terça-feira, 29 de outubro de 2019

Bate Papo - O FASCÍNIO DO CORINGA


Por que mesmo sendo um vilão assassino, 
o Coringa é capaz de despertar tanto fascínio? 
O personagem já atraiu milhões de pessoas aos cinemas 
e é um dos assuntos mais falados nas redes sociais. 
Nesta terça-feira, 29, o Diário traz a psicóloga Karina Younan 
e o psicoterapeuta Renato Dias Martino 
para um bate-papo sobre o assunto.

Com apresentação do jornalista Rogério Castro, 
a live começa às 11h, com transmissão pelo Facebook do Diário. 
Participe enviando comentários!



sábado, 26 de outubro de 2019

O CORINGA EM CADA UM DE NÓS


Segundo prega as normas do bom procedimento, aquele que comete um ato delituoso e se arrepende disso, ou ainda se submete à certa punição proposta pela lei é então digno de ser perdoado. Somos cobrados por perdoar. Desde pequenos, nos ensinam que perdoar é uma atitude nobre. E que aquele que tem bom coração deve perdoar. Mas, quem tem culpa de que? 
Na obra cinematográfica CORINGA (2019), dirigida por Todd Phillips, fica escancarado o fato de que quando condenamos o fazemos em relação a aquele do qual não podemos ter consciência da história de vida. Quando condenamos alguém por algum ato violento ou criminoso, o fazemos sem o menor conhecimento da configuração que o conduziu para a ação condenável, sem que pudesse ter a menor escolha.
O criminoso também é uma vítima. Vítima daquilo que o antecedeu e o impeliu para o lugar de delinquente.  Somos arrastados para um caminho do qual não temos escolha, e que na melhor das hipóteses podemos reconhecê-lo e nos responsabilizar por isso. Podemos adiar esse reconhecimento e nos iludir com um suposto livre arbítrio, no entanto o caminho estará lá independente do nosso desejo, enquanto insistimos em evitar o reconhecimento.
Isso expõe outra ideia muito popular que nos ensinam. Somos orientados desde criança que a vida é feita de escolhas; que temos poder para escolher o rumo que pode tomar nossa vida. Não, não podemos escolher. Quem faz isso por nós é nosso inconsciente e Sigmund Freud (1856 – 1939) nos ensinou isso com muita propriedade, muito bem orientado por Arthur Schopenhauer (1788-1860), que muito antes (1819) já nos advertia para o fato de que somos movidos pela vontade e que essa vontade que nos move não pode ser conhecida. A vontade é inconsciente e não esta e nunca estará disponível ao conhecimento. O destino de nossas vidas é determinado por inúmeros fatores, que vão desde o pensamento que nos antecedeu influenciando nosso caminho, assim como nos orientou Wilfred Bion (1897 – 1979), até a configuração do ambiente, que pode nos acolher, propiciando um destino profícuo; ou que, por outro lado, possa nos deixar desamparados e vulneráveis às ameaças que podem vir tanto de nós mesmos quanto do outro.  Ainda assim, corre-se o risco de colocar o personagem Arthur Fleck (Joaquin Phoenix) como um caso isolado, numa obra fantástica distante da realidade. Mero engano!Nosso tempo está repleto de "Coringas". Na fila da padaria, na repartição do serviço público, na casa do vizinho e finalmente dentro de cada um de nós.
Sim! Cada um de nós tem uma cota psicótica em nossa personalidade e Bion nos propôs isso em sua obra DIFERENCIAÇÃO ENTRE A PERSONALIDADE PSICÓTICA E A PERSONALIDADE NÃO-PSICÓTICA,  originalmente publicado em 1957. “Enquanto para Freud cada um de nós tem sua parte neurótica, Bion contribui com a ideia da parte psicótica da personalidade. Certa cota psicótica que convive lado a lado com partes saudáveis e também as neuróticas.”. (Martino, em O LIVRO DO DESAPEGO, 2015).
Bion propõem que mesmo o paciente diagnosticado psicótico também contém uma parte não psicótica na personalidade, que coexiste escondida. Na realidade, cada um de nós tem uma cota de cada característica inerente ao ser humano. 
Somos vítimas do descaso, do menosprezo, da exclusão, sempre que não estamos convenientemente dispostos a servir ao desejo do outro. E não é surpresa se nos percebermos nos auto-menosprezando, quando não formos capazes de atingir nossas próprias expectativas. O filme traz à tona as consequências da falha nas funções fundamentais, no seio do lar. Quando as funções maternas e paternas não conseguem ser suficientemente cumpridas, arremessam o sujeito aos caprichos das normas da sociedade. Tornando-o um palhaço que implora por aplausos de uma platéia impiedosa e exigente, que nunca fica satisfeita.



