domingo, 2 de julho de 2023

REFLEXÕES SOBRE O EGO - Prof. Renato Dias Martino


É a ideia de ego segundo a psicanálise e perpassando por aquilo que eu consegui absorver da psicanálise. Dois pensadores me orientam enquanto ideia de ego. Primeiro é o Freud que é aquele que iniciou essa formulação chamada psicanálise, o segundo nome é Melanie Klein que trouxe uma possibilidade de expansão no entendimento do que a gente chama de ego. Vou tentar sintetizar, vou tentar ser sucinto, apesar de ser um tema extremamente expansivo. Cada coisa que você fala sobre o ego vai te suscitar mais algumas outras. Freud trouxe a ideia de ego como sendo o centro do aparelho psíquico estrutural. Ele tem uma visão estrutural do aparelho psíquico e o ego seria o centro disso, seria o núcleo disso e vai trazer duas outras instâncias estruturais para a gente pensar ele vai trazer o “id” que é fonte das necessidades, a fonte da libido, a fonte daquilo que é mais primitivo. E o superego, que seria um “ideal de eu”, ou seria alguma coisa que o sujeito deveria ser. No meio dessas duas coisas, estaria o ego. Para o Freud, o ego seria uma transformação do id. Cada experiência do id que pudesse ser passada pelo processo secundário, que ele vai chamar de “princípio da realidade”, ou seja, da possibilidade de filtrar esta necessidade, essa vontade do id, pela realidade, passaria ser ego, dentro da possibilidade do desenvolvimento da tolerância às frustrações, aquilo que um dia foi id, passou a ser ego. Para Freud, não existe ego no início da vida, já para Melanie Klein, existe um ego, por mais que seja um ego ínfimo, mais já existe ali um protótipo do que a gente vai chamar de ego. Para Melanie Klein, o ego seria alimentado por experiências do id que puderam ser passadas pelo teste da realidade. Então, existe essa diferença numa precocidade no que é ego. Para Melanie Klein, pelo fato da Melanie Klein ter sido mãe, ela teve experiências com o bebê de uma maneira que o Freud não teve. Então, talvez ela tenha maior propriedade para dizer sobre isso do que o Freud. Segundo um ponto de vista simplificado, ou do senso comum, do que é falado aí, de maneira coloquial, ego seria alguma coisa da qual nós precisaríamos evitar, para psicanálise não, para psicanálise ego é a parte organizada da mente e a parte organizadora da mente. Não se cria vínculos que não seja via ego. Ego é quase um sinônimo de autoestima, claro que salvo algumas características aí, que vão destoar de uma coisa para outra. No entanto, a base é assim, o quanto eu sou capaz de me amar a mim mesmo, reconhecer a mim mesmo, confiar em mim mesmo, acreditarem em mim mesmo. Se a gente pudesse acessar aí, as formulações religiosas, por exemplo, dentro do cristianismo, Cristo coloca dois grandes mandamentos, não é? “Amar a Deus sobre todas as coisas e ao outro como a ti mesmo.” Se isso é verdade, eu preciso amar a mim mesmo, para que eu possa amar o outro, logo, eu preciso que meu ego esteja muito bem estruturado, para que eu possa estender esse amor ao outro. O sujeito que não tem um ego bem estruturado, não é capaz de amar o outro. E aí, o primeiro mandamento, segundo o grande filósofo Jesus Cristo, “Amar a Deus sobre todas as coisas”, a gente pode substituir a palavra Deus por realidade, realidade última, o todo, o todo poderoso, que é justamente a realidade da qual o ego terá que se submeter para que possa ser estruturado. quando ego está bem estruturado, é porque ele conseguiu passar de uma forma de ligação por identificação, onde o eu e o outro não se diferenciam, para uma outra forma de relacionamento que o Freud vai chamar de ligação objetal, onde o outro é reconhecido como outro, efetivamente e não como parte do meu desejo, ou parte de mim mesmo. Entender o ego, e isso sobretudo dentro da contribuição da Melanie Klein 1935, e ela traz um texto muito importante, que