terça-feira, 8 de abril de 2025

DESEJO E SOFIMENTO - Prof. Renato Dias Martino


DESEJO E NECESSIDADE

 

O teu desejo te afasta da tua verdade. O teu desejo te afasta de você mesmo. Quanto mais você tiver focado no seu desejo, menos você está sendo capaz de estar sendo você mesmo. Porque, para estar sendo você mesmo, você precisa estar de acordo com as suas necessidades. Na maioria das vezes, o sujeito está tão encantado com a ilusão do desejo, que ele não consegue suprir as suas necessidades básicas. Ele gasta dinheiro com viagem não paga um plano de saúde quando precisa de um médico vai lá disputar com pessoas carentes lá no serviço público e quando ele volta da viagem, ele olha para aquilo e fala: “E aí? Para que que serviu essa viagem?” “Ah! Para recordações!” Mas você pode viver recordações na sala da sua casa. Se você estiver de bem com você mesmo, você pode viver recordações belíssimas no jardim da sua casa.

 

SOFRE OU PADECER

 

Sofrer é diferente de padecer. Padecer é simplesmente sentir a dor e sofrer é ser capaz de submeter essa dor a uma transformação. Sofrer o processo! Podemos afirmar que o sujeito que é capaz de renunciar aos seus desejos ele está muito mais de acordo com a realidade e padece menos. Padece menos, mas não sofre menos, porque sofrer diz respeito ao processo e todos aqueles que estão vivos estão sofrendo. só não sofre aquele que morreu!

 

AMOR OU SEXO

 

Esse é um tema extremamente polêmico, porque nós aprendemos desde pequenininho que praticar o sexo com o outro é fazer amor. No entanto, uma coisa não tem nada a ver com a outra. Desejo sexual não é amor. O desejo sexual é um desejo de se satisfazer com o corpo do outro, amor é justamente a capacidade de adiar a sua satisfação pelo outro. Uma coisa é o avesso da outra.  O sexo precisa ser de comum acordo dos dois. O sexo saudável é aquele que acontece quando os dois estão disponíveis, naquele momento. Esse negócio de que precisa haver sexo, tem que ter sexo, é uma conversa fiada. Não tem que ter sexo. O sexo tem que acontecer quando houver a sintonia das duas pessoas e aquilo acontecer como uma brincadeira. É muito mais um entrosamento dos dois, do que um desejo. O sujeito que é maduro emocionalmente, ele é capaz de adiar a sua vontade sexual, porque ele percebe que o outro não está disponível. Ele é capaz de renunciar ao seu desejo sexual por conta do outro. Porque desejo sexual é uma coisa, vontade de sexo é outra. Desejo sexual diz respeito a alguma coisa que vai para além da satisfação sexual. Não tem nada a ver uma coisa com a outra. Você tem vontade sexual e isso é fisiológico e você precisa do sexo para suprir esta vontade. Agora, o desejo sexual é outra coisa. O desejo sexual diz respeito a um biotipo específico, o desejo sexual diz respeito a “eu desejo ser desejada pelo meu companheiro”. Isso não tem nada a ver com satisfação sexual, dentro do âmbito da necessidade. Então, o desejo sexual é nocivo, a vontade de sexo é saudável.

 

RENÚNCIA OU REPRESSÃO

 

O pressuposto para a renúncia é a responsabilização. Aquele que não se responsabilizou por alguma coisa, não é capaz de renunciar a esta coisa. Ele só passa a ser capaz de renunciar a alguma coisa a partir do momento que ele reconhece aquilo, que ele passa a respeitar a si mesmo em relação à aquilo e passa se responsabilizar por aquilo. Aí ele pode realmente renunciar a isso. senão, não é renúncia. Senão, é repressão. Se não ficou escondido.

