sexta-feira, 5 de setembro de 2025

O VÍNCULO DE TIRANIA E A PERSONALIDADE INFLUENCIÁVEL - Prof. Renato Dias...




Como é configurada a forma tirânica de se vincular ao outro? 

GRUPO HUMANO

Antes da gente iniciar efetivamente essa reflexão, é importante a gente pensar um pouquinho sobre a configuração grupal humana. PSICOLOGIA DAS MASSAS E ANÁLISE DO EGO do Freud, de 1921, tem certa consciência da ideia do grupo humano. Aparentemente o humano parece ser um animal de grupo, um animal que se agrupa naturalmente, ou seja, que ele tem no seu instinto ou de forma genética o instinto gregário que naturalmente ele irá se agrupar com outros seres humanos. No entanto, não é bem assim. O ser humano não é como os bovinos, os caprinos, os bubalinos ou as sardinhas ou as andorinhas, que naturalmente se agrupam e se agrupam sem precisar de um líder. O ser humano só se junta em grupos por conveniência e precisa impreterivelmente de um líder para se manter agrupado. Ele não tem na sua configuração inata algo que o leve a se agrupar naturalmente.

SER HUMANO NARCISISTA

A configuração do ser humano é narcisista. Ele é um animal de características egoístas. Naturalmente, logo não se agrupa sem que ele veja uma grande conveniência em fazê-lo. Ele precisa passar por um processo muito dedicado de introdução afetiva, introdução amorosa para que ele possa ir dissolvendo aos pouquinhos este narcisismo.

ANIMAL DE HORDA

Se o ser humano não é um animal de grupo, qual é a configuração natural desse animal? Ele é um animal de horda. O que é horda? Horda é uma configuração da estrita família, do primeiro ciclo da família dele, pai, a mãe e os filhos. Este é o grupo natural do ser humano. Este é um grupo em que o ser humano vai se manter até que ele esteja pronto a formar a sua própria horda. Ou seja, quando o filho começa a se desenvolver, ele já está pronto para formar as a sua horda e aí então começa a haver conflitos muito grandes ali dentro. Não precisa ir muito longe, não precisa ser psicanalista para perceber isso.

GRUPO INTERNO 

A personalidade do sujeito se estrutura como um grupo. E uma forma da gente pensar isso é a visão estrutural da personalidade, que é de ego e superego. Nós temos aí três instâncias que têm características diferentes e que se unem enquanto a estruturação da personalidade do sujeito. O id é aquele que demanda, aquele que precisa. O ego é aquele que tenta organizar essas necessidades e o superego é aquele que vem criticar, julgar ou ainda estabelecer um “ideal de eu”. Alguns tem o id como líder, alguns têm o ego como líder e alguns tem o superego como líder. Se o seu id estiver sendo líder, você está sendo levado pelas demandas naturais e instintivas. Se o seu ego estiver sendo líder, você está sendo levado por aquilo que você está sendo, ou seja, você se responsabiliza pelo seu funcionamento. Se o seu superego estiver sendo seu líder, você está sendo regido por aquilo que você deveria ser, que você deveria fazer.

GRUPO PSICÓTICO

O grupo funciona como uma personalidade psicótica, porque os integrantes do grupo, por mais que estejam juntos por um objetivo aparentemente comum, cada um tem uma direção diferente, cada um tem uma afinidade diferente, cada um tem uma configuração da sua própria personalidade diferente do outro, por mais que tenham um motivo em comum para estarem juntos ou alguns motivos em comum. No entanto, os motivos que não são comuns são muito maiores do que os motivos comuns. Isso faz com que o grupo se torne um sujeito psicótico, onde várias partes estão distintas uma das outras, muito mais discordando uma das outras do que concordando, assim como a configuração da mente do sujeito que tem a predominância psicótica da mente, onde a personalidade dele está, por assim dizer, desintegrada em vários pedaços que buscam coisas diferentes.

PÂNICO

Por este motivo que o líder é fundamental para a organização do grupo, porque o líder vai trazer esta unificação das ideias, mostrando o caminho que precisa ser seguido. Sem o líder, estas partes que são distintas vão sofrer aquilo que dentro do da linguagem do exército se chama pânico. O que que é o pânico? É quando o grupo se desfaz. Quando o líder, por exemplo, é destituído ou morre ou some, o grupo sofre um pânico. Cada um vai para um lado. 

DEMOCRACIA

Em tese, a democracia é impraticável, porque a massa é estúpida. Porque a massa funciona através do princípio do prazer. Ela vai buscar satisfação e esse líder vai emergir a partir desta condição. E esse que é o grande perigo, porque muitas vezes o grupo tem características nocivas, tem sua predominância de características tóxicas. E aí o líder que é eleito vai vir com essas características. vai ser um líder corrupto, vai ser um líder tóxico, nocivo, porque representa aquilo que o grupo, ou pelo menos a maioria configura.

DESEJO

Muitas vezes o líder é eleito não pela vontade do povo, mas pelo interesse de uma classe. Reúne-se uma nata influente que tenta convencer os outros de que aquele sujeito é o sujeito melhor para ser o líder. E aí não foi a vontade do povo, mas foi o desejo de uma classe que convenceu este povo. 

