terça-feira, 28 de novembro de 2023

COGITAÇÕES SOBRE A DESCRIMINALIZAÇÃO DA PRÁTICA DO ABORTO


Não é intuito aqui de julgar quem praticou o aborto, condenar quem praticou, ou punir. Não é nossa função essa, mas é a função refletir sobre isso.

 

HUMANO INCOERENTE

 

 Muito se fala que essa liberação acontece é porque até doze semanas não é uma vida, até então é alegado, para defender a liberação do aborto. No entanto, é muito interessante que, quando o homem encontra uma bactéria, por exemplo e num outro planeta, esta bactéria é uma vida. Uma bactéria no outro planeta é uma vida, um feto com doze semanas não é vida. Incongruente, isso. Outra questão muito interessante é que, se você, por exemplo, mexer num ninho de tartarugas, ou ainda, se você mexer numa muda de algumas espécies de orquídeas raras, você pode ser preso e uma prisão inafiançável. Mas, mexer numa vida no ventre da mãe pode ser liberado. As incoerências dos seres humanas. O sujeito que o boizinho que ele criou desde bezerrinho estava doente e ele gastou um dinheirão e conseguiu um veterinário que por fim conseguiu curar o seu bezerrinho. E aí, ele ficou contente que seu boizinho estava curado e foi comemorar com a sua família numa churrascaria. Este é o ser humano e as suas incoerências.

 

PARADIGMAS

 

Eu não acredito que a lei possa fazer um sujeito melhor. Não acredito que liberar, ou não liberar, o aborto vá fazer pessoas melhores ou piores. O que faz o sujeito melhor, ou pior, são as experiências emocionais-afetivas que ele pode viver. Isso é claro. Agora, quando a gente tem uma instância do governo, uma instância superior, uma instância que tem esta função de administrar as leis de um país que é conivente com o assassinato de crianças no ventre da mãe, aí a gente começa a ter uma configuração muito delicada dentro do âmbito de um caos que vai se instalando e uma permissividade nos estágios de paradigmas que a gente vem assistindo na sociedade se desmoronando. Elementos que são proibidos, que são reprovados, passam a ser tolerados e aos pouquinhos vão sendo negociados, e acabam sendo aceitos. Acabam sendo aprovados por lei. E aí, talvez o próximo passo seja a imposição social disso. A mulher que não abortar, agora vai ser olhada com estranheza pela sociedade. Porque ela permitiu que o filho nascesse e não abortou.

 

ÉTICA, FAMÍLIA E VIDA

 

Levantar a questão da liberação do aborto é, antes de qualquer coisa, um sinal da falência da família. Não existe aborto dentro de uma estruturação saudável da família. Não se cogita viver essa experiência onde há uma mãe suficientemente boa, um pai que seja capaz de cumprir a sua função paterna de maneira saudável, não tem espaço para aborto. Ou seja, onde existe uma família bem estruturada, existe ética. O que que a gente entende como ética? Eu não faço mal para o outro porque eu não faço mal para mim mesmo. Eu faço bem para o outro, eu respeito o outro, porque eu respeito a mim mesmo, eu faço o bem para mim mesmo. Este é o princípio da ética. Mas, faltando a ética, nós ainda temos a chance de nos organizarmos como sociedade pela moral. O que é a moral? Eu não faço mal para o outro, porque eu não quero que o outro faça mal para mim. No entanto, quando a gente vê esse tipo de lei liberando o aborto, a gente está vendo também a falência da moral. E aí, não sobra nada... A família se desestruturou, não posso contar com a ética, as leis se desestruturam, eu não posso contar com a moral... Eu vou contar com o quê?