ela vai ela vai falar sobre a importância dos símbolos na estruturação do ego, o ego segundo a psicanálise é a parte do aparelho psíquico que é construído e se nutre a partir da possibilidade de simbolização. O que é simbolização? São experiências das quais você consegue internalizar a imagem do outro e a partir daí, tolerar a ausência física do outro. Então, o ego é constituído por experiências de desapego, por experiências de luto, por experiências bem sucedidas de perdas. Quanto maior for a capacidade do sujeito de se desapegar, maior será a estruturação do seu ego e vice-versa. O ego se nutre disso. Quanto mais bem estruturado ego for, mais o sujeito vai tolerar frustrações, vai ser capaz de viver lutos e vai ser capaz de se desapegar. Diferente do senso comum, que traz a ideia de que o ego é a central de alguma coisa extremamente possessiva e não é isso. O ego é uma parte constituinte da personalidade do sujeito. O ego passa a ser um problema quando ele está desintegrado, quando ele está desestruturado, ou quando ele é imaturo. Quando o ego está dentro dessas situações de desintegração, de desestruturação, ou de imaturidade, ele não consegue te responsabilizar por si mesmo e ele acaba sendo refém, tanto das vontades do id, quanto das ordens ou superego, do “ideal de eu”. Eu costumo chamar o ego de “estar sendo”. O teu ego é aquilo que você está sendo e quando você não confia naquilo que você está sendo, o que vai guiar a sua vida é o “deveria ser” que é justamente o “ideal de eu”, ou superego. O ego bem estruturado e nutrido é a base de um bom funcionamento. Eu só posso amar o outro se eu tiver amando a mim mesmo. Agora, é diferente de um ego inflado. O ego inflado, a gente já vai entrar numa outra perspectiva. Um outro pensador muito importante dentro da psicanálise que é o Winnicott, traz a ideia do falso-eu. Então, o ego inflado tem a predominância, preponderância de um falso-eu. Ele existe para impressionar o outro, para satisfazer o outro, para satisfazer o desejo do outro, para que eu possa ser desejado pelo outro. O sujeito que tem um ego muito bem estruturado é um sujeito que é capaz de amar, que é capaz de se doar, que é capaz de compaixão. O que é diferente de um ego inflado, onde o sujeito não tem essas capacidades desenvolvida. Sujeito por exemplo, que tem características egoístas, na realidade, quem comanda ele não é o ego é o super ego, é o “ideal de eu”, que exige que ele tenha isso, tenha aquilo, faça isso, faça aquilo, para que ele possa provar para ele e para os outros que ele é superior e isso não é ego isso é super ego, isso é “ideal de eu”. O egoísta não é regido pelo seu ego, o egoísta não é capaz de se responsabilizar pelo seu ego, mas um egoísta é guiado pelo seu “ideal de eu”. A questão não é se o ego é bom ou ruim, é ou não é isso ou aquilo, o ego é a cabeça, o ego é a cabeça do corpo. É a mesma coisa que você dizer assim: olha a cabeça é ruim? Não, a cabeça não é ruim. Se a cabeça estiver, por exemplo mal cuidada, ela vai apresentar características ruins, agora, o ego é uma parte da estrutura emocional-afetiva, é uma parte da personalidade. Ela não é ruim, nem boa, ela é uma parte daquilo. O problema é qual é qualidade desta parte. Se ela estiver sendo desestruturada o sujeito vai ter características egoístas, agora, se ela tiver bem estruturada esta parte vai ser muito boa. É importante a gente pensar na ordem natural das coisas. A cultura é criada por pessoas egoístas, que por sua vez, foram criadas dentro de lares desestruturados. A ordem natural da coisa é a seguinte: o sujeito não teve o amor necessário dos pais, não teve atenção necessária dos pais, não teve a função materna e a função paterna cumpridas suficientemente bem, ele se torna um sujeito egoísta e este sujeito egoísta vai criar uma cultura egoísta. Não é cultura que transforma o sujeito em um egoísta