 

RENÚNCIA DO ÉDIPO

 

Eu vou te dar um exemplo básico. Vamos pensar no exemplo edípico, assim como Freud nos trouxe. A criança deseja ter a mãe só para ela, então, ela percebe que ela deseja a mãe só para ela. Consequentemente, inclui o desejo de excluir o pai. Ele passa a reconhecer que realmente esse desejo existe, passa a respeitar a si mesmo por conta daquilo. Porque, muitas vezes, quando o sujeito reconhece isso ele passa não respeitar isso. E aí, ou ele pode abortar o processo, ou ele pode ali, desenvolver uma perversão e realmente pegar a mãe para ele e matar o pai. E aí, a partir desse respeito, ele passa a se responsabilizar por aquilo. “Não, realmente isso acontece comigo, eu me responsabilizo por isso.” A partir daí, ele é capaz de renunciar a isso, ou seja, sem julgamento. Eu passo a reconhecer, eu passo a respeitar e me responsabilizar, porque não me julguei, por conta disso. Porque, se eu me julgar por conta disso, o que que vai acontecer? Ou, eu vou me condenar, me sentir inferiorizado, ou eu vou condenar o outro, projetando esse desejo no outro e inferiorizando o outro. “Ou” e “e”. Pode acontecer uma coisa e outra. Se ele não reconhece, não respeita e não se responsabiliza, o que ele pode fazer é reprimir isso e reprimindo isso, ele vai desenvolver um modelo substitutivo para isso. Ou seja, ele vai levar isso vida fora, desdobrando em outras relações, com outras coisas, que vão repetir este mesmo modelo.

 

DEVERIA SER OU ESTAR SENDO

 

Nós psicanalistas, temos o hábito de condenar o superego. Nós temos uma propensão automática de perceber um sujeito que tem ali, uma conduta de um ideal de eu, daquilo que ele deveria ser e nós atribuímos isso a um superego rígido. E nós não estamos equivocados, no entanto, a gente precisa olhar sempre para além daquilo e quando a gente fala de um superego rígido, antes de um superego rígido, nós temos um ego desnutrido, um ego desacreditado. Eu costumo dizer que o ego é aquilo que eu estou sendo. E na medida que eu consigo reconhecer, respeitar e me responsabilizar por aquilo que eu estou sendo, eu confio naquilo que eu estou sendo, logo eu tenho muito pouco que me importar com aquilo que eu deveria ser, que é o superego. O sujeito, quando ele está desnutrido naquilo que ele está sendo, num recurso natural e importante, o superego vai se enrijecer. Ele precisa que o superego se enrijece, ele precisa que o superego seja firme. Porque ele não está confiando naquilo que ele está sendo e ele passa a confiar naquilo que ele deveria ser, no ideal de eu, no superego e não no ego. Todas as vezes que a gente olhar para um superego rígido, nós precisamos olhar para além desse superego rígido, porque atrás desse superego rígido, tem um ego desnutrido, desacreditado. Um sujeito que desconfia daquilo que ele está sendo. Tudo aquilo que ele está sendo, tudo aquilo que ele está fazendo, passa por um crivo de desconfiança e esta desconfiança dá na mão do superego o controle da vida dele.








Prof. Renato Dias Martino


segunda-feira, 31 de março de 2025

BUSCA DA VERDADE E VÍNCULO SAUDÁVEL - Prof. Renato Dias Martino



ACORDO COM A REALIDADE

 

A gente tinha dentro da psicanálise uma ideia de cura. O próprio Freud dizia que a psicanálise propiciava, ou promovia a cura completa da neurose. Depois em Bion a gente começou a perceber que não existe cura, mas que existe uma pró-cura uma. Procura incessante pela verdade. Mas gente, eu gostaria dar um passo à frente. Porque, quando você está integrado, quando você está de bem consigo mesmo, quando você está vivendo uma integração da sua personalidade, você não precisa procurar nada, você não precisa buscar nada porque tudo será desvelado, tudo se mostrará na sua frente. O caminho vai ser um só e você não vai precisar buscar nada. Você não vai precisar procurar nada, porque as coisas vão aparecer por conta da sua capacidade de reconhecer a realidade. Porque, a verdade está ali o tempo inteiro, debaixo do seu nariz. Você não precisa procurar. Você simplesmente precisa desobstruir o teu caminho das ilusões que foram sendo criadas para se defender, por conta de um desejo muito grande. Você só precisa desobstruir a sua vida disso, que você vai ser capaz de reconhecer a realidade e o caminho que é um só. E isso a gente vai chamar de acordo com a realidade.

