sexta-feira, 5 de setembro de 2025

O VÍNCULO DE TIRANIA E A PERSONALIDADE INFLUENCIÁVEL - Prof. Renato Dias...




Como é configurada a forma tirânica de se vincular ao outro? 

GRUPO HUMANO

Antes da gente iniciar efetivamente essa reflexão, é importante a gente pensar um pouquinho sobre a configuração grupal humana. PSICOLOGIA DAS MASSAS E ANÁLISE DO EGO do Freud, de 1921, tem certa consciência da ideia do grupo humano. Aparentemente o humano parece ser um animal de grupo, um animal que se agrupa naturalmente, ou seja, que ele tem no seu instinto ou de forma genética o instinto gregário que naturalmente ele irá se agrupar com outros seres humanos. No entanto, não é bem assim. O ser humano não é como os bovinos, os caprinos, os bubalinos ou as sardinhas ou as andorinhas, que naturalmente se agrupam e se agrupam sem precisar de um líder. O ser humano só se junta em grupos por conveniência e precisa impreterivelmente de um líder para se manter agrupado. Ele não tem na sua configuração inata algo que o leve a se agrupar naturalmente.

SER HUMANO NARCISISTA

A configuração do ser humano é narcisista. Ele é um animal de características egoístas. Naturalmente, logo não se agrupa sem que ele veja uma grande conveniência em fazê-lo. Ele precisa passar por um processo muito dedicado de introdução afetiva, introdução amorosa para que ele possa ir dissolvendo aos pouquinhos este narcisismo.

ANIMAL DE HORDA

Se o ser humano não é um animal de grupo, qual é a configuração natural desse animal? Ele é um animal de horda. O que é horda? Horda é uma configuração da estrita família, do primeiro ciclo da família dele, pai, a mãe e os filhos. Este é o grupo natural do ser humano. Este é um grupo em que o ser humano vai se manter até que ele esteja pronto a formar a sua própria horda. Ou seja, quando o filho começa a se desenvolver, ele já está pronto para formar as a sua horda e aí então começa a haver conflitos muito grandes ali dentro. Não precisa ir muito longe, não precisa ser psicanalista para perceber isso.

GRUPO INTERNO 

A personalidade do sujeito se estrutura como um grupo. E uma forma da gente pensar isso é a visão estrutural da personalidade, que é de ego e superego. Nós temos aí três instâncias que têm características diferentes e que se unem enquanto a estruturação da personalidade do sujeito. O id é aquele que demanda, aquele que precisa. O ego é aquele que tenta organizar essas necessidades e o superego é aquele que vem criticar, julgar ou ainda estabelecer um “ideal de eu”. Alguns tem o id como líder, alguns têm o ego como líder e alguns tem o superego como líder. Se o seu id estiver sendo líder, você está sendo levado pelas demandas naturais e instintivas. Se o seu ego estiver sendo líder, você está sendo levado por aquilo que você está sendo, ou seja, você se responsabiliza pelo seu funcionamento. Se o seu superego estiver sendo seu líder, você está sendo regido por aquilo que você deveria ser, que você deveria fazer.

GRUPO PSICÓTICO

O grupo funciona como uma personalidade psicótica, porque os integrantes do grupo, por mais que estejam juntos por um objetivo aparentemente comum, cada um tem uma direção diferente, cada um tem uma afinidade diferente, cada um tem uma configuração da sua própria personalidade diferente do outro, por mais que tenham um motivo em comum para estarem juntos ou alguns motivos em comum. No entanto, os motivos que não são comuns são muito maiores do que os motivos comuns. Isso faz com que o grupo se torne um sujeito psicótico, onde várias partes estão distintas uma das outras, muito mais discordando uma das outras do que concordando, assim como a configuração da mente do sujeito que tem a predominância psicótica da mente, onde a personalidade dele está, por assim dizer, desintegrada em vários pedaços que buscam coisas diferentes.

