renunciar a aquele desejo, porque aquilo, na verdade, não vai ser saudável para ele.


quinta-feira, 17 de agosto de 2023

O HUMANO E OS GRUPOS

 


Cada espécie de animal tem suas peculiaridades em sua natureza e não é diferente com a raça humana. No entanto, o humano parece ter uma característica que o diferencia de todas as outras e não me refiro aqui, a capacidade de pensar, já que a proposta de que outras espécies não pensam é somente uma suposição. A complexidade das manifestações dos animais permite, no máximo, que se levantem hipóteses sobre o funcionamento real, no âmbito não sensorial, quanto as capacidades de pensar, ou ainda, dos processos emocionais e afetivos. Me refiro aqui, sobre a diferença do humano em relação aos outros animais, quanto ao fato de que o primeiro é a criatura que mais se distancia de sua própria natureza. Não só se distancia da natureza, mas também faz distanciar, muitas outras espécies que utiliza às suas conveniências e ao seu bel-prazer. Distancia essas criaturas, seja forçando-as ao trabalho pesado, ou mesmo as domesticando e até transformando os bichinhos em produtos de compra e venda, para lucrar com isso. Isso, sem mencionar aqui, o trabalho escravo, onde o humano pratica da mesma crueldade com outro humano.

Sendo assim, inúmeras características que o humano manifesta, não fazem parte do seu campo instintual, ou seja, não são de sua natureza. Por conta de não estarem de acordo com sua natureza, essa ordem de características, são sempre via de obstrução do fluxo no funcionamento e no desenvolvimento emocional e afetivo, logo, propícia à desenvolvimento patológico. Mas, se certas características não são da natureza do humano e além disso, podem causar moléstias, por que motivo ele passa a manifestá-las? A resposta parece estar no oportunismo, ou ainda, pelo fato do sujeito se ver obrigado a isso.

Em 1921 é publicada a obra de Sigmund Freud (1856 - 1939) chamada PSICOLOGIA DAS MASSAS E ANÁLISE DO EGO - na tradução da editora Imago. No capítulo intitulado INSTINTO GREGÁRIO, Freud deixa muito claro o fato de que o ser humano não é um animal que se agrega, que se enturma, que se agrupa naturalmente. Freud contrapõe a ideia de Wilfred Batten Lewis Trotter (1872 – 1939), de que o ser humano tem no seu instinto, um fator gregário. Segundo Trotter, o instinto de rebanho seria inato no ser humano, assim como são os instintos de autopreservação e o instinto sexual. O ser humano se agrupa sim e isso é obvio, porém o faz, por conta de conveniência, ou ainda, quando se vê obrigado a isso. Partindo do pressuposto de que o ser humano é naturalmente narcisista, isso se contrapõe a ideia de que possa trazer, de forma inata, qualquer sinal de instinto gregário.

Ora, se nos propusermos a fazer um experimento em que colocássemos um cabritinho solitário próximo a um rebanho do qual ele nunca tivesse convivido, automaticamente esse cabritinho iria se enfiar no meio do rebanho e se enturmaria com tamanha harmonia, que seria difícil de reconhecer que não pertencia a aquele bando. No entanto, se tentássemos colocar uma criança pequena, que tenha sedo criada em um lar em que as funções materna e paterna tenham sido bem cumpridas, sozinha, próxima de um grupo de pessoas desconhecidas dela, a última coisa que ela faria seria ir em direção essa turma. Ela teria medo dessas pessoas. Portanto, o ser humano não apresenta qualquer instinto gregário.

Na realidade, o bebê humano tem a tendencia de negar a existência do outro, no que Freud, em seu texto DOIS PRINCÍPIOS DO FUNCIONAMENTO MENTAL (1911), chamou de processo primário, conduzido pelo princípio do prazer. Evita isso até as últimas consequências, somente aos poucos e podendo contar, imperiosamente com um ambiente rico de afeto e reconhecimento dos limites, ele irá desenvolvendo a capacidade de tolerar e respeitar a presença desse outro. Ainda assim, ele não o faz naturalmente, mas sim, para que possa conseguir os benefícios que ele perceba que esse outro possa proporcionar. No mesmo texto, Freud chamou essa segunda etapa do desenvolvimento de processo secundário, regido pelo princípio de realidade. Quando o bebê percebe que precisa do outro e passa então a considerá-lo.

