quinta-feira, 16 de abril de 2020

SOBRE A SOLIDÃO E A CAPACIDADE DE SE VINCULAR


Nascemos de um mundo recluso e solitário. Ainda que tratemos da geração de gêmeos, por conta da incapacidade do aparato sensorial corroborado pela insuficiência de referências, a solidão coincide com a própria realidade. A vida intrauterina é a expressão da solidão. Mesmo depois de nascido, o bebê vive um grande período onde é incapaz de perceber a existência e reconhecer o outro, a essa forma da psique trabalhar, em 1911, Sigmund Freud (1856 – 1939), dá o nome de processo primário do funcionamento mental.


Ainda que o bebê consiga perceber a existência do outro, mesmo assim terá naturalmente, enorme dificuldade em aderir a esse novo universo, onde a vontade do outro se manifesta.
O narcisismo vivido pelo bebê é solitário, já que nesse sistema, o outro não é mais que um espelho de suas vontades.
No entanto, por mais que venhamos de um universo de solidão, existe em nós uma tendência que nos leva a buscarmos o outro e então nos unirmos a ele. Isso fica evidente pela ação de Eros, o Deus do amor, usado por Sigmund Freud para ilustrar a pulsão de vida, a tendência que tem a função de ligação e que, através do que chamou de libido do objeto, nos impulsiona em direção ao outro.
No entanto, Freud também nos ensinou que, por outro lado existe a pulsão de morte, tendência contraria que através da libido narcisista nos leva a afastarmo-nos do outro e nos voltarmos a nós mesmos. “O objetivo do primeiro desses instintos básicos é estabelecer unidades cada vez maiores e assim preservá-las – em resumo, unir; o objetivo do segundo, pelo contrário, é desfazer conexões e, assim, destruir coisas. (Freud, 1940). Freud, propõe que o instinto destrutivo tem o objetivo final de levar o que é vivo a um estado inorgânico.
“Por essa razão, chamamo-lo também de instinto de morte.” (Freud, 1940). Para Freud a tendência de ligação, da qual chamou de Eros, apareceu na natureza bem depois que a tendência de separação, que poderíamos chamar Thânatos (Deus grego da morte), que busca o retorno do estado anterior. Sendo assim, a manifestação de Eros (ou instinto do amor), representa uma evolução.
“Fazê-lo pressuporia que a substância viva foi outrora uma unidade posteriormente desmembrada e que se esforça no sentido da reunião.” (Freud, 1940). Se essas propostas fazem sentido até aqui, então poderíamos expandir a reflexão no âmbito emocional-afetivo. Esse modelo pode ser aplicado perfeitamente na expansão emocional, onde cada evolução condiz com novas ligações bem sucedidas.
A evolução mental, a partir desse pressuposto, se manifesta na capacidade do sujeito na experiência de se vincular e manter relações afetivas com o outro. A maturidade emocional, na expansão da mente, está diretamente ligada à capacidade de se ligar e conviver com o outro.
É justamente nessa união e não pode ser de outra forma, que passa a ser possível se gerar o novo. Assim como nos orienta Wilfred Bion (1897 – 1979) quando propõe que “A unidade biológica é o casal” (Bion, 1977).
A vida se prolifera a partir do encontro bem sucedido. Antes disso, o amor próprio tem na união com o outro um representante considerável. Amar a si mesmo se manifesta na capacidade de se vincular e conviver junto do outro. 
Contudo, ocorrem entraves e revezes na ordem das experiências de Eros. Se a capacidade de amar a si mesmo traz a possibilidade de desfrute de momentos solitários, úteis na dedicação reflexiva, por outro lado, severas decepções afetivas, agravadas pela incapacidade em tolerar desconfortos, podem levar o sujeito a definitivamente decidir viver sozinho.
Enquanto “ficar sozinho” é uma habilidade nobre, decidir “ser sozinho” é o desdobramento de uma triste incapacidade. Constituir vínculos, assim como a disposição para conviver com o outro é uma capacidade nobre que requer tolerância, deste modo não é acessível a todos. Por conta de experiências malsucedidas, muitas vezes na mais tenra infância, o sujeito pode se convencer que nasceu para viver sozinho. 
A pulsão de morte se manifesta, toma conta do funcionamento e o sujeito desliga o interesse pelas relações (libido objetal) se refugiando num mundo onde não cabe o outro (libido narcisista), assim como vivia no funcionamento mental do processo primário. Numa tendência a retornar a formas anteriores de funcionar, assim como fora a vida intrauterina, onde se encontrava solitário. Portanto, pelo menos na dimensão emocional-afetiva, aquele que repete, de alguma forma tenda a manter-se solitário. 

Bion, W. R. (1992) CONVERSANDO COM BION. Quatro discussões com W. R. Bion (1978). Bion em Nova York e em São Paulo (1977), Rio de janeiro: Imago.
Freud. S. FORMULAÇÕES SOBRE OS DOIS PRINCÍPIOS DO FUNCIONAMENTO MENTAL, (1911), Vol. XII. Rio de janeiro: Imago.
______. A MENTE E O SEU FUNCIONAMENTO, PARTE I, in ESBOÇO DE PSICANÁLISE, (1940), Vol. XXIII. Rio de janeiro: Imago.





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