quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

SOBRE A DEISINTEGRAÇÃO

Dentre as inúmeras características presentes, parece-me que existe uma configuração unanime nos casos que chegam com demandas para psicoterapia. Me refiro a condição da desintegração psíquica. Independentemente do tipo da queixa, parece existir grande evidência de desintegração presente em todos os casos que a clínica psicanalítica recebe. Na verdade, essa é a origem do conflito que passa a gerar turbulência emocional no paciente psicoterapêutico.
Vale lembrar que, a tendência a desintegração está presente, numa certa cota, em todos nós, até mesmo no sujeito supostamente mais saudável emocionalmente. Essa cota tem a ver com o que Sigmund Freud (1856 - 1939) denominou pulsão de morte (1920), tendência que age no funcionamento mental, lado a lado com a pulsão de vida.
A pulsão de morte é marcada pela fragmentação do eu, assim como de tudo que é percebido, com a função de desvincular as partes. A pulsão de morte age na carência da pulsão de vida, que, por sua vez, tem função de ligação. 
Melanie Klein (1882 - 1960), expandindo para além de Freud, propõe a fragmentação como característica central da maneira primitiva do bebê funcionar, descrita por ela como posição esquizoparanóide (1930).
Esquizo, que significa dividido e paranoide, que quer dizer perseguidor. Esse funcionamento mental tem a função de separar aquilo que é prazeroso do que é desconfortável, mantendo um afastado do outro. Frente a situações intoleráveis, ocorre a fragmentação para evitar o sofrimento. Os fragmentos intoleráveis são lançados no objeto através de mecanismo descrito por Klein de identificação projetiva. “O ego ainda está muito pouco integrado e, portanto, passível de cindir a si próprio, suas emoções e seus objetos internos e externos; mas a cisão também é uma das defesas fundamentais contra a ansiedade persecutória.” (Klein, 1955)
Contudo, conforme o vínculo entre mãe bebê vai se desenvolvendo, a posição esquizoparanóide evolui para a posição depressiva, onde ocorre a integração do eu e também do objeto percebido. “Eu diria que, mesmo que a cisão e a projeção operem intensamente, a desintegração do ego nunca é completa, enquanto a vida existir.” (Klein, 1955) Em suas NOTAS SOBRE ALGUNS MECANISMOS ESQUIZÓIDES, Klein descreve a capacidade do bebê de suplantar a desintegração temporária devido a grande resiliência e capacidade de recuperação da mente da criança.
No fluxo do desenvolvimento saudável, a desintegração, experimentada pelo bebê é transitória. “A gratificação por parte do objeto bom externo, entre outros fatores, ajuda reiteradamente a transpor esses estados esquizoides.” (Klein, 1946) Nisso o amor da mãe é o maior recurso integrador para o bebê e acolhedor de ansiedades psicóticas. “Através dos processos alternantes de desintegração e integração, desenvolve-se gradualmente um ego mais integrado, com maior capacidade de lidar com a ansiedade persecutória.” (Klein, 1952)
Num sujeito em que a parte neurótica da mente esteja predominante, temos a desintegração ocorrendo através do mecanismo de repressão. A partir de partes reprimidas, por conta do impulso que foi rejeitado no mundo externo, ocorre uma divisão do eu. Nessa configuração, uma parte pressiona na direção do impulso e outra parte reprime essa tendência, criando assim, uma tensão conflituosa. “O desenvolvimento de conceitos fundamentais para a psicanálise, como é o caso da ideia de repressão, tem seu embasamento nessa ordem de incapacidades, geradoras de divisão do eu, que assim dividido passa a desenvolver sintomas para manter-se funcionando.” (Martino. 2018)
Já no sujeito que tenha a predominância do desligamento com a realidade, ocorre certa desintegração psicótica. Essa forma de fragmentação acontece por conta da cisão de partes da personalidade que são negadas no eu e então projetadas no outro. Por conta de o ego não poder contar com uma formação bem estruturada, o sujeito não consegue se utilizar do mecanismo de defesa da repressão. Isso ocorre por não ser capaz de tolerar a tensão gerada. Então, ele cinde, nega de si mesmo o que não tolerou e projeta num objeto do mundo externo que seja um possível continente de projeção. 
Seja ela no âmbito neurótico, em forma de repressão, ou no modelo psicótico, como cisão, a desintegração é sintoma de situações nocivas a vida.  Uma forma de defesa frente a um possível colapso no funcionamento emocional. Uma maneira de defender-se por conta de alguma configuração que não esteja funcionando de forma saudável. Além disso, toda forma de desintegração implica num empobrecimento no todo da personalidade, pois além de não poder contar com a energia da personalidade total, ainda ocorre uma inversão de energia, onde uma parte se volta contra a outra.
Provavelmente todo ser vivo reage a incitações nocivas com desintegração. A desintegração que ocorre no funcionamento mental do sujeito, também acontece no âmbito da sociedade, já que o grupo funciona analogamente ao funcionamento do indivíduo. Da mesma maneira, a fragmentação na configuração da sociedade também é um sinal de adoecimento. Jiddu Krishnamurti (1895 — 1986), nos alertou quanto a isso. "Isto é, a sociedade se está tornando sempre cristalizada, estática, e, por isso, desintegrando-se, constantemente.” (Krishnamurti. A PRIMEIRA E ÚLTIMA LIBERDADE, 1976). A sociedade está doente quando se divide por tom de pele, nacionalidade, gênero, orientação sexual... Ora, aquilo que ocorre no âmbito social, antes ocorreu na esfera emocional e afetivo. Aquele que desrespeita um negro, também desrespeita um branco, um pardo, um verde, ou qualquer que seja a cor. Isso ocorre, pois antes de tudo, não aprendeu a respeitar a si mesmo. Não pode haver mudança social sem transformação no ‘eu’.
“Por mais leis que se promulguem, e por mais sábias que elas sejam, a sociedade continua sempre no processo de decomposição, porque a revolução deve operar-se interiormente, e não, apenas, no exterior." (Krishnamurti, 1976).
Bem, quando tratamos de um sujeito que apresente desintegração psíquica, meios como o processo da psicoterapia são recursos por excelência para propiciar experiencias emocionais e afetivas que possam trazer grande chance de integração. No entanto, quando tratamos das massas, parece que não podemos contar com tanta esperança assim. A sociedade por si só, não é uma formação natural, já que o ser humano não tem um instinto agregador, logo já nasce conflituosa. Freud nos orientou de forma muito clara, em seu texto PSICOLOGIA DE GRUPO E A ANÁLISE DO EGO, de 1921, quanto a ausência de um instinto gregário no ser humano. Freud exemplifica esse fato lembrando que, “O medo da criança, quando está sozinha, tampouco é apaziguado pela visão de qualquer fortuito ‘membro da grei’; pelo contrário, é criado pela aproximação de um ‘estranho’ desse tipo.” (Freud, 1921) Sendo assim, exceto e tão-somente com a chegada da vida adulta, não se vê tendências gregárias ou convergência aos grupos nas crianças.
O ser humano tem sua natureza narcisista, aprendendo arduamente a conviver em sociedade e o faz por conta de conveniências, em grande parte, a partir das falhas na estrutura da família.
Buscamos inutilmente na sociedade, aquilo que nos faltou no seio do lar.