 

DEPRESSÃO PÓS-ABORTO

 

Uma situação que acontece depois que uma mãe teve o seu bebê que a gente chama de depressão pós-parto. Toda mulher, dentro de uma cota, vai experimentar de certa depressão após o parto. Não só, toda mulher, mas todo ser humano que realiza alguma coisa, sentirá uma depressão pós esta realização. Todas as vezes que você realiza alguma coisa e se responsabiliza por aquilo que você realizou, a sua vida não vai ser mais como era antigamente. Uma mãe nunca mais será como era antigamente. Uma parte dela, uma parte das expectativas, uma parte dos desejos, uma série de elementos que constituíam a sua vida, vão ter que ser renunciados a favor daquela vida que nasce e isso impreterivelmente causa depressão. Existe, então, uma cota de depressão pós-parto em cada mãe e em cada ser humano dentro da perspectiva de filhos que nascem. Não efetivamente o filho biológico que nasceu ali, mas um livro que você escreve, uma realização que você faça... Agora, vocês imaginem como é que deve ser a depressão pós-aborto. Como será a relação dela com ela mesma? Qual é o tamanho do estrago que isso causa no desenvolvimento emocional-afetivo numa mulher e em todas as pessoas que vivem com ela?

 

RENÚNCIA E ABORTO

 

Cada caso é o caso, não é um caso, e precisa ser cuidado e acolhido de maneira cuidadosa, sem comparações, ou tentando generalizá-los. Estamos tratando aqui de uma instância superior que tenta legalizar uma prática de aborto, nós estamos falando aqui de uma configuração social que não é capaz de tolerar desconfortos, que não é capaz de renunciar de desejos e que não é capaz de se responsabilizar por si mesmo. Não é capaz de perceber que, muitas vezes aquele filho que está no ventre desta pessoa pode trazer para ela a possibilidade de crescimento, de aprender com aquela experiência e crescer a partir daquele filho que está nascendo. Mas vê este filho no ventre como uma coisa ruim, que obstruir a sua vida, que vai obstruir a realização dos seus desejos. O filho não é uma vida que está ali sendo gerada e vai nascer, o bebê é uma coisa ruim, que vai obstruir a sua vida. Somos cada vez mais despreparados para renunciarmos dos nossos desejos, para vivermos a vida dentro do seu fluxo natural daquilo que vem e que nos pede a responsabilização.

 

RESPONSABILIDADE DE DOIS

 

Não há como responsabilizar a mulher pelo aborto, porque este filho que está sendo gerado foi fruto do encontro entre um homem e uma mulher e os dois têm responsabilidade para com isso. Existe a responsabilidade de dois naquilo que foi feito em dois.




quarta-feira, 22 de novembro de 2023

ANALISTA REAL, ACOLHIMENTO E TRANSFORMAÇÃO - Prof. Renato Dias Martino



A NEUTRALIDADE E O ANALISTA REAL


O Bion traz a contribuição do analista real. Com isso, cai por terra a ideia da neutralidade. O analista é um ser humano, um ser humano que se entristece, um ser humano que se alegra, um ser humano que fica bravo, que fica nervoso, que ama, que odeia e não é nem um pouco terapêutico querer dissimular a humanidade do analista. Não pode ser terapêutico isso. O paciente precisa ter consciência de que o analista é um ser humano assim como ele. Porque senão, isso gera idealização, gera idolatria e o paciente acredita que o analista é um ser equilibrado, que vive numa esfera superior a ele e isso é uma mentira. É por isso que o analista precisa estar num trabalho constante do tripé analítico. O que é o tripé analítico? É a análise pessoal em dia. Ele precisa estar em dia com a sua análise pessoal. É fundamental, antes de qualquer coisa, para estar praticando a clínica psicanalítica, que ele precisa estar com a sua análise em dia. Precisa ter a chance de, periodicamente submeter os seus atendimentos, os atendimentos que ele esteja fazendo com os seus pacientes, por uma supervisão de um colega mais experiente. E grupos de estudos semanais. Precisa ser grupo de estudo! Leitura sozinho, particular, não funciona. Porque, a sua leitura vai ser seletiva e num grupo de estudo são cogitadas situações que você nunca iria cogitar lendo sozinho. Isso vai qualificar o analista para atender os seus pacientes e vai qualificá-lo também para que ele não precise ficar se escondendo atrás de uma suposta neutralidade e possa ser real, porque ele está cuidando do seu funcionamento.

