domingo, 4 de abril de 2021

SOBRE O FANTASIAR

 


Assim como ocorre na saúde do corpo físico, também a mente necessita estar suficientemente equilibrada para que possa funcionar de forma saudável. A nutrição, feita por meio de vínculos ricos de amor e que possam estar de acordo com a verdade, assim como constante exercício, promovido pelas reflexões, são fundamentais para que a mente possa desempenhar um bom funcionamento e expandir em suas capacidades. Isso é fundamental, sobretudo, para a capacitação na tolerância às frustrações. Para que a mente possa funcionar bem, propiciando o crescimento na expansão da maturação emocional é fundamental que possa estar integrada o suficiente para tolerar os conflitos inerentes à vida emocional. 


Segundo Melanie Klein (1882 - 1960), a questão fundamental é ser capaz de tolerar a ansiedade gerada no conflito, o suficiente para não tentar evitá-lo. “Equilíbrio não significa evitar conflitos: supõe a tolerância para atravessar emoções penosas e poder lidar com elas.” (Klein, em SOBRE A SAÚDE MENTAL, 1960) Na vida emocional, naturalmente a mente é perturbada por desordens geradas no choque entre as fantasias, que criam uma forma conveniente de se encarar a realidade (como se deseja que fosse) e a realidade como ela verdadeiramente é (independente do que se deseja). 


Em seu ensaio FORMULAÇÕES SOBRE OS DOIS PRINCÍPIOS DO FUNCIONAMENTO MENTAL, Sigmund Freud (1856 – 1939) propôs que nesse processo primário onde a realidade coincide com as expectativas, o que impera é o que chamou de princípio de prazer-desprazer. “Estes processos esforçam-se por alcançar prazer; a atividade psíquica afasta-se de qualquer evento que possa despertar desprazer.” (Freud, 1911) Através das fantasias e das ilusões se configura o funcionamento do bebê em seus primeiros anos de vida, no entanto, conservamos uma cota dessa forma de funcionar vida á fora. “Com a introdução do princípio de realidade, uma das espécies de atividade de pensamento foi separada; ela foi liberada no teste de realidade e permaneceu subordinada somente ao princípio de prazer.” (Freud, 1911).

Freud propõe que a atividade do fantasiar está presente no funcionamento mental infantil e se manifesta nas brincadeiras das crianças, entanto, é conservada como devaneio posteriormente, na vida adulta. Nisso Klein concorda quando escreve que: “Mesmo numa pessoa emocionalmente madura, fantasias e desejos infantis persistem em alguma medida.” (Klein, 1960) Sendo assim, a vida emocional é permeada de conflitos, por maior que seja o nível de maturidade emocional. 


A fantasia, que a princípio é o substrato que posteriormente se transformará em pensamentos, no caso de suportar passar pelo teste de realidade, podem manter-se fixadas no principio do prazer, gerando confusão mental. São cotas de elementos que não tolerando a frustração, resistem ao processo de maturação emocional. Não amadurecemos de maneira voluntária. Na realidade, evitamos até as ultimas consequências o processo de maturação emocional e isso tem um motivo claro: amadurecer dói.

“O ponto central parece ser a natureza dolorosa da mudança em direção à maturação.” (Bion, 1970) 

Para que o processo de maturação emocional possa ocorrer de maneira fluente e natural, onde as tentativas de evitar o contato a realidade sejam minimamente frequentes é necessária a instalação de um ambiente saudável.


Este ambiente deve ser continente o suficiente para que as fantasias sejam transformadas de maneira o mais suave possível em formas mais claras de se reconhecer a realidade. O ambiente quando saudável é configurado pela concórdia e propicia a expansão da maturidade emocional. Por outro lado, um ambiente emocional repleto de conflitos e exigências, dificulta esse processo, muitas vezes interrompendo as possibilidades.

Quando o ambiente em que o sujeito esteja inserido está cheio de conflitos, ele deve investir grande parte da energia que o processo de maturação carece, em se defender, dificultando, ou mesmo obstruindo a maturação. 


Bion. W. R. ATENÇÃO E INTERPRETAÇÃO, (1970), Capítulo 5

Freud. S. FORMULAÇÕES SOBRE OS DOIS PRINCÍPIOS DO FUNCIONAMENTO MENTAL, (1911) Vol. XII

Klein. M. SOBRE A SAÚDE MENTAL, (1960)




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