BION, W. R. SOBRE ALUCINAÇÃO, in ESTUDOS PSICANALÍTICOS REVISADOS - SECOND THOUGHTS, tradução de Wellington M. de Melo Dantas. 3ª ed. revisada - Rio de Janeiro: Imago, Ed., 1994, originalmente publicado no International Journal of Psycho-Analysis, vai. 39, parte 5, 1958.
_________. (1961). EXPERIÊNCIAS COM GRUPOS. Rio de Janeiro: Imago, 1975.
FREUD, S. (1996). ALÉM DO PRINCÍPIO DO PRAZER. In J. Strachey, Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol. 18). Rio de Janeiro: Imago. (Originalmente publicado em 1920)
_______. PSICOLOGIA DE GRUPO E A ANÁLISE DO EGO. In J. Strachey, Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol. 18). Rio de Janeiro: Imago. (Originalmente publicado em 1921).
_______. O EGO E O ID. In J. Strachey, Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol. 18). Rio de Janeiro: Imago. (Originalmente publicado em 1923)
MARTINO, Renato Dias. ACOLHIDA EM PSICOTERAPIA - 1. ed. - São José do Rio Preto: Vitrine Literária Editora, 2018.
KLEIN, M, (1930) A IMPORTÂNCIA DA FORMAÇÃO DE SÍMBOLOS NO DESENVOLVIMENTO DO EGO. In: ______ AMOR, CULPA E REPARAÇÃO. Rio de Janeiro: Imago, 1996. 
______. (1935/1996). UMA CONTRIBUIÇÃO À PSICOGÊNESE DOS ESTADOS MANÍACO-DEPRESSIVOS. AMOR, CULPA E REPARAÇÃO e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago.
_______. (1946). A CISÃO EM CONEXÃO COM A PROJEÇÃO E A INTROJEÇÃO, em NOTAS SOBRE ALGUNS MECANISMOS ESQUIZÓIDES. In Inveja e gratidão e outros trabalhos (1946-1963) / Melanie
Klein: tradução da 4 ed. inglesa; Elias Mallet da Rocha, Liana Pinto Chaves (coordenadores) e colaboradores. — Rio de Janeiro: Imago Ed., 1991. 
_______. (1952). ALGUMAS CONCLUSÕES TEÓRICAS RELATIVAS À VIDA EMOCIONAL DO BEBÊ. In Inveja e gratidão e outros trabalhos (1946-1963) / Melanie
Klein: tradução da 4 ed. inglesa; Elias Mallet da Rocha, Liana Pinto Chaves (coordenadores) e colaboradores. — Rio de Janeiro: Imago Ed., 1991. 
_______. (1955/1991). SOBRE A IDENTIFICAÇÃO. Em Inveja e Gratidão e outros
trabalhos (pp.169-205). Rio de Janeiro: Imago.
KRISHNAMURTI. J. A PRIMEIRA E ÚLTIMA LIBERDADE, EDITORA CULTRIX, São Paulo.1976.




