sábado, 30 de dezembro de 2023

SENTIMENTO DE EXCLUSÃO E ABANDONO - Prof. Renato Dias Martino



Uma das maiores dores que o ser humano pode experimentar é o medo do abandono, é o medo da exclusão. Talvez seja a maior dor no âmbito emocional e afetivo. Uma experiência frequente de medo de abandono, de medo de exclusão numa criança, pode trazer para o adulto inseguranças indeléveis, inseguranças que dificilmente podem ser reparadas. Só através de um trabalho muito dedicado de psicoterapia pode ser reparado danos nesse sentido e quando eu falo reparado aqui, eu não estou falando de deletar, de fazer sumir isso, mas aprender a conviver com esta insegurança gerada na primeira infância e isso decorre de briga dos pais na frente da criança, de ameaça de separação.

FOBIA ESCOLAR

Quando a gente vê esse diagnóstico de fobia escolar, de fobia social da criança que não consegue ir pra escola, porque chora o tempo todo e tem medo de ficar ali na escola, não consegue ficar na escola, na realidade, esta criança está manifestando a ausência de recordação da mãe. Ausência de recordação do pai. Ausência de recordação do vínculo com a mãe e com o pai e de uma paz na família. Quando ela vai para a escola, ela não consegue se sustentar com essa imagem internalizada da relação que ela tem com a mãe e com o pai e ela se desespera e não consegue fazer nada na escola, porque ela se sente abandonada, porque ela se sente excluída, porque a escola não é algo que vem para somar, mas é como se fosse uma punição por alguma coisa. Ela já está vivendo um caos dentro da família dela e ela chega na escola e por estar extremamente ansiosa e angustiada, por conta disso, desorganizada, desintegrada, ela não consegue suprir o tal do currículo pedagógico proposto para ela e ela se sente mais uma vez excluída, num outro ambiente.

CHEGOU UM IRMÃOZINHO 

O nascimento de um irmão mais novo pode causar na criança um medo de abandono, um medo de exclusão. Por conta disso, a função materna bem exercida e a presença paterna acolhedora e protetora, vai ser fundamental para aplacar este medo. Onde esta criança vai se sentir acolhida e incluída para que este medo não domine esta criança. Mas quando chega este irmãozinho mais novo e a família está num caos, isso pode potencializar este medo de abandono e esta sensação de exclusão.

ABANDONO DA CRIANÇA E DO IDOSO

Se o sujeito não é capaz de produzir, de ser útil, não tem importância na sociedade contemporânea. São bebês, crianças e idosos. Então, as crianças são colocadas muito cedo em instituições e os idosos igualmente, também são colocados, em... hoje com o nome belíssimo de Casa de Repouso. E não estou criticando a instituição, porque, na realidade é a única coisa que essas pessoas vão poder contar. E aí, acontece outro fenômeno muito interessante, porque estas crianças que são abandonadas em instituições, muito precocemente, são aquelas que vão abandonar os seus pais em casas de repouso, assim que eles não puderem mais ser úteis.

CUIDADO COM AS CRIANÇAS

A criança precisa estar junto da mãe e do pai até no mínimo 3 anos e meio ou 4 anos de vida. Antes disso, não deve ser colocada em instituição alguma. “Ah! Mas a mãe precisa trabalhar, porque o pai tá ausente!” Bom, aí eu não sei o que fazer! Se não dá para fazer de outro jeito, faça sim, mas que vai haver um prejuízo, vai haver. Na realidade, a busca por qualquer relação social fora do âmbito mãe, pai e filho, deve ser buscada pela criança, não imposta pelo adulto. A criança deve buscar. Isso deve se mostrar pronta para a vida social, não obrigar a criança ir para vida social porque isto é um protocolo estabelecido sabe lá por quem. A vida social é dissimulação, é falsidade e a criança precisa estar preparada para enfrentar isso. E não é o adulto que sabe disso é a criança que percebe e o adulto precisa respeitar.

EDUCAÇÃO E O FALSO EU

O Winnicott traz a teoria dos selfs. A teoria de que existe um verdadeiro self e um falso self. O verdadeiro eu e um falso eu. O “falso eu” é necessário, ele precisa existir, a dissimulação precisa existir. Mas para ser saudável, ele precisa estar a serviço do verdadeiro eu. O falso eu saudável é aquele que está a serviço de proteger o verdadeiro eu. É necessário que o sujeito aprenda a dissimular, é necessário que o sujeito aprenda a fingir, para que ele possa proteger a sua verdade. Dentro do lar, a criança vive o verdadeiro eu, ou precisa viver o verdadeiro eu. A sua verdade dentro do lar. A criança precisa ser respeitada na sua verdade para que ele desenvolva um respeito para consigo mesmo. Desenvolvendo esse respeito, ele está pronto para desenvolver a educação que não é respeito, que é dissimulação. A educação é fingimento, o sujeito pode ser educado e não ser respeitoso. Na escola ele vai precisar ser educado. Desenvolve-se a educação para ir pra escola, para aprender na escola. Então, a criança desenvolve a educação para ser bem educadinho na escola, mas para isso, ela precisa ter vivido um respeito para consigo mesmo e aí, ela está pronta para usar o seu falso eu, lá na escolinha.

