São
inimagináveis os possíveis desdobramentos dos elementos que constituem os
processos mentais. Por mais que nos dediquemos em estudos aprofundados, sempre
seremos grandes ignorantes do que realmente ocorre no funcionamento psíquico. A
lógica da vida cotidiana não se aplica às formulações do universo psíquico.
Muitas vezes o que somos capazes de tomar conhecimento sobre o que ocorre na
mente é simplesmente uma pequena nuance do que ocorre realmente. Alguns
funcionamentos são tão estranhos que nos parecem absurdo. A auto sabotagem é
uma experiência desse tipo, onde parece haver uma incongruência dentro do
funcionamento emocional. A partir do senso comum, como conceber a ideia de que
um sujeito possa desejar mal a si mesmo? Na realidade, tudo aquilo que somos
capazes de entender guarda por trás de si, um complexo sistema do qual não está
acessível ao nosso conhecimento. No caso da auto sabotagem, uma estrutura é
criada não permitindo ao sujeito funcionar de forma diferente, a não ser que
alguma experiência emocional reparadora possa ocorrer para mudar o curso dos
acontecimentos.
A intolerância às frustrações está na ordem dos motivos para um sujeito induzir-se ao fracasso. Um sujeito que sabota a si próprio, pode estar fazendo por medo de perder aquilo que eventualmente possa conseguir. Por não tolerar o desconforto da falta, o sujeito pode não se dedicar a realizações. Assim, por medo de perder a coisa boa, o sujeito fica com o que há de pior. No entanto, estar sendo bem-sucedido não se encerra na obra do realizar, mas na possibilidade de dar manutenção ao que se realiza. Assim, a incapacidade de se responsabilizar por aquilo que se realizou, também é um fator que pode levar alguém ao fracasso.
A intolerância às frustrações está na ordem dos motivos para um sujeito induzir-se ao fracasso. Um sujeito que sabota a si próprio, pode estar fazendo por medo de perder aquilo que eventualmente possa conseguir. Por não tolerar o desconforto da falta, o sujeito pode não se dedicar a realizações. Assim, por medo de perder a coisa boa, o sujeito fica com o que há de pior. No entanto, estar sendo bem-sucedido não se encerra na obra do realizar, mas na possibilidade de dar manutenção ao que se realiza. Assim, a incapacidade de se responsabilizar por aquilo que se realizou, também é um fator que pode levar alguém ao fracasso.
No
entanto, não é só a dificuldade em se responsabilizar que pode estar implicada
nesse processo, mas o sentimento de culpa cristalizado e reprimido pode gerar
remorso e também conduzir a alguém a prejudicar a si próprio. O sujeito pode
crer que tenha cometido alguma grave falta, desenvolvendo assim um sentimento
de não merecimento, podendo levá-lo a buscar punir a si mesmo. Isso pode se
manifestar como tentativas de sabotar a si próprio, onde ele passa a obstruir seu
próprio caminho em suas realizações, tornando-se um fracassado. Atentando
contra si mesmo, podendo até levá-lo ao suicídio. No sujeito que se sente
culpado, o medo do sucesso é maior que o medo do fracasso.
Na
clínica psicoterapêutica, pacientes que carregam grande culpa, são de difícil
manejo, isso quando procuram tratamento. Por se sentir culpado, o sujeito
inundado pela culpa, acredita que merece padecer e permanecendo assim, cria
grandes resistências, não permitindo ser ajudado. Se julgando merecedor da
doença, obstruído está o caminho para restabelecer a saúde. Vive um caos
interno de autoacusações, do qual ajuíza ser merecedor. Nesse caso, quanto mais
inteligente a pessoa for, tanto mais perigosa se torna a experiencia. Torna-se
possível arquitetar inteligentemente inúmeros artifícios extremamente bem
articulados para se auto punir. Quando não se está em paz consigo mesmo, o
conhecimento que se possa ter, volta-se contra si próprio. Amiúde procura
qualquer que seja a oportunidade para castigar a si mesmo. Encara cada
dificuldade como sendo uma confirmação de sua penitencia. Para aquele que se
sente culpado, toda adversidade é vista como punição.