PÂNICO

Por este motivo que o líder é fundamental para a organização do grupo, porque o líder vai trazer esta unificação das ideias, mostrando o caminho que precisa ser seguido. Sem o líder, estas partes que são distintas vão sofrer aquilo que dentro do da linguagem do exército se chama pânico. O que que é o pânico? É quando o grupo se desfaz. Quando o líder, por exemplo, é destituído ou morre ou some, o grupo sofre um pânico. Cada um vai para um lado. 

DEMOCRACIA

Em tese, a democracia é impraticável, porque a massa é estúpida. Porque a massa funciona através do princípio do prazer. Ela vai buscar satisfação e esse líder vai emergir a partir desta condição. E esse que é o grande perigo, porque muitas vezes o grupo tem características nocivas, tem sua predominância de características tóxicas. E aí o líder que é eleito vai vir com essas características. vai ser um líder corrupto, vai ser um líder tóxico, nocivo, porque representa aquilo que o grupo, ou pelo menos a maioria configura.

DESEJO

Muitas vezes o líder é eleito não pela vontade do povo, mas pelo interesse de uma classe. Reúne-se uma nata influente que tenta convencer os outros de que aquele sujeito é o sujeito melhor para ser o líder. E aí não foi a vontade do povo, mas foi o desejo de uma classe que convenceu este povo. 

TIRANO

Quando esse povo tem características predominantes de perversão, corrupção, cria-se um ambiente de vulnerabilidade e esta vulnerabilidade vai gerar um ambiente propício para que um sujeito tirano se aproveite deste caos instalado. E o grande perigo da tirania é que ela não se instala de uma hora para outra. Muitas vezes o sujeito tem essa ideia de que a tirania acontece de um dia para noite, mas ela não acontece. Ela vai ocorrendo gradativamente sem que as pessoas percebam que ela está se instalando. E ela vem com palavras doces, ela vem com promessas que vão ao encontro da demanda do povo, da demanda daquele que precisa. Isso não é diferente nos vínculos afetivos. Muitas vezes um vínculo de tirania também se instala entre duas pessoas e muitas vezes o sujeito não vira um tirano da noite para o dia. Ele vai se transformando e muitas vezes dizendo: "Olha, isso é para o seu bem". 

OFERTA

Tudo aquilo que o governante oferece para o povo, antes ele tirou do próprio povo. O governo não dá nada. Se ele te oferece um sistema de saúde porco e miserável, ele te oferece porque ele já te arrancou muito dinheiro antes.

INCAPACIDADE

O tirando, ele percebe a fragilidade que é como uma rachadura. E ali ele se infiltra e se infiltra com promessas de trazer tudo aquilo que é a demanda da parte mais vulnerável e vai se instalando. E quando ele se instala fica muito difícil de destituir. Fica claro que o tirano só consegue se colocar no poder, tomar o poder por conta da incapacidade do povo. A incapacidade de o povo pensar por si mesmo, a incapacidade do povo de questionar. a incapacidade do povo de se responsabilizar por si mesmo. Quanto menos o sujeito for capaz de se responsabilizar por si mesmo, maior será o domínio do tirano sobre ele. Porque, por mais que as características do tirano estejam evidentes, ele ainda não acredita que ele seja capaz de se responsabilizar por si mesmo.
 
INFLUENCIÁVEL

Nós falamos aqui do sujeito tirânico. Nós estamos falando aqui do tirano. Mas para que exista o vínculo de tirania é necessária uma outra parte. Esta outra parte tem muito mais importância do que o próprio tirano para que o vínculo de tirania possa perpetuar. Vou dar um exemplo disso. Eu costumo dizer que a colaboração, a possibilidade de o paciente estar aberto e predisposto ao processo psicoterapêutico é mais importante do que a capacidade do psicoterapeuta. Se o sujeito tiver aberto ao processo psicoterapêutico, uma palavra do psicoterapeuta é transformadora. Mas se ele estiver fechado, não adianta que o psicoterapeuta seja o melhor psicoterapeuta do mundo, que o processo não vai ocorrer. Assim também ocorre no vínculo de tirania. Só vai haver a permanência de um tirano se houver uma parte do povo que apoia isso, uma permissividade de uma parte grande ou a da maior parte do povo para que isso continue acontecendo. Esta parte do povo, este sujeito influenciável que permite a tirania é mais importante do que a intervenção do tirano. 