terça-feira, 8 de novembro de 2022

CONHECIMENTO, INTELIGÊNCIA E MATURIDADE

Conhecer algo é saber informações sobre isso que se acredita conhecer. Sendo assim, o conhecimento parece ser uma capacidade diretamente subordinada a memória. É um processo que reúne a captação sensorial do que se esteja conhecendo, o armazenamento dos dados reunidos sobre isso na memória e o posterior resgate dos dados armazenados, o que permite a repetição dessas informações. Ou seja, a captação do que está no passado, acreditando que servirá para algo que está no futuro. Sendo assim, tratamos de uma experiência acumulativa, logo, que está sujeita à saturação. O conhecimento não depende da inteligência, que, por sua vez, está dentro de outra esfera de capacidades. Além disso, aquele que consegue não atribuir emoções ou afetos a esses dados, tem maior capacidade de armazenamento e resgate do conhecimento. Esta capacidade está muito próxima do funcionamento do corpo físico. Parece que, naquele que tem maior capacidade de conhecimento, existe uma predisposição cerebral mais favorecida.

Já a inteligência diz respeito a saber relacionar entre si, as informações que se tem sobre algo. Parece estar ligada a capacidade de articular esses dados do conhecimento, estabelecendo conexões, coesões, assim como, atribuir alegorias e ilustrações, que irão formar um sistema dedutivo. No entanto, isso deve ocorrer restritamente dentro do nível teórico. A inteligência, que está subordinada a capacidade de conhecimento, não depende da saúde mental, nem da maturidade, ou ainda, da saúde emocional, ou afetiva. Assim como na capacidade de conhecimento, também aquele que consegue não associar emoções e afetos aos dados a serem articulados, parece ter maior êxito no que se refere a inteligência. Um sujeito inteligente é aquele que se mostra esperto, astuto, que age de maneira premeditada, tentando se antecipar as possibilidades e consequências das situações. 

