terça-feira, 12 de março de 2024

LEMBRANÇAS, EXPECTATIVAS E RECONHECIMENTO - Prof. Renato Dias Martino




MEMÓRIA E IMAGINAÇÃO

Aquilo que a gente se lembra, aquilo que que a gente resgata enquanto dados armazenados na memória está muito próximo do daquilo que a gente cria. Muitas vezes, se confundem. A gente tem uma dificuldade muito grande de prestar atenção nas coisas. Quando a gente olha para alguma coisa, quando a gente vive alguma coisa, a maior parte da nossa percepção disso diz respeito a uma tentativa de aproximar isso de algo que a gente já viveu. Então, o que a gente lembra não é o que ocorreu, mas é aquilo que a gente imagina ter ocorrido.

EXPECTATIVAS 

A expectativa é a fonte das frustrações. O futuro nunca vai ser da forma como a gente deseja, como a gente espera que seja. O futuro é mistério, o futuro é incerto. E quanto mais a gente conseguir rebaixar as nossas expectativas... Não é, não criar expectativas, não dá para não criar expectativas. A gente vai criar expectativa naturalmente, mas o importante é ser capaz de rebaixar essas expectativas. Não cultivá-las, não incentivá-las. Quanto mais a gente conseguir rebaixar, mais de acordo com a realidade a gente vai estar.

PRESENTE

Aquele que consegue viver o presente é agraciado, porque nós temos uma dificuldade muito grande de viver o presente. Porque o presente não admite o conhecimento. Você não pode conhecer o presente. Você pode, no máximo, vivê-lo, se você tiver de bem consigo mesmo. E isso é desconfortável. Lidar com algo que não pode ser conhecido só pode ser vivido.




terça-feira, 5 de março de 2024

DO ÉDIPO AO SUPEREGO - Prof. Renato Dias Martino



Quando a gente fala de Édipo, normalmente a gente tem a ideia de que existe ali, uma triangulação onde duas figuras estão unidas e vem uma terceira para cortar esta relação. Esta colocação é extremamente inadequada. 

CORTE, TRANSFORMAÇÃO E ENRIQUECIMENTO 

A entrada do pai não promove corte algum, ele vai promover um enriquecimento, ele vai vir para trazer uma possibilidade de influência para que esta relação, entre o filho e a mãe possa se enriquecer, possa se transformar. É um ponto de transformação e não de corte. Os lacanianos se apossaram dessa palavra corte, castração e trazem uma um empobrecimento na possibilidade de associação do que se tem como teoria, na prática. A entrada do pai é um fator enriquecedor, que vai possibilitar a desobstrução da relação filho e mãe, para que esta relação possa se transformar em algo adequado. Então, quando a gente está falando de triângulo edípico, nós estamos falando de uma configuração que vem para trazer uma possibilidade de transformação e não de ruptura. O vínculo entre mãe e filho se enriquece com a entrada do pai.

NOVA DIMENSÃO E ADEQUAÇÃO

Todas as configurações triangulares que o sujeito virá experimentar no futuro, vão estar de alguma forma subordinadas à elaboração daquilo que o Freud chamou de complexo de Édipo. O Freud trouxe o mito de Édipo, mas você não precisa do mito de Édipo para que você possa entender a configuração triangular. O próprio triângulo, a própria geometria já é o suficiente para que você possa perceber aí, dois pontos e um terceiro ponto que promove, não um corte, mas uma nova dimensão para esta configuração. O ponto não corta, ele traz uma nova configuração. A entrada da função paterna precisa ser algo enriquecedor para relação. Ele traz a possibilidade de enriquecer o relacionamento que o filho tem com a mãe. Ele traz a possibilidade de se esclarecer as possibilidades vinculares entre filho e mãe. A função paterna real e saudável é aquela que traz a possibilidade de adequação da relação filho e mãe.


PARA KLEIN


Irá ganhar uma nova configuração por conta da função paterna que passa a integrar o mundo emocional-afetivo da criança. Para Melanie Klein, o complexo de Édipo já existia dentro daquilo que ela chamou de um Édipo arcaico, de um proto-superego, por assim dizer. Um período pré-edipico que na fase fálica vai tomar uma configuração exteriorizada, por assim dizer. Como é que se dá esta configuração pré-edipico, no que a gente vai chamar de superego arcaico, dentro da configuração kleiniana? Melanie Klein, dentro daquilo que ela chamou de posição esquizoparanóide, divide o bebê. Vai dividir a realidade em duas, cindindo essa realidade em dois. Uma parte é benevolente, uma parte vem para satisfazer e a outra parte está ligada à privação e é um seio persecutório. Então, seio bom e seio mau. O seio bom é aquele que vem e satisfaz e o seio mau é aquele seio que priva da satisfação. Por mais que o sujeito esteja desfrutando do seio bom, ele está o tempo todo com medo da perseguição do seio mau. Então, se a gente está falando de sei o bom e sei o mau e o sujeito, nós estamos falando então, de uma triangulação. O superego primitivo, ou arcaico é um superego persecutório, é aquele perseguidor, é aquele que que vem ameaçar a paz do bebê com o seio bom. Diferente do superego proposto por Freud na fase fálica que é o herdeiro do complexo de Édipo fálico, que é o superego legislador. É aquele que traz a lei, é aquele que vai trazer o que pode e o que não pode. A princípio, o bebê vai viver um superego persecutório e depois ele vai, através da entrada do pai, transformar esse superego num superego legislador. O sujeito que tem a preponderância, ou a predominância da parte psicótica, não conseguiu essa transformação de superego persecutório para um superego legislador. O superego legislador é aquele que vai ser o fiscalizador, ou o fiscal das neuroses, dos sintomas neuróticos e o superego persecutório é aquele que vai atormentar as alucinações psicóticas.

