(Na mãe e no pai)
O ser humano necessita criar
nomes, conceitos, para descrever os processos internos que percebe.
Manifestações interiores que trazem consigo sentimentos e emoções manifestados
nas relações interpessoais e, é claro, do eu para o eu mesmo.
Immanuel Kant (1724-1804) |
Isso está em concordância
com as Críticas às Razões, Pura e Prática de Immanuel Kant (1724-1804),
filósofo alemão, quando propõe que, para haver real experiência com a realidade
das coisas, deve ter havido a possibilidade de nomear essa vivência, caso não,
a experiência se coloca cega e inconsequente.
Quanto maior a capacidade de
transformação dos processos internos em palavras comunicáveis ao outro, melhor
a adaptação desse sujeito no mundo. É um sinal de bom funcionamento no que se
refere ao convívio entre as pessoas.
No entanto, a nomeação
indiscriminada de certos fenômenos da mente humana, pode confundir e limitar o
desenvolvimento psíquico e emocional, assim como o resultado disso na
capacidade de criação e manutenção dos vínculos. As dificuldades em se lidar
com sentimentos que surgem do interior da mente e se pronunciam como
comportamento, é o que nos impede de amar. O uso da expressão 'depressão
pós-parto' ou depressão puerperal (diagnóstico da psicopatologia
psiquiátrica muito usado hoje), é algo que poderia ilustrar o que tento expor.
Quanto maior a capacidade de
troca afetiva entre um casal, melhor é a possibilidade de ultrapassar crises.
Normalmente a crise implica na perda de algo, ou alguém importante, se não,
pelo menos a iminência de perda. Assim como a perda, ou a morte de alguém,
implica em um período de luto, uma fase de características depressivas, onde o
sujeito se desinteressa das coisas do mundo. Uma experiência onde se percebe, se reconhece, se aprende a respeitar e se responsabilizar pela realidade de ter que viver sem alguém.
Bem, o desequilíbrio
emocional sentido quando uma vida nasce é de certa forma análoga, se
percebermos o fato de que, agora não se pode viver sem alguém. Ou
seja, fica claro que, também sugere a morte de algo. A morte de aspectos da
personalidade daquele que concebeu uma vida e tem a missão de cuidar desse
alguém que nasce. Uma forma de luto sem dúvida, também se instala.
Agora alguém depende de mim, ou seja, já não sou mais dono da totalidade
do meu eu, em função de uma vida que sucumbe sem meus cuidados.
Na casa de um recém-nascido, é
comum que se encontre uma mãe “louca”, e me parece importante que ela possa
encontrar espaço para “enlouquecer”. É como se ela se atirasse em um
‘abismo’(chamado bebê) que, só deseja e não possui sequer a capacidade ou qualquer
que seja o recurso para comunicar aquilo que deseja tanto. Um modelo unilateral de relação, onde no bebê, a capacidade de pensamento é
embrionária (muito limitada) e não existe possibilidade de gratidão.
Nessa fase
inicial é a mãe que deve pensar por ele. Até aqui já temos motivos bastante
razoáveis para justificar a experiência de se viver certo estado de depressão,
isso depois de tomar consciência dessa realidade.
Wilfred R. Bion (1897-1979) |
A capacidade de Rêveri na mãe,
segundo Wilfred R. Bion (1897-1979) – um dos mais importantes autores da
psicanálise contemporânea, é que transforma cada choro ansioso do bebê em
referencias reais que então é devolvido a ele em forma de contenção e
acolhimento ou maternagem.
A ação de maternagem proporciona ao bebê um
modelo para que se construa a representação
de coisa, assim como descreveu Sigmund Freud (1856 – 1939), ou em outras
palavras, um símbolo de algo que apazigua a angústia na falta da possibilidade
da constatação sensorial.
Donald Woods Winnicott (1896 - 1971) |
A mãe suficientemente boa para
o psicanalista e pediatra inglês Donald Woods Winnicott (1896 - 1971), é aquela
que proporciona ao bebê a possibilidade de reconhecer-se a si mesmo antes de se
preocupar com o mundo externo. Essa mãe é que será o ambiente deste bebê até
que este possa capacitar-se a perceber o ambiente real que o cerca.
Concomitantemente e contando com
esse processo, a partir do contato com o real, se desenvolve a capacidade de
imaginação e então o pensamento simbólico. É necessário que o bebê sinta-se
acolhido e contido, em sua realidade, para que possa passar do processo
imaginativo para o processo de pensamento simbólico, criando o que Bion (1953)
chama de aparelho para pensar.
Mas, voltando à mãe
“enlouquecida” em perceber uma vida que depende exclusivamente dos seus
cuidados; é de extrema importância que, ao se arriscar nesse abismo chamado
bebê, a mãe conte com um alguém (marido/pai) que mantenha a mão seguramente
dada. É daí que ela buscará a resposta para o viver, ou a confirmação da
existência: “sou amada!”, já que o bebê não pode fazê-lo.
O pai será o “outro”
que dividirá com o “eu” esse período de conflitos entre a realidade e as
emoções que são demandas internas, que é chamado de depressão pós-puerperal. É
bom que uma mãe tenha como retaguarda, um marido (pai) que possa suprir a
necessidade de afeto, que no início não pode ser respondida pelo bebê. Ele
agora, só quer, necessita, precisa...
O vínculo com o companheiro
corresponde pelo menos nesse período, à possibilidade de vínculo com a própria
realidade que existe além do desempenho da maternidade. Algo que existe do lado
de fora daquele mundo simbiótico entre mãe e bebê. É a partir daí que, depois
dos filhos crescidos, a mãe pode retomar seu papel de mulher. De outra forma, é
comum que se perca no papel de mãe e não consiga mais se encontrar como
“mulher”.
Na verdade o nascimento de um bebê mexe
profundamente na estrutura, funcionamento e dinâmica emocional do sujeito,
assim como do casal e por que não, da família. A chegada do bebê trás angústias
que a mãe, mesmo abalada pela situação, deve ser dedicada em cuidar. Entretanto,
o pai suficientemente bom, por sua vez, também sofre com o
processo. Muitas vezes isso fica encoberto por uma série de conceitos e
preconceitos, porém, o pai, quando dedicado, também sofre todo o processo. Ele
deve sentir e participar da mesma dor, que inunda as emoções da mãe, em meio a
esse complexo processo.
Seu maior desafio quem sabe, seja
a tarefa de elaborar em si mesmo, sentimentos invejosos naturalmente
gerados pela atenção da companheira que, se desloca dele, para a criança.
O fato é que todos nós passamos
por “depressões pós-parto” ao longo de nossa vida, contudo, daquilo que criamos
e que, como realização, passa a ser algo que representa o eu de alguma forma,
não sendo necessariamente um filho.
Mas, no âmbito onde toda escolha efetiva,
implica na renuncia de algo que não foi escolhido. Penso que a oportunidade de
“brincar” com o sentimento antes que realmente aconteça é fundamental na
criação desses recursos para lidar com a vida. Aquele que pôde um dia imaginar
e sonhar com aquilo que hoje acontece, tem sempre maior chance de viver o
presente, respeitando seu tempo, pois se torna mais responsável pela própria
realidade.
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