O funcionamento emocional, parece estar ligado a capacidade de administrar o fluxo dos sentimentos e com isso, a possibilidade de contenção das emoções. “A palavra emoção aqui é entendida como indicando um movimento de dentro para fora, assim como indica a semântica. Do latim ex-, “fora”, mais movere, “mudar”.” (Martino, 2015) A saúde emocional tem como base a possibilidade de acolher-se a si próprio, respeitando seus próprios limites, propiciando o acordo de suas emoções com suas ações. Não diz respeito a reprimir aquilo que se sente, mas perceber, reconhecer, respeitar e aprender a se responsabilizar por isso. O desenvolvimento da maturidade, da mesma forma, a manutenção da saúde, na esfera emocional, depende diretamente da capacidade de tolerar frustrações. É possível, até mesmo, afirmar que a maturidade emocional é aprender a perder. O nível de maturidade emocional está ligado a capacidade de pensar. A saúde no nível emocional permite pesar, ponderar, ou ainda refletir sobre sentimentos e emoções, que brotam do mundo interno, assim como, sobre as informações obtidas do mundo externo. 

O funcionamento no âmbito afetivo, assim como sugere o conceito, tem a ver com aquilo que afeta o sujeito. Portanto, para que possa se desenvolver a maturação do mesmo modo que a saúde afetiva é imperiosa a participação do outro. Se refere a capacidade de ligar-se e dar manutenção aos vínculos afetivos. Essa capacidade depende do desenvolvimento e saúde da maturidade emocional, onde, quanto maior o desenvolvimento da capacidade emocional, maior será o da capacidade afetiva e assim mutuamente. “O conceito de afeto que nos auxilia aqui se inicia pela sílaba a, na pre¬posição latina ad que quer dizer deslocamento para uma direção, seguida do verbo facere, ou ficere, que significa fazer.” (Martino, 2015) Alguém que possa se dispor a acolher o conteúdo caótico que brota do sujeito e devolver algo que possa dar um sentido a isso. No início da vida, esse trabalho é o exercício da maternagem, que por sua vez depende da função paterna para resguardar seu cumprimento bem sucedido. Quando alguém tem conhecimento sobre algo, diz-se que ele tem ciência do que conheceu, no entanto, quando ele é capaz de compartilhar esse conhecimento com o outro, passa a ter, então, consciência. Emoções, assim como os afetos são ligados, simbolicamente ao coração, já o conhecimento e a inteligência ao cérebro. Sendo assim, quanto menor for o envolvimento emocional e afetivo, maior será a autonomia da inteligência.

Depois dessas reflexões, se torna importante lembrar que toda articulação da inteligência é sempre limitada, já que só pode ser possível ter um conhecimento parcial daquilo que se imagina saber. Além disso, esse conhecimento parcial só pode abranger a realidade no âmbito material, onde se pode ter acesso pelo aparato sensorial. 


MARTINO, Renato Dias. O LIVRO DO DESAPEGO – 1ª ed. São José do Rio Preto, SP: Vitrine Literária Editora, 2015.








Prof. Renato Dias Martino

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terça-feira, 4 de outubro de 2022

INVESTIMENTO NA REALIDADE

Quando tratamos da saúde emocional, estamos cogitando sobre o fator norteador do desenvolvimento humano como um todo, já que dela depende a autonomia do funcionamento integral de cada um de nós. Um sujeito que se desenvolve emocionalmente, consequentemente se torna capaz de administrar todas as outras dimensões da sua vida, desenvolvendo autonomia, inclusive para se capacitar a auxiliar o próximo. Por outro lado, aquele que não desenvolve a maturação saudável no âmbito emocional, tende a continuar subordinado aos cuidados do outro. Portanto, aquele que não se desenvolve emocionalmente, também não consegue se desenvolver afetivamente, já que só se torna capaz de amar o outro, aquele que não depende dele para viver. 