PARA FREUD

Para o Freud, o superego é um herdeiro do complexo de Édipo e para o Freud o complexo de Édipo acontece na fase fálica. Então, na elaboração do complexo de Édipo na fase fálica, para Freud, aparece o superego para ele. Antes não tinha superego e o que que é o superego para o Freud é a possibilidade de elaboração do complexo de Édipo. As questões edípicas. Ideal de eu. O que então, deveria ser. Então, este superego, ao mesmo tempo vai cobrar que o sujeito tem a mãe só para ele e também, ao mesmo tempo, vai negar e proibir que ele possa ter esta mãe para ele. E quando esse pai não exerce uma função suficientemente boa, isso passa a ser um elemento extremamente perturbador na configuração da estrutura mental do sujeito.

PERSEGUIÇÃO E LEGISLAÇÃO

Um sujeito que tem a predominância da parte psicótica da mente, ele não tem a ligação razoável com o mundo externo, logo, as leis para ele fazem muito pouco sentido. Toda figura de autoridade vai significar perseguição e não legislação. Todas as vezes que houver um contato, tanto com a figura externa de autoridade, quanto com a figura interna de autoridade. Este contato será um contato de perseguição de alguém que vem me sondar com um olhar que fica o tempo todo à espreita. A alucinação do psicótico, a miúde, tem esta figura de perseguidor independente de leis ou não. Não tem a ver com lei, tem a ver com perseguição. Estão me perseguindo! E o superego legislador é mais fácil ainda, porque todo o sintoma neurótico acontece por conta de uma proibição, de uma proibição da civilização. Como é que se desenvolve um sintoma neurótico? O sujeito reprime um desejo perverso, por ser proibido civilizatoriamente, dizendo, e a partir dali, ele elege um substituto, que é permitido pela sociedade e ali ele desenvolve o seu sintoma. Todo o sintoma neurótico perpassa por uma proibição civilizatória social.

PARA BION

O Bion observa um uma outra característica do Édipo. Não restrita a ideia do crime sexual e do parricídio, mas ele vai para além. Ele percebe ali, a forma arrogante que o Édipo lida com a verdade. Quando ele manda buscar o Tirésias e pergunta quem foi que matou Laio. Conforme o Tirésias vai revelando ali a verdade, o Édipo vai se enfurecendo, ficando hostil e lidando com arrogância frente essa verdade. Mesmo dentro do Édipo, fora dessa configuração, se estabelece mais um triângulo. Não mais em relação a Laio e Jocasta, mas agora em relação à verdade e o Tirésias. Então, mais um triângulo aí que não tem a ver com sexualidade. Mas o Édipo gostaria que a realidade fosse uma coisa e o Tirésias traz a verdade que não é aquilo que o Édipo gostaria que fosse. Então dentro da história do Édipo se instala um novo triângulo que é uma extensão do próprio triângulo edípico, onde o Édipo deseja que a realidade seja alguma coisa e o Tirésias diz que a realidade não é aquilo que ele deseja.

MODELO EDÍPICO

Quando a gente fala de triângulo edípico, triangulação do Édipo, do complexo de Édipo, nós não estamos falando somente da ideia sexualizada, mas nós estamos falando aqui, de uma experiência onde há um objeto de desejo e algo a ser respeitado na tentativa de conseguir este objeto de desejo. O sujeito, um objeto de desejo e algo que precisa ser respeitado na direção de conseguir este objeto de desejo. Não somente, sujeito, mãe e pai. Ou sujeito, pai e mãe, mas sujeito algo que ele deseja e algo que barra a realização desse desejo. Então, este é um modelo que vai para além da simples triangulação no desejo da criança obter a mãe exclusivamente para ele e excluir o pai desta relação.


domingo, 25 de fevereiro de 2024

AFINIDADES - Prof. Renato Dias Martino


Quando o sujeito não vive vínculos saudáveis que sejam nutridos de amor e de verdade ele tende a adoecer. Para ele nutrir um vínculo saudável consigo mesmo ele precisa estar se vinculando a pessoas que possam também nutri-lo desta forma. Que possam nutri-lo desses elementos. De amor e verdade. Quando o sujeito convive num ambiente que ele não pode estabelecer vínculos que tragam para ele amor e sinceridade ele tende a adoecer emocionalmente. A afinidade que se tem com o outro é a manifestação de que esse vínculo é saudável e conviver em ambientes onde não se tem afinidade é adoecedor.

AMOR E SINCERIDADE 

O vínculo de afinidade é aquele que traz amor e sinceridade. A palavra afines, ela diz respeito a algo que finda, que termina, ou seja algo que mostra um limite, entre o eu e o outro. Quando existe essa possibilidade do sujeito perceber o seu limite, reconhecer o seu limite e logo reconhecer o limite do outro, se estabelece um vínculo de respeito e afinidade entre duas pessoas. E quando eu falo afinidade, eu não estou falando de afinidade de coisas materiais fúteis ou banais, eu estou falando de afinidade no funcionamento emocional e afetivo. De você perceber que o outro funciona afetivamente como você. Se liga a você de maneira sincera. Se liga você de maneira afetiva e com sinceridade. Manifestando o limite que existe ainda.

IDENTIFICAÇÃO

Gostei daquela pessoa porque eu me identifiquei com aquela pessoa. Você se identificou com aquela pessoa, quer dizer que você se confundiu com ela. Uma ligação saudável precisa transcender a identificação que você se confundiu, se misturou com ela e expandir para uma afinidade porque a gente percebeu o limite entre o eu e o outro. AFINES quer dizer limite.


terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

EGO E DESAPEGO - Prof. Renato Dias Martino



O ego, ele é constituído por símbolos e os símbolos são formados através de experiências de desapego. Quando o sujeito é capaz de se desapegar de alguma coisa do mundo material, ele conseguiu uma “expansãozinha” no seu ego. Cada elemento que ele é capaz de dispensar a confirmação sensorial no mundo material, ele ganhou uma nutrição no seu ego. Quando o bebê é capaz de simbolizar a mãe, isso quer dizer que ele pode tolerar a ausência desta mãe material, física, concreta, porque ele consegue ter esta mãe dentro dele, conseguiu internalizar a imagem dessa mãe, logo, o ego dele foi nutrido. Logo, o ego dele começa a ser bem estruturado.

