sexta-feira, 28 de julho de 2023

SOBRE A DEISINTEGRAÇÃO – Prof. Renato Dias Martino



SOBRE A DEISINTEGRAÇÃO

A desintegração é uma característica fundamental do paciente psicoterapêutico. Toda dor psíquica, toda angústia, toda ansiedade estão relacionadas a uma forma de desintegração, no nível emocional. Seja ela num caso brando de neurose ou, seja ela dentro de uma perspectiva severa da psicose, existe ali uma forma de desintegração. A desintegração ela não é necessariamente patológica, ela está presente no sujeito mais saudável, no sujeito que está desempenhando o seu fluxo natural da vida, ela vai estar presente ali, de alguma forma nas experiências da vida. O sujeito precisa de certa desintegração no fluxo saudável da sua vida.

PULSÃO DE MORTE

Um conceito extremamente difícil de compreender porque, na realidade, quando a gente está falando de pulsão de morte, nós estamos falando muito mais de ausência de pulsão de vida do que uma força que atua. A presença é pulsão de vida, a presença é libido. Na ausência da libido, o que atua é a porção de morte. A libido é aquilo que vem para unir, a pulsão de morte é aquilo que vem para separar. Todas as vezes que a gente tem uma experiência de morte, nós temos uma experiência de separação. Então, quando o sujeito morre, separa-se o corpo da alma. A partir do corpo que morreu, começa a ver ali, uma desintegração da matéria. Então, a morte quer dizer separação e a vida quer dizer junção, união. A desintegração é um fator da função da pulsão de morte, por mais esteja presente no fluxo da vida. E aí que entra a confusão, porque muitas vezes, para preservar a vida, eu preciso desintegrar. Olha que coisa paradoxal! A desintegração, por mais que seja um fator da pulsão de morte, ela está presente na autopreservação também. Eu preciso muitas vezes, separar para continuar vivo. Percebe, como é difícil de entender essa conceitualização, por mais que ainda assim faça um sentido danado? A desintegração é uma característica presente, tanto na dimensão material concreta, naquilo que faz parte do sensorial, daquilo que eu posso perceber pelo meu aparato sensorial, os órgãos dos sentidos, como daquilo que não está dentro da perspectiva do sensorial, como são os processos psíquicos, processo emocionais-afetivos. Ela pode estar sendo um processo natural, saudável, do fluxo da vida, quanto dentro da perspectiva do nocivo. Mas também pode ser um sinal de que está acontecendo alguma coisa nociva. O que é uma desintegração natural por exemplo, dentro de uma perspectiva concreta, material? Uma coisa bem simples. A pulsão de morte, quando ela é projetada no mundo externo, ela se transforma em pulsão de destruição, segundo Freud. Um alimento que você põe na boca e você precisa tritura-lo, desintegrá-lo, para que você possa se alimentar dele. Imagina que você não consiga destruir o alimento que você está ingerindo, como é que você pode preservar a sua vida na alimentação? Não tem como. Então, você precisa destruir para preservar a vida. No nível emocional-afetivo, quando você, por acaso está num ambiente nocivo, tóxico e você se desliga daquele ambiente tóxico, internamente, emocionalmente, afetivamente, você se desliga dali, se coloca numa imaginação do futuro, ou numa lembrança, numa recordação do passado, você desintegrou-se naquele momento. Você não está mais conectada com o presente, porque o presente está sendo muito pesado e nocivo. Quando eu estou, por exemplo num relacionamento tóxico, é importante que eu me separe dessa pessoa. Houve aí, uma ação da pulsão de morte, para preservar a vida. Vamos usar um outro exemplo um pouco mais material e mais individual. O sujeito por exemplo está com uma trombose ele precisa. Então, amputar aquela parte do corpo para que ele continue vivo. Esses dois conceitos de pulsão de vida e porção de morte, e a pulsão de morte na sua extensão da pulsão de destruição, estão sempre envolvidos, um no outro, inseparáveis. O próprio sujeito que tem uma predominância psicótica da mente, por exemplo, a desintegração que acontece ali, muitas vezes, é uma defesa para que ele continue funcionando com certa harmonia, apesar da sua configuração da predominância psicótica. No neurótico também, muitas vezes, para evitar um surto, ele