 

ACOLHIMENTO E TRANSFORMAÇÃO

 

O acolhimento é a base de qualquer psicoterapêutica. A psicoterapia sem acolhimento é uma falácia. E o que eu estou chamando de acolhimento aqui é a relação entre um sujeito que está disposto a ser acolhido e um sujeito que esteja qualificado a acolher. Impreterivelmente, precisa haver a qualificação para acolher e a predisposição a ser acolhido senão não existe acolhimento. Quando esse acolhimento é possível, o sujeito que está inundado de culpa, pode transformar esta culpa em responsabilização. A partir do processo psicoterapêutico do acolhimento, o sujeito vai conseguindo transformar esta culpa em responsabilização. Algo que ele se sentia culpado, ele passa a ser capaz de se responsabilizar por aquilo e isto é libertador. Da mesma forma o sujeito que sente inveja através do acolhimento desta inveja que ele sente pode ser transformado em gratidão o sujeito ele sente inveja e a partir de ser acolhido nessa inveja que ele sente e que ele é capaz de reconhecer que sente ele passa a desenvolver um processo que o levará a sentir gratidão.

 

EXEMPLO DE TRANSFORMAÇÃO: Da Inveja à Gratidão

 

O paciente chega com uma angústia muito grande na clínica. O analista começa a trazer para ele um novo vértice sobre aquilo que está fazendo gerar angústia. E ele percebe que essa angústia começa a apaziguar, começa a diminuir. E o superego dele começa a cobrá-lo, exigir, pelo fato dele não ter conseguido apaziguar a sua angústia por si só e precisou do analista para isso. então, o superego dele diz assim: “como que você não consegue nem cuidar de si mesmo e você precisa do outro para apaziguar a sua angústia?” A partir dessa intervenção superegóica, ele começa a sentir inveja do analista porque o analista consegue trazer para ele uma paz que ele, sozinho não consegue. No entanto, a partir do acolhimento do psicoterapeuta, a partir da intervenção acolhedora deste psicoterapeuta, ele vai conseguindo dissolver esta intervenção superegóica e aprendendo com o psicoterapeuta como é que faz para ele apaziguar as suas angústias, com ele mesmo, aos pouquinhos, devagarinho, dentro do processo do seu próprio tempo. E, a partir daí, ele começa a sentir uma gratidão muito grande pelo psicoterapeuta. Porque ele não só conseguiu apaziguar a sua angústia a partir da intervenção do psicoterapeuta, mas a relação que ele teve com o psicoterapeuta fez com que ele aprendesse como apaziguar as suas próprias angústias. E aí, o que um dia foi inveja se tornou gratidão.

 

TÉCNICA E ACOLHIMENTO

 

O psicoterapeuta que não esteja sendo capaz de acolher, ele vai estudar, ele tentará buscar técnicas mirabolantes para usar com seus pacientes e não vai conseguir nada! Não vai haver avanço algum. Porque o avanço dentro do processo psicoterapêutico só pode se dar através do ato de acolhimento. O psicoterapeuta se qualificar a ser acolhedor daquele que está disponível a ser acolhido. Não existe técnica que possa suprir a incapacidade do psicoterapeuta de acolher e também não existe técnica que possa suprir a incapacidade do paciente de ser acolhido. Se ele não está disponível a ser acolhido, não existe técnica que possa trazer para ele a possibilidade de elaboração, de reparação de expansão. Qualquer que seja a experiência de transformação, dentro do âmbito psicoterapêutico.

 

ELABORAÇÃO

O próprio Freud disse que assim, uma vez que o paciente consiga elaborar as suas questões junto ao analista, ele vai conseguir levar essas elaborações para sua vida cotidiana, nos seus vínculos familiares e de convívio. Todos esses exercícios que a gente faz dentro da clínica psicanalítica, são elaborações exercícios e experiências que vão trazendo a possibilidade de reparação, de crescimento e que posteriormente o paciente vai levar pra sua vida cotidiana.