MASSA DE MANOBRA

Um tirano sozinho não consegue instalar a tirania. Ele precisa do sujeito que esteja sugestionável, por assim dizer, a essa tirania para que essa tirania possa se instalar. Sem esse sujeito, nada acontece. E esse é o ponto central desta minha fala, a importância desse sujeito que permite que isso tudo continue acontecendo. Um ditador não consegue êxito sem que ele possa contar com exército de subordinados disponíveis aquilo que ele está ditando como regra. O ditador, ele precisa de pessoas que sejam incapazes de pensar por si mesmo, incapazes de se responsabilizar por si mesmo, de ter ideias próprias, de questionar as ideias, senão ele não consegue instalar a sua ditadura. Um sujeito sugestionável. Esse é o terreno fértil, propício para se instalar essa tirania, esse sujeito que a gente vai chamar de massa de manobra da perversidade do tirano. 

FAMÍLIAS DESESTRUTURADAS

Essa pessoa sugestionável é uma pessoa que não conseguiu estruturar a sua personalidade de maneira suficientemente boa. Ele ainda vive pelo princípio do prazer. Ele ainda busca a satisfação imediata. Ele ainda busca só evitar desconfortos. Ele não aprendeu a tolerar frustrações e ele se torna um elemento da massa de manobra deste suposto ditador. É importante a gente se lembrar que este sujeito é fruto de uma família desestruturada. Famílias desestruturadas criam filhos vulneráveis, que vão ser elementos fundamentais de massa de manobra, de ditadores, de tiranos, de pessoas que vão se instalar para comandar uma nação. 

FAMÍLIAS BEM ESTRUTURADAS

Famílias bem estruturadas vão gerar sujeitos bem estruturados, sujeitos com personalidades bem estruturadas, que são capazes de se responsabilizar por si mesmo, que são capazes de realizar por si próprio e não estão subordinados a instituições, seja ela governamental, seja ela religiosa, seja ela qual for, porque é um sujeito que é capaz de pensar por si mesmo. E para esse sujeito, quanto menor for o domínio do governante ou daquele que esteja no poder, tanto melhor para ele, porque ele tem autonomia.

PERIGO REAL

Mais perigoso do que o tirano é o sujeito que se submete à tirania. Porque o tirano sozinho não consegue ter domínio de nada. Mas aquele que se submete, se coloca como massa de manobra para que o plano tirânico venha a se instalar.



terça-feira, 26 de agosto de 2025

AMOR, DESAPEGO, SOCIEDADE E RELAÇÃO COM A DEIDADE- Prof. Renato Dias Mar...


CAPACIDADE DE AMAR

Tendo como claro que a capacidade de amar não é um fator inato do sujeito, ou seja, ninguém nasce sabendo amar, ele precisa desenvolver esta capacidade, o bebê não é capaz de amar, a criança não é capaz de amar, ela vai passar a se capacitar a amar na medida em que ela for amada. Ela precisa ser amada por alguém para que ela passe a amar a si mesma e estender este amor-próprio ao próximo, ao outro. Este é um processo que não tem como pular fases. Ela precisa, primeiro se sentir amada para que ela possa aprender a amar a si mesma. Depois que ela amou a si mesma, ela passa a estender este amor ao outro. Então, na formulação religiosa, onde Jesus diz assim: "Amar a Deus sobre todas as coisas e amar o outro como você ama a si mesmo". Então, você precisa ter um referencial da qualidade do amor que você tem por si mesmo para que você possa estender este amor ao outro. E o amor que eu tenho pelo outro tem um limite no amor-próprio. Eu preciso respeitar o amor-próprio para que eu possa amar o outro. Quando eu amo um outro e este outro não é capaz de retribuir, não é capaz de reconhecer este amor, é prudente que eu possa me afastar deste outro para que eu possa preservar o meu amor-próprio.

AMOR E DESAPEGO

A única forma que o sujeito pode encontrar para desenvolver a possibilidade de se desapegar é a partir do desenvolvimento da capacidade de amar. Quando o sujeito é capaz de amar, ele é capaz de se desapegar da confirmação sensorial. Ele não precisa mais compulsivamente confirmar com os órgãos dos sentidos.