Antes de desenvolver a capacidade de convívio com o outro, o bebê imagina que o outro é parte dele mesmo e não uma outra pessoa, e Freud (1921) chamou essa experiência de ligação por identificação. Mesmo sendo uma característica das vinculações do bebê, em seus primeiros meses de vida, muitos adultos ainda guardam grandes cotas dessa forma de se relacionar com o outro. Bem, quando o bebê passa a reconhecer o outro, por desenvolver maior capacidade, mas ainda assim, não estabeleceu um laço íntimo, ou ainda, não vê qualquer benefício que possa obter desse outro, ele prontamente o recusa, o rejeita e chora muito, até que consiga se afastar. Se colocarmos quatro, ou cinco crianças pequenininhas sozinhas numa sala por uma hora, quando voltarmos para checar, muito provavelmente deverá ter ocorrido uma série de violências entre elas, deixando sérios ferimentos. Freud chama a atenção para o fato de que, usualmente, o filho que seja mais velho, deseja, de forma inconsciente ou nem tanto, afastar o mais novo, dos pais e tirar dele qualquer regalia.

Engana-se aquele que imagina que o ser humano em geral, quando adulto, evolui muito no que se refere a capacidade de altruísmo, ou na atitude de doar-se. O desenvolvimento da capacidade de amar é algo que carece de enorme dedicação daqueles que exercem as funções materna e paterna, para que a criança possa se tornar um adulto que realmente desenvolveu essa ordem de capacidade. A ligação pelo amor verdadeiro é rara, na maioria dos casos as pessoas estão ligadas, ou por conveniência, ou por culpa. Mesmo no fim da vida essa questão se torna mais delicada, ou ainda, pode piorar bastante. A maior parte das pessoas se afastará do outro, assim que ele não puder mais trazer benefícios a elas.

Se concordamos até esse ponto do texto, como encontrar o mínimo de instinto de agregação nessa criatura descrita aqui? A palavra gregário vem do latim GREX, que quer dizer rebanho. Muitos os animais manifestam esta ordem de instinto: algumas espécies de aves; caprinos; equinos selvagens; suínos e também grandes mamíferos, como é o caso de búfalos e elefantes. O instinto gregário se manifesta em animais independente do fato de serem eles frágeis ou fortes, independentemente de serem eles capazes ou não de se protegerem sozinhos de seus predadores.

O ser humano, por sua vez, não apresenta o menor vestígio agregador que seja inato, até onde é possível reconhecer. Um animal de rebanho se agrupa independente de um líder, no entanto, o que realmente mantém a coesão é organização do grupo de seres humanos é justamente a presença do líder. Quando existe a presença do instinto gregário não há a necessidade de um líder para que se forme e se mantenha o grupo.

“A exposição de Trotter, porém, está aberta, com mais justiça ainda que as outras, à objeção de levar muito pouco em conta o papel do líder num grupo, ao passo que nos inclinamos, antes, para o juízo oposto, ou seja, de que é impossível apreender a natureza de um grupo se se desprezar o líder.” (Freud, 1921) No grupo humano, o líder parece substituir o “ideal de eu” de cada integrante, onde o modelo do “deveria ser” é projetado naquele que ocupa a liderança do bando, fazendo com que essa cobrança interna passe a ser rebaixada de maneira drástica no funcionamento emocional de cada um. Aquilo que faz se criar e também o que mantém a ligação mútua entre os membros do grupo humano parece ser uma identificação com o líder e que é comungada entre os membros. Sendo assim, quando líder se ausenta por longo tempo, ocorre o que chamamos de pânico, onde a ligação recíproca entre os membros do grupo tende a se dissolver. Com isso, ou o grupo se desfaz, ou um novo líder deve emergir.

Fatos não faltarão a aquele que dirija um olhar dedicado à psicologia dos grupos humanos para revelar que essa espécie de animal não é naturalmente de grupo, mas parece ter a natureza de um animal de horda. Assim como os grandes primatas, também os humanos tem a natureza de se manterem numa espécie muito peculiar de grupo restrito, na sua primeira esfera familiar. Quando um integrante da horda que se aproxima da vida adulta, começa a se desenvolver e ganha certa autonomia, inicia-se conflitos e disputas forçando-o a se deslocar desta esfera. Portanto, tratamos aqui de um ser que não tem no seu instinto, a tendência de se agrupar, mas começa a se agrupar dentro disso que chamamos de civilização, de sociedade, porque existe uma conveniência ou então, por se ver forçado a isso. Entretanto, é necessário um trabalho dedicado para que ele consiga desenvolver tal capacidade de coexistência.

Ele precisará rebaixar sua urgência de satisfação, aprendendo a tolerar frustrações, para que possa se adaptar a vida em sociedade. Mas não faz isso naturalmente, o faz porque isso é imposto a ele. A educação obriga este sujeito a doutrinar-se para conviver em sociedade. Ele não faz isso espontaneamente, mas quando bebê, o humano quer possuir e ficar com a mãe só para ele. Sendo assim, sem a introdução de um modelo de vínculo de amor sincero e reconhecimento de limites ele persistirá nesse intuito. No reconhecimento da figura paterna, que o impedirá de ter a mãe só para ele, o bebê humano projeta nessa figura, todo o ódio e hostilidade. Sendo que, muitas vezes ataca até mesmo a mãe quando frustra suas expectativas.