desintegra, ele engana a si mesmo, ele ilude a si mesmo. O próprio processo de quimioterapia, ou até a radioterapia, tem características da pulsão de morte. Então, um processo de cura tem características da pulsão de morte. Por que que tem características a pulsão de morte? Porque o sujeito submetido a quimioterapia ou a radioterapia, que são as terapias aplicadas para pacientes com câncer, oncológicos, a ação desse tipo de terapia faz com que o corpo solte a pele, solte o cabelo, solte as partes que talvez não sejam fundamentais para a vida prosseguir o fluxo. Para que ele possa restabelecer a saúde, porque junto com isso o câncer também solta do corpo. Existe aí, uma fragmentação, existe em uma desintegração, uma cota de desintegração no processo quimioterápico, ou radioterápico, que é justamente aquilo que vai promover o restabelecimento da saúde. A pulsão de vida e pulsão de morte é uma coisa e libido do ego e libido o objetal são outras conceitualizações. Enquanto a pulsão de vida é aquilo que liga e a pulsão de morte é aquilo que separa, a libido do ego, a libido narcísica é quando a libido está voltada para o ego, ou seja, quando o sujeito está alto erotizado e a pulsão objetal é quando o sujeito está com a libido voltada para o outro. Quando ele perde o outro, ele perde o objeto externo, ele volta a libido para o ego. Ele introjeta aquela libido, aquele interesse, que estava no outro, para um interesse que está em si mesmo. O próprio Freud, coloca lá, SOBRE O NARCISISMO UMA INTRODUÇÃO, 1914. Ele disse que assim, o narcisismo é uma forma para não adoecer. Teve aí, uma ação da pulsão de morte, uma separação do outro e reintrojeta essa libido para o eu, numa tentativa de não adoecer, ou seja, numa autopreservação. Mas ele vai precisar, em última instância, voltar a amar o outro, porque senão, aí ele vai definitivamente cair doente. Quando a Melanie Klein propõe a posição esquizoparanóide, ela não está necessariamente propondo uma forma de funcionar patológica, mas ela está propondo uma forma de funcionar primitiva, a princípio e como todo o funcionamento emocional-afetivo, funciona a partir da expansão do crescimento, até naquilo que a gente propõe de espiral o progressiva, nas voltas que vão se alargando, no desenvolvimento emocional-afetivo, quando o sujeito cristaliza, numa forma de funcionar, aí sim, começa a gerar uma configuração patológica. Mas a princípio, existe ali, uma posição primitiva e não patológica. Da mesma forma, pulsão de morte não é patológica. Da mesma forma, desintegração não é patológica, mas ela passa a ser patológica na medida em que se cristaliza, se engessa, se repete sem que possa crescer e expandir. O bebê funciona de maneira esquizo, cindida, na realidade afastando o prazeroso do desprazeroso, justamente para preservar o seu funcionamento. É a única forma que ele dá conta de funcionar. Separando a mãe que vem e nutre, e satisfaz, da mãe que priva e deixa ele sem o leite, sem a satisfação por não conseguir unir essas duas mães numa mãe total. Ele divide para manter o funcionamento. Fazemos da mesma forma ainda hoje, enquanto adultos. A miúde fazemos isso. Vira e mexe fazemos essa coisa de separar o bom do ruim. Esta fragmentação é, mais uma vez, uma manifestação da preservação da vida. É uma manifestação da pulsão de morte, mas tendo implícito a preservação da vida. Percebe, como é complexo isso? Percebe como é difícil de entender? Por mais que faça sentido. Pulsão de morte e punção de vida, sempre juntas, sempre implicadas uma na outra. Então, o bebê, por não ter ainda um ego estruturado o suficiente para que ele possa tolerar os desconfortos, ele passa a sentir e vai usar o mecanismo de defesa que a Melanie Klein chamou de identificação projetiva. Ele vai projetar esse desconforto no mundo externo. Eu projeto desconforto no outro e começo a me relacionar com o outro, não pelo que o outro realmente está sendo, mas por aquilo que eu projetei nele e isso essencialmente acontece com o sujeito que não é capaz de se responsabilizar. Quando eu não sou capaz de me responsabilizar eu projeto isso no outro, mas isso gera persecutoriedade, por isso é esquizo-paranoide. Existe aí, uma paranoia envolvida. Se o mau está no outro eu fico com medo