AMAR DE MAIS OU DE MENOS

No âmbito afetivo saudável, não existe “muito mais”. O amor tem uma configuração que não tem mais, nem menos. Se for menos, ou for mais, não é amor. Então, quem ama, ama. Quem ama, nunca ama demais. Se for demais, não é amor. Quem ama, nunca ama de menos, se for menos ainda não é amor.


quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

TRANSFERÊNCIA E SEUS TRÊS MODELOS - Prof. Renato Dias Martino




TRANSFERÊNCIA E SEUS TRÊS MODELOS 


Freud propõe um modelo que se configura numa falsa ligação, que vai se manifestar durante o processo psicoterapêutico, por que falsa ligação, porque é uma tentativa de repetir modelos estereotipados já vividos por esse paciente na relação com o analista. O Freud vai, no primeiro momento, ele vai olhar para a transferência como um obstáculo para que a psicoterapêutica possa se realizar. Ele havia abandonado o processo de hipnose, de catarse e iniciado um novo modelo de processo de técnica, por assim dizer, que tinha a premissa da “regra fundamental”, que ele propôs. O que era regra fundamental? Era pedir pro paciente prometer que ele iria dizer tudo que viesse à sua cabeça, sem filtros, sem críticas, sem censura. E o Freud iria a partir da sua “atenção flutuante” e apreendendo elementos que precisariam ser melhor pensados. No entanto, por conta da transferência, do fenômeno da transferência, o sujeito acabava não conseguindo cumprir a promessa de que diria tudo que viesse à sua cabeça. Então, a transferência em primeiro momento, seria um grande obstáculo. Mas, Freud foi percebendo que na verdade, a transferência era um elemento fundamental para que a psicoterapia pudesse ser bem-sucedida. Enquanto o paciente não estabelecesse a tal da transferência, nada poderia ser realizado no âmbito da psicanálise, porque na realidade, nós estamos falando de “estar sendo” em relação ao paciente e não “saber sobre” o paciente. Tudo que vinha sendo feito dentro da psicanálise até então, estava dentro do âmbito de saber sobre e comunicar o que soube ao paciente, e a partir do estabelecimento da transferência, da percepção e do reconhecimento deste elemento, passou-se a praticar uma psicanálise do “estar sendo” em relação ao paciente, ou seja, um trabalho de dissolver a transferência para que o vínculo entre analista e paciente pudesse ser um vínculo verdadeiro e não uma repetição do passado.

FREUD ALÉM DA ALMA 

Eu lembrei agora daquele filme Freud Além da Alma. No finalzinho do filme ali a Cecily, personagem fictício ali, depois do trabalho do Freud esclarecer que na realidade ela sofria de um amor enrustido pelo seu próprio pai, era apaixonada pelo seu próprio pai. Ela acaba tendo consciência daquilo e aí ela agradece a ele e diz que ela está curada, mas ele diz: “não, você não está curada”. Porque, saber que ela foi apaixonada pelo pai custou ela se tornar apaixonada pelo Freud. E aí, o Freud fala: “não, a gente só começou o trabalho agora e agora a gente precisa dissolver esta falsa paixão por mim”. Que, na realidade, é só uma transferência saiu do pai e agora está na figura do analista então agora o trabalho é dentro da perspectiva do estar sendo em relação ao paciente e não mais o saber sobre.

TRÊS ETAPAS 

Em primeiro momento, o paciente teria uma resistência em manifestar a sua transferência, por mais que ele tivesse já sido acometido por ela, o paciente teria uma resistência de estabelecer efetivamente essa transferência. Em segundo momento, essa transferência vai ser vivida e atuada. Em terceiro momento, o trabalho seria de dissolução dessa transferência para uma relação real, uma relação verdadeira entre analista e paciente.

TRÊS MODELOS 

O Freud vai percebendo três modalidades dessa transferência. A primeira, que seria a transferência positiva, fundamental para um bom desenvolvimento da psicoterapêutica é um modelo de cooperação, onde o paciente vai projetar no analista, figuras que tenham sido nutridoras para ele, relações saudáveis para ele, esperançosas. Então, ele vai projetar essa esperança no analista e a partir daí, a psicoterapia vai acontecer, sendo de maneira bem sucedida. Um outro modelo é a transferência negativa, ou hostil, onde o paciente vai transferir pra figura do analista, experiências malsucedidas, ou experiências que tenham ódio, raiva e o paciente projeta isso no analista. E o terceiro modelo, uma transferência erotizada, onde o paciente vai projetar no analista uma paixão, ou uma atração, ou ainda uma tendência de controle sedutor deste analista. Lembrando aí, que a gente tem essas duas transferências, erotizada e a transferência negativa, como contraponto. Muitas vezes, o sujeito tem um ódio em relação ao analista e tenta seduzi-lo eroticamente para tentar controlá-lo e com isso ter o domínio. E o contrário também, muitas vezes o paciente tem uma paixão pelo analista e acaba hostilizando o analista para se defender desta paixão, que por assim dizer é proibida.

COTAS

Quando a gente está falando de transferência, nós estamos falando aqui, das três transferências. Todas elas acontecem ao mesmo tempo, dentro de cotas, dentro de proporções. Ora uma é mais proeminente, ora outra é mais proeminente, mas as três sempre vão estar presentes, sejam elas manifestas, ou latentes.