Em
1917, Sigmund Freud (1856 – 1939) chama a atenção para a forma de funcionar
daquele que tenha vivido uma perda significativa em relação à algo do qual não
tenha tido a chance de se desapegar emocionalmente o suficiente. Freud denomina
esse quadro de melancolia. Por conta de certa relação de extrema amarração,
estabelece um vínculo ambíguo com o outro, onde depende, mas deseja não
depender. Idolatra o outro por depender dele, mas o odeia por desejar a
independência. Por conta da culpa por odiar aquele do qual depende, o
melancólico se vê como sendo desprovido de valor, e se sente alguém
desprezível. “Vemos como nele uma parte do ego se coloca contra a outra,
julga-a criticamente, e, por assim dizer, toma-a como seu objeto.” (Freud,
1917). O vínculo que vivera com o objeto perdido não pudera evoluir para formas
mais nobres do amor e se mantivera num modelo de submissão.
Portanto,
a experiência afetiva é o que permeia qualquer que seja o processo psíquico e
nesse caso não é diferente. A experiência de ser amado e a partir daí aprender
a amar a si mesmo. Então, pela extensão do amor próprio aprende-se a amar o outro,
isso configura a essência da vida psíquica saudável.
Por
outro lado, a ausência do vínculo de amor e sinceridade, pode comprometer o
desenvolvimento da personalidade, gerando danos difíceis de reparar. O sujeito
que não tenha sido nutrido de amor e sinceridade, num vínculo de
reconhecimento, pode desenvolver outra forma de conseguir atenção, ainda que
essa forma desenvolvida não seja muito saudável.
Por não ter conseguido ser
amado, pode desenvolver o fracasso como meio de receber a atenção do outro que
sente dó. Então, como não conseguiu ser reconhecido e amado, apela para a
piedade do outro como última esperança de obter atenção. Não consegue acreditar
(e muitas vezes isso realmente está longe de ser possível) que consiga
desenvolver atributos que possam ser admirados pelo outro. Nunca foi amado e
hoje não consegue ser amável.
É óbvio que o olhar de pena não atende aos
requisitos da demanda de amor, no entanto, o sujeito não tem escolha, enquanto
na carência do olhar do outro.
Por se
perceber nessa configuração o sujeito desenvolve ódio em relação a si mesmo.
Sente-se alguém desprezível e muitas vezes, projeta esse sentimento no outro,
que acaba convencido disso também. Aquele que conserva ódio voltado a si mesmo
não pode se achar merecedor de qualquer sucesso. Não sendo capaz de dar chance
para si próprio, não conseguirá oportunidade advinda de qualquer outra pessoa.
Em última análise, temos um problema de raízes muito primitivas, já que o amor
próprio tem início no instinto de autopreservação. “Esse quadro de um delírio
de inferioridade (principalmente moral) é completado pela insônia e pela recusa
a se alimentar, e – o que é psicologicamente notável – por uma superação do
instinto que compele todo ser vivo a se apegar à vida.” (Freud, 1917).
No
entanto, se existe alguma esperança, esta se encontra na possibilidade da
configuração de um ambiente emocional de acolhimento, onde o sujeito possa se
dispor suficientemente a ser acolhido. “A culpa, quando pode contar com
acolhimento, tem maior chance de converter-se em responsabilização, assim como
a inveja, ao contar com o acolhimento, é convidada, na ocasião do
reconhecimento, a converter-se em gratidão.”. (Martino, 2015).
Num vínculo
saudável as experiências emocionais reparadoras passam a ser possíveis, na
criação de recurso para lidar com possíveis faltas e falhas.
Freud, S. 1917, LUTO E MELANCOLIA, em OBRAS PSICOLÓGICAS COMPLETAS - Edição Standard Brasileira, IMAGO (1969-80).
Martino, R. D. 2015, O LIVRO DO DESAPEGO - 1. ed. - São José do Rio Preto, SP: Vitrine
Fone: 17- 991910375
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