Os gregos sugerem
alguns tipos de amor como Eros, o tipo de amor passional. Platão nos fornece um
belo modelo no seu BANQUETE, por volta de 380 a.C., onde cogita sobre certa
“genealogia do amor”. Philia é uma outra forma de amor, segundo os gregos, o
amor virtuoso e fraternal. E também Ágape, o amor puro da alma. Como na
Primeira Epístola aos Coríntios, onde fica evidente a importância de certo amor
genuíno. No capítulo 13, pelas palavras do Apóstolo dos Gentios, Paulo de
Tarso, encontra-se em forma de poesia uma definição belíssima do amor.
Sem dúvida é esse o primeiro e maior
motivo para que seja possível continuar ligado a ele, enquanto não se encontra
apaixonado.
Esse vértice de pensamento tem início nas obras de Sigmund Freud, que publicou vários ensaios tratando das cogitações sobre o amor e em PSICOLOGIA DAS MASSAS E ANÁLISE DO EGO, que traz uma importante dissertação sobre o estudo do amor. No capítulo VIII, Freud descreve de maneira muito clara certa etapa do desenvolvimento afetivo da criança, quando ela se liga afetivamente pela primeira vez em um ou outro dos pais, direcionando ali todos seus instintos sexuais. Logo ocorre certa repressão e a obriga a renunciar à maior parte desses objetivos sexuais infantis. Essa experiência gera densa alteração no vínculo com os pais. “A criança ainda permanece ligada a eles, mas por instintos que devem ser descritos como ‘inibidos em seu objetivo’.” (Freud, 1921).
Dentro
dessa perspectiva, passamos tratar o amor como certa ordem de capacidades, e,
como toda capacidade, também o amor depende do exercício de falhas e êxitos
para que possa se desenvolver. Sendo que, não se aprende no êxito, mas sim das
falhas. Assim, é possível afirmar que se aprende a amar, amando.
Não obstante, aquilo que não pode estar
“dentro” (contido) não poderá ser amado. Permanece tão somente no mundo
externo, material e dependente dos órgãos dos sentidos, dessa maneira deve
receber o valor que compete a essa dimensão. Isso coincide com a ideia do
princípio do vazio, sobre a qual os mestres orientais já cogitavam. O vazio é
um dos conceitos fundamentais do pensamento oriental, no qual Bion muito
provavelmente tenha se inspirado para o desenvolvimento de seus estudos. A
importância do conceito fica evidente se percebermos que aquilo que está lotado
não pode receber nada. Se estivermos tratando da dimensão emocional, enquanto a
mente estiver entulhada de preocupações, estaremos obstruídos de nos ocuparmos
para pensar (amar).
Uma ocorrência de grande importância
nessa proposta de pensamento é o fato de que a condição fundamental para lidar
melhor com a perda está justamente na qualidade do vínculo que pôde se
estabelecer com aquele que se foi. Quando o modelo de ligação afetiva esteve na
ordem de certa extrema dependência, ou seja, na situação do outro encontrar-se
demasiadamente apossado do amor do eu, quando ele se afasta, o eu sente-se
impossibilitado de amar-se a si próprio. O sujeito passa então a se culpar pela
solidão sem aquele que tanto (o) amava. Condena-se por não ter sido bom o
bastante ou por outra justificativa dessa mesma ordem. Freud chamou este estado
de funcionamento da mente de melancolia (Freud, 1917).
Para que a perda do outro não seja
desastrosa o sujeito deve impreterivelmente ser capaz de amar-se a si mesmo,
isso garantirá uma forma menos drástica dessa experiência. Contudo, quando não
se é capaz de reconhecer-se a si mesmo, e assim ser capaz de amar-se a si
próprio, ficamos à mercê do amor do outro. Muitas vezes levando o sujeito a se
manter em relacionamentos falidos, por medo das consequências da solidão.
Impossibilitados no amor do si mesmo fica propensos a sofrer de forma
arrebatadora na situação da perda do outro.
Ora, essa é a base da experiência
do desapego, como sendo a capacidade de tolerar a frustração implicada em não
ter a confirmação da posse de algo, e que essa confirmação estaria sobretudo
dependente dos órgãos dos sentidos, falamos então da capacidade emocional. A
mente funciona em certo nível onde os órgãos dos sentidos não têm acesso, e
sendo assim o apego não pode ter confirmação nessa ordem de experiências.