TRÊS MODELOS ILUSTRATIVOS


Existem três modelos de transferência e correspondentemente contra transferência e esses três modelos podem ser relacionados em outros três modelos enriquecendo a nossa possibilidade de reflexão. O primeiro modelo são os modelos de vínculo que o Bion propõe, ou seja, L, H e K. L = Love, H = Hate e K = knowledge. Amor, ódio e conhecimento, que são os três vínculos que o Bion propôs. O modelo que o Bion propõe vem depois depois do Freud e um modelo que vem anteriormente ao Freud, que é o modelo da cultura védica da Trimurti, das três deidades que regem o mundo material. Brahma, que é o criador, Vishnu, que é o mantenedor e Shiva que é o destruidor. A transferência erotizada, ou seja, da paixão, seria relacionada com Brahma, que é o Deus da criação e também com o vínculo Love, do Bion. A segunda, que é a transferência positiva, seria relacionada com o vínculo knowledge, do conhecimento de Bion e na cultura védica a deidade Vishnu. E a terceira que é Shiva, dentro da cultura védica, a deidade de Shiva que é o destruidor, com a transferência negativa, ou hostilizada e ainda com o modelo Hate, ódio de vínculo, que o Bion propõe.

TRÍADE 

Se a gente for olhar com um pouco mais de atenção, a gente vai perceber que esse tipo de tríade está presente na nossa vida, como um todo. A Trindade, a Santa Trindade do cristianismo, a trimurti da cultura védica, os três modelos de transferência do Freud, os três modelos de vínculo do Bion. O Bion também vai propor três pressupostos básicos como aquilo que rege um grupo: luta e fuga, acasalamento ou pareamento e dependência. o Bion ainda propõe os três vínculos: o comensal, o simbiótico e o parasítico. Dentro do tripé psicanalítico, não é? Que a gente fala de análise pessoal, supervisão e estudo teórico. Dentro da perspectiva ainda cristã, a gente tem lá, o belo, o bom e o verdadeiro. No estético, o ético e o metafísico. Tríade está presente em toda a formulação dos pensamentos mais nobres humanos.

MENOS

Cada vínculo que o Bion propõe, L, H, ou K, tem o seu correspondente negativo. No caso do amor, por exemplo, do vínculo L, que seria um estado de paixão, de apaixonamento manifesto e o menos L seria uma tentativa de dissimulação deste amor, que se manifesta. Como é que eu posso dissimular o amor? Com elogios, com bajulações, ou ainda, dentro de uma perspectiva de puritanismo. Tentativas de dissimulação, de uma atração erotizada em relação ao analista.

MODO DA PAIXÃO

Transferência erotizada, vínculo L, ou menos L, é proposto por Bion e guna rajas, que é o modo da paixão, que compete a deidade Brahma, dentro da trimurti, que é o Deus da criação. O Bion, quando propõe o vínculo L, ele está propondo o vínculo amor, love, mas apartado do conhecimento, knowledge, vínculo K.

MODO DA BONDADE 

Se cada vínculo tem o seu menos a sua tentativa de dissimulação, o vínculo K também tem o seu menos K enquanto. K é uma tentativa de conhecer, da busca da verdade, menos K é a tentativa de obstrução da busca da verdade. Relacionando o vínculo K com a transferência positiva, ou seja, o paciente está buscando a verdade e está relacionada também ao guna sativa, que é conferido ao Senhor Vishnu. Guna satva quer dizer modo da bondade. Quanto regido pelo modo da bondade, ou pelo vínculo K, o sujeito está em transferência positiva, cooperando com o processo. Dentro do vínculo menos L e o vínculo menos H, também temos relacionado o vínculo menos K, porque os dois dizem respeito, também, a dissimulação da verdade.

VERDADE E ARROGANCIA

Todas as vezes que o sujeito está tentando dissimular, para que não revele a verdade, quando ele não está sendo sedutor, ele está sendo arrogante e muitas vezes, as duas coisas. Muitas vezes, ele está sendo arrogantemente sedutor. Muitas vezes, a gente tem essa ilusão de que o sujeito que é prepotente e arrogante é um sujeito mais verdadeiro. “Eu falo a verdade, por isso que eu sou assim”. Então, muitas vezes, o arrogante desperta até a idealização do outro, como se fosse alguém poderoso, como se fosse alguém verdadeiro, quando na realidade é o contrário. Né? O sujeito que está seguro da sua verdade não precisa impor aquilo, não precisa ser arrogante.

DE K PARA O

Para quem não conhece Vishnu e sua manifestação em Krishna é aquela deidade azul, aquele Deus azulado da cultura védica, indiana e Krishna é a manifestação de Vishnu no mundo material. E K que é um vínculo de conhecimento, proposto por Bion é o que leva para a realidade última que é “O”. K seria a representação no mundo material da realidade última, que é a verdade absoluta, que é a realidade que existe independente da expectativa dos seres humanos.

MODO DA IGNORÂNCIA 

A transferência negativa está relacionada ao vínculo H que o Bion propõe. Vínculo Hate, ódio e também o seu equivalente negativo que é o menos H, menos ódio, enquanto um é o ódio manifesto, dentro da hostilidade o outro é uma dissimulação deste ódio, que vai aparecer por exemplo na crítica. O paciente, quando critica, ou ainda numa hipocrisia, os seus atos não correspondem com aquilo que ele profere. E este vínculo está ligado com Shiva, que é o encarregado da guna tamas que é o modo da ignorância da destruição. “Ah! Mas o modo da destruição é ruim!” Não é ruim. Ele faz parte do processo. Muitas vezes, ele precisa ser manifestado para que alguma experiência aconteça e as pessoas possam despertar e aprender com a experiência. Então, muitas vezes, a gente tem essa ideia de que a transferência negativa é ruim. Não, ela é necessária, isso não quer dizer que você precisa permitir ataques, mas, muitas vezes, a sua manifestação, em relação ao ataque do seu paciente vai ser extremamente terapêutica. Mostrar o limite. Dizer que daquela forma você não continua, para que o paciente possa acordar.