é o sujeito egoísta que cria uma cultura egoísta. A questão central é quando o sujeito tem uma estruturação desse ego deficitária. Quando essa estruturação foi comprometida muito precocemente, então ele passa a desenvolver uma personalidade egoísta. Passa a desenvolver uma personalidade onde o outro não importa para ele, o que importa é o eu, porque na realidade, na primeira infância era só o outro que importava e não ele. Então, se ele não teve na primeira infância, nos primeiros anos de vida, um olhar que pudesse nutrir o narcisismo primário. Um outro conceito freudiano. Que ele pudesse ser reconhecido nesse mundo como uma coisa mais importante para os pais. Se ele não pode ter isso, a estrutura do ego dele passa a ser comprometida e ele vai desenvolver uma característica egoísta e que dificilmente... Só dentro de uma possibilidade de experiências muito bem sucedidas, ele vai conseguir reparar isso daí. Ele vai conseguir trazer uma possibilidade de restauração no funcionamento saudável da mente. A estruturação do ego independe da capacidade cognitiva. Nós não estamos falando de intelectualidade, nós não estamos falando do nível do saber, nós não estamos falando do conhecimento, nós estamos falando aqui de ser capaz de lidar com as suas emoções e ser capaz de se ligar afetivamente ao outro. Isso não tem a ver com intelectualidade, não tem a ver com conhecimento, não tem a ver com saber, tem a ver com estar sendo. Esta sociedade contemporânea, de pessoas com egos desnutridos desestruturados, empobrecidos, tem o prejuízo de gerar exemplares da espécie humana, que vão estar esparramados, desde o sujeito que rouba o seu celular na rua, até o sujeito que ocupa um cargo muito alto, como por exemplo a presidência da república. Sujeito completamente desestruturado emocionalmente, afetivamente, mas que conseguiu um poder por conta de conhecimentos. Galgar uma posição, às vezes de doutor, ou qualquer outra coisa, mas que tem um ego extremamente desestruturado e não tem a menor capacidade de se doar ao outro, ou de compaixão. Uma sociedade formada por sujeitos que tem seus egos extremamente fragilizados, extremamente mal estruturados, desestruturado, torna uma sociedade de pessoas intolerantes a frustração e ele acaba se tornando um sujeito melindroso, o sujeito que qualquer coisa ofende. E hoje, nós vivemos numa sociedade onde o sujeito que manifesta estar sendo ofendido, ele ganha poder e ele se agrupa com pessoas que também se sentem ofendidas. E aí, o sujeito que supostamente possa ter ofendido vai ser cancelado socialmente, judicialmente prejudicado, ou o punido e por aí afora... O egoísta é um sujeito que tem o ego fragilizado. O egoísta é um sujeito que tem o ego ferido. Quando você tem uma parte do corpo físico ferido, machucado, esta parte passa a ser a parte mais importante na sua atenção. Então, se você tem a mão machucada, ninguém pode tocar nessa tua mão que você faz: Aí! Não mexe na minha mão! Então, o egoísta é da mesma forma. Ele tem o ego machucado, ele tem o ego fragilizado, ele tem o ego desestruturado e a partir daí, o ego para ele á a coisa mais importante e ninguém pode tocar nesse ego, porque ele vai ficar bravo. O ser humano funciona de maneira narcisista. O narcisismo é necessário. O sujeito precisa ter perpassado todas as experiências por si mesmo. Um sujeito precisa ser capaz de amar a si mesmo e respeitar a si mesmo, de confiar em si mesmo, para que ele possa estender isso ao outro. O narcisismo é a base do funcionamento do ser humano e não tem como fugir disso. Um sujeito que não está de bem consigo mesmo, ele não está de bem com ninguém mais. Estamos configurados numa sociedade de egos desestruturados. Porque a contemporaneidade tem a marca de egos empobrecidos, desestruturados, desnutridos? Qual é a causa disso? A causa disso é a incapacidade dos pais de se doarem aos