A
experiência do aprender parece estar intimamente ligada ao vínculo afetivo que
levou ao aprendizado. A semântica nos orienta nesta direção, quando indica o
sentido de AD, significando “junto”, mais PREHENDERE, com o sentido de
“prender”. Portanto, parece que a qualidade dos vínculos definirá os atributos
do aprendizado e a forma como isso será aprendido, a maneira como se prenderá
ao sujeito e então, relacionar-se-á com ele, influenciando seu funcionamento
mental.
Ministrei
aulas por alguns anos no ambiente universitário e atualmente mantenho grupos de
estudos, onde coordeno encontro de reflexões sobre a prática clínica da
psicanálise. Essa vivencia de docência nesses dois ambientes distintos, me
proporcionou e me permite a cada experiência, oportunidades onde é possível perceber
alguns fatos dos quais penso ser pertinente compartilhar nessas linhas que
seguem.
No
ambiente universitário pude viver junto aos alunos algumas experiências que me
confirmaram algumas percepções das quais já havia tido contato durante o período
do qual eu mesmo ocupei a posição de aluno, nesse mesmo tipo de instituição.
Assim, ocupando as posições de aluno, de professor e aliando isso às pesquisas
teóricas referentes aos fatores que se dão no processo de aprendizado, me foi
possível expandir bastante o vértice do que poderíamos chamar de real
aprendizado e reconhecer quais elementos realmente influenciariam nesse
processo, para que possa ser bem sucedido.
O
aprendizado parece acontecer num processo a partir de certa experiência onde uma
nova informação ou ideia faça sentido e assim, passe a fazer parte do sistema
dedutivo teórico do sujeito que ora dispõe-se a aprender. Para tanto, deve
existir anteriormente a isso, mínima capacidade necessária de se tolerar a
ignorância sobre o assunto estudado, para que, com isso abra-se a disposição
para aprender. A sensação de ser ignorante é naturalmente geradora de insegurança
e por conta disso é muito importante para o processo do aprendizado uma
configuração de um ambiente acolhedor. Sem que se sinta acolhido em sua
ignorância, o sujeito muito provavelmente deve erguer defesas contra a sensação
de insegurança e o aprendizado não se efetiva. Sendo assim, aquele que se
dispõe a configurar o ambiente do suposto aprendizado, o professor, deverá estar
sendo, antes de tudo, um bom acolhedor.
Portanto,
o real processo de aprendizado deve ocorrer impreterivelmente como extensão de
um vínculo afetivo saudável. Não acredito que o verdadeiro aprendizado possa
ocorrer enquanto ausente de uma atmosfera emocional profícua, numa configuração
de ambiente rica de respeito, cuidado e acolhimento. Quero propor que para que
haja um real aprendizado é imperioso que antes tenha havido o estabelecimento
do vínculo afetivo saudável entre aquele que aprende e aquele que supostamente
tenta ensinar. Duas posições que nem sempre estão em harmonia. A pretensão do
ensinar não coincide com a necessidade do aprender. O aprender é muito
provável, o ensinar é sempre incerto. Ainda assim, o amor deve permear toda a
experiência. Só aprende com o outro aquele que é capaz de amá-lo.
Além
disso, não acredito que seja possível realmente apreender um conteúdo enquanto
se esteja com medo de ser reprovado no caso de não conseguir provar que
aprendeu o que foi proposto, através de uma avaliação. Penso ser incongruente
com o processo do real aprendizado, elementos como exigências, críticas,
julgamentos, condenação, ou ainda, punição. Só pode existir aprendizado na paz
interior; não se aprende quando ameaçado por aquele que ensina.
Um aluno
que esteja estudando num ambiente impregnado de crítica e ameaçado por punições
terá grande dificuldade em desenvolver seu aprendizado. O reconhecimento de
cada aprendizado, por mais sutil que possa ser, é o que servirá de apoio para o
próximo estágio e nos próximos elementos a serem aprendidos. “Toda ignorância é involuntária, e aquele
que se julga sábio se recusará sempre a aprender qualquer coisa de que se imagina
esperto, e, por conseguinte, o gênero de educação que usa recriminação (ou
repreensão) causa muitos problemas e traz poucos benefícios.” (Platão, O
BANQUETE, edição de 1991).