domingo, 24 de dezembro de 2023

LIMITES: MÃE, PAI E FILHO - Prof Renato Dias Martino



Só a entrada do pai é que vai trazer a possibilidade do reconhecimento do limite, que existia na relação mãe e bebê, mas não era reconhecida. Então, ainda havia ali a impressão da relação umbilical, que se estende pra vida emocional-afetiva. Na entrada da função paterna bem cumprida, esse limite é revelado, é sinalizado e reconhecido. Quando não tem esta figura paterna, que possa exercer, cumprir a função paterna, esta questão do limite com a realidade, fica deficitária. Nós vimos aí, na sociedade, isso acontecendo. O pai está cada vez mais longe, mais distante, mais ausente dos lares e das famílias.

LIMITE COM O EU E COM O OUTRO

Quando a gente fala de dificuldade de lidar com limites, quando a gente fala da ausência de limite, da dificuldade do sujeito lidar com o limite, na realidade, a gente está falando, tanto do limite do eu para com o outro, quanto do limite do eu para ele mesmo. Então, ele pode tanto passar do limite na relação com o outro, abusando do outro, quanto passar do limite consigo mesmo, sendo subserviente, sendo permissivo com o outro. Isso também é uma ausência, ou uma falha no limite. E a função paterna é o que vai trazer a possibilidade desta sinalização e deste reconhecimento.

“NÃO” DE MÃE

Não de mãe não tem poder! Uma criança não respeita o não da mãe. Por isso a célebre frase: “Espera teu pai chegar!” Aí, acabou a bagunça. Antes disso, a mãe está ali, esgoelando, se acabando, dando sangue e ela não consegue resultado algum. E é muito duro isso para mãe. Muitas, vezes ela precisa sair do papel de mãe para vestir uma armadura de pai, para tentar fazer uma intervenção desse tipo. Ela se descaracteriza. Ela perde a sua essência de maneira muito cruel. Acaba ferindo a sua função materna, para tentar fazer uma intervenção que não é da sua função e não vai ter resultado algum. E o pior, ela vai se sentir culpada, porque ela não tem jeito para fazer isso. “Ah, Professor! Você é machista!” Não tem problema. Pode me chamar do que você quiser, mas ainda vai ser isso. Então, a mãe vai ficar ali, assim. Bla, bla, bla. Não, não, não... E a criança vai continuar. Mas se tiver uma voz assim ó: “Moleque, para com isso!” Acabou a bagunça.

FILHOTE VULNERÁVEL

Uma fêmea na floresta, deu cria e o macho que cuidava da fêmea, enquanto ela cuidava dos bebês, morreu. O que acontece com os filhotes? Estão vulneráveis. Porque a mãe não vai dar conta de fazer tudo. A mãe não vai dar conta de cuidar sem a presença do macho.

RENÚNCIA DOS PAIS

Acontece um fenômeno interessante na sociedade. O homem se ausentou da família, do cuidado da criança, do amparo da mãe que esteja cuidando da criança. Ele foi se ausentando, ele foi se distanciando, desta relação e foi havendo uma permissão social para isso. E aí, ele se tornou um sujeito privilegiado, no nascimento do filho. Ele não tem muitas responsabilidades no olhar social e isso gera uma inveja na mulher que também quer ter esse direito. Então, ela terceiriza o cuidado dos bebês e também se ausenta do lar. E sabe de quem é o maior prejuízo? Na realidade, a mãe renuncia de tudo pelo bebê e o pai também deve renunciar, enquanto num acordo com a realidade. Agora, se o sujeito está ali, se evadindo da realidade e vivendo no mundo de ilusão, ele não vai ter mesmo esse tipo de compromisso. O homem vai continuar sendo o que ele é e a mulher vai continuar sendo o que ela, e a criança que se dane.

LIMITE SAUDÁVEL 

Muitas vezes, quando a gente fala a palavra limite, a gente tem uma impressão de imposição. A gente até usa isso, “impor limites”. Mas, na realidade, o limite saudável é aquele que é pelo respeito e não pelo medo e não pela imposição. Então, o sujeito ama tanto, que ele é capaz de renunciar por conta do amor. O limite saudável é a partir do respeito e não do medo pela imposição. A função paterna traz o reconhecimento do limite, não porque ele impôs, não porque a criança tem medo dele, mas porque a criança aprendeu a amar este pai e renunciar da mãe, porque a mãe é do papai e não é minha. Então, existe uma adequação. Ela vai se sentindo inadequada no meio da relação mãe e pai e ela, por amar aos dois, ela vai se retirando dessa relação, para viver a sua própria vida. 