O EGO E O OUTRO

O sujeito que tem um ego bem estruturado, o sujeito que tem um ego nutrido, ele tem a característica da união, da junção, do acolhimento. Primeiro, de si mesmo e depois do outro. O ego é a parte da personalidade que organiza o funcionamento emocional e afetivo. Então, quanto mais bem nutrido o ego do sujeito estiver, mais capaz de se doar ao outro e ele será. Porque ele é capaz de doar-se a si mesmo, de confiar em si mesmo, de acreditar em si mesmo, de amar a si mesmo, de respeitar a si mesmo. Este é o ego. É a capacidade de estar de bem consigo mesmo. É a autoestima e esta autoestima quando bem nutrida se desdobra na estima do outro

EGO INFLADO 

Muitas vezes, quando a gente vê um sujeito manifestando uma característica que não inclui o outro, uma característica que a gente vai chamar de narcisista, isso não quer dizer que o sujeito tem um ego muito grande, quer dizer que o sujeito tem um ego inflado. Ego inflado não é um ego nutrido, ego inflado é um ego oco, que não tem nada dentro. Ego nutrido é um ego consistente. Quando, o sujeito tem um ego consistente, ele é um sujeito que é capaz de se compadecer com o outro. Então, muitas vezes, esse sujeito, o que ele tem muito grande é um superego, é um ideal de eu, é algo que exige que ele seja algo que ele não está sendo. O ego é aquilo que ele está sendo, o superego é aquilo que ele deveria ser e muitas vezes para conseguir aquilo que ele deveria ser, ele passa por cima do outro. Ele tem uma ideia de si mesmo, não por aquilo que ele está sendo, mas por aquilo que ele deveria ser e ele começa a tentar reafirmar isso que ele deveria ser, como se ele estivesse sendo, para o outro, de uma maneira impositora, muitas vezes sendo arrogante, prepotente.

ESTAR SENDO E DEVERIA SER

A gente tem o hábito de condenar o superego, condenar o ideal de eu. Ah, mas o meu superego é muito rígido, ele exige demais de mim. “Ah, mas meu ideal de eu é muito exigente, ele é muito severo!” Na realidade, o que está acontecendo é que você não está sendo capaz de acreditar em você mesmo. Você não está sendo capaz de acreditar naquilo que você está sendo. Então, o que vai te guiar é aquilo que você deveria ser, logo o ideal de eu, superego. Então, o vilão da história não é o superego. Ele está ali, para tentar administrar alguma coisa que você, enquanto estando sendo, não está dando conta de administrar. Todas as vezes que você não estiver acreditando em você mesmo, quem vai tomar conta do da sua vida é o “deveria ser”, é a exigência é a cobrança.

EGO E SOLIDÃO

Quando o sujeito é capaz de ficar sozinho, ele tolera a solidão, ele se qualifica para conviver com o outro de forma saudável. Quando o sujeito não tolera a solidão, não tolera ficar sozinho, ele está fadado a se tornar uma pessoa solitária, mesmo na presença dos outros. Então, o que qualifica o sujeito a conviver com as pessoas, a estar junto com as pessoas é a capacidade de estar sozinho consigo mesmo. O sujeito, muitas vezes, não tolera a sua própria companhia, ele não é uma boa companhia para si mesmo. Desesperadamente, precisa de alguém do lado dele e muitas vezes, esse alguém está do lado dele, não está do lado dele, na realidade. Está ali, fisicamente, mas emocionalmente e afetivamente, não está.

FUNÇÃO DE AMAR

É do Ego a função de amar. Só aprende a amar o outro aquele que ama a si mesmo e o amor que se tem para consigo mesmo coincide com um ego bem estruturado e bem nutrido. Sem um ego bem estruturado e bem nutrido o sujeito não é capaz de amar o outro. A definição mais próxima do que é ego, é a parte da personalidade que aprendeu com o amor do outro como é amar a si mesmo. O outro me amou, eu aprendi a me amar. A partir desse amor próprio, eu posso estender para o outro, eu posso me doar ao outro.

AMOR E EGOÍSMO

Lá em SOBRE O NARCISISMO: UMA INTRODUÇÃO, de 1914, o Freud coloca: “Um egoísmo forte constitui uma proteção contra o adoecer.”. Por que que ele fala isso? Porque, muitas vezes, você está implicado ali, envolvido num vínculo tóxico e você precisa de um egoísmo forte para te proteger desse vínculo tóxico. O Freud continua: “mas num último recurso devemos começar a amar a fim de não adoecermos.” Ou seja, depois de conseguir se distanciar desse vínculo, nós precisamos voltar a o exercício do amar, de se dedicar ao outro. E aí, ele continua: “estamos destinados a cair doentes se em consequência da frustração, formos incapazes de amar.” Categoricamente, o Freud coloca que, aquele sujeito que não está sendo capaz de amar, está fadado a cair doente emocionalmente e afetivamente.

VÍNCULO SAUDÁVEL 

Um vínculo saudável, um vínculo bem nutrido, um vínculo bem estruturado, impreterivelmente, precisa contar com dois elementos. Com amor e com sinceridade. Este amor é a doação e esta sinceridade é o limite para esta doação. Então, esses dois elementos juntos constituem a possibilidade de se estabelecer um vínculo saudável. A capacidade de renunciar a si mesmo pelo outro, mas dentro da sinceridade que vai trazer o limite do que isso é possível. Aí se estabelece um vínculo saudável.

EGOÍSTA FERIDO

Muitas vezes, o sujeito que manifesta características egoístas, na realidade, é um sujeito que está com o ego machucado, fragilizado, ou ainda, que este ego é um ego imaturo, que não conseguiu amadurecer. Quando o sujeito está manifestando características egoístas é porque o ego dele está precisando de cuidado. Mas quando se trata de um adulto, isso começa a se confundir, porque muitas vezes, ele não é capaz de pedir ajuda para isso. E aí, ele se manifesta de uma maneira arrogante, prepotente para se defender da sensação de ser alguém menor que o outro.