Ameaçando,
na melhor das hipóteses, aquilo que se consegue é somente no âmbito
superficial, através de um ato de decorar o conteúdo, num armazenamento na
memória que se invalidará quando não houver mais ameaça. Assim como na origem
da palavra DECORARE, “enfeitar”, de DECUS, “enfeite, ornato”, um enfeite
independente de conteúdo. Ou ainda, na junção de “DE”, significando um
movimento para baixo, afastamento, ou negação, mais “COR”, do latim “coração”.
Afastando do coração é possível gravar na memória, formatado, preestabelecido e
fácil de ser resgatado quando necessário for, entanto, frio, sem emoção ou
afeto. Emoções e afeto colocam em risco a organização da memória. Isso cria
certo padrão massificado de aprendizagem. O que ocorre na grande parte dos
casos é que, decora-se o conteúdo, realiza-se a avaliação e logo após esse
conteúdo acaba se dissolvendo, pois, foi armazenado por imposição e com o
intuito de provar que se tinha conhecimento sobre ele.
No
entanto, cada ser humano é único e sendo assim, tem seu próprio tempo de
aprendizado. Estabelecer um critério unificado de ensino e aprendizado se é
absurdo. O método comumente oferecido pelas instituições de ensino, desde as
primeiras introduções às crianças, até as mais altas graduações acadêmicas,
sempre foi e o é até hoje, estruturado dessa maneira: exigência de cumprimento
curricular em tempo preestabelecido e punição, com notas baixas, na
impossibilidade. Isso é a regra, que, é claro, deve haver exceções, mesmo que
eu as desconheça.
Além disso, temos a realidade do ambiente escolar comumente
repleto de violência, com freqüentes situações de bullying, e promovendo,
muitas vezes, envolvimento com amizades indesejadas. Na verdade, na grande
maioria das escolas parece haver uma chance muito pequena de se desenvolver um
ambiente afetivamente saudável, onde cada um pode realmente ser respeitado em
suas particularidades e limitações.
A
importância dessa ordem de reflexões toma grande proporção no momento atual do
país, quando se regulamenta a educação domiciliar, que visa regular a
possibilidade de educar os filhos em casa. Nesse modelo de educação os pais
assumem inteiramente a função de promover o processo integral na educação dos
filhos. Ora, se os pais, pelo menos a priori, deveriam ser aqueles que
proporcionam aos filhos a melhor qualidade de vínculo afetivo, não existe
melhor lugar para o aprendizado acontecer. Num lar onde exista a possibilidade
de experiências afetivas saudáveis, a formação do caráter se dará de maneira
profícua. Sendo assim, esse ambiente revela-se como o melhor lugar para a
instrução do conhecimento acadêmico, ou mesmo de qualquer outra ordem de
conhecimento.
No
entanto, é necessária uma série de requisitos para tanto. Os pais que se
dispõem a isso devem ter a disponibilidade para investir tempo e recursos na
formação intelectual dos seus filhos. Essa modalidade de ensino deve ainda
prevenir inúmeros males que por se tornarem tão comuns se perderam da avaliação
das experiências nocivas da vida social. Falo das frequentes pressões sociais
que por serem inadequadamente abusivas, fazem por instalar mecanismos de
defesas, que obstruem o fluxo natural do desenvolvimento emocional, o que pode
levar a um comprometimento que dificulta o processo de aprendizagem, resultando
no desinteresse em estudar. Além disso, esse modelo de educação promove maior
convívio na família, onde, ainda que se estabeleça um momento específico do dia
para os estudos efetivos, o aprendizado pode acontecer em tempo integral.
Uma
visão contraria a essa modalidade de ensino poderia sugerir que, distante da
vida social o sujeito carregaria um prejuízo por não ter experiências
suficientes para auxiliá-lo a aprender a se sociabilizar. No entanto, a
realidade é justamente inversa. Quanto maior a incidência de experiências bem
sucedidas junto daqueles que o respeitem e o amem sinceramente, mais o sujeito
pode se nutrir de amor próprio e respeito para consigo mesmo. Em conseqüência
disso será possível estender essa experiência ao outro, o amando e o
respeitando com sinceridade.
É justamente esse tipo de experiência que o
qualificará para estabelecer e dar manutenção aos vínculos realmente saudáveis
e por outro lado, trará recursos para se afastar de relações nocivas, de desrespeito
e abusivas.
PLATÃO,
DIÁLOGOS, O BANQUETE — FÉDON, SOFISTA — POLÍTICO Seleção de textos de José
Américo Motta Pessanha, Tradução e notas de José Cavalcante de Souza, Jorge
Paleikat e João Cruz Costa, NOVA CULTURAL, 1991.
Fone: 17-991910375
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