A ideação suicida é um componente que naturalmente está presente na mente do ser humano. Sigmund Freud (1856 - 1939) já havia alertado sobre o fato de que certa tendência de autodestruição se encontra presente mesmo em sujeitos que não a levam até a ação. “Mesmo nos casos em que realmente se consuma o suicídio, a propensão a ele terá estado presente desde longa data, com menor intensidade ou sob a forma de uma tendência inconsciente e suprimida.” (Freud, 1901) Sendo assim, é de suma importância a tomada de consciência dessa tendência de autodestruição, já que é só a partir daí que passa a ser possível a responsabilização. São várias as formas de atentar contra a própria vida e todas elas, lentas ou abruptas, são formas de suicídio. Desde o uso desmedido de substâncias nocivas como açúcar e gordura, a ingestão de álcool e drogas, uso de tabaco, até o suicídio efetivo no atentado direto e fatal no alto aniquilamento. O termo suicídio vem do latim SUICIDIUM, que é a junção de SUI, “de si mesmo”, e CAEDERE, “bater, golpear, matar”. São inumeráveis os motivos que levam um sujeito a efetivar o atentado contra a própria vida. Ainda assim, a incapacidade de tolerar o desconforto da tomada de consciência, para firmar um acordo com a realidade parece estar sempre presente nos casos de consumação do suicídio.
Grande parte dos casos de suicídios tem sua origem na privação de cuidados nas etapas mais precoces do desenvolvimento emocional. Muitas vezes ocorrendo rejeição mesmo antes do nascimento. O pensamento que antecede o sujeito tem importância fundamental na medida em que não encontra chance de reparação. Pensamento de exigências em relação ao bebê que ainda não nasceu, pode comprometer de maneira brutal no destino dessa vida que nasce. “A questão se torna mais complexa ainda quando o que se deseja desse sujeito é que ele nunca tivesse nascido.” (Martino, 2015) Influencias de experiências que precedem o nascimento do sujeito que possa vir a se suicidar. “Um sujeito que não foi abortado quando bebê poderá ser “abortado” na vida adulta (suicídio); abortar o próprio filho (fazendo o seu próprio aborto) ou abortar outro sujeito (matar).” (Marques, 2020) Isso acontece quando as funções maternas e paternas não foram cumpridas suficientemente, na necessidade de acolhimento e de reconhecimento de limites. “Só ama o outro quem ama a si mesmo; só ama a si mesmo quem foi amado pelo outro.” (Martino, 2015) Na falta da experiência de ter sido amado pelo outro o sujeito não aprendeu a amar-se a si mesmo, ou ainda, pode passar a odiar-se a si mesmo. Sendo assim, aquele que venha a dar cabo de sua própria vida não conseguiu aprender a amar e respeitar a si próprio. A maior parte dos casos de consumação suicida parece ter um histórico de solidão, desamparo, rejeição, por vezes, sendo fruto de gravidez indesejada. Isso impede que o sujeito consiga encontrar adequação no mundo, trazendo a sensação de se estar deslocado em qualquer lugar que esteja.
Na obra A PSICOGÊNESE DE UM CASO DE HOMOSSEXUALISMO NUMA MULHER, Freud levanta o episódio da desaprovação do pai quanto a um relacionamento homossexual de uma moça que desesperada por perder seu amor tenta suicídio. No entanto, Freud percebe ainda outro motivo por detrás. A autopunição, por conta do desejo de que os pais morressem. Freud não acredita que alguém possa encontrar energia mental necessária para o suicídio, “a menos que, em primeiro lugar, agindo assim, esteja ao mesmo tempo matando um objeto com quem se identificou e, em segundo lugar, voltando contra si próprio um desejo de morte antes dirigido contra outrem.” (Freud, 1920)
Na análise do estado de melancolia Freud propõe que nos casos de suicídio, o sujeito passa a “tratar a si mesmo como objeto – se for capaz de dirigir contra si mesmo a hostilidade relacionada a um objeto, e que representa a reação original do ego para com objetos do mundo externo.” (Freud, 1917) Freud, nos mostra com clareza que em casos de melancolia a prática de torturar-se a si mesmo chega a ser prazerosa. “Via de regra, em ambas as desordens, os pacientes ainda conseguem, pelo caminho indireto da autopunição, vingar-se do objeto original e torturar o ente amado através de sua doença, à qual recorrem a fim de evitar a necessidade de expressar abertamente sua hostilidade para com ele.” (Freud, 1917)
Freud chamou a atenção para o fato de que pacientes que estejam atentando contra a própria vida muitas vezes ficam impedidos de serem tratados pela psicanálise. Um tipo de resistência que faz com que o método psicanalítico fique notadamente inadequado. Pessoas em quem o instinto de autopreservação parece ter sido invertido. “Eles parecem visar a nada mais que à autolesão e à autodestruição. É possível também que as pessoas que, de fato, terminam por cometer suicídio pertençam a esse grupo.” (Freud, 1940) Parece haver certa tendência de grandes quantias do impulso destrutivo voltado para si mesmo. Na maioria dos casos de suicídio, o sujeito fazia uso de drogas ou álcool. Isso acaba por corroborar para que haja um acumulo de experiências emocionais e afetivas malsucedidas. Ocorre sensação de fracasso, automenosprezo e autodepreciação que chega assim que o efeito prazeroso passa. Manter-se numa situação nociva é uma forma de autopunição, conveniente para aquele que se sente culpado.