Sendo devidamente qualificado emocional e afetivamente, a partir das funções materna e paterna bem cumpridas, ele passa a ser capaz, então, de participar de grupos específicos, grupos de trabalho. Segundo Wilfred Bion (1897 - 1979), em seu livro EXPERIÊNCIAS COM GRUPOS, o grupo de trabalho carece de um ajustamento à uma tarefa específica proposta. Deve ser organizado em funções, estruturas e atividades para cumprir a tarefa principal, que tenha sido previamente estabelecida e concordada pelos membros. Apesar de não ser formado naturalmente, esse modelo de grupo, mesmo que artificial, parece ser realmente nutridor. Contudo, ainda assim, o convívio prolongado em grupo não faz parte da natureza do ser humano e, por conta disso, parece trazer muito mais prejuízos do que benefícios.

O ser humano parece só conviver em grupos quando e enquanto não esteja dando conta de manter-se por si só. Busca grupos externos quando não encontra harmonia dentro da sua horda, na sua restrita estrutura familiar, ou ainda, quando ele não pode contar com esta pequena esfera, ou mesmo, quando a estreita esfera familiar não é acolhedora o suficiente para que ele possa se manter ali. Quando o sujeito começa a desenvolver certa autonomia, logo passa a questionar a vida em grupo. Assim que começa a sentir-se com boa autonomia, confiando nele mesmo, inicia frequentes questionamentos sobre o grupo que, enquanto vulnerável, se mantivera aparentemente muito bem adaptado.

O sujeito que acredita em si mesmo, confiando em si próprio, tem muito pouco interesse nos grupos e pouquíssima disponibilidade para se manter neles, mas tende a dedica-se muito mais a sua estreita esfera familiar, no que aqui estamos chamando de horda. No desenvolvimento do processo psicoterapêutico, isso fica evidente. Na medida em que o paciente vai expandindo sua capacidade emocional, quando ele vai crescendo e se alargando em sua capacidade afetiva, a partir do processo psicanalítico e com isso, vai desenvolvendo um pouco mais de autoconfiança, logo passa a questionar os grupos em que frequenta. Questiona os grupos, sejam eles religiosos, organizações profissionais, ou qualquer outro modelo. Muitas vezes, o paciente busca psicoterapia justamente por ter sido ferido ao participar de grupos que são insalubres. Ambientes onde são frequentes as humilhações veladas, torturas emocionais ocultas, assédios morais dissimulados, assim como disputas, muitas vezes injustas e constante clima de competitividade, que saturam o funcionamento emocional, acarretando num padecimento, amiúde sem que o sujeito sequer perceba que está adoecendo. Em grupo as características da essência do sujeito tendem a se dissolver. Emerge então, um teor primitivo, onde a capacidade de discernir a realidade fica ofuscada. O humano tem grande dificuldade de pensar enquanto inserido no grupo, tendendo a reconhecer como verdade, aquilo que o líder prega e o grupo acredita e comunga.

Ora, Freud (1921) deixa claro que os grupos se mantêm através de ilusões, não tolerando a verdade, tendendo se desfazer no contato com ela. Em sua obra ATENÇÃO E INTERPRETAÇÃO, Bion cogita sobre a relação entre o místico e o grupo, onde o místico destrói o grupo e o grupo destrói o místico. Ora, o místico é aquele que traz a verdade, traz o novo e o grupo não tolera isso. Sendo assim, quando o sujeito começa a abrir a consciência e expandir o seu acordo com a realidade, ele começa a questionar o grupo e o grupo passa a questioná-lo. A vida em grupo força o sujeito a dissimular, a ser falso, ativando e se mantendo através de seu falso eu. Não se consegue conviver em grupo sendo verdadeiro, já que, o sujeito fica exposto a ser atingido na vulnerabilidade do verdadeiro eu. Portanto, para o ser humano, a vida em grupo parece ser sempre perigosa e cheia de oportunidades de se desenvolver enfermidades emocionais e afetivas.

 

Referências

Bion, W. R. (1975). EXPERIÊNCIAS COM GRUPOS. Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1961)

________. ATENÇÃO E INTERPRETAÇÃO, tradução de Paulo Cesar Sandler. - 2. ed. 1970 - Rio de Janeiro: Imago, 2006.

Freud. S. (1911). FORMULAÇÕES SOBRE OS DOIS PRINCÍPIOS DO FUNCIONAMENTO MENTAL, In Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1969.

________. (1921). PSICOLOGIA DE GRUPO E A ANÁLISE DO EGO. In Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1969.