sexta-feira, 2 de maio de 2025

IMPERMANÊNCIA E INVARIÂNCIA - Prof. Renato Dias Martino



IMPERMANÊNCIA

A realidade é impermanente. Esse termo, impermanência é um termo muito utilizado pelo budismo. No budismo, um dos selos que fundamentam o budismo é que a realidade é impermanente. Ela não permanece muito tempo da mesma forma. Ela se transforma o tempo todo. A realidade é transformação. A realidade está dentro do “estar sendo”, nunca do engessado, nunca do saturado. Quando a gente fala da ideia da realidade, a gente está falando sempre de um processo, sempre de algo que está em transformação, logo não é possível conhecê-la, porque para você conhecer alguma coisa, aquilo precisa estar de alguma forma invariante. Porque senão, o que você conhece agora daqui a pouco já não é do mesmo jeito. A realidade é impermanente aquilo que está dentro da perspectiva do real está em transformação constante. Seja dentro do concreto, do mundo material, ou seja, dentro da esfera mais abstrata e mais subjetiva possível, que seja dentro da esfera emocional, por exemplo, as emoções estão em transformação. O sujeito está em transformação, a personalidade está em transformação, ou seja, dentro da esfera material, um elemento que talvez seja um dos mais duráveis, que é, por exemplo, o diamante, mesmo o diamante, dentro da sua perspectiva, também está em transformação. Seja dentro do âmbito micro, nas partículas menores, elas estão em transformação, seja no âmbito macro, na esfera das galáxias, por exemplo, também está em transformação. Tudo que está configurado na realidade está em transformação.

FLUXO DA VIDA 

A morte como fim é um conceito egoísta. O sujeito que é capaz de transcender o seu egoísmo, ele vai perceber que a morte, na realidade é uma passagem da impermanência, do fluxo da vida. Então, depois que a gente morrer a vida vai continuar, inclusive com aquilo que a gente deixou.

INVARIÂNCIA

Somente duas coisas podem ser invariantes, podem ser consideradas como invariante. Uma delas é Deus. A configuração essencial da realidade, a essência da realidade, o elementar da realidade não se transforma. Então, quando você por exemplo pega uma caneca esta caneca ela é formada por uma partícula elementar igualzinha a partícula que forma o seu corpo. Esta partícula elementar é invariante. A essência, a deidade, é invariante. A alma é invariante. Então, quando Moisés foi cobrado pelo seu povo: qual é o nome desse teu Deus e ele foi lá, perguntar para Deus qual era o nome dele, Deus falou assim: "Eu sou o que sou." “Vai lá e fala para eles que isso, é o bastante.” Só Deus é o que é. E a segunda coisa que é invariante é a ilusão. A ilusão é invariante. Ela não muda. Quando ela começa a sofrer a variância, ou a transformação, ela já começa a ruir e perde a sua conotação de ilusão. Esta mesma ilusão é a que faz o sujeito humano mortal se confundir com Deus. Achar que é Deus. Ele acha que é Deus. Tem a fantasia, alucinação que é Deus, logo, pensa ser em invariante, mas nós estamos em transformação. Nós somos passagem. Nós estamos, o tempo todo nos transformando. Nós estamos sendo, não somos. Sou o que sou é só Deus, ou o ser humano quando está iludido.

RESISTÊNCIA 

A invariância resiste. Ela é resistente. Ela é resistente às transformações. É aquilo que fica da mesma forma e adoece o sujeito por permanecer da mesma forma. O sujeito que evita a transformação, ele adoece. A impermanência é o fluxo da vida.

CONHECER

Você só pode conhecer, você só pode entender sobre algo que é invariante. Se alguma coisa for transformação você já não consegue mais entender isso, porque, cada vez que você for olhar para isso, vai estar de uma forma diferente. Se for transformação, na melhor das hipóteses, você pode reconhecer isso. A cada encontro, conhecer novamente. O conhecimento está subordinado à invariância. Seja a invariância do elemento, ou seja, a invariância do processo. Para que eu possa conhecer, isso precisa estar saturado e quando eu conheço eu tenho a tendência de saturar isso e olhar para isso como invariante.

ANALISTA INVARIANTE 

O analista precisa ser invariante para receber a transformação do paciente. Quando a gente fala sobre a invariância do analista eu me recordo diretamente do filme A VIDA É BELA. O, pai era invariante para que o filho pudesse se desenvolver. A invariância do pai era tolerar o processo. A invariância do analista, muitas vezes é omitir as emoções. Muitas vezes, eu posso estar num processo extremamente doloroso, angustiante na minha vida particular, mas o meu paciente não tem nada com isso. Então, eu preciso recebê-lo de maneira invariante para que ele possa sofrer as suas transformações.

INVARIÂNCIA IMPERMANENTE 

Mesmo a invariância do setting, mesmo a invariância do analista, ao receber o paciente que precisa se colocar no processo de transformação, mesmo esta invariância do analista, também precisa sofrer transformação. Não pode ser saturada e terminada, esta invariância. Vamos trazer a analogia de você colocar uma semente na terra para que ela possa germinar. Esta terra precisa estar invariante. Ela não pode ficar mexendo o tempo todo, senão essa semente não vai conseguir germinar. Ela não vai conseguir se firmar nas suas raízes. No entanto, esta mesma terra, precisa estar em transformação, precisa ser móvel o suficiente para que estas raízes possam penetrá-la. Porque se ela foi invariante, muito invariante e cristalizada, a raiz não consegue penetrar. Então, mesmo esta invariância precisa ser parcial. Quando o paciente chega nos procurando ele está cristalizado, ele chega dizendo: "Eu sou" e ele precisa encontrar este ambiente saudável para que ele possa confiar o suficiente, para se submeter à transformação, mas essa transformação só vai acontecer na medida em que este ambiente também possa acolhê-lo de maneira expansiva e não cristalizada.

TRANSITORIEDADE

Me lembrei agora de um texto muito belo do Freud, chamado SOBRE A TRANSITORIEDADE. 1917 se não me engano. E ali, ele fala sobre o sujeito melancólico. Ele estava desenvolvendo essa ideia da melancolia e ele fala sobre o sujeito melancólico que não tolera a contemplação de uma flor que no outro dia já não vai estar mais ali, que vai murchar, que dura uma noite, por exemplo. Ele não tolera o processo da vida, porque as coisas vão se perdendo. Então, ele não acredita que vale a pena viver porque viver é perder. Amadurecer é aprender a perder. A vida é um processo de perda, é tolerar perder.

MELANCOLIA 

A melancolia se configura num estado que o sujeito entra a partir de ter perdido um objeto do qual ele mantinha uma relação narcisista, ou seja, ele mantinha uma relação fusionada que ele se confundia com o objeto. Quando ele perde esse objeto é como se uma parte do eu se perdesse também. E um recurso para que ele continue vivendo é se transformar num objeto perdido. Porque, na realidade, esse objeto perdido dominava o sujeito. Comandava a vida do sujeito. Por isso que ele não conseguia se distanciar desse objeto perdido. Uma com-fusão com o objeto. E quando o objeto é perdido é como se tivesse perdido uma parte do eu. E aí, ele alucina que ele se transforma no objeto. Assim como o filme Psicose que o Norman Bates se transformava na mãe dele, porque ele vivia uma melancolia muito grande, em relação à mãe.



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