filhos. A incapacidade dos pais de participarem da estruturação do ego desses filhos. A incapacidade desses pais de cuidarem dos seus filhos e por conta disso, terceirizarem o cuidado desse filho a desconhecidos. O ego não se estrutura e vai crescer um sujeito egoísta, um sujeito narcisista, um sujeito que não é capaz de se doar ao outro, porque nunca se doaram a ele. Esta sociedade contemporânea é marcada com pessoas que não tiveram os cuidados necessários na sua primeira infância e cresceram adultos extremamente incapazes de amar, de compaixão de doação. A partir do processo psicoterapêutico, a partir do processo psicanalítico, o sujeito vai viver experiências. E aí, a gente vai chamar isso de experiências emocionais-afetivas que possam promover, ou propiciar reparações no ego que esteja fragmentado, ou esteja desestruturado. Experiências emocionais-afetivas reparadoras vão trazer para o sujeito a possibilidade de restauração do ego, de nutrição do ego, para que ele possa restituir, ou muitas vezes até iniciar um processo de autoestima, de autoamor, de amor próprio, de autoconfiança, de possibilidade de acreditar em si mesmo. O processo psicoterapêutico é, por excelência, uma possibilidade de estruturação do ego, de reestruturação do ego. Quando a gente fala de uma psicanálise contemporânea, a gente está falando, muito mais de uma psicanálise dos vínculos, do que do sujeito. Não praticamos hoje a análise do sujeito, mas nós praticamos hoje a análise do vínculo estabelecido entre analista e paciente. A partir deste vínculo, vai ser criado um novo modelo de relacionamento, que o sujeito, primeiro estabelece com um analista, depois ele projeta isso como um vínculo dele para ele mesmo e a partir daí, ele vai poder estender este vínculo às outras pessoas do seu convívio. O modelo de vínculo que é pautado agora, pelo amor, pelo carinho, pelo acolhimento, pela compaixão, pelo que muitas vezes o paciente não conseguiu desenvolver. Não acredito em possibilidades de reparação, de experiências emocionais e afetivas reparadoras que não tenha o outro, que não incluam vínculo com o outro. A experiência emocional-afetiva reparadora é essencialmente feita através do acolhimento do outro. Eu só aprendo a me auto acolher, a partir da experiência de ter sido acolhido pelo outro e aí, entra uma necessidade enorme de humildade do sujeito de solicitar ajuda e se colocar à disposição de ser acolhido pelo outro. A psicanálise da qual estou dizendo aqui, o processo psicoterapêutico do qual estou tratando aqui, tem a base no acolhimento. Acolher o material trazido pelo paciente, sem submeter aos julgamentos, às críticas, ou por outro lado, bajulações, elogios, ou qualquer coisa nesse sentido. Não só o processo psicoterapêutico pode trazer a possibilidade de experiências emocionais-afetivas reparadoras. Isso é muito importante. Eu sendo psicanalista vou dizer para você que o processo psicoterapêutico é por excelência um recurso para reestruturação do ego, para a estruturação do ego, no entanto, qualquer que seja o vínculo saudável, pode trazer essa possibilidade. Não só o processo psicoterapêutico, mas qualquer que seja o vínculo que possa incluir um sujeito que acolhe o outro. O sujeito que está pronto, capaz de acolher e um sujeito que está disposto a ser acolhido. Esta experiência é emocional e afetivamente reparadora. É porque, senão, a gente começa a falar que é só psicanálise que pode fazer isso e é uma mentira isso. Não é! Eu estou dizendo isso, porque eu sou psicanalista, trabalho como psicanalista há mais de vinte anos e tenho histórias belíssimas para te contar de processos psicoterapêuticos que forneceram essa experiência reparadora, agora, não é só o processo psicoterapêutico que traz isso.







Prof. Renato Dias Martino

Psicoterapeuta e Escritor




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