ADULTO BEM-SUCEDIDO 

A importância da relação entre o pai e a mãe. Que a criança ela nasce grudada na mãe e com a ajuda do pai, ela vai se distanciando da mãe e esse distanciamento vai trazer para ela a possibilidade de amar verdadeiramente essa mãe. E com o pai ao contrário. A criança nasce distante do pai e com ajuda da mãe, ela vai se aproximando desse pai, para viver um amor verdadeiro com ele. Então, esta relação entre mãe e pai é imperiosa na estruturação da personalidade de uma criança, para que ela possa se tornar um adulto bem-sucedido. É aquele que é capaz de aprender com cada experiência, que é capaz inclusive de lidar com aquilo que ele não conseguiu. Este é um adulto bem-sucedido.



sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

A SUPERFÍCIE DA COMPULSÃO - Prof. Renato Dias Martino


A SUPERFÍCIE DA COMPULSÃO

Quando um sujeito, por exemplo, apresenta uma compulsão alimentar, como lidar com esta ordem de pacientes, sem se utilizar da palavra controle? Tentar controlar a sua alimentação só vai fazer com que você tenha um desdobramento de revolta contra esta tentativa de controle. Quando você tenta controlar é que você está criando um “deveria ser”. Você está entregando isso para a instância da mente da qual Freud chamou de superego. Qualquer tentativa de elaboração que possa levar o sujeito a uma adequação alimentar precisa ser via ego, via “estar sendo”. Então, nós precisamos acolher esta compulsão para que a gente possa respeitá-la e se responsabilizar por isso. A responsabilização não é um controle, é um desdobramento do respeito. Existe por trás desta compulsão por comida algo muito maior. A compulsão por comida é apenas um pedacinho do que está acontecendo. Quando o paciente chega se queixando de compulsão alimentar, a última coisa que eu vou tentar tratar com ele é a compulsão alimentar. Vamos tentar acolher o que está por trás disso, que com certeza é uma grande insegurança, que é uma grande ansiedade, uma grande angústia, uma dificuldade de acreditar em si mesmo, um sentimento de solidão, uma série de outras questões que estão desdobrando numa compulsão alimentar. E você tratar compulsão alimentar sem olhar para isso tudo é simplesmente tratar da superfície e deixar a raiz do problema desprotegido, ou seja, isso aqui vai ser tratado, vai ser controlado e vai aparecer de uma outra forma, em uma outra atitude compulsiva, que não seja a alimentação, mas que vai ser tão danosa quanto. A tentativa de controlar é simplesmente uma tentativa de moldar uma superfície e não olhar para aquilo que realmente precisa ser acolhido, e não compreendido, mas acolhido. Precisa ser percebido, reconhecido, aprender a respeitar isso e se responsabilizar por isso. A partir desse processo abre -se a possibilidade da transformação.



quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

PROCESSO DO LUTO - Prof. Renato Dias Martino



Processo do luto, dentro da psicanálise, não é simplesmente aquela experiência que se dá após a perda de alguém querido, mas dentro da psicanálise, o processo do luto é aquilo que vai se dar após o reconhecimento de uma frustração, o reconhecimento de uma falta, o reconhecimento de uma falha, seja no mundo externo, ou seja no mundo interno. Seja em relação ao outro, ou seja, em relação a si mesmo. Então, muitas vezes, o sujeito vai fazer alguma coisa e ele não consegue fazer essa coisa, ele falha em fazer esta coisa, quando ele reconhece que ele falhou, ele vai viver um processo do luto. Eu costumo dizer que o processo do luto, para ser elaborado, ele vai ter três “erres”. O “Reconhecimento”, a possibilidade de aprender a “Respeitar” esse processo do luto e posteriormente a “Responsabilização” por aquilo que decorreu desse processo do luto.

LUTO E MELANCOLIA

O Freud, lá em 1917, publica o LUTO E MELANCOLIA. Ele vai dizer que, quando o sujeito não viveu uma experiência bem sucedida com aquilo que posteriormente foi perdido, ao invés dele passar pelo processo do luto, ele cai num estado de melancolia, ou seja, ele não consegue acreditar que ele possa continuar vivendo depois da perda daquilo.

MELANCÓLICO DESENERGIZADO

O melancólico é um sujeito desenergizado, por assim dizer. A maior parte da sua energia era investida num objeto e quando esse objeto é perdido, essa energia se perde também.

INTERVENÇÃO COM O MELANCÓLICO

O sujeito que está num estado de melancolia vai precisar viver uma experiência interna que possa desobstruir o seu caminho. Não existe intervenção psicanalítica que possa fazer isso por ele. O que a gente pode fazer, no máximo, é propiciar um ambiente saudável que esteja livre de críticas, que esteja livre de seduções, bajulações, que esteja livre de julgamentos, de condenações, para que ele possa se sentir bem o suficiente. Não acredito numa intervenção externa que possa trazer a possibilidade desse desencadeamento.

TOLERÂNCIA À FRUSTRAÇÃO, DESAPEGO E LUTO

Nós temos três conceitos importantíssimos dentro da psicanálise, das formulações emocionais e afetivas. Tolerância à frustração, desapego e luto. Um conceito está interligado ao outro. Para que haja a elaboração do processo de luto, precisa haver desapego, para que haja o desapego, precisa haver tolerância a frustração. É necessário que haja a possibilidade do desenvolvimento da tolerância à frustração, da possibilidade de adiar satisfações e renunciar de desejos, para que possa haver a experiência do desapegar-se, naquilo que o Mestre Eckhart vai chamar de desprendimento, e com isso, possa haver a elaboração do processo de luto.

DOIS CAMINHOS 

Quando o sujeito teve uma experiência bem-sucedida, viveu um vínculo saudável com um objeto que tenha sido perdido, ele consegue viver o processo do luto em relação a isso que foi perdido. Quando a relação com esse objeto que foi perdido foi conflituosa, foi tóxica, de alguma forma, não pode ser bem elaborada, quando existe a perda do objeto, o sujeito cai num estado de melancolia, ou seja, ele não perde só o objeto no mundo externo, mas ele perde algo dentro dele que se confundia com o objeto externo, naquilo que a gente vai chamar de equação simbólica. O que está dentro e o que está fora, são a mesma coisa.