 

VÍNCULO SAUDÁVEL

 

Muitas vezes, eu sou repetitivo nessa ideia dos vínculos, mas a vida se propaga necessariamente através dos vínculos. Desde da infância, até o idoso, quando existe a possibilidade de um vínculo saudável a vida se estende, a vida se propaga, a vida se desenvolve. Quando você irriga de amor, de carinho, a vida se estende, a vida se propaga.

 

HOSTILIDADE COMO DEFESA

 

Quando alguém nos fere, quando alguma coisa nos atinge, nós vamos nos entristecer. Esta é a verdade. Quando a gente passa a ser mal educado, quando a gente passa a ser hostil, é porque a gente já está se defendendo e essa defesa serve para encobrir a verdade que foi o entristecimento. Quando eu estou sendo verdadeiro, eu me entristeço frente à hostilidade. Quando eu devolvo hostilidade é porque eu já estou dissimulando uma agressividade, uma violência para que eu possa me defender, para não me sentir triste. A verdade é a tristeza, a hostilidade é uma defesa e defesa não é verdadeiro.

 

PELO AMOR E PELA DOR

 

Se não vai pelo amor, vai pela dor. Não! Vai pela dor e depois pelo amor. A dor traz o despertar, o amor proporciona a possibilidade da transformação. Então, o sujeito precisa cair o tombo para que ele possa abrir os olhos e depois do tombo, ele precisa contar com uma a mão acolhedora para que ele possa se reerguer. Esse é o ciclo. Então, não é uma coisa ou outra, é uma coisa e outra. É a dor e o amor. O sujeito que não sentiu a dor, ele não desperta e o sujeito que sentiu a dor e não teve o amor não se transforma.

 

COTAS


Tudo que existe de mal e de bom está em cada um de nós. Nós temos cotas das coisas mais perversas e cotas das coisas mais belas e nobres. A questão é: ser capaz de reconhecer, de respeitar e se responsabilizar por estas cotas. Tanto das coisas nobres, quanto das coisas tóxicas e nocivas. Quanto mais eu for capaz de reconhecer essas questões em mim, aprender a respeitar isso e não evitar isso e me responsabilizar por isso, tanto mais eu serei integrado em mim mesmo. Quando eu não sou capaz de reconhecer, não sou capaz de respeitar e não sou capaz de me responsabilizar, isso transborda no outro, transborda no mundo externo, causando malefícios.

 








Prof. Renato Dias Martino

terça-feira, 25 de março de 2025

ANSIEDADE E ANGÙSTIA - Prof. Renato Dias Martino


TEMPO E ESPAÇO

Angústia quer dizer aperto. Aperto remete a espaço. Espaço apertado. Um aperto no peito é chamado de angústia. Quando a gente fala de ansiedade, nós estamos falando de um conceito que leva a uma experiência relacionada a tempo. Espaço e tempo. Angústia leva a noção de tempo, de um tempo curto, ou de um tempo que não vai ser suficiente para se fazer aquilo que precisa ser feito. Então, o sujeito ansioso é aquele sujeito que tem a impressão de que não dará tempo de fazer qualquer coisa. A ansiedade leva o sujeito para fora, a angústia leva o sujeito para dentro.

DOIS LADOS

Não existe um sujeito que sofre somente de angústia. E não existe um sujeito que sofre somente de ansiedade. O sujeito que tem as ditas crises de ansiedade é o momento onde ele está mais ansioso, mas esta ansiedade logo dará lugar para um sentimento de angústia. Então, o sujeito quando ele deseja alguma coisa ele se sente ansioso. O sujeito quando ele se frustra porque não conseguiu esta coisa ele se sente angustiado. Então, o desejo gera ansiedade e a frustração gera angústia.