 

 









Prof. Renato Dias Martino

quinta-feira, 16 de novembro de 2023

INTEGRAÇÃO, DESCONFORTO E TOLERÂNCIA - Prof. Renato Dias Martino



Muitas vezes, quando a gente fala de integração, da personalidade integrada, de da experiência de integração da personalidade, dentro dos processos emocionais e afetivos, a gente tem a impressão de que a gente está falando de um processo que traz uma sensação agradável, quando na realidade é o contrário. Agradável é poder dividir o mundo em bom e mal. Agradável é poder projetar todo o mal em uma coisa e todo o bem em outra coisa. Tudo que é bom numa coisa e tudo que é mal em outra coisa. Acreditar que nós somos puros, enquanto o outro é maléfico. Isto é agradável. Quando a gente integra, quando a gente está integrado, isso impreterivelmente, causa um desconforto. 

DESCONFORTO E TOLERÂNCIA

É claro que na medida que você vai vivendo experiências de integração e vivendo experiências com a integração você vai aprendendo a tolerar esse desconforto gerado pela integração e aí talvez você consiga uma experiência de paz de tranquilidade de bem-estar emocional e afetivo. Ele evita a todo custo a integração, justamente por isso, por conta do desconforto.

DA CULPA À RESPONSABILIZAÇÃO

A integração, logo de início, inclui culpa que ele começa a ter consciência de que ele odiou alguém que não merecia ódio e isso gera culpa. Normalmente, a gente tem nas literaturas psicanalíticas: “Amor e Ódio”. Odiado aquele objeto que ele também ama, na realidade odeia o objeto que ele também idealiza, ele atribui toda maravilha, todo o bom do mundo e isso não é amor. O amor é integração. O amor vai acontecer na medida em que ele consiga elaborar a posição esquisito-paranoide, possa experimentar a posição depressiva, na integração. Quando ele sente essa culpa de ter odiado o objeto, a pessoa, ou a mãe que ele tanto idealizava. Porque, na realidade, é uma só. Ele sente culpa, na medida em que ele consiga elaborar esta culpa, consiga tolerar esta culpa ao ponto de elaborá-la, ele vai viver uma experiência de transformação desta culpa, responsabilização. Ele percebe essa culpa, ele reconhece essa culpa, admite que essa culpa existe, ele passa a respeitar esta culpa, respeitar a si mesmo sentindo culpa, passa a se responsabilizar. Quando ele consegue a responsabilização, existe uma transformação e ele passa a crescer, a se expandir, a nutrir-se com as experiências.



DEPRESSÃO INTEGRAÇÃO E DIAGNÓSTICO 


A gente vê diagnósticos de depressão, seguido de administração medicamentosa em pacientes que, muitas vezes, estão experimentando a integração. Quando ele experimenta a integração, ele impreterivelmente, vai viver uma depressão. Ele vai viver uma posição depressiva e esta posição depressiva é muito desconfortável e geradora de dores psíquicas, de angústias, de ansiedades. E quando o sujeito não está conseguindo tolerar esses desconfortos decorrentes da experiência depressiva, muitas vezes, ele pode procurar um psiquiatra que, despreparado, pode administrar medicamentos que irão arrancá-lo dessa experiência de integração, que gera depressão e abortar a experiência que, na realidade, iria trazer pro sujeito a possibilidade de crescimento. E muitas vezes, então, o que a gente vê diagnosticado como depressão patológica, na verdade, era uma experiência de integração que o sujeito estava vivendo.

MEDICAMENTO E DEFESA

O pior mecanismo de defesa é aquele que encontra um medicamento que corrobora com esse mecanismo de defesa. Quando o sujeito está atuando num mecanismo de defesa e ele começa a se medicar com uma substância química psiquiátrica, este mecanismo de defesa pode cristalizar e passar a se engessar como um funcionamento contínuo no sujeito. Então, ele estava apenas se defendendo, por conta de alguma confusão, de algum conflito e assim que este conflito pudesse ser elaborado ele iria dissolver esse mecanismo de defesa, inclusive se estivesse vivendo um processo psicoterapêutico. Na medida em que ele começa a usar um medicamento psiquiátrico, ele corre o risco de não conseguir elaborar isso que precisava ser elaborado e estava gerando a defesa e cristalizar esse mecanismo de defesa como um funcionamento contínuo, na sua vida. 