do outro. Este mecanismo essencialmente é usado para evitar o sofrimento. Mas o sofrimento que vai trazer a expansão a integração, implica em sofrimento, em desconforto. Integrar-se é desconfortável! Muitas vezes, na clínica, a gente tem essa confusão. Integrar-se então, deve ser uma coisa gostosa! Estar integrado deve ser uma coisa prazerosa! Não! Estar integrado é extremamente desconfortável. O prazeroso é desintegração, o prazeroso é ter o bom separado do ruim. Do jeito que ele está, desintegrado, tem uma série de benefícios. O que é desintegração? É quando uma parte da personalidade não está de acordo com a outra. Uma parte quer ir para um lado e outra parte diz que é do outro lado. Esta configuração é extremamente confortável, porque ora eu estou olhando para cá e ora eu estou olhando para lá. E por mais que essas duas partes, muitas vezes possam ter conflitos, ainda assim, eu tenho essa mobilidade de escolha. Uma hora eu olho para cá e acho que isso daqui é o certo, outra hora eu olho para lá e penso que aquilo é o certo. A desintegração é sinistramente confortável! Quando a gente propicia um ambiente que traz a integração, isso causa um desconforto muito grande, porque o sujeito passa a perceber que na realidade não tem dois caminhos. O caminho é um só! A realidade é uma só! A verdade é uma só! E aí, ele precisa passar a perceber isso, ele precisa passar reconhecer esta realidade ele precisa passar aprender a respeitar essa realidade e acima de tudo, aprender a se responsabilizar por esse caminho que ele passa a percorrer. E isso é desconfortável, isso traz para ele a realidade de que não existe escolha para o sujeito que está de acordo com a realidade. A vida não é feita de escolhas, a vida é feita da realidade. A escolha é uma grande ilusão do sujeito, mas a ilusão é prazerosa, mas ainda assim, a verdade é soberana. A psicoterapia é desconfortável, a psicoterapia que não é desconfortável a gente precisa rever isso aí, porque uma psicoterapia que está sendo real, que está sendo bem sucedida, propicia a integração e a integração é desconfortável. Então, quando a psicoterapia não está sendo desconfortável, não está sendo bem sucedida. É por isso que é importante que o sujeito tenha aquilo que a gente chama de analisabilidade, requer um nível de tolerância à frustração pré-psicoterapia para que ele possa tolerar o processo desconfortável da psicoterapia. Muitas vezes o processo de psicoterapia quando ele não está sendo bem sucedido, ele faz um desserviço à integração, ele desintegra muito mais o paciente do que integra. Quando a Melanie Klein propõe a evolução da posição esquizoparanoide para a posição depressiva, a palavra já revela o sofrimento. A posição é depressiva, a configuração depressiva. É desconfortável porque envolve a culpa, porque envolve o sentimento de pesar, o sentimento de ter espoliado, de ter danificado o objeto do qual se depende. Na medida em que o sujeito consegue tolerar esse sentimento de culpa, ele vai aos pouquinhos, percebendo, reconhecendo, aprendendo a respeitar, esse sentimento de culpa, até que esse sentimento de culpa possa amadurecer para a responsabilização. Na medida em que ele se responsabiliza pelas suas experiências, não tem mais culpa e aí se elabora a posição depressiva. A elaboração da posição esquizoparanoide culmina na posição depressiva. A elaboração da posição depressiva culmina na responsabilização. Se a vida está seguindo o seu fluxo, não existe uma desintegração completa do ego, mas parcial, em cotas. A desintegração saudável é uma desintegração transitória. Precisa ser transitória, tem um período ela. Precisa ser conduzida para a integração, para ser saudável. Quando ela se instala como algo engessado e cristalizado, ela é patológica. O mecanismo de defesa do bebê é cisão, ele cinde e projeta, porque não é capaz de reprimir e segurar. O amor da mãe é a essência da integração. Só o amor da mãe é a essência da integração? Não! O limite reconhecido através da figura paterna também. Não existe integração sem reconhecimento do limite. O reconhecimento do limite é fator da função de integração. O amor integra e o limite traz a forma. Então, existe um limite para a integração. Nada pode ser integrado, se não tiver um limite.