A saúde emocional-afetiva está diretamente relacionada a administração no investimento de energia, ou do interesse e isso está subordinado à capacidade de continência emocional. Uma das características dessa ordem de saúde é o nível do acordo que se possa entrar com a realidade e a realidade se manifesta somente no tempo presente. Sendo assim, saúde emocional coincide com a possibilidade de manter as energias investidas no aqui, no agora.   

A manifestação da intolerância as frustações é um sinal de que o funcionamento emocional não está saudável, ou ainda, indica imaturidade dessa ordem de funcionamento. Essa intolerância ocorre justamente em relação ao presente, cheio de incertezas e não disponível ao conhecimento. Ocupar-se do presente requer tolerância. Já na situação da intolerância, o sujeito desloca seu interesse para o passado, nos registros da memória, assim como no futuro, na projeção da expectativa.
Sentimentos intensos de ansiedade e angústias são características desse quadro. Esses sentimentos também fazem parte de um funcionamento saudável, assim como da maturidade emocional, no entanto, aparecem extremamente intensos, espaçosos e muitas vezes predominantes, no funcionamento que não seja saudável, ou mesmo, quando imaturo. 

O sentimento de ansiedade se relaciona com a energia investida em algo do tempo futuro. Incapaz de tolerar aquilo que ocorre no presente, o sujeito se apega às expectativas, se preocupando com aquilo que ainda não ocorreu e que nem se sabe se realmente ocorrerá. A preocupação com o futuro impede o sujeito de se ocupar com o presente, adequadamente. Já a angústia tem a ver com a energia investida naquilo que está no passado. Incapaz de tolerar aquilo que está acontecendo no presente o sujeito foge para os dados armazenados na memória, apegando-se a eles. No entanto, acaba por criar uma emboscada para si mesmo, já que amiúde, passa a se culpar, se condenando e com isso tendendo a se punir por aquilo que supostamente ocorreu. Priva-se das alegrias no presente, assim como, se perde nas preocupações, temendo a perda no futuro. 

Sendo que nas duas situações o objeto de investimento é ilusão. Falsas realidades mantidas pelo investimento de energia, na incapacidade de lidar com o presente. Ainda assim, toda energia investida, seja no passado ou no futuro, é assim desperdiçada. O que implica diretamente na diminuição da energia necessária para o desempenho das experiências no tempo presente. 

No entanto, não se escolhe onde se investir energia. O que pode ser possível, na melhor das hipóteses, é desenvolver a tolerância aos desconfortos e nisso, o processo psicoterapêutico é um meio por excelência para o desenvolvimento de recursos para tanto.






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sábado, 3 de setembro de 2022

DA MORAL À ÉTICA


Logo de início, é importante alertar para o fato de que esse não é um texto que trata do tema da diferenciação do que é moral e o que poderia ser chamado de ética, restrita ao âmbito teórico, mas temos aqui uma tentativa de refletir como essas duas configurações podem se manifestar no funcionamento mental. Tratamos aqui da reflexão de duas características que se manifestam na personalidade, revelando alguns modelos de funcionamento psíquico. Sendo que, esses modelos influenciam desde a vida afetiva e emocional, até a forma como se possa relacionar-se com o mundo material.