sábado, 11 de novembro de 2023

DO CONTROLE AO ACORDO - Prof. Renato Dias Martino



A palavra controle traz uma ideia de que você comanda alguma coisa. Você pode comandar o teu mouse, você pode comandar o teu carro, mas quando você tenta comandar, ou controlar alguma pessoa, que seja o outro ou mesmo a si mesmo, você está desrespeitando. Porque na realidade, a gente não comanda nada. Todas as vezes que a gente tenta comandar, nós estamos numa relação desrespeitosa, com tudo que é animado. Seja com outra pessoa, seja consigo mesmo, ou seja, até com um animal, por exemplo. Quando você vê um ser humano tentando comandar um outro animal, por mais bonitinho que possa parecer, na realidade, é um grande desrespeito. Eu prefiro usar o termo “acordo” com sigo mesmo. Quando você estabelece um acordo consigo mesmo, você consegue conter as ações que não sejam pensadas. Conter para que você não atue. Estar de acordo consigo mesmo não é controlar a si mesmo é concordar consigo mesmo. A partir do momento que você concorda consigo mesmo, você não precisa mais se controlar, você se responsabiliza pelas suas ações e pelos seus atos.

CONTROLE E IDEAL DE EU

Quando eu falo a palavra controlar, eu estou dando de bandeja para o superego, um elemento para que depois ele possa me cobrar. “Você precisa se controlar!!!” Não! Eu não preciso me controlar, porque eu estou num acordo comigo mesmo. O acordo consigo mesmo é uma experiência do ego, do eu pro eu mesmo e o controlar é uma experiência que se estabelece entre o eu e o “deveria ser”. Entre o eu e o ideal de eu.

FUGA DO CONTROLE

Tudo aquilo que é controlado tende a tentar escapar deste controle e aí que acontece no momento e inoportuno a ação não pensada. Inclusive, quando o sujeito está aditivado, por assim dizer. Quando ele bebeu algumas a mais. A gente costuma dizer que o superego é solúvel em álcool. Dissolve o superego, que é aquele juízo sensor, que é o ideal de eu, que é o “deveria ser”. E aí, ele atua, age sem pensar.

CONTROLE OU ACORDO

Quando eu estou num acordo comigo mesmo, não tem isso. Sabe por que que não tem isso? Porque eu me responsabilizo. Inclusive pelas minhas ações que eu não pensei. Quando eu me responsabilizo pelas minhas ações, que eu não pude pensar, eu passei a pensá-las. Elas são minhas, eu não vou ficar procurando um culpado, eu me responsabilizo. Eu percebi. Eu reconheci. Eu aprendi a respeitar e me responsabilizo. Por isso aí acontece a transformação. Porque isso passa a ser parte da minha personalidade.










Prof. Renato Dias Martino

 


domingo, 5 de novembro de 2023

FORÇA, DEFESAS E SENSIBILIDADE - Prof. Renato Dias Martino


A palavra “forte”, “fortalecer”, dentro das formulações psicanalíticas, dentro do processo emocional-afetivo, é muito perigosa.

 

SOBRE SER FORTE

 

 Cada vez que eu busco me fortalecer, eu estou cada vez mais distante da minha sensibilidade, da minha fragilidade, que faz parte da minha realidade. Um sujeito forte é justamente aquele sujeito que acaba permitindo que o outro passe do limite, porque ele não tem a noção da sua fragilidade, da fragilidade real de cada um de nós. Então, quando eu acredito que eu sou forte, eu acabo me colocando em situações que, na realidade, vão me ferir e que por ter acreditado que eu era forte eu fui ferido. E aí, acontece no mínimo duas desventuras, uma é eu me decepcionar com outro, porque o outro me feriu e outra, eu me decepcionar comigo mesmo, porque eu tinha prometido que eu era forte e eu acabei sendo ferido.