DESEJO E FRUSTRAÇÃO

Quando eu não consigo as coisas, eu fico angustiado. Quando eu desejo alguma coisa, quando eu tenho vontade de alguma coisa, eu fico ansioso. Eu me frustrei, sinto um aperto. Eu desejei, tive vontade, eu tenho ansiedade, porque parece que não vai dar tempo, eu quero logo aquilo.

O QUE O OUTRO ESTÁ SENTINDO

A função do psicanalista não é dizer o que o outro está sentindo, mas é propiciar um ambiente seguro saudável o suficiente para que o outro possa se sentir à vontade, seguro o suficiente para trazer aquilo que ele esteja sentindo. Eu não posso dizer o que que o outro está sentindo. Eu não tenho meios para avaliar o que o outro está sentindo. O que eu posso fazer é propiciar um ambiente para que ele se sinta confiante o suficiente para trazer aquilo que ele está sentindo.



segunda-feira, 17 de março de 2025

PENSANDO MELHOR - Prof. Renato Dias Martino


PENSAR

A psicanálise é um ambiente de pensamento, é um ambiente de configuração emocional e afetiva. E isso tem muito pouco a ver com efetivar ações. Não é função do psicanalista estimular ações, estimular atitudes. Isso precisa ser de inteira responsabilidade do paciente. O nosso campo é de pensamento, é de reflexão, é de acolhimento, é de preparação emocional e afetiva. Muitas vezes, o paciente traz alguma experiência e essa experiência pode ser fruto de uma alucinação. E essa experiência não é necessariamente peculiar de um paciente que tem a predominância psicótica do seu funcionamento. Uma pessoa dita saudável pode trazer alucinações. Nós podemos produzir alucinações. Qualquer um de nós. Então, a gente precisa tomar o discurso do paciente como uma hipótese definitório que vai iniciar uma reflexão e não que vai levar a uma ação. Precisamos ter muito cuidado com o conteúdo que os pacientes estão trazendo para que a gente possa cuidar disso adequadamente. Vamos entrar na viagem do paciente, por assim dizer? Vamos! Mas, sem estimular atitudes, sem estimular ações, sem estimular atuações.

AGIR SEM PENSAR

Por que o sujeito age sem pensar, naquilo que o Freud chamou de atuação? Acting out! Por que ele faz isso? Porque pensar precisa incluir o outro, porque ele não consegue pensar. Pensar inclui o outro. Pensar! A palavra pensar vem do mesmo radical da palavra pesar. Eu preciso ter duas medidas. Eu preciso ter a minha medida daquilo que eu percebi, daquilo que eu imaginei e preciso ter a medida do outro, para que eu possa pesar isso, até chegar a um denominador que possa me orientar para uma ação adequada. Por isso a análise é tão importante. Para que eu possa ter no analista uma outra medida para pesar antes de agir.

REALIZAÇÃO

Toda realização vem de uma imaginação. Primeiro eu imagino e depois eu passo essa imaginação pelo teste da realidade e se essa imaginação passar por esse teste ela vai se tornar real, vai se realizar. Mas, para se realizar, eu preciso impreterivelmente do outro. Se não tiver o outro, não é real. Continua sendo ilusão. A psicanálise é uma ilusão, é uma imaginação, a priori, é uma imaginação. Ela vai passar a ser realidade na medida em que ela encontre uma dupla para se realizar. Antes disso, ela é apenas uma imaginação daquele que se propõe a ser psicanalista.

ÂNSIA DE SABER

Quando a gente fala de um sujeito que tem ânsia de saber, na realidade, essa ânsia vai fazer com que ele tente encaixar as experiências que ele vive naquilo que ele já sabia. Não que ele venha saber alguma coisa nova, não que ele venha conhecer alguma coisa nova, mas ele tende a enfiar, por assim dizer, aquilo que ele está supostamente conhecendo naquilo que ele já conhecia. Quando eu estou aberto, quando eu estou consciente da minha ignorância, portanto aberto a aprender, é que eu realmente posso vir a conhecer alguma coisa. Se é que é possível conhecer alguma coisa. Então, quando a gente vê aí, psicanalistas teóricos, psicanalistas que não vivem a prática clínica, nem da sua análise pessoal e nem no atendimento dos seus pacientes, este sujeito está imaginando psicanálise. Essa psicanálise não é real. A análise se realiza a partir do encontro com o outro. Só existe realização quando se inclui o outro na experiência. Se eu não incluo o outro, eu não posso chamar isso de realidade, ou de realização.