De maneira geral, quando tratamos da ideia da moral, falamos de um conjunto de normas que se desdobram em costumes e até mesmo em formas de pensar, aplicáveis, sobretudo, no âmbito do grupo social. Sendo assim, a moral é algo que se aplica estritamente, tendo o outro como demanda. Logo, a moral irá definir o que se deve ou não se deve fazer em sociedade. Se instala como norma da civilização e deve gerir e reger esse universo de maneira geral, unificando e regulando um “modos operantes”, por assim dizer. A palavra vem do Latim MORALIS, “comportamento adequado de uma pessoa em sociedade”, literalmente “relativo às maneiras, ao comportamento”, de MOS, “costumes, maneiras, modo de agir”. Essa normatização de conduta é passada de geração para geração através do processo educativo. A saber, a palavra educar vem do Latim educare, e significa literalmente “conduzir para fora”. “Dentro dessa perspectiva a prática da educação desloca o sujeito de si mesmo indicando o desejo do outro.” (Martino, 2013) A conduta moral parece ser inseparável do medo da punição e na realidade, parece se manter tão somente por conta disso. Isso gera uma forma falsa de conduta, já que é desenvolvido para se defender. 
Por outro lado, enquanto a moral está relacionada às regras de conduta, a ética se ocupa dos princípios que orientam as ações. A palavra ética parece vir do grego ethos, que significa, "hábito", "comportamento", "modo de ser". No entanto, a prática da ética parece ir muito para além da dimensão superficial na forma como o sujeito se comporta, mas diz respeito a experiências mais profundas do funcionamento mental. Ética é algo muito particular e subjetivo, por conta disso, acaba por receber definições distintas, a depender da profundidade da experiência de cada um que tente defini-la. Cada um tem um nível de capacidade no reconhecimento e acordo que se possa ter com a realidade e isso parece definir a extensão da ética de cada um. 

A ética parece estar diretamente subordinada ao respeito. “O respeito é um modelo de vínculo que admite a habilidade de reverência e inclui a capacidade de se relacionar com grande consideração.” (Martino, 2013) Respeito não está ligado à exigência, já que se desenvolve naturalmente e tão somente conforme a maturação emocional afetiva. O conceito de respeito deriva do Latim respectus, particípio passado de respicere, “olhar outra vez”. Do re, “de novo”, mais specere, “olhar”. Sendo assim, respeitar é prestar atenção novamente e a ética está diretamente ligada a capacidade de prestar atenção. Enquanto a moral é filha do medo da punição, a ética é uma expansão da capacidade de amar. 

Prestar atenção é uma forma nobre de amar. A moral leva o sujeito a tratar o outro com educação, para que o outro também o trate assim, já a ética é o ato de respeitar o outro assim como se respeita a si próprio. Da mesma forma, só pode ser capaz de amar o outro, aquele que aprendeu a amar a si próprio. Diferente da moral, que é repassada através da educação, o respeito é aprendido a partir de modelos. Assim como o amor, onde só aprende a amar a si mesmo aquele que foi amado pelo outro, respeita-se a si mesmo somente aquele que foi respeitado e assim, passa a ser capaz de respeitar o outro, também.

A moral é uma característica da instância estrutural da qual Sigmund Freud (1856 – 1939) chamou de superego. Um agente crítico interno que é estruturado por um ideal de eu, que gera um critério do que se deveria ser. “Freud delineia o superego como sendo uma estrutura mental que se nutre da influência crítica dos pais, que é transmitida através da voz, e se estendendo para professores, treinadores, líderes religiosos, chegando até a opinião pública.” (Martino, 2018). Em contrapartida, a ética é um atributo da parte estrutural da mente denominada por Freud de ego.

“Sendo o componente mais organizado na estrutura da personalidade, junto com id, que é o representante das necessidades mais básicas, e o superego, parte da mente que se coloca como juízo censor e crítico, o ego forma o esquema criado por Freud chamado Segunda Tópica da Mente.” (Martino, 2015)

O superego é estruturado através de proibições e critérios de conduta, o que coincide com preceitos morais. Já o ego é estruturado e nutrido através de vínculos afetivos bem sucedidos. Enquanto a moral diz respeito ao que se deveria ser, a ética está ligada a aquilo que se está sendo. 

A única maneira de aprendermos o que é respeito é no convívio com alguém que nos respeite. É assim que aprenderemos nos respeitar e somente dessa forma nos tornaremos capazes de respeitar os outros. Isso configura-se no que chamo aqui de ética. No entanto, podemos ser educados por alguém que não nos respeita, assim passamos a tratarmos o outro com educação, mesmo sem termos respeito por ele. Temos então, a dita moral.


MARTINO, Renato Dias. O amor e a expansão do pensar: das perspectivas dos vínculos no desenvolvimento da capacidade reflexiva, 1. ed. São José do Rio Preto, SP: Vitrine Literária Editora, 2013.