 

FRAGILIDADE E SENSIBILIDADE

 

Muito mais importante do que me tornar forte, é reconhecer a minha fragilidade natural e real, para que eu possa aprender a respeitá-la. E o sujeito que respeita a sua fragilidade, ele pode desfrutar da sensibilidade e perceber inclusive as relações nocivas e se afastar delas.

 

RECONHECIMENTO E FRAGILIDADE

 

É muito importante também, a gente diferenciar fraqueza de fragilidade. Fragilidade, é uma condição natural do ser humano. Fraqueza é quando o sujeito está de alguma forma debilitado, é quando o sujeito está, de alguma forma, desnutrido. Então, precisamos estar nutridos para que a gente possa reconhecer e assumir a nossa fragilidade. Para então, podermos desfrutar da sensibilidade, que é justamente o que vai nos orientar no fluxo da vida.

 

FORÇA E DEFESAS

 

O que faz um sujeito forte são, justamente, os mecanismos de defesa. Então, quanto mais forte o sujeito for, é porque ele está mais cheio de mecanismos de defesa. O sujeito que acredita ser forte, ele só pode desfrutar desta fortaleza, porque está extremamente defensivo, cheio de mecanismos de defesa.

 

DEFESAS NA PSICANÁLISE

 

No início da formulação da psicanálise, acreditava-se que o trabalho psicanalítico seria retirar as defesas do paciente. Ir tirando defesa por defesa do paciente, quando na realidade, hoje, a psicanálise contemporânea tem muito mais a tarefa, a função de acolher o sujeito, naquilo que realmente está gerando as defesas, para que essas defesas, ao perceber uma certa segurança possam ir se dissolvendo.

 

DEFESA E RESPEITO

 

Se o sujeito está se defendendo é porque existe um motivo para tal. E retirar essas defesas sem cuidar daquilo que está gerando as defesas é uma brutalidade, é uma crueldade. No modelo biológico, isso fica muito mais fácil de entender. Quando o sujeito ele está com uma infecção o corpo começa a manifestar alguns sintomas e esses sintomas são mecanismos de defesa para proteger o corpo contra esta infecção. Só retirar os sintomas vai agravar a infecção. No entanto, quando essas defesas começam a ficar muito proeminentes, com uma magnitude muito grande, elas começam a ser prejudiciais também. Mas isso não quer dizer que você deve combater as defesas. Isso quer dizer que existe a necessidade de acolher e cuidar daquilo que está gerando essas defesas. Então, por exemplo, o sujeito que tem uma infecção, ele desenvolve febre. Então, subir a temperatura do corpo é uma tentativa de defender o corpo por conta da infecção. Se você toma um antitérmico e só o antitérmico, ou seja, combatendo aquilo que está sendo gerado pela infecção, a infecção vai se agravar e o corpo vai ficar mais desprotegido. Com o aparelho emocional-afetivo é da mesma forma. O analista precisa ser capaz de acolher aquilo que está gerando as defesas e não retirar as defesas a força, ou através de qualquer técnica que seja. Isso é importante na questão do medo, por exemplo. O medo é uma defesa. O medo é um sintoma de algo que está por trás disso e que precisa ser cuidado. Quando eu proponho técnicas de enfrentamento do medo, eu coloco isso que está gerando o medo mais vulnerável do que estava anteriormente.