PROCESSO OU ESTADO 

O luto é um processo, é uma transformação. O sujeito que está vivendo o luto, ele está dentro de um processo, ele sofre um processo. A melancolia é um estado, não existe transformação. A melancolia não é um processo. O sujeito, quando cai em melancolia, ele não é capaz de sofrer. Ele não tolera sofrer, por mais que ele esteja sentindo a dor.

DO ANALISTA 

O analista, quando ele está num processo de luto, seria muito importante que ele pudesse se resguardar. Seria muito importante que ele pudesse respeitar este processo do luto e se resguardar, até que ele possa elaborar uma boa cota deste processo e a partir daí voltar a atender. o analista que esteja em melancolia num estado de melancolia então não tem nem o que dizer porque é muito pouco provado ou eu diria impossível que ele possa exercer a sua função.

AUTOSSABOTAGEM

Uma breve pesquisa na obra do Freud, você vai perceber que ele é bem humilde em relação aos processos internos. Então, ele vai dizer assim: “Quando o processo é interno, nós temos muito pouco conhecimento de como isso acontece.” Nós precisamos ter aquilo que o Bion chamou de “ato de fé” para que a gente possa tolerar o tempo necessário para que isso aconteça. E aí a gente vai, esperançosamente, propiciando esse ambiente saudável para o paciente. No entanto, todo esse processo vai acontecendo no tempo do paciente, não no tempo que a gente tem, enquanto expectativa. E esse é o grande problema. Na maioria das vezes, um paciente que esteja de um estado melancólico, ou que a cota melancólica dele esteja sendo proeminente no seu funcionamento emocional e afetivo, ele dificilmente busca ajuda psicoterapêutica. Dificilmente ele vai até o psicoterapeuta. Porque a melancolia traz para ele uma desesperança enorme. Ele não acredita que qualquer coisa do mundo externo possa ajudá-lo a continuar viver que não seja o objeto que foi perdido. Paciente melancólico entende-se, paciente que tenha a cota melancólica proeminente no seu funcionamento. Melancólico todos somos em certa cota. Quando o paciente melancólico, ou paciente que esteja com sua cota melancólica proeminente, procura psicoterapia, o trabalho é muito difícil, porque que ele vai se autossabotar constantemente, porque a melancolia tem a característica peculiar do sentimento de culpa. A perda do objeto deixou um sentimento de culpa no sujeito. E aí, o que acontece? Ele vai viver esse sentimento de culpa, ele vai se julgar por esse sentimento de culpa e ele vai se condenar por esse sentimento de culpa. E muitas vezes, vai se autossabotar mesmo sem perceber que esteja fazendo isso. Mas a sua própria desmotivação para as suas práticas e as suas realizações vão propiciar uma atmosfera de autossabotagem e as coisas dele parece que não andam. Ele dá um passo pra frente e dois para trás por assim dizer.

TOLERÂNCIA

Não pode existir um funcionamento saudável, dentro do âmbito emocional e afetivo, sem poder contar com tolerância às frustrações. A tolerância à frustração é a base de todo o funcionamento saudável da mente. É a base de todo funcionamento afetivo, ou seja, das formas saudáveis de se relacionar com o outro e consigo mesmo. É a partir da tolerância à frustração que se estrutura um bom funcionamento da mente.

LUTO E A DEMANDA DO OUTRO

Todas as vezes que se perde alguma coisa que era muito importante para o sujeito, todas as vezes que se desliga de alguma coisa do mundo externo, que tinha uma importância muito grande para o sujeito, existe um retraimento do interesse do mundo externo. O sujeito se retrai do mundo externo. O mundo externo fica sem graça, passa a não ser interessante, no período do que a gente chama de luto. E é muito importante que isso seja respeitado. Que o sujeito seja respeitado no seu processo da elaboração do luto. Que ele possa realmente se retrair do mundo externo e que não seja cobrado dele que ele volte ao mundo externo, por conta da demanda do outro.

DEPRESSÃO PATOLÓGICA 

A palavra depressão é polissêmica, dentro das formulações emocionais e afetivas. Ela vai desde a catalogação psiquiátrica do psicodiagnóstico depressão, até a expansão, dentro da possibilidade de um movimento introspectivo. Todas as vezes que o sujeito, por exemplo, vive uma perda, ou uma frustração, ele vai entrar num processo depressivo. A tristeza é depressiva. Isso que a gente chama de patologia da depressão, tem duas origens possíveis. A primeira é quando existe realmente, a instalação de um quadro de melancolia. Quando o sujeito não pode viver uma experiência saudável com o objeto que foi perdido, e na perda desse objeto, ele vai se retrair e vai perder a motivação de viver. Agora, existe uma outra possibilidade de um quadro patológico de depressão, que é o luto mal elaborado. O sujeito perdeu um objeto que, ele pode até ter tido um bom relacionamento, mas por conta do ambiente nocivo que ele viva, ele não conseguiu viver o processo do luto. Ele foi impedido de viver e elaborar o processo do luto. Nessas duas possibilidades, ele pode cair numa depressão patológica.