TIRANO

Quando esse povo tem características predominantes de perversão, corrupção, cria-se um ambiente de vulnerabilidade e esta vulnerabilidade vai gerar um ambiente propício para que um sujeito tirano se aproveite deste caos instalado. E o grande perigo da tirania é que ela não se instala de uma hora para outra. Muitas vezes o sujeito tem essa ideia de que a tirania acontece de um dia para noite, mas ela não acontece. Ela vai ocorrendo gradativamente sem que as pessoas percebam que ela está se instalando. E ela vem com palavras doces, ela vem com promessas que vão ao encontro da demanda do povo, da demanda daquele que precisa. Isso não é diferente nos vínculos afetivos. Muitas vezes um vínculo de tirania também se instala entre duas pessoas e muitas vezes o sujeito não vira um tirano da noite para o dia. Ele vai se transformando e muitas vezes dizendo: "Olha, isso é para o seu bem". 

OFERTA

Tudo aquilo que o governante oferece para o povo, antes ele tirou do próprio povo. O governo não dá nada. Se ele te oferece um sistema de saúde porco e miserável, ele te oferece porque ele já te arrancou muito dinheiro antes.

INCAPACIDADE

O tirando, ele percebe a fragilidade que é como uma rachadura. E ali ele se infiltra e se infiltra com promessas de trazer tudo aquilo que é a demanda da parte mais vulnerável e vai se instalando. E quando ele se instala fica muito difícil de destituir. Fica claro que o tirano só consegue se colocar no poder, tomar o poder por conta da incapacidade do povo. A incapacidade de o povo pensar por si mesmo, a incapacidade do povo de questionar. a incapacidade do povo de se responsabilizar por si mesmo. Quanto menos o sujeito for capaz de se responsabilizar por si mesmo, maior será o domínio do tirano sobre ele. Porque, por mais que as características do tirano estejam evidentes, ele ainda não acredita que ele seja capaz de se responsabilizar por si mesmo.
 
INFLUENCIÁVEL

Nós falamos aqui do sujeito tirânico. Nós estamos falando aqui do tirano. Mas para que exista o vínculo de tirania é necessária uma outra parte. Esta outra parte tem muito mais importância do que o próprio tirano para que o vínculo de tirania possa perpetuar. Vou dar um exemplo disso. Eu costumo dizer que a colaboração, a possibilidade de o paciente estar aberto e predisposto ao processo psicoterapêutico é mais importante do que a capacidade do psicoterapeuta. Se o sujeito tiver aberto ao processo psicoterapêutico, uma palavra do psicoterapeuta é transformadora. Mas se ele estiver fechado, não adianta que o psicoterapeuta seja o melhor psicoterapeuta do mundo, que o processo não vai ocorrer. Assim também ocorre no vínculo de tirania. Só vai haver a permanência de um tirano se houver uma parte do povo que apoia isso, uma permissividade de uma parte grande ou a da maior parte do povo para que isso continue acontecendo. Esta parte do povo, este sujeito influenciável que permite a tirania é mais importante do que a intervenção do tirano. 

MASSA DE MANOBRA

Um tirano sozinho não consegue instalar a tirania. Ele precisa do sujeito que esteja sugestionável, por assim dizer, a essa tirania para que essa tirania possa se instalar. Sem esse sujeito, nada acontece. E esse é o ponto central desta minha fala, a importância desse sujeito que permite que isso tudo continue acontecendo. Um ditador não consegue êxito sem que ele possa contar com exército de subordinados disponíveis aquilo que ele está ditando como regra. O ditador, ele precisa de pessoas que sejam incapazes de pensar por si mesmo, incapazes de se responsabilizar por si mesmo, de ter ideias próprias, de questionar as ideias, senão ele não consegue instalar a sua ditadura. Um sujeito sugestionável. Esse é o terreno fértil, propício para se instalar essa tirania, esse sujeito que a gente vai chamar de massa de manobra da perversidade do tirano. 

FAMÍLIAS DESESTRUTURADAS

Essa pessoa sugestionável é uma pessoa que não conseguiu estruturar a sua personalidade de maneira suficientemente boa. Ele ainda vive pelo princípio do prazer. Ele ainda busca a satisfação imediata. Ele ainda busca só evitar desconfortos. Ele não aprendeu a tolerar frustrações e ele se torna um elemento da massa de manobra deste suposto ditador. É importante a gente se lembrar que este sujeito é fruto de uma família desestruturada. Famílias desestruturadas criam filhos vulneráveis, que vão ser elementos fundamentais de massa de manobra, de ditadores, de tiranos, de pessoas que vão se instalar para comandar uma nação. 

FAMÍLIAS BEM ESTRUTURADAS

Famílias bem estruturadas vão gerar sujeitos bem estruturados, sujeitos com personalidades bem estruturadas, que são capazes de se responsabilizar por si mesmo, que são capazes de realizar por si próprio e não estão subordinados a instituições, seja ela governamental, seja ela religiosa, seja ela qual for, porque é um sujeito que é capaz de pensar por si mesmo. E para esse sujeito, quanto menor for o domínio do governante ou daquele que esteja no poder, tanto melhor para ele, porque ele tem autonomia.

PERIGO REAL

Mais perigoso do que o tirano é o sujeito que se submete à tirania. Porque o tirano sozinho não consegue ter domínio de nada. Mas aquele que se submete, se coloca como massa de manobra para que o plano tirânico venha a se instalar.