___________________. O LIVRO DO DESAPEGO – 1ª ed. São José do Rio Preto, SP: Vitrine Literária Editora, 2015.

___________________. ACOLHIDA EM PSICOTERAPIA – 1ª ed. São José do Rio Preto, SP: Vitrine Literária Editora, 2018.


quinta-feira, 4 de agosto de 2022

DAS FUNÇÕES BÁSICAS AOS MOVIMENTOS IDEOLÓGICOS

 


A estruturação da personalidade acontece nos primeiros anos da vida. Está diretamente subordinada ao cumprimento bem sucedido da função materna, que a saber, só pode ocorrer quando resguardada pela função paterna suficientemente bem cumprida. Falhas no cumprimento bem sucedido dessas funções básicas têm inúmeros desdobramentos, sendo que na grande maioria dos casos acarretam consequências perturbadoras, turbulentas e inclusive indeléveis.

A privação da função materna pode vir a gerar formações neuróticas com desdobramentos, tanto em conversões no corpo, nas doenças psicossomáticas, quanto na obstrução de ligações e manutenção de vínculos saudáveis. Quando essa privação ocorre numa idade muito precoce, pode vir a ter implicações ainda mais graves, num modelo psicótico e até mesmo autista. No que se refere à falha da função paterna, as consequências estão diretamente ligadas a dificuldade no reconhecimento dos limites, gerando tendências à delinquência, violência e hostilidade, tanto para consigo mesmo, quanto para com o outro. A falha no cumprimento suficiente da função paterna na vida da criança, ainda pode se desdobrar em incapacidades na autonomia financeira, na autoconfiança, assim como conflitos na orientação sexual do adulto.

Outra forma de manifestação dos desdobramentos das falhas no cumprimento suficiente das funções básicas, são percebidas nos movimentos sociais de cunho ideológico, assim como proposto pelo filósofo francês Destutt de Tracy (1754 – 1836). Ou ainda como propõe Karl Marx (1818 – 1883), em seu livro A IDEOLOGIA ALEMÃ, de 1846. Para Marx, a ideologia é uma falsa consciência da realidade, que oculta a realidade. Certa percepção da realidade que toma uma parte como se fosse a totalidade.

Um discurso que dissimula a realidade, mostrando apenas aparências, ocultando a essência, já que são construídas através de percepções sensoriais do mundo externo. Ações coletivas que adotam preceitos que segregam os seres humanos em classes, separando-os por cor, raça, sexo e por aí a fora.

Movimentos sociais ideológicos são originados das dificuldades na elaboração de complexos emocionais e afetivos no âmbito pessoal. Essa dificuldade no desenvolvimento emocional tem um reflexo direto na forma como esse sujeito vê o mundo e reconhece a realidade. Aquele que tenha vivido uma grande privação e ainda assim, tenha sobrevivido, mas não tenha conseguido elaborar essa falta, pode criar a convicção de que ninguém mais no mundo precisa daquilo que lhe faltou. Quando inúmeros indivíduos que compactuam com esse tipo de ideias se unem com outros surge os movimentos sociais ideológicos.

Dificuldades que não tenham sido bem elaboradas no âmbito privado acabam por transbordarem no âmbito público. Uma grande dependência do governo e dos poderes públicos, pode se estabelecer como uma tentativa de compensar uma falha na nutrição primitiva, no vínculo com a mãe, assim como problemas com a polícia, ou mesmo com a justiça, podem derivarem de falha no reconhecimento dos limites, que é fator da função paterna. O que um dia foi o medo infantil da rejeição da mãe e depois do pai, hoje se tornou o medo da rejeição social.

Nesse domínio, esforços são efetuados numa tentativa infecunda de mudar o mundo, mas na realidade, não está sendo capaz de tolerar algo que está dentro de si mesmo. Enquanto uns procuram mudar o mundo, outros buscam aprender com o mundo, como se tornar alguém melhor.






EAGLETON, Terry. Ideologia. São Paulo: Unesp, 1997.

VINCENT, Andrew. Ideologias políticas modernas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.






Prof. Renato Dias Martino

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