Para que o processo psicoterapêutico possa ter algum sucesso, parece ser imperiosa a necessidade de que o paciente apresente minimamente certa vontade de viver. Isso diz respeito ao nível de analisabilidade que ele possa estar manifestando. Ou seja, o quanto esse que esteja sendo, ou venha a ser atendido, possa estar disponível a se dedicar ao processo de psicoterapia. Não é necessário ser um psicanalista ou um profissional da saúde mental para se reconhecer que quando existe vontade de viver, por maiores que sejam as dificuldades, há maior chance de superação de problemas. Por outro lado, o inverso também é verdadeiro. Quando falta a vontade de viver, tudo se torna um transtorno. Um pequeno problema, ou ainda, mínima dor, se torna uma gigantesca obstrução, quando falta ao sujeito, vontade de continuar vivo. “Os pacientes dessa espécie não podem tolerar o restabelecimento mediante o nosso tratamento e lutam contra ele com todas as suas forças. Mas temos de confessar que se trata de caso que ainda não conseguimos explicar completamente.” (Freud, 1940)
Não é função do psicanalista a de persuadir o outro de que vale a pena viver. Convencer o outro não é função do psicanalista. Na verdade, tentativas de convencimento parecem não surtir mínimo sucesso em qualquer situação que seja. Aquele que insiste em tentar convencer alguém está faltando com o respeito. Por maior que seja o conhecimento sobre a vida do paciente, não é possível ao psicoterapeuta mensurar o peso de continuar vivendo para ele. “Penso que, na medida em que o paciente não se predispõe a ser acolhido, muito pouco ou quase nada pode ser realizado.” (MARTINO, 2018) A vontade de viver parece vir do mundo interno, não pode ser encontrada no mundo externo. Ninguém tem o poder de convencer outra pessoa de que vale a pena viver.
É inútil a psicoterapia para quem não está disponível para isso. “Acredito que a busca precisa partir de dentro do sujeito, por meio da percepção de certa dor psíquica, e isso não pode ser feito pelo outro.” (MARTINO, 2018) Penso que o paciente só pode ser amparado no caso de perceber que necessita disso. Sendo assim, na medida em que essa necessidade é percebida e então reconhecida é por meio do pedido de ajuda que se inicia o processo de transformação. “Essa ajuda deve estar no outro que seja capaz de acolher. No amparo do outro que proporcionará acolhimento necessário.” (MARTINO, 2018) Deste modo, a ajuda do outro só pode ser possível e útil depois de certa tomada de consciência da situação.
Na realidade, raramente um sujeito que tem convicção da ideação suicida, procura e consegue manter-se num processo psicoterapêutico. No entanto, quando isso, por ventura, ocorre temos um desafio de grande porte. Nesses casos é muito importante poder contar com a capacidade no analista de perceber, reconhecer para avaliar nível de analisabilidade do paciente. Inúmeras resistências podem se erguer para o fracasso do processo, tendo em vista a tendência a se auto-sabotar. As manifestações destas resistências podem se dar desde de certa inibição, na inacessibilidade do material que carece ser tratado, até a arrogância, em ataques hostis em direção ao analista. Como torna-se impiedosa, uma pessoa que desistiu de viver! Quando o paciente manifesta esse grau de desesperança pode ainda, convidar o analista à desejar viver por ele: “eu não quero viver, se você quer que eu viva, então você que cuide disso”.
Portanto, é importante que o analista que esteja se propondo atender casos dessa ordem, esteja dando a devida manutenção à estrutura emocional, através de sua análise pessoal. É a partir daí que será possível se manter integrado não cedendo às inúmeras oportunidades de turbulências no decorrer do processo psicoterapêutico. É de grande relevância, também que tenha a possibilidade de consultar um colega capacitado o suficiente para prestar-lhe supervisão do caso. Além disso, a constante cogitação sobre publicações de estudos a respeito do assunto, o que está acontecendo na ocasião da leitura e reflexão desse material ora manuseado.
Freud, S. (1969). SOBRE A PSICOPATOLOGIA DA VIDA COTIDIANA. In S. Freud, Edição standard brasileira
das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, v. VI. Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho
original publicado em 1901)
_______. (1969). LUTO E MELANCOLIA. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, v. VI. Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho
original publicado em 1917)
_______. (1969). A PSICOGÊNESE DE UM CASO DE HOMOSSEXUALISMO NUMA MULHER. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, v. VI. Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho
original publicado em 1920)
_______. (1969). ESBOÇO DE PSICANÁLISE. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, v. VI. Rio de Janeiro: Imago. (Trabalhooriginal publicado em 1940)
MARQUES, Jessica Kemelly. ACOLHIMENTO VOL II - 1. ed. - São José do Rio Preto: Vitrine Literária Editora, 2020.
MARTINO, Renato Dias. O LIVRO DO DESAPEGO - 1. ed. - São José do Rio Preto: Vitrine Literária Editora, 2015.
MARTINO, Renato Dias. ACOLHIDA EM PSICOTERAPIA - 1. ed. São José do Rio Preto: Vitrine Literária Editora, 2018.
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Um comentário:
Li este texto professor e foi riquíssimo. Gratidao por compartilhar
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