ETERNO APRENDIZ

Quando o sujeito não é capaz de tolerar a sua ignorância, tolerar que ele não sabe, ele vai de encontro da experiência para confirmar aquilo que ele já sabia, logo, esse pseudoconhecimento faz com que o sujeito se torne cada vez mais arrogante. Reafirmando que ele sabe, que aquilo realmente é do jeito que ele imaginava. Quando o sujeito está humildemente aberto, tolerando a sua ignorância, ele vai para experiência aberto a aprender realmente. Muito mais aberto a reconhecer, que quer dizer admitir a existência, do que conhecer, imaginando que ele sabe sobre aquilo. Porque o saber limita. Muitas vezes, a gente tem essa ideia de que o saber amplia. Não! O conhecimento limita o sujeito. Quando você conhece alguma coisa, você só conhece essa coisa é porque você separou essa coisa do todo. Quando você diz saber sobre alguma coisa, você só diz saber sobre isso porque você retirou essa coisa do contexto do todo então o sujeito que sabe por exemplo sobre São Paulo ele sabe só sobre São Paulo quando chegou o limite de município ele já não sabe mais nada então quando você sabe sobre alguma coisa você sabe sobre especificamente aquela coisa e quando você está aberto a aprender você precisa a abrir mão disso que você acha que conhece para que você possa se integrar ao todo e aí você se torna um eterno aprendiz aprendendo com cada experiência.

CONCORDIA COM A REALIDADE

a realidade não pode ser conhecida você pode conhecer o que é real mas você não pode conhecer a realidade Você pode conhecer o que é verdadeiro mas você não pode conhecer a verdade portanto tolerar a ignorância me aproxima da realidade para que eu possa junto com ela criar um acordo estar em concórdia com a realidade.

HUMILDEFICADOR  

A psicanálise é um humildeficador. Instale um humildeficador na sua vida. Você passa pela psicanálise para se tornar mais humilde. E humilde em que sentido? No sentido de reconhecer o quanto somos ignorantes frente à realidade. E cada vez que a gente diz saber, nós estamos nos limitando mais ainda. Então, precisamos nos tornarmos humildes ao ponto de percebermos a amplitude da nossa ignorância.




segunda-feira, 10 de março de 2025

ESCOLHA, DECISÃO E RESPONSABILIZAÇÃO - Prof. Renato Dias Martino


UMA CONFIGURAÇÃO MAIOR

Vamos refletir então, sobre três conceitos: escolha, decisão e responsabilização. Não existe escolha! Ninguém é capaz de escolher dentro da realidade. Quando a gente está escolhendo, a gente está iludido. Porque existe uma configuração muito maior que nos conduz para aquele caminho que é um só. Você pode se iludir que esteja escolhendo, mas na verdade, aquilo que você está chamando de escolha é uma determinação de uma configuração maior que te levou para aquele caminho. E aí, você vai dizer: “Então, se eu não escolhi, eu não vou me responsabilizar”. É aí que entra a maturidade. Ser capaz de se responsabilizar mesmo não sendo você que escolheu. Se responsabilizar por alguma coisa acreditando que foi você que escolheu é muito fácil.