DESINTEGRAÇÃO NA NEUROSE 

Como é que funciona o mecanismo de repressão num neurótico? Ele vive uma experiência desconfortável e ele reprime essa experiência. O que é reprimir uma experiência? É negar que essa experiência ocorreu, negar para si mesmo e esconder de si mesmo, mas ao reprimir ele desenvolve automaticamente um sintoma. Essa experiência com um objeto que foi reprimida vai criar um substitutivo. Eleger um objeto substitutivo dentro da formação sintomática e aí, o Freud vai dizer: “toda repressão advém de uma perversão”. Um desejo perverso reprimido se transforma em um sintoma neurótico. Desejou-se alguma coisa de uma forma proibida, ou de uma forma perversa, reprimiu-se esse desejo, por ser proibido e desenvolve-se então um sintoma, de alguma forma aceitável socialmente, mas ainda assim, patológico. Também no neurótico existe uma desintegração. Também no neurótico existe uma divisão do eu. Quando eu reprimo não quer dizer que esse desejo deixou de existir, ele continua existindo, mas agora separado do eu. Eu não sou capaz de me responsabilizar por isso, por mais que ainda deseje, mas eu escondo de mim mesmo que eu desejo isso, através da repressão. Também o sintoma neurótico é desenvolvido para que o sujeito possa continuar funcionando. Ele desenvolve esse sintoma, esse objeto substitutivo, para continuar funcionando. Já no sujeito que tem a predominância do desligamento com a realidade, ocorre certa desintegração psicótica. E aí, é importante a gente se lembrar que nós estamos falando de um sujeito que tem a predominância da parte neurótica e outro sujeito que tem a predominância da parte psicótica. Todos nós temos partes neuróticas, partes psicóticas, partes saudáveis... Nenhum de nós está isento de cotas dessas partes. Mas um sujeito que tem a predominância da parte neurótica vai usar o mecanismo de repressão, vai usar mais um mecanismo de repressão. Ele também vai usar mecanismo de cisão, mas ele vai predominantemente, usar o mecanismo de repressão. O sujeito que tem a sua parte psicótica predominante, por sua vez, vai usar mais um o mecanismo de cisão. O mecanismo de identificação projetiva, porque o seu ego não é suficientemente estruturado para que ele possa usar mais o mecanismo de repressão. Para que o sujeito possa se utilizar no mecanismo de defesa de depressão, ele precisa tolerar a tensão que é gerada nesse mecanismo, ou seja, um conflito constante, onde uma parte deseja alguma coisa e outra parte reprime esta outra coisa. Quando existe uma desintegração persistente, essa desintegração está denunciando um possível colapso emocional. O que é um colapso emocional? Um surto, por exemplo. E o surto tanto pode ser externo, quanto o interno. Ele tanto pode ser para fora, quanto para dentro. Um surto de ansiedade, ou um surto de angústia.

PREJUÍZO NA DESINTEGRAÇÃO

A questão fundamental! Quando o sujeito está desintegrado, existe dois prejuízos básicos. O primeiro é que ele fica limitado a usar a sua energia parcialmente, porque uma parte vai para um lugar e outra parte vai para o outro lugar, por conta da desintegração. E um posterior prejuízo é porque persistindo essa desintegração, uma parte se volta contra a outra. Isso causa uma fadiga emocional enorme. Muitas vezes, sem o sujeito de dar conta disso.

DESINTEGRAÇÃO  SOCIAL

Se a desintegração persistente, denuncia uma eminência de colapso no sujeito. Também na sociedade é assim. Quando a sociedade começa a se desintegrar, a se fragmentar de alguma forma, criando classes é porque isso está denunciando um colapso, é porque a coisa não está funcionando de maneira saudável. Quando a sociedade começa a se desintegrar, seja por pela cor da pele, seja pela orientação sexual, pelo sexo, ou seja, pelo que for, quando existe essa desintegração e a gente perde a noção de que todos nós somos humanos, nós estamos aí num eminente colapso. Esta sociedade, antes foi construída por sujeitos que também estão desintegrados. Quando o sujeito desrespeita ao outro, por qualquer que seja a característica do outro, ele antes de desrespeitou a si mesmo. Porque não foi respeitado pelos seus pais, não aprendeu a se respeitar e agora não consegue respeitar ninguém mais. Desrespeita a um negro, desrespeita um branco, desrespeita um japonês, um homossexual, ou seja, lá quem for. O sujeito quando desrespeito o outro por conta da sua orientação sexual, ou por conta do seu tom de pele, ele não deixa de desrespeitar todos os outros.

