"O que seria da minha palavra
se minha dor nela não habitasse?
O que seria da minha dor
se não encontrasse palavra
que a expressasse?"
Na Grécia antiga a arte dramática era encenada nos teatros de arena, propondo certa catarse naquele que assistia. Um golpe no narcisismo do espectador. Como em uma ab-reação que alertasse a platéia, de qualidades da realidade, que no cotidiano pudessem ser de alguma forma ignoradas, ou mesmo perdidas nas tarefas repetitivas do dia a dia.
Um bom início na empreitada de estudarmos a arte enquanto símbolo de mundo, talvez seja pelo vértice epistemológico, onde o intuito é criar ferramenta que nos possibilite o discernimento entre crença e conhecimento.
Immanuel Kant (1724-1804) |
Esse importante filósofo alemão propõe duas categorias básicas de conhecimento, o conhecimento a priore e o conhecimento a posteriori. Para esse importante pensador, o conhecimento a priori não depende da experiência, sendo assim, algo transmitido teoricamente. Esse padrão de conhecimento segue um modelo de saber acumulativo, que baseado em um fato registrada na memória e que foi percebida pelos órgãos dos sentidos. Então pode ser transmitido a outrem, como verdade.
No extremo oposto, estaria o conhecimento a posteriori, ou como Kant o denominava em alguns casos, o saber sintético. Nesse molde de saber estaria aquele conhecimento que seria resultam da experiência e, por isso, implicaria aspectos privados e incertos. Segundo esse modelo proposto por Kant, o conhecimento é vínculo, ou relacionamento entre o sujeito e o objeto do conhecimento.
Para Kant, são necessários os dois modelos de conhecimento e isso coincide com a nomeação (a priori) da experiência (a posteriori). A partir dessa proposta de pensamento, não se pode conhecer as coisas "em si", mas apenas o que podemos obter através da experiência com ela. Isso equivale dizer que aquilo que chamamos de coisa, é apenas aquilo que pudemos conhecer do objeto, e nunca a coisa “em si”.
Entretanto, é uma forma menos acessível e seleta do saber, pois é uma maneira de pensar que torna o sujeito responsável pelo saber. Certa pedagogia regida por esses moldes propostos por Kant, talvez fosse aquela calcada na priorização das possibilidades em se qualificar o sujeito para a experiência. Isso, para Kant, representaria a retirada do sujeito de sua menoridade, posição onde se encontra dependente do saber do outro. O ‘por si mesmo’ é a bandeira do saber kantiano, e seria talvez a única forma de ensino que poderia receber o titulo de real.
Qualquer outra tentativa de conhecimento colocaria o sujeito dependente da experiência do outro, invalidando grande parte do vínculo com a própria realidade do objeto do conhecimento. Não é muito difícil chegarmos a uma concepção onde uma verdade contada não pode ser comparada a uma verdade vivida. Segundo a proposta de Kant, fora da experiência não pode haver o real aprendizado.
Se assim procede; a realidade é mesmo inacessível e o que podemos obter é simplesmente breve impressão desta, então, que ao menos seja criado algo que possa amenizar a condição finita e desprotegida da existência. Algo que permita estar mais próximo possível da apreensão do real.
Sigmund Freud (1856-1939) |
Considerando três grandes modelos onde estejam compreendidos o cientifico - filosófico e o místico-religioso, a arte se enquadra na categoria dos padrões da epistemologia, enquanto dimensão estética. Certa área da mente rica em imaginação, logo, propícia à simbolização. O aparelho psíquico dispõe-se a certo estado se funcionamento do não-tempo e do não-espaço interior. Contudo, a arte proporciona assim, um encontro com o si-mesmo em áreas conflituosas da mente onde o vínculo com o mundo externo ainda se encontra num modelo muito primitivo.
Conceito de símbolo
OM |
Melanie Klein (1882-1960) |
Jacques-Marie Émile Lacan (1901-1981) propõe uma tríade interessante onde real, imaginário e simbólico se sucedem. Esse pensador francês valoriza a linguagem enquanto aquilo que estrutura o inconsciente. Lacan usa do ‘nome do pai’ como símbolo da palavra.
Wilfred R. Bion (1897-1979) |
A arte no simbolizar
Edipo de Moreau |
Arte e o eu real
Con-fusão entre o eu e a arte |
Donald Woods Winnicott (1979-1983) |
Arte e sublimação
Freud (1910, p. 72) propõe o conceito de sublimação como capacidade de substituição de objetivos imediatos por outros desprovidos do caráter sexual, através do aprimoramento e valorização das realizações. A arte não é só simples instrumento ilustrativo dos processos internos, ela tem a propriedade de conduzir o espectador a um “estado de espírito” muito próximo da vivencia emocional da qual experimentou o artista. O artista constrói um ambiente emocional que envolve aquele espectador aberto à linguagem artística usada. Quantas vezes não nos pegamos segurando um “nó na garganta” ao ouvirmos uma canção, sem sabermos explicar o porquê do sentimento de tristeza que habita nosso peito?
A arte nos permite viver nossa “memória sonho”, como propõe Walter Trinca (1997), onde a sensorialidade perde o valor. Não podemos provar cientificamente quantos metros existe entre a cerca e a casa pintadas na tela, mas ficamos satisfeitos ao contemplá-la. O espaço e o tempo são freqüentemente inutilizados. Na arte, existe a relação estética do “sempre” eternizada na obra. Dispensamos a coisa em si que nos propõe Kant e nos encantamos pela representação da qual nos diz Freud.
Referencias:
Bion, Wilfred, Ruprecht. Transformações - mudança do aprendizado ao crescimento. Rio de Janeiro, Imago, 1983, trad. C.H.P. Affonso, M.R.A. Junqueira, L.C.U. Junqueira Fo.
(1970) Atenção e interpretação. Rio de Janeiro, Imago, 1973.
(1992). Cogitations. (Edited by F. Bion). London: Karnac Books.
Freud, S. Edição Eletrônica Brasileira das Obras Psicológicas Completas - Edição Standard Brasileira, IMAGO (1969-80)
Jung, C. Espírito Na Arte e Na Ciência, Petrópolis, Vozes, 1939.
KLEIN, Melanie, (1930) A importância da formação de símbolos no desenvolvimento do ego. in Contribuições à psicanálise. São Paulo, Mestre Jou, 1981.
Trinca, W. O espaço do homem novo. São Paulo, Papirus, 1997.
WINNICOTT, Donald, Da pediatria à psicanálise. São Paulo, Francisco Alves, 1982.
O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre, Artes Médicas, 1983.
Prof. Renato Dias Martino
Psicoterapeuta e Escritor
Fone: 17-30113866
renatodmartino@ig.com.br
http://pensar-seasi-mesmo.blogspot.com/
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