quinta-feira, 2 de novembro de 2023

PSICOSSOMÁTICA - Prof. Renato Dias Martino



Psicossomática. Psico, quer dizer aquilo que está na dimensão da mente, do aparelho psíquico, do funcionamento emocional e afetivo e soma quer dizer carne, quer dizer corpo físico. Doenças psicossomática seriam aquelas doenças que deslocam-se da configuração psíquica e se instalam no corpo. Quando, o sujeito tem algo que ele não consegue elaborar, que ele não consegue digerir, que ele não consegue dissolver dentro do processo emocional-afetivo, ele tende a levar para o corpo. Ele tende a somatizar, ou passar para carne, passar para o corpo orgânico, físico. Tem várias formas de a gente pensar de que maneira isso pode acontecer. Isso pode acontecer, por exemplo, dentro de uma perspectiva hereditária. Existe uma tendência em se defender com essa somatização, uma tendência que o a mãe, ou o pai, experimentam e o filho herda também. Ele não escolhe. Ele não tem a intenção disso. Uma configuração da histeria. Da neurose de histeria, que o Freud nos colocou, é mais propenso a isso. Porque o sujeito vai embotando, ele vai reprimindo, ele vai colocando para dentro, ele vai se retraindo, até que isso retorna para carne. Retorna, porque a libido é, antes de qualquer coisa, uma necessidade fisiológica. Como uma energia sexual e psíquica, que se desdobra no funcionamento emocional-afetivo. Ele retorna para o corpo físico isso. Ele repreende de uma maneira tão severa, que isso se torna uma moléstia orgânica. Nós podemos pensar de uma maneira muito prática, por exemplo, quando o sujeito tem um problema muito sério, que ele não consegue resolver e ele começa a roer a unha, ou apertar o dedo, ou coçar a cabeça. Um movimento repetitivo compulsivo, que envolve o corpo físico. Isso é uma ação direta e manifesta, mas o corpo faz isso sem que eu perceba que ele faça. Ele pode fazer isso de maneira interna, nos órgãos internos por exemplo. Freud falava isso. Ele trazia essa ideia de que um órgão do corpo adoece muito semelhante a manifestação da excitação do órgão sexual. E muitas vezes, pelo sujeito não poder manifestar a excitação do órgão sexual, ele pode eleger inconscientemente outro órgão que fica entumecido e excitável da mesma forma que o órgão sexual. Só que esse órgão não está preparado para isso, assim como o órgão sexual está. E aí, gera certa doença psicossomática.

 

AGRAVAMENTO PATOLÓGICO

 

No entanto, a gente não pode confundir doenças psicossomáticas, com doenças que foram estimuladas por uma confusão no nível emocional-afetivo, por um transtorno, uma turbulência psíquica. Então, o sujeito já tem uma doença fisiológica, uma doença no corpo físico e por estar ali, num momento de turbulência, de perturbação psíquica, ou emocional-afetiva, esta doença começa a se agravar. Estimula-se essa doença a se agravar. Então, isso não é psicossomático, não foi gerado por conta de um problema psíquico, mas o problema psíquico agravou a situação.

 

AMBIENTE SAUDÁVEL

 

Não só dentro da psicossomática, mas todas as questões que envolvem os transtornos, ou as turbulências emocionais-afetivas, elas vão acontecer no nível que não é um nível intelectual, não é um nível do saber, não é o nível do conhecimento. Essas, coisas vão se dissolvendo vão ser elaborando, num nível em que o sujeito não tem acesso. Ele pode até, depois, tentar encontrar um sentido no mundo racional e associar com questões racionais e isso acaba fazendo sentido, mas na realidade, não foi a partir de algo dito, de um livro que ele leu, ou qualquer coisa nesse sentido, mas isso vai acontecer a partir de uma experiência de acolhimento. O sujeito se sente acolhido, ele se sente amparado e a partir deste amparo, ele passa a se qualificar a se sentir segura o suficiente para que essas questões comecem a se elaborar dentro dele próprio, mas num nível em que ele não tem conhecimento. Ele não pode ter acesso racional a isso. Vai acontecendo sem que ele possa acessar, mas impreterivelmente, ele precisa estar num ambiente saudável, pacífico. Ele precisa estar num ambiente emocional que não traga para ele ameaças e as ameaças são sempre de ilusões. Então, existem ameaças, tanto hostis, como julgamento, como crítica, quanto ameaças sedutoras como elogios, bajulações, falsidades, que também são elementos obstrutores para que o sujeito possa estar se sentindo num ambiente que tenha o afeto, o amor, o carinho e sinceridade, franqueza, verdade, limites. Essa configuração enriquecida por esses elementos que eu acabei de dizer, propicia a reparação das experiências emocionais afetivas do sujeito.