CORAGEM E AJUDA

Talvez a atitude mais corajosa que possa existir dentro do âmbito emocional e afetivo seja pedir ajuda ao outro. Muitas vezes, ele não tem coragem disso. “Cor + agem”. COR coração e AGEM ação. Ele não consegue agir pelo coração. Porque a razão dele diz assim: “Você não pode ficar pedindo ajuda. Você não pode dar o braço a torcer que você não consegue fazer as coisas sozinho.” E aí, ele se torna um sujeito arrogante e não age pelo coração.





quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

CATIVAR, SIMBOLIZAR E CONTEMPLAR - Prof. Renato Dias Martino



As três etapas da simbolização, que vai acontecer com o bebê, mas vai se estender como um funcionamento para a vida toda no adulto. Experimentamos de uma realidade concreta, de uma realidade física, de uma realidade sensorial, onde existe uma necessidade concreta, uma necessidade sensorial e existe um objeto concreto e sensorial no mundo externo, que vá suprir essa necessidade. Experimentamos, uma realidade concreta, uma realidade abrangida pelo sensorial, num segundo momento, no afastamento desta realidade sensorial, vamos viver uma imaginação sobre isso que não está presente naquele momento. Preciso de alguma coisa e esta coisa é concreta, é física e neste momento, esta coisa física e concreta não está presente, então, eu imagino sobre isso. Este é o real Imaginário. Se a relação que eu tive com este objeto real e concreto, foi bem-sucedida, esta imaginação vai me levar para a simbolização. Ou seja, eu internalizei este objeto concreto e por ter internalizado, por ter simbolizado este objeto, eu sou capaz de tolerar a ausência deste objeto que um dia foi concreto, imaginário. Isto se chama uma simbolização para psicanálise.

EU

Quando a gente fala de doação, de doar-se, de renunciar para o outro, antes a gente precisa estar de bem com a gente mesmo, antes a gente precisa ter sido nutrido o suficiente, antes do nós existe um eu. Então, eu não posso considerar o nós se eu não tiver de bem comigo mesmo. Eu preciso estar de bem comigo mesmo, para que eu possa estar de bem com o outro. Eu preciso amar a mim mesmo, para que eu possa amar ao outro. Eu preciso estar respeitando a mim mesmo, para que eu possa respeitar o outro. O ego é fundamental para que eu possa ter uma estrutura suficiente para me doar para o outro. Se o meu ego não estiver nutrido e bem estruturado, eu não consigo estender qualquer que seja a ação nobre para o outro.

LUTO E CONFIANÇA

O bom desenvolvimento da personalidade depende fundamentalmente, de ter vivido experiências bem-sucedidas com as pessoas e que estas experiências bem-sucedidas possam nutrir o eu nutrir o ego. Esta é a base de uma personalidade bem estruturada. O luto é fundamental! Quando se vive uma experiência bem-sucedida com um objeto externo e aqui objeto externo estou falando sobre pessoas vincula-se pessoas, quando essa pessoa se afasta, ela deixa recordações dessas experiências bem-sucedidas e essas recordações nutrem o ego. O sujeito vai ficando autoconfiante na medida em que ele sente que o outro confiou nele e ele pôde confiar nesse outro.

CATIVAR E ENTRISTECER 

A raposa do Pequeno Príncipe explica para ele o que quer dizer cativar. Quer dizer criar laços, quer dizer passar a ser necessário para o outro. Um precisar do outro. Um ser singular para o outro. Este é o primeiro passo da experiência. Primeiro cativa-me, depois inicia-se um processo de expansão do vínculo. A experiência da simbolização, a experiência do cativar, inclui a tristeza, inclui o entretecimento. É necessário se entristecer para simbolizar. Se eu evito o sofrimento, se eu evito o entretecimento, eu não consigo simbolizar. Para ter recordações, eu preciso ter perdido o objeto da recordação e isso é triste. O sujeito que não tolera se entristecer, ele não simboliza, ele não cativa, ele não vive.

EQUAÇÃO OU ANALOGIA

A Hanna Segal, ela traz a ideia da equação simbólica. O que que ela chama de equação simbólica? É a relação que o bebê tem com a mãe, enquanto a mãe ainda não está simbolizada. A mãe real, concreta, física a mãe do mundo externo e a mãe que está dentro dele coincidem, equacionam-se. Quando uma sai, a outra deixa de existir. Quando uma se ausenta, a outra deixa de existir. O bebê não é capaz de ter uma imagem internalizada da mãe, até então, para que possa sustentar a ansiedade e angústia da ausência dessa mãe. Aos pouquinhos ele vai simbolizando esta mãe. A partir das experiências bem-sucedidas que ele teve com essa mãe, ele vai simbolizando essa mãe. O que que é simbolizar? É introjetar experiências bem-sucedidas e sustentar-se na ausência dessa mãe com as recordações que ele tem dela. Então, a parte partir daí, este símbolo é como se fosse a mãe e aí a gente expande pra ideia da analogia simbólica na equação simbólica. “Isso” é “isso”. Se “isso” não existe, “isso” também não existe. Na analogia simbólica, “isto” é como se fosse “isso”. Então, se “isso” não está, “isso” sustenta a ausência “disso”. Porque “isso” é como se fosse “isso”. Dentro de um desenvolvimento do processo psicoterapêutico, o paciente pode viver de início a sensação de que a analista é a mãe dele, que o analista é o pai dele, ou que o analista é a mãe dele e quando ele está longe do analista ele sente uma angústia muito grande, porque quando ele está numa situação difícil ele não sabe o que fazer. Ou seja, ele vive uma equação simbólica. Aos pouquinhos ele vai internalizando as experiências que ele vai vivendo dentro do setting terapêutico e aí ele vai vivendo uma analogia simbólica.

