domingo, 3 de fevereiro de 2019

SOBRE VÍNCULOS SAUDÁVEIS


O vínculo é uma função do funcionamento mental que permite manter duas pessoas unidas, independente do fator físico na confirmação sensorial. “O vínculo é o que pode nos manter ligados naquilo que fisicamente não está (mais) presente.”. (Martino, 2015). Quando é possível se formar um vínculo afetivo com o outro, tem inicio a formação de símbolos, que é a impressão bem sucedida obtida na experiência com o real sensório.
A primeira experiência dessa ordem acontece entre mãe e bebê, onde a ligação umbilical no nível físico é rompida, dando lugar à possibilidade de desenvolvimento do vínculo afetivo. Essa é a primeira etapa de muitas outras que virão dentro do processo de desenvolvimento do vínculo. “Do ‘colo da mãe’ à ‘mãe no coração’”. (Martino, 2015). O desapego necessário para que possa se estabelecer o elo de ligação num vínculo saudável é sempre uma extensão do período de apego que impreterivelmente deve ter ocorrido entre aqueles que se vinculam.
Toda saúde mental está subordinada aos vínculos, sendo que “o nível de organização mental não pode ser mensurado de outra maneira que não seja através da capacidade de criação e manutenção dos vínculos afetivos.”. (Martino, 2018). Um sujeito que não esteja conseguindo ligar-se e manter-se ligado afetivamente de forma saudável, carece de ajuda psicológica, na medida em que consiga reconhecer esse fato.

Ainda assim, relações verdadeiras são raras, já que vivemos implicados em instituições sociais e a base dessas organizações é a dissimulação. Os relacionamentos verdadeiros são comparáveis a um garimpo, onde a pedra preciosa encontra-se entre inúmeras outras. Isso não é bom ou ruim, simplesmente é assim. Penso não ser possível a estruturação da formação grupal de outra maneira. Para que uma sociedade mantenha a ordem é imperativo que o sujeito esconda seus sentimentos e emoções. Quando expomos alguma emoção mais intima, logo somos julgados com olhares desaprovadores.
O sujeito mais sociabilizado parece ser aquele que consegue melhor esconder suas características verdadeiras e expõe aquilo que o outro normalmente espera dele. A saber, dificilmente o primeiro fator coincide com o segundo.
“Na história da evolução dos vínculos afetivos, o ser humano, definitivamente, ainda se encontra engatinhando, e a capacidade de amar ainda é algo muito primitivo no funcionamento mental do humano atual.”. (Martino, 2013).
Por conta disso é naturalmente muito difícil conseguirmos nos aprofundar nas relações e então experimentarmos vínculos onde seja possível desempenhar o verdadeiro eu, com o mínimo possível de dissimulações.
Ao contrário disso, enquanto vivendo em sociedade, normalmente os vínculos acabam por acumularem características efêmeras, onde a conveniência, a recompensa e os benefícios egoístas são condições fundamentais para que se mantenha. Domina nessa dimensão a descartabilidade. Sendo assim, após o uso, o vínculo social é normalmente excluído, até porque nunca passou de dissimulação conveniente.
“O perigo se pronuncia na medida em que, sem um bom vínculo de confiança, as ilusões podem ser percebidas como fatos.”. (Martino, 2018).
Por outro lado, para que um vínculo possa estar sendo saudável, deve configurar-se entre pessoas que estejam sendo capazes de exercer seu verdadeiro eu, o mais livre possível de disfarces. Dessa maneira, a necessidade de se tornar aquilo que o outro deseja é completamente inadequada nessa ordem de vinculações. Nesse contexto, enaltecimentos e bajulações, são danosos a um vínculo benéfico. O enaltecimento é “um alimento que, apesar de ser extremamente prazeroso, é extremamente pobre em nutrientes da manutenção da auto-estima.”. (Martino, 2013). Também críticas e julgamentos são nocivos ao estabelecimento e desenvolvimento do vínculo saudável. “O crítico se fortalece criticando o outro. Isso porque despeja o peso de sua incapacidade no objeto da crítica.”. (Martino, 2013).
O vínculo saudável sobrevive necessariamente sendo nutrido de reconhecimento sincero e afetuoso das partes. O reconhecimento depende da capacidade de percepção da realidade dos fatos. “Distante do enaltecimento do elogio, que se encontra na ordem do idealizado, muito afastado do real.”. (2013). Uma relação em que são permitidas cobranças e exigências, não pode ser chamada de saudável.
Vínculos saudáveis se formam e se mantém de maneira natural e espontânea. Sempre permeados de tolerância quanto ao tempo de desenvolvimento das capacidades. O respeito é o que fundamenta os vínculos que estejam sendo saudáveis, onde cada novo dia é uma oportunidade de conhecer o outro e a si mesmo novamente.
São relações que tem sempre pouca intensidade de impulsos, onde explosões de prazer e de hostilidade são muito pouco frequentes e com mínima magnitude.
Entretanto, o vínculo ganha com isso grande durabilidade, num cultivo tolerante e compassivo de afeto e sinceridade.










MARTINO, Renato Dias. O AMOR E A EXPANSÃO DO PENSAR: das perspectivas dos vínculos no desenvolvimento da capacidade reflexiva – 1ª ed. São José do Rio Preto, SP: Vitrine Literária Editora, 2013.
______ O LIVRO DO DESAPEGO – 1ª ed. São José do Rio Preto, SP: Vitrine Literária Editora, 2015.
______ ACOLHIDA EM PSICOTERAPIA  – 1ª ed. São José do Rio Preto, SP: Vitrine Literária Editora, 2018.




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