PSICOTERAPIA E INTEGRAÇÃO

O processo psicoterapêutico é por si só um recurso por excelência, para a integração do sujeito. Sem que precise se desenvolver técnicas específicas para isso. A psicoterapia já é, por si só, um processo que propicia a integração.

sexta-feira, 21 de julho de 2023

SOBRE O CUIDADO COM QUEM NÃO PRODUZ – Prof. Renato Dias Martino


Um adulto infantilizado é justamente aquele adulto que não pôde ser criança no tempo adequado, não pode viver a inocência, não pode viver todo o lúdico das ilusões do universo infantil. E o que acontece é que ele estende essa infantilidade para a vida adulta e se torna um adulto imaturo. Quando a criança faz um rabisco e mostra para a mãe, ela precisa ser reconhecida, não porque ela está sendo elogiada, ou bajulada, ou está sendo iludida, mas porque, aquele rabisco para uma criança, é realmente muito bom. Então, ela precisa ser reconhecida por conta daquele desenho. Hoje em dia, ela só é aprovada quando ela consegue suprir o pedagógico de uma escolinha de crianças de dois, três, quatro anos de idade. Ela precisa cumprir um currículo para que ela possa ser produtiva o quanto antes. Para que ela não dê mais trabalho para as pessoas e comece a produzir. A autoestima é a base e o problema da sociedade contemporânea é justamente isso, as crianças não foram amadas adequadamente, não aprenderam a se amar e não conseguem amar a ninguém mais. Elas não tiveram a atenção necessária, no momento adequado. As crianças são terceirizadas muito cedo, deixadas na mão de estranhos muito cedo. Ninguém tolera mais, ninguém tenha paciência com criança e nem com idoso. Porque, se o sujeito não puder trazer um benefício ele não tem a mínima consideração na sociedade contemporânea.