BION, W.R.(1957) DIFERENCIAÇÃO ENTRE A PERSONALIDADE PSICÓTICA E A PERSONALIDADE NÃO-PSICÓTICA. In: BION, W. R. ESTUDOS PSICANALÍTICOS REVISADOS. Rio de Janeiro: Imago 1994.
MARTINO, Renato Dias. O LIVRO DO DESAPEGO – 1ª ed. São José do Rio Preto, SP: Vitrine Literária Editora, 2015.
SCHOPENHAUER, Arthur.O MUNDO COMO VONTADE E COMO REPRESENTAÇÃO. Tradução de Jair Barboza. São Paulo: UNESP, 2005/1819.




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quinta-feira, 17 de outubro de 2019

O DESEJO QUE CEGA E A FERA NA JAULA EM “U”

O desejo que move o humano em direção às coisas do mundo é mesmo desejo que o cega para as possibilidades assim como obstrui o caminho para o reconhecimento da realidade, que se configura independente de suas expectativas. Expectativas que podem se manifestar tanto como vontade quanto como desejo. A vontade, assim como bem nos orientou Arthur Schopenhauer (1788-1860) em sua obra O MUNDO COMO VONTADE E COMO REPRESENTAÇÃO publicada em 1819, é inerente ao corpo, única forma de ser parcialmente conhecida. 


“Não conheço minha vontade na sua totalidade; não a conheço na sua unidade mais do que a conheço perfeitamente na sua essência; ela apenas me aparece nos seus atos isolados, por consequência no tempo, que é a forma fenomenal do meu corpo, como de todo objeto: além disso, o meu corpo é a condição do conhecimento da minha vontade.” (SCHOPENHAUER, 1819).

Sendo assim, a “vontade” é referente à necessidades básicas, instintivas sobre a qual o que se pode fazer é somente se aprender a adiá-las para que haja melhor adequação da satisfação. Já o “desejo” é uma formação da vontade contaminada pela influência externa. “No humano esse desejo (necessidade) se mistura com resquícios de experiências malsucedidas do desenvolvimento emocional, que se iniciam numa expectativa inata do encontro com o outro.”. (Martino, 2015).
Enquanto a vontade se manifesta em cada criatura desse mundo, o desejo parece ser próprio do humano que é diretamente influenciado pelo outro humano. Quanto a isso Wilfred Bion (1897 – 1979) nos alerta revelando que “Os desejos distorcem o julgamento através da seleção e supressão de material a ser julgado.” (Bion, 1967). Bem, diferente da vontade, que na melhor das hipóteses pode ser adiada, o desejo pode ser renunciado e a ampliação dessa ordem de renuncias nos coloca em acordo com a realidade.
Numa cruel experiência, pesquisadores puderam revelar o poder destruidor da vontade. Foi colocado um tigre faminto, que havia sido privado de se alimentar por vários dias, numa jaula em formato de “u”. Uma farta peça de carne fresca foi disposta bem em frente ao painel frontal da jaula. Contudo, o suculento pernil de cordeiro teria sido arranjado de uma forma onde a esfomeada criatura não pudesse alcançar. Mas, ainda assim, a parte de carne se encontrava próxima o bastante para que a fera se esmagasse, insistindo em investir repetidas vezes contra a grade, na tentativa de agarrar o objeto que saciaria sua avassaladora vontade. 
No polo oposto de onde se encontrava a porção de carne existia uma extensa abertura. Nos fundos do confinamento, uma larga abertura dava à grade o formato da letra “u”. Porém, tão sedenta pela refeição a fera não conseguia sequer olhar para trás e perceber que a jaula estava aberta às suas costas. Diferente disso o tigre mantinha-se se esticando, e debilmente persistindo em seu alvo. Sua condição de privação o deixou sem poder tolerar o mínimo necessário para enxergar a saída que estava no caminho oposto de sua desesperada vontade.
Essa fictícia metáfora sugere a satisfação da necessidade de nutrição representada pela fome do tigre. Ele teria sido obrigado a ficar sem se alimentar por longo período e isso gerou nele uma cegueira para tudo que não fosse seu objeto de satisfação. Pensemos então na situação da privação do olhar reconhecedor, na impossibilidade de satisfação da necessidade de reconhecimento. Enquanto o corpo necessita de comida, a personalidade precisa de reconhecimento através do amor e da verdade. Quando somos reconhecidos pelo olhar sincero e amoroso do outro, construímos, nesses mesmos moldes a noção de verdadeiro eu, e o eu se nutre disso.
Viver em condição de privação do olhar reconhecedor tem consequências análogas. Uma personalidade desnutrida e por conta disso intolerante, torna-se incapaz de refletir possibilidades e estabelecer um acordo com a realidade. Incide a intransigência impedindo o olhar para qualquer outra direção que não seja a aprovação do outro.  A arrogância talvez seja a característica mais marcante do empobrecido da personalidade que mostra especial rigidez nas ideias, sendo que a inflexibilidade impede qualquer chance de aprender com as experiências.