LUTO E RESPEITO

Nós vivemos numa contemporaneidade que não respeita o período do luto, que não respeita a elaboração do processo do luto. Nós vivemos num tempo onde o luto é encarado como doença. O sujeito, quando vive uma perda e se retrai, por conta dessa perda, é sugerido a ele, que ele tome medicamentos para que ele não viva o luto, que ele não viva a depressão incluída no luto. Desde os parentes, da família, até os amigos e se estendendo à vida profissional. Todo mundo tem uma ânsia enorme para que esse sujeito saia logo desse estado de luto e isso é muito perigoso, porque muitas vezes, ele acaba interrompendo o processo necessário do luto para atender o desejo do outro. “Não fica triste, não! Não fica assim, não! Toma um medicamento antidepressivo. Vamos tomar ‘uma’, para esquecer a tristeza!” Na realidade, ele precisa viver aquele processo. Aquele processo é necessário para que ele possa elaborar aquele luto e retomar a sua vida agora de forma saudável.


sábado, 9 de dezembro de 2023

SOBRE AMAR - Prof. Renato Dias Martino




Amar não é um sentimento amar, é uma capacidade, é uma capacidade de se doar, é uma capacidade de, a partir da tolerância a frustração, se dedicar ao outro. Adiar a sua própria satisfação a favor do outro. É dedicar-se ao outro. Amar é se importar com o outro. Para que o sujeito seja capaz e desenvolver o amor, ele precisa antes ter sido amado. Quando ele é amado, ele aprende a amar a si mesmo, a partir do referencial do amor do outro, ele aprende a amar a si mesmo e a partir deste amor próprio, ele estende esse amor ao outro.

AMOR SUFICIENTE

Quando a gente fala: “ter sido amado”, nós não estamos falando de um amor perfeito, nós estamos falando de um amor verdadeiro e um amor suficiente. Não é um amor maravilhoso e não é uma falha na capacidade de amar, mas é amar suficientemente bem.

DIFICULDADE NO AMOR PRÓPRIO 

Uma das maiores dificuldades dentro da clínica psicanalítica é o amor próprio, é o sujeito que não desenvolveu a capacidade de amar a si mesmo. E aí, o que acontece? O sujeito fica obstruído de todas as outras experiências afetivas saudáveis, porque ele tem uma dificuldade muito grande de amar a si mesmo. E isso não tem outra raiz que não seja não ter sido amado adequadamente. E ele acaba acreditando que ele precisa ter dinheiro, ele precisa ter bens, ele precisa estar bonito fisicamente, ele precisa ter um título, ele precisa ter uma formação acadêmica, para que ele possa ser amado e que isso é a chave do sucesso para ele. Quando, na realidade, isso tudo é uma grande ilusão.

FAMÍLIA E AMOR PRÓPRIO

O mal do século e da contemporaneidade está na estruturação da família. O sujeito se desenvolve longe do pai e da mãe, senão fisicamente, emocional e afetivamente. Isso vai formando sujeitos despreparados para lidar consigo mesmo e com o outro. Formando uma sociedade incapaz de amar, porque não foi amada, não aprendeu a amar a si mesmo e não consegue amar a ninguém mais. Este sujeito é um alvo muito fácil pras porcarias na gôndola do supermercado, das porcarias que se oferecem para comer, as porcarias que se oferecem na televisão, na internet, as porcarias que se oferecem na farmácia. O sujeito hoje é um sujeito extremamente perdido, porque não foi cuidado adequadamente, porque não teve uma mãe dedicada que pudesse exercer a sua função materna, porque não teve um pai presente que pudesse suprir a sua função paterna. E aí, cresceu um sujeito vulnerável que, qualquer porcaria pega esse sujeito. Quando o sujeito ama a si mesmo, está de bem consigo mesmo, ele não consome porcaria, ele não consome porcaria, seja ela alimentar, seja ela cultural, medicamentosa, seja ela do que for. Aquele “corpo estranho” chega a ela e ela repele aquilo por conta do seu instinto de autopreservação estar em consonância com a sua integração.

PSICOTERAPIA DO AMOR 

O processo psicoterapêutico é, por excelência, um recurso para restaurar a capacidade de autorreconhecimento, de amor próprio. Por isso, é muito importante que o psicanalista seja capaz de amar o seu paciente. Que seja capaz de realmente se dedicar a seu paciente, se importar com o seu paciente, dar atenção a seu paciente. Isso é amor e a partir disso, o paciente vai desenvolver esta capacidade de fazer isso consigo mesmo. Ele vai se importando com ele. Ele vai prestando atenção em si mesmo, ele vai se auto-reconhecendo. E aí, vai restaurando esta capacidade, ao ponto de ele conseguir estender isso às outras pessoas do seu convívio.




quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

INVESTIGAÇÃO, CONFUSÃO E COMPAIXÃO - Prof. Renato Dias Martino



Na literatura psicanalítica vamos encontrar a palavra investigação amiúde. Vamos encontrar a palavra investigação em Freud, em Melanie Klein, em Winnicott, em Bion... Não é função do psicanalista, que esteja praticando a psicanálise do acolhimento, a investigação.