domingo, 2 de julho de 2023

REFLEXÕES SOBRE O EGO - Prof. Renato Dias Martino


É a ideia de ego segundo a psicanálise e perpassando por aquilo que eu consegui absorver da psicanálise. Dois pensadores me orientam enquanto ideia de ego. Primeiro é o Freud que é aquele que iniciou essa formulação chamada psicanálise, o segundo nome é Melanie Klein que trouxe uma possibilidade de expansão no entendimento do que a gente chama de ego. Vou tentar sintetizar, vou tentar ser sucinto, apesar de ser um tema extremamente expansivo. Cada coisa que você fala sobre o ego vai te suscitar mais algumas outras. Freud trouxe a ideia de ego como sendo o centro do aparelho psíquico estrutural. Ele tem uma visão estrutural do aparelho psíquico e o ego seria o centro disso, seria o núcleo disso e vai trazer duas outras instâncias estruturais para a gente pensar ele vai trazer o “id” que é fonte das necessidades, a fonte da libido, a fonte daquilo que é mais primitivo. E o superego, que seria um “ideal de eu”, ou seria alguma coisa que o sujeito deveria ser. No meio dessas duas coisas, estaria o ego. Para o Freud, o ego seria uma transformação do id. Cada experiência do id que pudesse ser passada pelo processo secundário, que ele vai chamar de “princípio da realidade”, ou seja, da possibilidade de filtrar esta necessidade, essa vontade do id, pela realidade, passaria ser ego, dentro da possibilidade do desenvolvimento da tolerância às frustrações, aquilo que um dia foi id, passou a ser ego. Para Freud, não existe ego no início da vida, já para Melanie Klein, existe um ego, por mais que seja um ego ínfimo, mais já existe ali um protótipo do que a gente vai chamar de ego. Para Melanie Klein, o ego seria alimentado por experiências do id que puderam ser passadas pelo teste da realidade. Então, existe essa diferença numa precocidade no que é ego. Para Melanie Klein, pelo fato da Melanie Klein ter sido mãe, ela teve experiências com o bebê de uma maneira que o Freud não teve. Então, talvez ela tenha maior propriedade para dizer sobre isso do que o Freud. Segundo um ponto de vista simplificado, ou do senso comum, do que é falado aí, de maneira coloquial, ego seria alguma coisa da qual nós precisaríamos evitar, para psicanálise não, para psicanálise ego é a parte organizada da mente e a parte organizadora da mente. Não se cria vínculos que não seja via ego. Ego é quase um sinônimo de autoestima, claro que salvo algumas características aí, que vão destoar de uma coisa para outra. No entanto, a base é assim, o quanto eu sou capaz de me amar a mim mesmo, reconhecer a mim mesmo, confiar em mim mesmo, acreditarem em mim mesmo. Se a gente pudesse acessar aí, as formulações religiosas, por exemplo, dentro do cristianismo, Cristo coloca dois grandes mandamentos, não é? “Amar a Deus sobre todas as coisas e ao outro como a ti mesmo.” Se isso é verdade, eu preciso amar a mim mesmo, para que eu possa amar o outro, logo, eu preciso que meu ego esteja muito bem estruturado, para que eu possa estender esse amor ao outro. O sujeito que não tem um ego bem estruturado, não é capaz de amar o outro. E aí, o primeiro mandamento, segundo o grande filósofo Jesus Cristo, “Amar a Deus sobre todas as coisas”, a gente pode substituir a palavra Deus por realidade, realidade última, o todo, o todo poderoso, que é justamente a realidade da qual o ego terá que se submeter para que possa ser estruturado. quando ego está bem estruturado, é porque ele conseguiu passar de uma forma de ligação por identificação, onde o eu e o outro não se diferenciam, para uma outra forma de relacionamento que o Freud vai chamar de ligação objetal, onde o outro é reconhecido como outro, efetivamente e não como parte do meu desejo, ou parte de mim mesmo. Entender o ego, e isso sobretudo dentro da contribuição da Melanie Klein 1935, e ela traz um texto muito importante, que ela vai ela vai falar sobre a importância dos símbolos na estruturação do ego, o ego segundo a psicanálise é a parte do aparelho psíquico que é construído e se nutre a partir da possibilidade de simbolização. O que é simbolização? São experiências das quais você consegue internalizar a imagem do outro e a partir daí, tolerar a ausência física do outro. Então, o ego é constituído por experiências de desapego, por experiências de luto, por experiências bem sucedidas de perdas. Quanto maior for a capacidade do sujeito de se desapegar, maior será a estruturação do seu ego e vice-versa. O ego se nutre disso. Quanto mais bem estruturado ego for, mais o sujeito vai tolerar frustrações, vai ser capaz de viver lutos e vai ser capaz de se desapegar. Diferente do senso comum, que traz a ideia de que o ego é a central de alguma coisa extremamente possessiva e não é isso. O ego é uma parte constituinte da personalidade do sujeito. O ego passa a ser um problema quando ele está desintegrado, quando ele está desestruturado, ou quando ele é imaturo. Quando o ego está dentro dessas situações de desintegração, de desestruturação, ou de imaturidade, ele não consegue te responsabilizar por si mesmo e ele acaba sendo refém, tanto das vontades do id, quanto das ordens ou superego, do “ideal de eu”. Eu costumo chamar o ego de “estar sendo”. O teu ego é aquilo