AMOR VERDADEIRO 

Para que eu possa estabelecer um relacionamento de amor verdadeiro, eu preciso me tornar desnecessário. Enquanto eu for necessário, o vínculo de amor verdadeiro está ameaçado. Se encontra ameaçado. No entanto, este é um grande impasse, porque o sujeito que não é capaz de estabelecer um vínculo saudável, um vínculo de amor verdadeiro, pode prolongar a dependência que o outro tem dele. Ele tem medo de se tornar desnecessário e ser abandonado, porque não se sente capaz de cultivar um amor verdadeiro.

VÍNCULO DE QUALIDADE

Como é que a gente poderia definir um vínculo afetivo de qualidade, um vínculo afetivo saudável? Por dois fatores básicos: amor e verdade. Amor, na capacidade de se doar ao outro, de se dedicar ao outro e verdade na manifestação do limite da realidade, daquilo que é possível. Então, a capacidade de se dedicar e a capacidade de reconhecer o seu próprio limite em relação ao outro, nesses dois fatores vão constituir um vínculo saudável.

RECOMPENSA OU PUNIÇÃO

Esta coisa da recompensa e da punição começa dentro de casa. Os pais é que fazem isso. Os pais é que punem ou prometem recompensas para que os filhos façam as coisas. Eles não fazem as coisas mais pela coisa. Vai tomar banho que senão você “não sei o quê”. Se você não fizer isso eu tiro o teu joguinho. Se você passar de ano você ganha “não sei o que mais”. É dentro de casa que começa isso. Esse sujeito vai fazendo parte de uma sociedade que vai funcionar dessa forma. Uma sociedade que só funciona se ela tiver um ganho para além daquilo que ela está fazendo, ou se ela não fizer ela vai ser punida. Então, o sujeito não trabalha mais pela realização do trabalho que ele está fazendo, ele trabalha porque ele quer receber. “Ah! Então, receber não é importante?” É claro que é importante, mas, mais importante do que o dinheiro que você recebe pelo que você trabalha, é a realização que você tem no seu trabalho.

CONFIGURAÇÃO SOCIAL

A criança nasce sem ter espaço na vida dos pais. Sem ter espaço, no primeiro momento, emocional, afetivo, financeiro, de disponibilidade de atenção... A criança é jogada no mundo sem ter espaço para estar no mundo. Logo nos primeiros meses, ela já é terceirizada na mão de um desconhecido para cuidar dela e ela cresce sem autonomia, sem ser capaz de se responsabilizar por si mesmo. E aí as promessas de manutenção da sua vida são muito bem-vindas, seja pelo psiquiatra que vai dar para ela um psicodiagnóstico e ela não vai precisar mais se responsabilizar pelas suas características emocionais e afetivas, seja por um político que promete para ela programas sociais que vão trazer para ela benefícios financeiros sem ela precisar trabalhar, seja políticos que vão prometer para ela programas de saúde, de educação, ou prometer dar dinheiro para ela para ela ir para escola. Pagar para o sujeito ir pra escola. Você já parou para pensar nisso? O sujeito não quer ir para escola, mas agora ele vai ganhar um dinheiro para ele ir para escola. Tudo bem,  para vocês, gente? E ainda vamos fazer propaganda disso, porque isso é uma inovação do governo. Você não quer ir pra escola? Tó dinheiro, vai pra escola.