ANALOGIA E RECORDAÇÃO

Não é só dentro do processo psicoterapêutico. Quando o sujeito começa por exemplo, um relacionamento amoroso, quando ele começa a se relacionar efetivamente com uma pessoa, ele vive isso também. No princípio, ele não consegue simbolizar esta pessoa e quando essa pessoa sai de perto, ele fica desesperado. Chama no WhatsApp e a pessoa não responde, liga e ela não atende e ele se desespera. Ou seja, ele ainda não tem essa imagem internalizada, ele ainda não conseguiu guardar experiências bem sucedidas com essa pessoa o suficiente para ter recordações desta pessoa. Recordar. “Re”, de novo, “cor”, coração e doar. Experiências que possam ser novamente dadas ao coração. Aos pouquinhos com vivências bem-sucedidas com esta pessoa, ele vai conseguindo simbolizar. E aí, ele vai conseguir fazer analogias simbólicas.

IDENTIFICAÇÃO

A ausência do outro é a ausência de mim mesmo. Porque existe ali, uma relação por identificação. Assim como Freud nos propôs, esta relação por identificação acontece quando o outro não é outro. O outro é um pedaço de mim e aí se o outro se ausenta é como se tivesse arrancado um pedaço de mim.

MELANCOLIA 

Por outro lado, quando a gente não consegue viver experiências bem-sucedidas e a gente perde o objeto sem poder ter vivido experiências bem-sucedidas com este objeto, o sujeito passa a olhar o mundo com maus olhos. Ele passa a ser uma pessoa invejosa, desgostosa, obstruída de contemplação.

SIMBOLIZAÇÃO E CONTEMPLAÇÃO

Quando o sujeito é capaz de viver a experiência da simbolização, quando ele é capaz de viver a experiência do cativar, assim como ensinou a raposa ao Pequeno Príncipe, ele enriquece não só o ego, mas ele se enriquece da contemplação do mundo. Porque esta recordação das experiências bem-sucedidas que ele teve com o objeto vai fazer com que ele olhe para o mundo externo e consiga contemplar o mundo externo de uma forma que ele não fazia anteriormente. Então, a raposa não ligava para os campos de trigo, mas depois de ter cativado o principezinho, ela olhava para os campos de trigo e se lembrava dos cabelos dourados do principezinho. Ou seja, ela não contemplava os campos de trigo e depois da experiência bem-sucedida da simbolização da relação com o principezinho, ela passou a contemplar os trigos.







Prof. Renato Dias Martino


domingo, 11 de fevereiro de 2024

CURA - Prof. Renato Dias Martino




Quando a gente fala de alguma coisa que chega na clínica psicoterapêutica, a gente tem esse olhar popular de cura e muitas vezes o Freud promoveu isso. Essa ideia de cura. Mas, não existe cura naquilo que a gente tem dentro do funcionamento emocional-afetivo. O que existe é ser capaz de aprender a respeitar isso. Então, quando o sujeito traz uma dor, uma angústia, uma ansiedade, gerada por algum conflito emocional ou afetivo, ele precisa ser capaz de aprender a reconhecer, respeitar e se responsabilizar por isso. E aí, isso aí vai se integrar a sua personalidade. Não acredito de maneira alguma, que algo possa ser curado dentro dessa dimensão. O que pode haver é aprender a conviver com isso de tal maneira que isso passa a ser integrado à sua personalidade. Então, se o sujeito tem esse ímpeto de buscar a aprovação do outro isso não vai deixar de existir, mas de alguma forma, vai ser contido, vai ser reconhecido, vai ser respeitado e o sujeito passa a se responsabilizar por isso e a partir daí, passa a se integrar a sua personalidade e aí ele começa a dar conta disso. Talvez um dia isso vá se amenizando aos pouquinhos, mas o psicoterapeuta que promete para o sujeito que vai haver uma cura, ele é um charlatão. Porque isso é impossível. Existe uma “pró-cura”, uma eterna procura, mas não uma cura e isso vai desde os sintomas mais brandos de neurose, até as questões mais severas dentro do âmbito psicótico. O trabalho é reconhecer, aprender a respeitar e se responsabilizar. Quando isso acontece, a gente já conseguiu um grande avanço na direção dentro das experiências da psicoterapia.



sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

RESPONSABILIZAÇÃO - Prof. Renato Dias Martino



Quando eu percebo que está se formando um vínculo, eu preciso reconhecer esse vínculo. Como é que eu reconheço esse vínculo? É percebendo se esse vínculo é saudável ou nocivo. Neste reconhecimento, eu vou, ou me aproximar mais, ou me afastar. Depois que eu reconheci, eu preciso passar a respeitar este vínculo. Respeitar, porque me aproximei, ou respeitar porque me afastei. Depois que eu aprendi a respeitar este vínculo, eu preciso passar a me responsabilizar por este vínculo. E aí, quando eu me responsabilizo por este vínculo, começa a se desdobrar em outras experiências nobres. Tanto na aproximação, quanto no distanciamento, eu preciso me responsabilizar. Quando o vínculo é bem-sucedido, e eu me aproximei mais, estreitei este laço, eu começo a criar uma confiança com o outro. Quando eu me afastei, porque eu percebi que este vínculo era nocivo, eu reafirmei a confiança em mim mesmo. Quando eu percebo que está havendo esta relação, está se formando, está se criando um vínculo e eu passo a reconhecer o formato desse vínculo, o teor desse vínculo. Se ele pode ser saudável ou nocivo. Eu não vou decidir me aproximar ou me afastar, eu vou avaliar e tomar uma atitude. Não tem decisão! Se eu decidir me aproximar, mesmo percebendo que é nocivo, eu estou iludido. E aí, essa decisão é um desdobramento da ilusão. Por outro lado, a mesma coisa. Se eu percebo que ali é uma possibilidade de criar um vínculo afetivo saudável e mesmo assim eu me afasto, eu decido me afastar. Também está havendo aí uma ilusão. Porque talvez eu não me sinta merecedor de estar num vínculo saudável. A questão central da responsabilização não passa pelo querer, não passa por eu não quero me responsabilizar. Na realidade, ele nunca teve alguém que foi responsável por ele e hoje ele não consegue se responsabilizar por si mesmo e por nada mais. Uma criança que teve que aprender a se responsabilizar por si mesmo muito cedo, ela não aprendeu a se responsabilizar, ela aprendeu a se virar, ela aprendeu a dar um jeito para continuar vivendo. Porque, a gente só aprende a se responsabilizar por nós mesmos a partir da responsabilização do outro. Quando eu percebo que meus pais se responsabilizaram por mim, eu aprendo a me responsabilizar por mim mesmo e passo a me responsabilizar pelas minhas ações, pelos meus atos. Nunca se responsabilizaram por mim, eu não aprendi a me responsabilizar por mim mesmo e não me responsabilizo por nada. Eu só me importo com aquilo que me é conveniente, que possa me trazer um benefício, que possa me dar uma recompensa. Esta é a máxima da sociedade contemporânea. Quando os pais não permitem que os filhos se desenvolvam e aprendam a se responsabilizar por si mesmo, eles têm um benefício com isso. Eles estão se tornando essa pessoa patologicamente dependente deles e se beneficiando disso. Estão garantindo ali, que não vão ser abandonados. Esses filhos não vão querer sair de perto deles. A fonte não seca e eles não têm que buscar água em qualquer outro lugar e eles com medo de abandono estão garantindo que não serão abandonados.



sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

Participação no Podcast Frequência Elevada - Prof. Renato Dias Martino




O QUE É PSICANÁLISE?


Uma definição legal da psicanálise é: Um recurso para se aprender a conviver com aquilo do qual não está de acordo com a minha expectativa. Então, muitas vezes, a gente se depara com a realidade e esta realidade não condiz com o meu desejo, então, a psicanálise é um recurso para que você possa aprender a lidar com esse desconforto que a realidade traz e que não coincide com aquilo que a gente gostaria que fosse.

ACEITAR

O aceitar ele é passivo. O aceitar, ele te leva para um lugar de comodidade, de comodismo, melhor dizendo. Então, talvez a gente pudesse usar a palavra respeitar, aprender a respeitar a realidade. Porque, aceitar a gente não vai aceitar e se a gente aceitar, a gente entrou num âmbito patológico. Todas as vezes que você aceita alguma coisa é porque você olha para aquilo e perdeu a esperança de qualquer transformação. Entendi! Olha só, eu não tinha pensado para esse lado. Por isso que eu tinha falado até “aceitar”. Realmente, quando a gente aceita algo está tudo certo. Aceito, então já... Pois é. Se acomoda e fica ali. Seria meio que ficar na zona de conforto. Pois é, é isso mesmo.

INCONSCIENTE 

Quais são as principais os principais conceitos da teoria psicanalítica? Assim... A psicanálise foi criada pelo Freud, Sigmund Freud. Foi ele que criou, mesmo? Ele que criou, ele que elaborou esta psicoterapêutica que hoje a gente chama de psicanálise. Os conceitos, o conceito fundamental da psicanálise é o inconsciente, a parte inconsciente da mente, isso é o esteio da psicanálise. A psicanálise está estruturada nisso. Onde você encontrar e inconsciente, você tem um viés psicanalítico.

DIFÍCIL É ADMITIR

Se você me permitir só fazer uma introduçãozinha. Assim, a psicanálise ela criou um ranço vocabulário particular e que traz uma complexidade do leigo entender isso é extremamente nocivo. A psicanálise é algo que precisa ser acessível a qualquer um. Então, entender psicanálise não é difícil, o difícil é admitir aquilo que a psicanálise traz.

ID, EGO E SUPEREGO

Id, ego e superego. Tem como falar para gente, explicar melhor isso para gente? Como que a gente como que a gente consegue entender isso aí? Vou explicar para você rapidamente o que o Freud chamou de segunda tópica, que é o modelo estrutural da mente. A personalidade se estrutura a partir dessas três instâncias. O id é a parte animal do ser humano, é a parte indomada, é aquilo que vem puro como uma vontade, como um instinto de impulsionar o sujeito em direção a as coisas da vida. Básico. Quando age por impulso. Seria dentro desse id? Seria a força do id. O id é puramente fome, é necessidade sexual... O id é aquilo que está numa num limiar do corpo para o psíquico. O superego é uma instância que é censora. O superego é aquilo que traz o “não”. Estabelece um deveria ser e o ego é aquilo que eu “estou sendo”. O ego é isto que eu estou sendo. Agora, todas as vezes que eu falar de ego, eu estou falando para você de algo que é fluxo e constante construção. Id, vontades instintuais, superego, instância censora, que determina o que eu deveria ser e ego aquilo que eu estou sendo. O ego é aquilo que eu estou sendo e o superego é aquilo que eu deveria ser. Então, todas as vezes que eu não... Esse deveria seria o que eu gostaria de ser? O que eu gostaria, o que a sociedade... Quando a gente pensa assim: poxa eu gostaria de ser assim, eu gostaria de fazer tal coisa, mas não consigo fazer... Isso, isso, isso... Isso comandado pelo superego. É um “ideal de eu”. Todas as vezes que você não está confiando no seu ego, que é aquilo que você está sendo, o que vai te guiar é o seu “ideal de eu”. Quando eu estou confiando e quando eu estou reconhecendo e respeitando aquilo que eu estou sendo o espaço do superego na minha vida é muito pequeno. Se aquilo que eu estou sendo me basta aquilo que eu deveria ser não me importa tanto. Se a gente tem muita coisa que deveria ser seria ruim? Se você estabelece muito o que você deveria ser é porque você não está contente com aquilo que você está sendo.

FILOSOFIA

Tem um pouco de filosofia nisso. Ah! com certeza! O Bion que é um psicanalista contemporâneo que eu gosto muito, ele diz assim, que “a psicanálise é a praxes de uma certa filosofia”. A diferença da filosofia e da psicanálise é a aplicabilidade.