INVESTIGAÇÃO

Não somos investigadores, não temos a função de investigar a vida do paciente. Não temos a função de investigar o funcionamento do nosso paciente. Isso é uma falácia, não funciona. Nós somos acolhedores. Não vamos escarafunchar a vida do paciente. Tudo aquilo que a gente precisa, emergiu espontaneamente por conta de um ambiente livre de críticas e bajulações. A nossa função é criar um ambiente saudável o suficiente para que, aquilo que precisa ser repensado, aquilo que precisa ser acolhido, possa emergir espontaneamente. Não é nossa função, ficar penetrando no funcionamento do paciente. Isso é um desrespeito. Corajosamente, estou aqui, novamente, tentando repensar elementos que são frequentes na literatura psicanalítica. O analista que fica procurando nas redes sociais a vivência dos pacientes por exemplo. Esse é um absurdo! Investigando o Facebook do sujeito, investigando o Instagram dele. Mas, não precisa fazer isso, pode ser, por exemplo, na própria sessão. Ficar com curiosidades para saber mais sobre aquilo que o paciente está falando. Não é função do analista a curiosidade. Eu estou ali para conter. Eu sou um facilitador para que o paciente possa se sentir à vontade o suficiente e permitir que os elementos possam emergir durante a análise e aí eu vou acolher. Você investiga um crime e eu não estou ali frente a um criminoso. A ideia de investigação é persecutória. O analista investigador é aquele sujeito que está ali, de uma maneira perseguidora. Está procurando qualquer coisa que o paciente fale e que possa contradizer alguma outra coisa que ele disse, para que eu possa pegá-lo e apontar. Não! Não é isso.

PERDIDO NA FLORESTA

Eu costumo comparar o processo psicoterapêutico com um sujeito que está perdido na floresta. A função do analista é estar junto com ele, perdido na floresta, não é mostrar o caminho para sair da floresta. Seu analista que é capaz de subir na árvore para olhar longe na floresta, para ver e te falar lá embaixo: “Olha, ali tem um rio ó... Lá tem uma estrada...” Ele não vai dizer: “Ó! O caminho é por aqui.” Mas ele vai te dar um panorama daquilo que está acontecendo na floresta. Porque, o caminho para sair da floresta do psicanalista não é o mesmo caminho de sair da floresta do paciente. Você está perdido na floresta sozinho é uma coisa e você está perdido na floresta junto com o seu analista é outra coisa.

COMPAIXÃO OU CONFUSÃO 

A compaixão é um elemento fundamental de um psicanalista, dentro da perspectiva do acolhimento. Com-paixão – “com”, quer dizer junto e “paixão”, nesse sentido, quer dizer sofrimento, sentimento. Este termo paixão é o mesmo que dá origem à palavra paciente. Paciente é o sujeito do sofrimento, o sujeito do sentimento, que será acolhido pelo analista. Então, o analista precisa estar junto do paciente no seu sofrimento. Isso é compaixão. Estar junto do outro no sofrimento. Para que isso possa acontecer, o analista precisa estar muito bem com o seu funcionamento e muito bem consigo mesmo. Acolhendo a si mesmo, tendo compaixão consigo mesmo, porque senão, o que vai acontecer é uma confusão. O analista se confundir com o paciente na sua dor. Confundir a sua dor com a dor do paciente não é compaixão, é confusão. E aí, você não pode ajudar seu paciente, porque você está confundido com ele.




domingo, 3 de dezembro de 2023

SOBRE REGREDIR - Prof. Renato Dias Martino


Qual é a grande importância de refletir sobre essa questão da reversibilidade, de retroagir nos processos emocionais-afetivos? Daquela famosa expressão psicanalítica “regredir”. Por que a importância disso? Porque, me parece que isso é quase que um consenso dentro da psicanálise. No entanto, isso é um absurdo. Ninguém regride. Não existe a possibilidade de regressão. Uma vez que você cresceu, uma vez que você amadureceu, uma vez que você expandiu, uma vez que você deu um passo à frente, não tem como voltar, dentro dos processos emocionais-afetivos. É de imperiosa a importância que a gente possa tratar com os nossos pacientes de uma maneira muito cuidadosa sobre isso. Quando existe a crença na reversibilidade, na possibilidade de regressão, o sujeito vive numa constante insegurança de que em qualquer momento, tudo aquilo que ele construiu, tudo aquilo que ele cresceu, tudo aquilo que ele amadureceu, pode se desfazer como um castelo de areia. Quando, na realidade, isso é impossível. Então, é muito importante que a gente possa observar que, quando o paciente apresenta uma característica imatura, ou infantilizada, deixar muito claro que na realidade aquilo nunca amadureceu. Justamente para mostrar que uma vez que tenha amadurecido, não tem retorno. Até para que ele possa se responsabilizar por esta parte do aparelho emocional-afetivo dele que ainda não conseguiu crescer, para que ele possa, a partir do reconhecimento desta parte que ainda não evoluiu, que ainda não amadureceu, passar a respeitar essa imaturidade e a partir daí começar um trabalho de responsabilização. Essa etapa de reconhecer, respeitar e responsabilizar, é justamente o que vai conduzi-lo à maturação desta parte e de outras partes da sua personalidade. Muitas vezes, o paciente através das experiências com o analista, ele percebe o que seria melhor para ele. Por exemplo, um paciente que tenha a característica da arrogância. Ele percebe o quanto é inadequada aquela característica. Quanto é inadequado aquele funcionamento arrogante. Então, ele começa implementar um trabalho de se livrar daquela característica. Isso não quer dizer que ele amadureceu o suficiente para que isso não se manifeste mais. Então, muitas vezes, ele empurra aquilo para debaixo do tapete e acredita que ele cresceu e quando aquela arrogância, por acaso, escapa debaixo do tapete, ele tem a impressão de que ele regrediu.