BION, W.R. (1967) NOTAS SOBRE MEMÓRIA E DESEJO. In Melanie Klein Hoje. Vol. 2, trad. B. P. Haber. Rio: Imago, 1990.
MARTINO, Renato Dias.O LIVRO DO DESAPEGO – 1ª ed. São José do Rio Preto, SP: Vitrine Literária Editora, 2015.
SCHOPENHAUER, A. (1819) O mundo como vontade e representação. Rio de Janeiro: Contraponto, 2001. 









Fone: 17- 991910375

terça-feira, 1 de outubro de 2019

ORIENTAÇÕES AO JOVEM PSICOTERAPEUTA II - Prof. Renato Dias Martino



Olá pessoal! Tudo bem? Esse é o segundo vídeo da série ORIENTAÇÕES AO JOVEM PSICOTERAPEUTA.
Gostaria de trazer pra vocês hoje algumas recomendações que partem da teoria, das propostas de Wilfred Bion (1897-1979), que são de fundamental importância na prática clínica.

Em sua obra ATENÇÃO E INTERPRETAÇÃO de 1970, Bion chama a atenção do analista para a necessidade do maior rebaixamento possível no apoio que possa ter nos dados armazenados na memória.
Bion recomenda também a maior renuncia possível dos desejos e das expectativas e com isso, o maior desprendimento que se consiga de tudo que se tenha conhecimento até então.
Seu paciente não precisa que você se lembre de nada sobre ele. Na realidade, isso é nocivo ao processo psicoterapêutico.
Quando você se lembra de informações sobre seu paciente, de alguma forma, você o impede ele se desapegar daquilo que já passou.
A base da neurose é o apego pelo passado. Isso dificulta a situação para que ele possa ser uma nova pessoa, quando na realidade ele é, só necessitando ser reconhecido dessa forma.
Nós, na realidade, estamos nos transformando o tempo todo e um fator que obstrui esse processo natural de transformação é justamente o desejo do outro de que a gente continue sendo aquele que nós fomos.
Seu desejo é danoso para o paciente, e na verdade é para você também, no caso de não conseguir renunciá-lo.
Quando você deseja para seu paciente ele fica impedido de reconhecer e se responsabilizar por seu próprio desejo.
Além do mais, quando estamos presos em nossos desejos, ficamos obstruídos de estarmos de acordo com a realidade, que existe independente das nossas expectativas.
Quanto ao que você tem conhecimento, cada paciente é único, portanto, diferente de você e diferente de todos os pacientes você tenha atendido.
Seu paciente também não está em nenhum livro que você tenha estudado.
Se existe alguém que possa te ajudar com seu paciente é ele mesmo.
A ânsia por querer entender seu paciente pode obstruir a possibilidade de reconhecer quem ele está sendo realmente e isso é, antes de tudo, um grande desrespeito.
Aliás, o respeito é a base de qualquer que seja o vínculo saudável e não pode ser diferente no vínculo psicoterapêutico. O respeito deve se fazer presente mesmo quando não se consiga entender.
Bom, pessoal, por hoje é isso. Até a próxima! Gratidão.

Prof. Renato Dias Martino é psicoterapeuta, atuante na clínica da psicanálise na cidade de São José do Rio Preto, estado de São Paulo.
É escritor das obras "PARA ALÉM DA CLÍNICA" (2011), “PRIMEIROS PASSOS RUMO À PSICANÁLISE” (2012), “O AMOR E A EXPANSÃO DO PENSAR: Das perspectivas dos vínculos no desenvolvimento da capacidade reflexiva” (2013), “O LIVRO DO DESAPEGO” (2015), ACOLHIDA EM PSICOTERAPIA (2018) e DAS PEQUENAS POESIAS (2019).
Entre em contato pelo e-mail prof.renatodiasmartino@gmail.com, ou pelo fone 17 –991910375
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