RELAÇÃO COM A DEIDADE 

E isso se estende em todo o campo religioso por exemplo. O Deus do sujeito é aquele Deus que ele só tem relação com esse Deus porque o esse Deus vai trazer aquilo que ele pede. E ele fica pedindo o tempo todo. Ele reza para pedir. Ai! Deus me dá isso! Ai! Deus me faz aquilo! Ai! Deus me faz “não sei o que mais”! Ai! Deus não deixa isso acontecer com a minha mãe! Ai! Deus não faz aquilo com o meu pai! Ou então, ele faz a coisa porque ele tem medo de que esse Deus vai puni-lo. “Ah! Se eu não fizer isso aí Deus vai me castigar.” A relação que o sujeito tem com Deus é uma relação completamente imatura e nociva. Porque Deus não vai te dar nada meu amiguinho. Deus já te deu! Acorda! Olha em volta de você, reconhece, agora é com você. Deus propiciou, Deus não proporciona nada. E a tua parte, não conta? Eu costumo brincar que o a Bíblia para o cara é igual um catálogo da Avon, ele só abre para fazer pedido. Ah! Eu estou rezando muito a Deus pedindo para Deus. Pedindo o que pedindo meu amigo? Deus sabe de tudo. Deus é onisciente. O que você precisa, ele já está te dando, é você que não está conseguindo trabalhar e administrar isso aí. Acorda!

RELAÇÃO DE CONVENIÊNCIA

O cara estava procurando vaga para o carro dele no estacionamento do shopping e ele não encontrava e aí ele parou o carro e falou assim: "Deus, se o senhor me arrumar uma vaga nesse estacionamento eu prometo que eu vou parar de beber por um ano". No momento que ele fez esse pedido, saiu um carro e abriu uma vaga. Aí ele olhou para cima e falou assim: "Deus pode deixar, pode deixar, já achei uma vaga. Deixa para lá.”

A VOSSA VONTADE

Lá no Pai Nosso diz a frase: "Seja feita a vossa vontade", mas o sujeito pensa que aquele momento que ele fala aquilo ali, ele está autorizando Deus que a vontade dele seja feita e só durante a oração. Acabou a oração acabou o direito de Deus exercer a sua vontade. Aí é ele que manda. Não, meu amiguinho! Quando você diz assim: "Seja feita a vossa vontade". Você simplesmente está reconhecendo que é a vontade dele que está sendo feita, meu amiguinho. Você pode até bater de frente com isso. Mas sabe o que que vai acontecer com você? Você vai quebrar a cara e isso está em direta sintonia com o que o Bion disse sem desejo. Sabe por que que ele falou sem desejo? Porque quando você renúncia do seu desejo, você entra num acordo com a realidade. Porque a realidade não está nem aí para o teu desejo, meu amiguinho. Quando você quer que o teu desejo aconteça, sabe o que que tá acontecendo? Você está se enfiando numa ilusão enorme que depois vai dar um trabalhão para você sair dela. Então, acorda! Reconhece a realidade e perceba que é a vontade dele, a vontade da realidade, a vontade da natureza, não é a tua.



segunda-feira, 18 de agosto de 2025

MATURIDADE, DÚVIDA E ILUSÃO - Prof. Renato Dias Martino


Quando funcionamos bem no âmbito emocional, torna-se possível exercer plenamente a função afetiva na relação com o outro.


Tolerar desconfortos é a base de um bom funcionamento emocional.

Desenvolvemos a capacidade de tolerância a partir de um vínculo bem-sucedido com o outro, e a possibilidade de estabelecer e manter um vínculo saudável depende dessa mesma capacidade.

O bom funcionamento emocional favorece o desenvolvimento da maturidade nessa esfera, onde certezas são impraticáveis.

Quanto mais desenvolvida for essa maturidade, maior será nossa capacidade de reconhecer, respeitar e nos responsabilizarmos por nossa ignorância em relação à realidade.


A maturidade emocional manifesta-se na capacidade de tolerar a dúvida; a estupidez, na insistência em certezas.

A ignorância é uma condição inerente a cada um de nós; a estupidez é a recusa em admiti-la. Não se pode exigir que alguém reconheça a realidade, nem censurar quem ainda se alimenta de ilusões.

Quanto ao reconhecimento da realidade, não há escolha: ou se está sendo capaz, ou não.

A saber, essa capacidade é transitória, depende do momento, das condições emocionais internas ou ainda das condições do ambiente emocional e afetivo.
Logo, a expressão “estar sendo capaz” é mais adequada do que a afirmação “ser capaz”.

Cada um compreende apenas o que lhe é útil. Não há como se libertar de uma prisão que não se reconhece como tal.