que você está sendo e quando você não confia naquilo que você está sendo, o que vai guiar a sua vida é o “deveria ser” que é justamente o “ideal de eu”, ou superego. O ego bem estruturado e nutrido é a base de um bom funcionamento. Eu só posso amar o outro se eu tiver amando a mim mesmo. Agora, é diferente de um ego inflado. O ego inflado, a gente já vai entrar numa outra perspectiva. Um outro pensador muito importante dentro da psicanálise que é o Winnicott, traz a ideia do falso-eu. Então, o ego inflado tem a predominância, preponderância de um falso-eu. Ele existe para impressionar o outro, para satisfazer o outro, para satisfazer o desejo do outro, para que eu possa ser desejado pelo outro. O sujeito que tem um ego muito bem estruturado é um sujeito que é capaz de amar, que é capaz de se doar, que é capaz de compaixão. O que é diferente de um ego inflado, onde o sujeito não tem essas capacidades desenvolvida. Sujeito por exemplo, que tem características egoístas, na realidade, quem comanda ele não é o ego é o super ego, é o “ideal de eu”, que exige que ele tenha isso, tenha aquilo, faça isso, faça aquilo, para que ele possa provar para ele e para os outros que ele é superior e isso não é ego isso é super ego, isso é “ideal de eu”. O egoísta não é regido pelo seu ego, o egoísta não é capaz de se responsabilizar pelo seu ego, mas um egoísta é guiado pelo seu “ideal de eu”. A questão não é se o ego é bom ou ruim, é ou não é isso ou aquilo, o ego é a cabeça, o ego é a cabeça do corpo. É a mesma coisa que você dizer assim: olha a cabeça é ruim? Não, a cabeça não é ruim. Se a cabeça estiver, por exemplo mal cuidada, ela vai apresentar características ruins, agora, o ego é uma parte da estrutura emocional-afetiva, é uma parte da personalidade. Ela não é ruim, nem boa, ela é uma parte daquilo. O problema é qual é qualidade desta parte. Se ela estiver sendo desestruturada o sujeito vai ter características egoístas, agora, se ela tiver bem estruturada esta parte vai ser muito boa. É importante a gente pensar na ordem natural das coisas. A cultura é criada por pessoas egoístas, que por sua vez, foram criadas dentro de lares desestruturados. A ordem natural da coisa é a seguinte: o sujeito não teve o amor necessário dos pais, não teve atenção necessária dos pais, não teve a função materna e a função paterna cumpridas suficientemente bem, ele se torna um sujeito egoísta e este sujeito egoísta vai criar uma cultura egoísta. Não é cultura que transforma o sujeito em um egoísta é o sujeito egoísta que cria uma cultura egoísta. A questão central é quando o sujeito tem uma estruturação desse ego deficitária. Quando essa estruturação foi comprometida muito precocemente, então ele passa a desenvolver uma personalidade egoísta. Passa a desenvolver uma personalidade onde o outro não importa para ele, o que importa é o eu, porque na realidade, na primeira infância era só o outro que importava e não ele. Então, se ele não teve na primeira infância, nos primeiros anos de vida, um olhar que pudesse nutrir o narcisismo primário. Um outro conceito freudiano. Que ele pudesse ser reconhecido nesse mundo como uma coisa mais importante para os pais. Se ele não pode ter isso, a estrutura do ego dele passa a ser comprometida e ele vai desenvolver uma característica egoísta e que dificilmente... Só dentro de uma possibilidade de experiências muito bem sucedidas, ele vai conseguir reparar isso daí. Ele vai conseguir trazer uma possibilidade de restauração no funcionamento saudável da mente. A estruturação do ego independe da capacidade cognitiva. Nós não estamos falando de intelectualidade, nós não estamos falando do nível do saber, nós não estamos falando do conhecimento, nós estamos falando aqui de ser capaz de lidar com as suas emoções e ser capaz de se ligar afetivamente ao outro. Isso não tem a ver com intelectualidade, não tem a ver com conhecimento, não tem a ver com saber, tem a ver com estar sendo. Esta sociedade contemporânea, de pessoas com egos desnutridos desestruturados, empobrecidos, tem o prejuízo de gerar exemplares da espécie humana, que vão estar esparramados, desde o sujeito que rouba o seu celular na rua, até o sujeito que ocupa um cargo muito alto, como por exemplo a presidência da república. Sujeito completamente desestruturado emocionalmente, afetivamente, mas que conseguiu um poder por conta de conhecimentos. Galgar uma posição, às vezes de doutor, ou qualquer outra coisa, mas que tem um ego extremamente desestruturado e não tem a menor capacidade de se doar ao outro, ou de compaixão. Uma sociedade formada por sujeitos que tem seus egos extremamente fragilizados, extremamente mal estruturados, desestruturado, torna uma sociedade de pessoas intolerantes a frustração e ele acaba se tornando um sujeito melindroso, o sujeito que qualquer coisa ofende. E hoje, nós vivemos numa sociedade onde o sujeito que manifesta estar sendo ofendido, ele ganha poder e ele se agrupa com pessoas que também se sentem ofendidas. E aí, o sujeito que supostamente possa ter ofendido vai ser cancelado socialmente, judicialmente prejudicado, ou o punido e por aí afora... O egoísta é um sujeito que tem o ego fragilizado. O egoísta é um sujeito que tem o