A psicanálise nos ensinou, e o fez com
muita propriedade, que o bebê começa a aprender a pensar justamente na ocasião
da ausência da mãe. É quando sente a falta dela que começa a imaginar o que
está faltando, e percebe-se assim sendo outro, além dela. Esse é o princípio do
processo do pensar, que gradualmente deve se desenvolve no bebê. Mas só se
pensa em algo sendo capaz de tolerar a falta que esse algo possa fazer.
Portanto, só pode aprender a pensar na ausência daquela mãe, na qual pôde se
confirmar como sendo real. Ou seja, o bebê que se apegou à mãe agora aprende a
desapegar-se através da mãe simbolizada, numa recordação afetiva. É como se o
bebê dissesse: A mamãe continua existindo quando não a vejo, mas agora como
símbolo dentro de mim.
Bem, se estivermos de acordo até esse
ponto, então temos argumentos o bastante para afirmar que a capacidade de
desapego deve representar sinal do contato mais próximo da realidade simbólica.
Nascemos num mundo material onde a dependência orgânica (material) do outro
(mãe) era inevitável, já que um bebê não pode viver sem sua mãe (ou alguém que
se disponha a essa função), e aos poucos temos o desafio de nos desapegar dessa
dimensão de experiências, para nos envolvermos com um mundo simbólico, onde na
saúde mental, a necessidade de verificação pelos órgãos dos sentidos não deve
ter tanta urgência. Isso deve definir o grau da maturidade emocional.
Se o intuito aqui for o de pesquisarmos
sobre a realidade mental, logo perceberemos que o apego às materialidades da
vida não passa de uma grande ilusão inerente ao desenvolvimento emocional, e é
própria da imaturidade mental. Essa ilusão serve como defesa das partes
primitivas da mente e é mantida pela incapacidade de reconhecer o fato de que
aquilo se se pode obter não garantirá aquilo que se está sendo. Sabemos bem que
aquele que pode desfrutar do reconhecimento do verdadeiro eu, passa a ser capaz
de amar e certamente conseguirá obter aquilo que é necessário e o suficiente
para viver e expandir-se cada vez mais em sua própria capacidade. Por outro
lado, aquele que simplesmente obtém coisas, não conseguirá através de suas
posses o mesmo resultado, pois sempre estará desconfiado se o outro está sendo
alguém verdadeiro para ele, ou se o outro também foi adquirido, como tudo que
conseguiu.
Fica claro então que aquele que
desenvolveu a capacidade de amar abre mão da ilusão do “ter o outro” em nome da
realidade do “ser para o outro”. Além disso, aquele que é demasiadamente
apegado às coisas teme perder o que tem, enquanto aquele que ama terá para
sempre, dentro do coração (simbolizado). Isso, tendo aqui certa concepção de
que o verdadeiro amor liberta (simboliza).
Essa cogitação acaba se confirmando
quando levamos em conta que só desejamos aquilo que ainda não obtivemos, depois
que conseguimos ter já não desejamos mais. Assim, o desapego é fundamental para
uma vida dinâmica de realizações e cada vez menos fundadas na mediocridade do
objetivo de posse de pessoas e coisas. Nada mais empobrecedor do que a
dedicação desmedida ao acúmulo de bens. Enquanto muito apegados às
materialidades, somos impedidos da simbolização e passamos, assim, a ser
dependentes de uma realidade que, por um lado, nos cobra constantemente e, por
outro, nos empobrece de nós mesmos.
FREUD, Sigmund. EDIÇÃO
BRASILEIRA DAS OBRAS PSICOLÓGICAS COMPLETAS – Edição Standard Brasileira, Imago
(1969-80)
FREUD, Sigmund; JUNG, Carl G.
A CORRESPONDÊNCIA COMPLETA DE SIGMUND FREUD E CARL G. JUNG. 2ª ed. Revisada
org. William McGuire; trads. Leonardo Froes, Eudoro Augusto Macieira de Souza.
Rio de Janeiro: Imago, 1993.
Um comentário:
Texto simplesmente fantástico!
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