CONVECER

Quando a gente fala assim para alguém: “Ah! Você precisa, de repente, você passar por um psicólogo, um psiquiatra, a pessoa fala assim: ah! Eu não estou louco! Ah! eu não preciso disso!” Existe esse tipo de é um preconceito? Existe sim, existe sim, Marlon. Mas, assim ó: a psicanálise que eu acredito é aquela em que o sujeito vai espontaneamente. Que ele percebe que ele precisa e ele vai. Como que a gente consegue convencer uma pessoa de que isso não é ruim, pelo contrário... Se você precisa se você precisar convencer uma pessoa ela já ela não está pronta para isso. Não está preparada. Até porque, eu acredito que tentar convencer alguma a pessoa de alguma coisa é um desrespeito. Não é função da psicanálise convencer ninguém de nada. A psicanálise pode ajudar no tratamento de problemas emocionais e mentais? Recurso por excelência. A psicanálise pode ajudar muito, se o sujeito estiver disponível para isso. Ele precisa estar disponível. Se ele tiver disponível, a psicanálise é um recurso muito bom para isso. Talvez o melhor. Tenho vinte anos de prática da psicanálise e tem história belíssimas para te contar.

PSICÓLOGO, PSIQUIATRA E PSICANALISTA

Psic-logos = psicologia. Psique é a mente é o funcionamento do sujeito que não está no corpo físico. Eu tenho um corpo físico e eu tenho uma coisa além. Eu tenho uma instância além do corpo físico. Isso a gente vai chamar de psique. Logos é conhecimento. É aquele sujeito que é se propõe a conhecer sobre a psique. Este é o psicólogo. Psiquiatra é uma especialidade da medicina que se propõe a medicar um sujeito que tenha uma patologia mental. Ele vai trabalhar essencialmente, com medicamentos. Medicação. Apesar de que, se você me permitir um adendo aqui, hoje existe uma área da psiquiatria que se deslocou do tratamento de doentes mentais, de pessoas que têm problemas psíquicos e precisam de medicação, mas criou-se uma psiquiatria estética. Sabe o que é isso? Não faço ideia. A psiquiatria estética é aquela que se ocupa de recolocar focar o sujeito no convívio social. Então, se o sujeito por exemplo, apresenta algum funcionamento que destoa do que é socialmente aceito, ele começa a se medicar para se formatar novamente para esse convívio social. Na realidade, a gente está falando aqui de um sujeito que está sendo medicado para satisfazer o olhar social e aí a gente pode chamar esse remedinho que dão para ele de “fica quietinho pra gente gostar de você”. Está acontecendo muito em todas as instâncias, né? Não é? E aí, vamos falar da psicanálise. A psicanálise não é psicologia, a psicanálise não é psiquiatria, a psicanálise se presta a criar um ambiente saudável o suficiente para que o sujeito possa permitir que aquilo que esteja incomodando possa emergir para ser tratado para ser cuidado. E a psicanálise não busca saber, como um psicólogo. O psicólogo quer saber, o psicanalista não quer saber. Não é função do psicanalista saber sobre, mas é função do psicanalista “estar sendo” em relação. Uma coisa é o saber sobre você, outra coisa é estar sendo em relação a você. Quando eu estou sendo em relação a você, eu crio um ambiente emocional que propicia um crescimento, uma expansão, uma maturação. A gente precisa viver experiências juntos, experiências que possam propiciar reparação emocional. Estar ali, num ambiente emocional-afetivo sem julgamento, sem crítica, sem bajulação, sem tentativa de convencimento, ou sedução. Isso é terapêutico.

ÉDIPO

A gente falou você falou também aqui sobre o Freud e sobre o complexo de Édipo. Pode explicar um pouquinho para gente, o que é isso? À princípio, quando o Freud apresentou o complexo de Édipo, ele foi execrado pela classe médica, pela classe dos pensadores da época. Porque, ele trouxe assim: o filho quer se apossar da mãe e quer matar o pai. Essa é a história do Édipo. O Édipo foi um sujeito que matou o pai e casou-se com a mãe, na mitologia grega de Sófocles que é o autor do Édipo. Essa é a história e isso é vido por cada um de nós. O bebê quer ficar com a mãe só para ele. Tanto o menino, quanto a menina. Ele quer a mãe para ele. Só para ele. E quando o pai entra, o pai é um intruso e qualquer intruso que possa entrar ali, para estragar aquele paraíso que ele vive, entre ele e a mãe, vai ser, tem que ser exterminado. Não é? Aniquilado! Então, esta é a proposta inicial do Freud. Este é o complexo de Édipo do Freud. Mas, vai muito para além disso. Essa estruturação do Édipo, traz assim, um sujeito um objeto de desejo e um opositor a se conseguir esse objeto de desejo. O que que você faz quando você deseja muito uma coisa e tem alguma coisa que te impede de conseguir esta coisa? Você tenta tirar aquilo que está te atrapalhando. A nossa vida cotidiana é um grande complexo de Édipo.

RELACIONAMENTO TÓXICO 

Como que seria esse relacionamento tóxico que você citou ali? O relacionamento tóxico, o Marlon, ele se configura sempre quando eu me relaciono com o outro, não como sendo outro, como sendo uma outra pessoa, que tem sua autonomia, que tem suas vontades, tem seus desejos, mas eu me relaciono com o outro, como se ele fosse uma extensão do meu desejo. Quando eu não consigo reconhecer o limite entre o eu e o outro. Quando esse limite não é reconhecido, não é respeitado e não há uma responsabilização, se instala uma relação tóxica. Vamos criar um casal aqui? Para gente resolver a situação desse casal, qual seriam os passos? Teria algum passo a passo, teria alguma coisa que eles podem fazer? É assim, para se resolver essa questão um desses dois precisa despertar para aquela situação nociva. Precisa haver um despertar do sujeito e esse despertar é de dentro para fora, não é de fora para dentro. Na psicanálise não acreditamos em qualquer intervenção que venha de fora. Tudo precisa vir de dentro. É por isso que eu disse, precisa ser um ambiente saudável o suficiente para que aquilo que está dentro, possa vir para fora. Essa pessoa precisa conseguir enxergar o que ela está fazendo isso. Cinco passos. Um, perceber que está acontecendo alguma coisa, dois, reconhecer que isso realmente está acontecendo. Perceber é uma coisa, reconhecer é admitir que realmente aquilo está acontecendo. Terceiro passo, aprender a respeitar isso, quarto passo, se responsabilizar por isso que está acontecendo. Quando o sujeito se responsabiliza, começa a transformação e a transformação vai se dar de uma maneira mais bem sucedida, por assim dizer, se ele estiver sendo auxiliado por alguém qualificado. No caso, um psicanalista.