A transformação verdadeira brota do íntimo, quando a vida mescla dor e cuidado.

Quando as ilusões se desfazem e a insegurança emerge, o acolhimento do outro torna-se o sopro essencial para que o sujeito renasça.










sábado, 9 de agosto de 2025

O ESPAÇO AFETIVO E O DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE - Prof. Renato Dia...


 

O ESPAÇO AFETIVO

 

Grande parte dessas patologias que foram desenvolvidas pela psiquiatria, TDAH, déficit de atenção e todas essas coisas que as crianças estão sendo diagnosticadas, tem este fundo de, na realidade, essas crianças estarem procurando a mãe. “Cadê a minha mãe?” E procura num lugar, não está ali, procura no outro lugar, não está ali. Então, ela não consegue se concentrar em nada, porque na realidade antes ela precisa ter vivido essa experiência de acolhimento com a mãe. Mas aí você diz: "Ah, mas a mãe tá ali!" Pois é! E ela olha para mãe e ela não consegue encontrar a mãe na própria mãe, porque é uma desconhecida, porque viveu a vida inteira em instituições sendo cuidado por outras pessoas. As crianças vêm no mundo sem espaço para estar neste mundo. E não é um espaço físico, é um espaço afetivo.

 

TEMPO DE QUALIDADE

 

Na linguagem contemporânea se desenvolveu uma ideia de “tempo de qualidade”. No desenvolvimento da criança não existe “tempo de qualidade”. A mãe precisa estar junto dele o tempo todo, porque esse tempo de qualidade não vai incluir as experiências que vão acontecer, independente do tempo, independente do momento. Uma criança, precisa da mãe para desmamar. Uma criança precisa da mãe para desfraldar. E não é no tempo de qualidade que isso vai acontecer, é o tempo todo. A criança não vai escolher o momento que a mãe está disponível para dar o “tempo de qualidade” para que ela apresente as necessidades desta mãe.

 

CONEXÃO COM A MÃE

 

Na minha época de criança, a experiência mais horrível que uma criança poderia viver é se perder no supermercado. A mãe te levava para fazer compra e você se perdia dela no meio das gôndolas, das prateleiras do supermercado e você entrava num desespero e começava a chorar desesperadamente até que alguém pegasse você e falasse no microfone: "Fulana, seu filho está aqui na recepção". E aí, a tua mãe ia te buscar e você estava aliviado. Hoje as crianças não têm mais nem referência de quem é a mãe, porque desde pequenininha foram criados pela tia da creche, pela babá, sabe lá por quem, e não conseguiram criar esta conexão com a mãe. E para ela tanto faz, se é a mãe ou se é o tio do supermercado, ela já não tem mais esse desespero de ter perdido a mãe. Triste isso, né?

 

FUNÇÕES

 

Quando eu falo aqui da função materna, eu estou falando implicitamente da função paterna. Não há como exercer a função materna de maneira suficientemente boa ou de maneira bem-sucedida sem a presença atuante da função paterna. Não tem como.

 

ORIGEM DO CAOS

 

As crianças estão sendo abandonadas. Os exemplares da espécie humana que a gente está deixando para o mundo são de péssima qualidade, não foram cuidados, não tiveram atenção, foram abandonados na mão de terceiros e vão se criando espécimes despreparados e vão criando ideologias e ideias estapafúrdias, ideias bizarras que vão tomando conta da sociedade. Não foi cuidado e agora se transforma num adulto que tenta impor a suas ideias psicóticas. E isso tende a piorar, porque as escolinhas, as creches estão inundadas de crianças. E essas crianças que estão se tornando adultos, que estão inundando as casas de repouso e os asilos de idosos, porque não foram cuidadas e não vão cuidar daqueles que não cuidaram delas.



sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Quem é Prof. Renato Dias Martino

 

Prof. Renato Dias Martino é psicanalista, professor e escritor. Dedicado a prática da clínica há mais de duas décadas, no ensino da psicanálise e na produção de conhecimento sobre a escuta, o acolhimento e o sofrimento psíquico. É fundador e coordenador do GEPA – Grupo de Estudos Psicanálise do Acolhimento, espaço dedicado à formação, ao pensamento compartilhado e à produção teórica baseada na ética da escuta.

