sábado, 3 de setembro de 2022

DA MORAL À ÉTICA


Logo de início, é importante alertar para o fato de que esse não é um texto que trata do tema da diferenciação do que é moral e o que poderia ser chamado de ética, restrita ao âmbito teórico, mas temos aqui uma tentativa de refletir como essas duas configurações podem se manifestar no funcionamento mental. Tratamos aqui da reflexão de duas características que se manifestam na personalidade, revelando alguns modelos de funcionamento psíquico. Sendo que, esses modelos influenciam desde a vida afetiva e emocional, até a forma como se possa relacionar-se com o mundo material.

De maneira geral, quando tratamos da ideia da moral, falamos de um conjunto de normas que se desdobram em costumes e até mesmo em formas de pensar, aplicáveis, sobretudo, no âmbito do grupo social. Sendo assim, a moral é algo que se aplica estritamente, tendo o outro como demanda. Logo, a moral irá definir o que se deve ou não se deve fazer em sociedade. Se instala como norma da civilização e deve gerir e reger esse universo de maneira geral, unificando e regulando um “modos operantes”, por assim dizer. A palavra vem do Latim MORALIS, “comportamento adequado de uma pessoa em sociedade”, literalmente “relativo às maneiras, ao comportamento”, de MOS, “costumes, maneiras, modo de agir”. Essa normatização de conduta é passada de geração para geração através do processo educativo. A saber, a palavra educar vem do Latim educare, e significa literalmente “conduzir para fora”. “Dentro dessa perspectiva a prática da educação desloca o sujeito de si mesmo indicando o desejo do outro.” (Martino, 2013) A conduta moral parece ser inseparável do medo da punição e na realidade, parece se manter tão somente por conta disso. Isso gera uma forma falsa de conduta, já que é desenvolvido para se defender. 
Por outro lado, enquanto a moral está relacionada às regras de conduta, a ética se ocupa dos princípios que orientam as ações. A palavra ética parece vir do grego ethos, que significa, "hábito", "comportamento", "modo de ser". No entanto, a prática da ética parece ir muito para além da dimensão superficial na forma como o sujeito se comporta, mas diz respeito a experiências mais profundas do funcionamento mental. Ética é algo muito particular e subjetivo, por conta disso, acaba por receber definições distintas, a depender da profundidade da experiência de cada um que tente defini-la. Cada um tem um nível de capacidade no reconhecimento e acordo que se possa ter com a realidade e isso parece definir a extensão da ética de cada um. 

A ética parece estar diretamente subordinada ao respeito. “O respeito é um modelo de vínculo que admite a habilidade de reverência e inclui a capacidade de se relacionar com grande consideração.” (Martino, 2013) Respeito não está ligado à exigência, já que se desenvolve naturalmente e tão somente conforme a maturação emocional afetiva. O conceito de respeito deriva do Latim respectus, particípio passado de respicere, “olhar outra vez”. Do re, “de novo”, mais specere, “olhar”. Sendo assim, respeitar é prestar atenção novamente e a ética está diretamente ligada a capacidade de prestar atenção. Enquanto a moral é filha do medo da punição, a ética é uma expansão da capacidade de amar. 

Prestar atenção é uma forma nobre de amar. A moral leva o sujeito a tratar o outro com educação, para que o outro também o trate assim, já a ética é o ato de respeitar o outro assim como se respeita a si próprio. Da mesma forma, só pode ser capaz de amar o outro, aquele que aprendeu a amar a si próprio. Diferente da moral, que é repassada através da educação, o respeito é aprendido a partir de modelos. Assim como o amor, onde só aprende a amar a si mesmo aquele que foi amado pelo outro, respeita-se a si mesmo somente aquele que foi respeitado e assim, passa a ser capaz de respeitar o outro, também.

A moral é uma característica da instância estrutural da qual Sigmund Freud (1856 – 1939) chamou de superego. Um agente crítico interno que é estruturado por um ideal de eu, que gera um critério do que se deveria ser. “Freud delineia o superego como sendo uma estrutura mental que se nutre da influência crítica dos pais, que é transmitida através da voz, e se estendendo para professores, treinadores, líderes religiosos, chegando até a opinião pública.” (Martino, 2018). Em contrapartida, a ética é um atributo da parte estrutural da mente denominada por Freud de ego.

“Sendo o componente mais organizado na estrutura da personalidade, junto com id, que é o representante das necessidades mais básicas, e o superego, parte da mente que se coloca como juízo censor e crítico, o ego forma o esquema criado por Freud chamado Segunda Tópica da Mente.” (Martino, 2015)

O superego é estruturado através de proibições e critérios de conduta, o que coincide com preceitos morais. Já o ego é estruturado e nutrido através de vínculos afetivos bem sucedidos. Enquanto a moral diz respeito ao que se deveria ser, a ética está ligada a aquilo que se está sendo. 

A única maneira de aprendermos o que é respeito é no convívio com alguém que nos respeite. É assim que aprenderemos nos respeitar e somente dessa forma nos tornaremos capazes de respeitar os outros. Isso configura-se no que chamo aqui de ética. No entanto, podemos ser educados por alguém que não nos respeita, assim passamos a tratarmos o outro com educação, mesmo sem termos respeito por ele. Temos então, a dita moral.


MARTINO, Renato Dias. O amor e a expansão do pensar: das perspectivas dos vínculos no desenvolvimento da capacidade reflexiva, 1. ed. São José do Rio Preto, SP: Vitrine Literária Editora, 2013.

___________________. O LIVRO DO DESAPEGO – 1ª ed. São José do Rio Preto, SP: Vitrine Literária Editora, 2015.

___________________. ACOLHIDA EM PSICOTERAPIA – 1ª ed. São José do Rio Preto, SP: Vitrine Literária Editora, 2018.