ESCOLHAS 

Decisão é quando você tem escolha. Você tem opções, atitude, o caminho é um só. Eu posso ficar parado, ou ir. Então, atitude é uma coisa, decisão é outra. Decisão, eu tinha opções, atitude não tem opção, eu só estou esperando o meu momento adequado para agir. Tomar coragem para vir fazer isso. Isso! Coragem! Essa palavra é magnífica. Cor-agem! “Cor” é coração e “agem” é ação. Agir pelo coração. Então, eu preciso estar preparado para agir com o coração e aí, não tem escolha. Que top! E aí, não tem escolha Marlon. E aí, é assim é capacidade, é desenvolvimento. Quanto mais maduro emocionalmente você fica, menos escolha você tem. Você vai e faz. Você vai e faz, porque você percebeu que aquele é o caminho. Eu gosto muito do vértice místico-religioso, das formulações religiosas. Porque, auxilia demais na prática da psicanálise. Deus nos dá o livre arbítrio. Deus nos dá a faculdade da escolha. Mas, para que que ele dá? Ele dá para que a gente possa viver experiências, para reconhecer que, na verdade é a vontade Dele que prevalece e não a tua. Desempenhando o seu livre arbítrio, você está iludido, você está envolvido com as questões materiais e mundanas. Quando você está de acordo com a realidade, você está no caminho Dele. Seja feita a Vossa vontade e não a minha. Isso te conduz para o caminho que é um só. O acordo com a realidade.

LUTO

Qual que é a importância do luto? Para o pessoal aqui, realmente saber. Fundamental! Vamos voltar no Complexo do de Édipo? Vamos! Então, assim óh! Um desdobramento saudável, a criança começa a perceber que a mamãe é do papai e não minha. Isso leva a criança a viver um luto. Todas as vezes que você reconhece e aprende a respeitar aquilo que você perdeu, você vive um luto. Quando a gente não respeita esse processo, a gente vai acumulando lutos não elaborados e é isso que leva o sujeito a cair naquilo que, contemporaneamente a gente chama de depressão.

DEPRESSÃO

Na psicanálise o que seria depressão? Depressão, na realidade, é todo o movimento de introjetar, interno. Quando você se deprime é porque você se entristeceu, porque você se desinteressou do mundo externo, por assim dizer. As coisas do mundo perdem a graça e você se volta para dentro. Isso é saudável. Você precisa viver isso. Cada vez que você vive uma frustração, é importante que você se retire do mundo externo para viver uma elaboração disso que você se desiludiu. Isso vai te levar à um acordo com a realidade. Mas o sujeito pode viver duas situações que vão levar ele a uma depressão patológica, que não é essa que eu estou te dizendo. A primeira é quando ele viveu com aquilo que foi perdido, uma relação nociva, que não tenha sido saudável, quando você viveu uma relação nociva com alguém e você perdeu este alguém, você cai numa depressão patológica. Porque, o que fica são lembranças ruins. A depressão, realmente, é ficar revivendo o passado. Isso mesmo! E aí, você cai nisso que o Freud vai chamar de melancolia. Mas tem uma outra forma de você cair, patologicamente, em depressão. Quando você é impedido de viver os lutos cotidianos da sua vida. Quando você foi perdendo coisas e você não pôde se retirar para viver o luto dessas coisas e teve que continuar trabalhando, continuar sorrindo, continuar fazendo as coisas que você tinha que fazer, porque existia uma demanda social que você precisava cumprir. Você vai acumulando esses lutos e uma hora você não aguenta mais e cai em depressão patológica.

ANSIEDADE

E ansiedade? Ansiedade é gerada por um “deveria ser”. Quando você estabelece alguma coisa que você tem que ser, que você deveria ser e você não está de acordo com aquilo que você está sendo. É aquilo que te cobra, que te exige de ser alguma coisa, de fazer alguma coisa, que muitas vezes não está no seu alcance. E onde tem cobrança, ou exigência não pode ter a saúde nos vínculos. Nem do eu com o outro, nem do eu com ele mesmo. Quando a gente não confia na gente mesmo, a gente abre essa brecha.

CONFIAR

Como que a gente consegue uma confiança na gente mesmo? Autoconfiança só pode se desenvolver a partir da confiança do outro. Quando alguém confia em mim eu consigo ter autoconfiança, é isso? Isso! O Marlon convidou o Professor Renato para o podcast, eu confiei no Marlon, a partir da minha estada aqui você passa a confiar mais em você. Cada um que você convida e confia em você, você vai ficando, cada vez mais autoconfiante. Não adianta vir falar que tem técnica. que tem autoajuda, livro disso, aquilo. Não existe! A autoconfiança é originada da confiança do outro. Não tem outro lugar. O que é confiança? Toda a palavra que tem o radical, no latim e tem “com” no prefixo, quer dizer “junto”. E fiança é fiar. Eu fio com você e você fia comigo. Confiança é vínculo, eu fio daqui e você fia daí. Eu acredito em você, você acredita em mim e isso faz com que a gente cresça.

EXPECTATIVA 

Quando eu posto alguma coisa na rede social, eu não estou querendo um resultado, eu já estou postando o resultado. Então, isso é muito interessante. Quando você faz alguma coisa sem expectativa de resultado, o resultado vem. A expectativa é a mãe da frustração.