É autor de sete livros publicados, que atravessam temas como clínica, formação analítica, pensamento afetivo e sensibilidade poética. Sua obra é marcada por uma escrita que acolhe, uma teoria que escuta e uma prática que se sustenta na presença.

Além de suas obras autorais, coordena e organiza a coleção Psicanálise do Acolhimento, composta por quatro volumes que reúnem textos escritos pelos membros do GEPA. Esses livros refletem o compromisso com a construção coletiva do saber psicanalítico, valorizando o percurso singular de cada participante e fortalecendo a psicanálise como prática viva e compartilhada.



🧩 2011 – Para Além da Clínica

O primeiro livro anuncia já no título uma proposta de transbordamento. Ao propor uma escuta que ultrapassa os limites do consultório, o autor convida o leitor a perceber a psicanálise como ética da presença, como forma de habitar a vida com escuta aberta. Aqui começa a travessia: a clínica não como lugar, mas como postura.



🌱 2012 – Primeiros Passos Rumo à Psicanálise

Em sua escrita didática e sensível, o autor acolhe os que se aproximam da psicanálise com curiosidade e receio. Não há prescrição ou dogma, mas um gesto de abertura: o saber se faz caminho. O livro se dirige tanto a estudantes quanto a analistas experientes que desejam reencontrar o frescor do início.



💞 2013 – O Amor e a Expansão do Pensar

O amor, aqui, não é um objeto de análise — é operador do pensamento. O pensar se expande na relação, na escuta, no vínculo. Neste livro, o afeto é o solo fértil de onde o sujeito pode emergir. É também uma reflexão profunda sobre a função do analista: aquele que sustenta o pensar do outro, sem invadi-lo.



🧘 2015 – O Livro do Desapego

Mais do que uma renúncia, o desapego é aqui um ato ético. O livro propõe uma escuta leve, silenciosa, que não se apega ao saber nem ao controle. Com tom poético e filosófico, o autor convida a deixar ir, a abrir espaço — para o outro, para o novo, para o que não se pode nomear.



🫂 2018 – Acolhida em Psicoterapia

Obra central no percurso autoral, apresenta com maturidade a concepção de acolhimento como fundamento clínico. Não se trata de técnica, mas de uma ética da presença. O analista é aqui quem sustenta, com firmeza e suavidade, o sofrimento do outro — sem pressa de interpretar, sem o peso do saber, mas com a escuta plena de quem está sendo.



✍️ 2019 – Das Pequenas Poesias

Neste volume, a escuta se torna verso. O autor atravessa a linguagem da teoria para alcançar o indizível do afeto e da existência. São poemas que acolhem o silêncio, que escutam o que resta da sessão. Uma escrita que revela o analista não apenas como pensador, mas como presença sensível no mundo.



🧠 2025 – Pensando Melhor a Psicanálise – Do Saber ao Estar Sendo

Neste livro, o percurso encontra sua síntese. Trata-se de uma reflexão madura sobre a transição do acúmulo teórico para o viver analítico. O saber cede espaço ao estar. A escuta não se apoia mais naquilo que o analista sabe, mas naquilo que ele sustenta ao ser presença diante do outro. O título é claro: pensar melhor não é saber mais — é estar mais inteiro na escuta.



🧶 Síntese do Percurso

A obra do Prof. Renato Dias Martino desenha um trajeto singular dentro da psicanálise brasileira: da clínica à vida, da técnica ao afeto, do saber ao estar. A escrita nasce da escuta — e nela, o leitor encontra não apenas conceitos, mas também lugar.

É, antes de tudo, uma travessia ética. Cada livro é um passo na direção do outro — não como objeto de intervenção, mas como sujeito em formação. É uma escrita que acolhe, escuta e sustenta. Que não teme o silêncio. Que não se apressa. Que não pretende ensinar, mas estar junto.

Na confluência entre a psicanálise, o ensino e a sensibilidade poética, sua voz se firma como uma das mais singulares da psicanálise brasileira contemporânea.












Prof. Renato Dias Martino