ego ferido. Quando você tem uma parte do corpo físico ferido, machucado, esta parte passa a ser a parte mais importante na sua atenção. Então, se você tem a mão machucada, ninguém pode tocar nessa tua mão que você faz: Aí! Não mexe na minha mão! Então, o egoísta é da mesma forma. Ele tem o ego machucado, ele tem o ego fragilizado, ele tem o ego desestruturado e a partir daí, o ego para ele á a coisa mais importante e ninguém pode tocar nesse ego, porque ele vai ficar bravo. O ser humano funciona de maneira narcisista. O narcisismo é necessário. O sujeito precisa ter perpassado todas as experiências por si mesmo. Um sujeito precisa ser capaz de amar a si mesmo e respeitar a si mesmo, de confiar em si mesmo, para que ele possa estender isso ao outro. O narcisismo é a base do funcionamento do ser humano e não tem como fugir disso. Um sujeito que não está de bem consigo mesmo, ele não está de bem com ninguém mais. Estamos configurados numa sociedade de egos desestruturados. Porque a contemporaneidade tem a marca de egos empobrecidos, desestruturados, desnutridos? Qual é a causa disso? A causa disso é a incapacidade dos pais de se doarem aos filhos. A incapacidade dos pais de participarem da estruturação do ego desses filhos. A incapacidade desses pais de cuidarem dos seus filhos e por conta disso, terceirizarem o cuidado desse filho a desconhecidos. O ego não se estrutura e vai crescer um sujeito egoísta, um sujeito narcisista, um sujeito que não é capaz de se doar ao outro, porque nunca se doaram a ele. Esta sociedade contemporânea é marcada com pessoas que não tiveram os cuidados necessários na sua primeira infância e cresceram adultos extremamente incapazes de amar, de compaixão de doação. A partir do processo psicoterapêutico, a partir do processo psicanalítico, o sujeito vai viver experiências. E aí, a gente vai chamar isso de experiências emocionais-afetivas que possam promover, ou propiciar reparações no ego que esteja fragmentado, ou esteja desestruturado. Experiências emocionais-afetivas reparadoras vão trazer para o sujeito a possibilidade de restauração do ego, de nutrição do ego, para que ele possa restituir, ou muitas vezes até iniciar um processo de autoestima, de autoamor, de amor próprio, de autoconfiança, de possibilidade de acreditar em si mesmo. O processo psicoterapêutico é, por excelência, uma possibilidade de estruturação do ego, de reestruturação do ego. Quando a gente fala de uma psicanálise contemporânea, a gente está falando, muito mais de uma psicanálise dos vínculos, do que do sujeito. Não praticamos hoje a análise do sujeito, mas nós praticamos hoje a análise do vínculo estabelecido entre analista e paciente. A partir deste vínculo, vai ser criado um novo modelo de relacionamento, que o sujeito, primeiro estabelece com um analista, depois ele projeta isso como um vínculo dele para ele mesmo e a partir daí, ele vai poder estender este vínculo às outras pessoas do seu convívio. O modelo de vínculo que é pautado agora, pelo amor, pelo carinho, pelo acolhimento, pela compaixão, pelo que muitas vezes o paciente não conseguiu desenvolver. Não acredito em possibilidades de reparação, de experiências emocionais e afetivas reparadoras que não tenha o outro, que não incluam vínculo com o outro. A experiência emocional-afetiva reparadora é essencialmente feita através do acolhimento do outro. Eu só aprendo a me auto acolher, a partir da experiência de ter sido acolhido pelo outro e aí, entra uma necessidade enorme de humildade do sujeito de solicitar ajuda e se colocar à disposição de ser acolhido pelo outro. A psicanálise da qual estou dizendo aqui, o processo psicoterapêutico do qual estou tratando aqui, tem a base no acolhimento. Acolher o material trazido pelo paciente, sem submeter aos julgamentos, às críticas, ou por outro lado, bajulações, elogios, ou qualquer coisa nesse sentido. Não só o processo psicoterapêutico pode trazer a possibilidade de experiências emocionais-afetivas reparadoras. Isso é muito importante. Eu sendo psicanalista vou dizer para você que o processo psicoterapêutico é por excelência um recurso para reestruturação do ego, para a estruturação do ego, no entanto, qualquer que seja o vínculo saudável, pode trazer essa possibilidade. Não só o processo psicoterapêutico, mas qualquer que seja o vínculo que possa incluir um sujeito que acolhe o outro. O sujeito que está pronto, capaz de acolher e um sujeito que está disposto a ser acolhido. Esta experiência é emocional e afetivamente reparadora. É porque, senão, a gente começa a falar que é só psicanálise que pode fazer isso e é uma mentira isso. Não é! Eu estou dizendo isso, porque eu sou psicanalista, trabalho como psicanalista há mais de vinte anos e tenho histórias belíssimas para te contar de processos psicoterapêuticos que forneceram essa experiência reparadora, agora, não é só o processo psicoterapêutico que traz isso.







Prof. Renato Dias Martino

Psicoterapeuta e Escritor




Alameda Franca n° 80, Jardim Rosena,

São José Do Rio Preto – SP

Fone: 17- 991910375

prof.renatodiasmartino@gmail.com

http://pensar-seasi-mesmo.blogspot.com/

http://gepa.com.br/

Inscreva-se no canal: https://www.youtube.com/user/viscondeverde/videos