SEM ESCOLHA

Quando a gente fala de algo maior que determina aquilo que a gente chama de escolha, nós vamos desde a questão do inconsciente que vai nos levando para uma direção sem que a gente tenha ciência de porque nós estamos caminhando nessa direção, até uma configuração do universo que se desdobra e que se articula fazendo com que a gente caminhe numa direção determinada. Então, a realidade é uma só e você está caminhando na realidade, por mais que você não tenha consciência disso. Nós estamos falando desde a configuração do inconsciente, ou seja, fatores que vão se articulando dentro da sua vontade e dos seus desejos que foram vontades reprimidas e que hoje você faz essas escolhas, que você chama de escolha, por conta disso que você não tem total consciência, ou seja, por conta da configuração da natureza, ou do todo que vai se desdobrando, vai se articulando para que você siga um caminho. Desde a coisa mais interna, até a coisa mais externa.

AMOR E ESCOLHA

Muitas vezes, a gente tem essa expressão: “Eu te escolhi”, como uma declaração de amor, mas a real declaração de amor é assim: “Eu me responsabilizo e te amo mesmo sem ter te escolhido”. Amor é aprendizado. Quando eu supostamente escolhi o meu companheiro, eu não tinha qualquer vivência com ele, aí é fácil escolher, mas depois que você convive com a pessoa, que você reconhece as falhas da pessoa, é que é a questão de desenvolver a capacidade de amar esta pessoa.

AVALIAR

Quando você está de acordo com a realidade, não existe escolha, o caminho é um só. Existe uma avaliação avaliar. O caminho que está mais de acordo com a realidade. Não é escolher, é avaliar o caminho que é real, que é verdadeiro. Porque todos os outros são Ilusões.

CAPACIDADE

Quando a gente fala, então do âmbito emocional-afetivo, a gente está falando de capacidade, ser capaz ou não. Se o sujeito é capaz, ele não tem escolha. Amar por exemplo, respeitar por exemplo, o sujeito que tem capacidade de respeitar, ele não escolheu respeitar, ele é capaz de respeitar e se se ele for realmente capaz de respeitar, ele não vai conseguir desrespeitar, porque ele é capaz de respeitar e este respeito faz parte do funcionamento emocional dele. Então, não é uma escolha. Amar é da mesma forma, o sujeito que é capaz de amar, ele não escolheu amar, ele é capaz de amar e se ele for capaz de amar, ele não pode escolher não amar.

FORMULAÇÕES RELIGIOSAS 

Se eu puder me utilizar das formulações religiosas, então fica mais interessante. A vontade é dEle, não é minha. Muitas vezes, quando a gente reza o Pai Nosso e diz assim “seja feita a vossa vontade”, a gente tem a impressão de que nós estamos abrindo mão de nossa vontade para que a vontade dEle possa ser feita. Ou seja, eu deixo de escolher para que a vontade dele seja feita É como se eu tivesse autorizando Deus, para que ele possa exercer a sua vontade, quando na realidade isso, é um absurdo. A vontade dEle já está sendo feita. Quando você acredita que você está escolhendo, você está iludido. Toda escolha é um desvio do caminho de Deus. Toda escolha te conduz ao Karma e obstrui o caminho do Dharma.

O EGO NÃO É SENHOR DA SUA CASA 

O Freud vai dizer lá em UMA DIFICULDADE NO CAMINHO DA PSICANÁLISE 1917: “O ego não é senhor da sua casa”. O ego não escolhe. A escolha vem de alguma coisa que o ego não tem relevância. As escolhas são uma configuração do id e do superego. Ainda assim, a função do ego é se responsabilizar por isso. Aquilo que faz com que eu caminhe em uma direção não vem da minha consciência. Ninguém escolhe aquilo que deseja, o sujeito deseja e depois tenta reconhecer isso que ele desejou.

DE-CISÃO 

Nós adoramos falar que a gente decidiu, que nós tomamos uma decisão. Isso traz para gente assim, uma onipotência, um poder. Eu decidi! Quando você decidiu, você fragmentou a realidade, você dividiu a realidade, você desintegrou a realidade e se desintegrou junto com a realidade. Decisão quer dizer cortar. De quer dizer cortar e cisão reafirma este corte, esta separação. A minha capacidade de reconhecer a realidade não vai me fazer decidir, vai me fazer avaliar. Avaliar qual é o caminho adequado. E aí, não é uma decisão. Na melhor das hipóteses é uma atitude. Tomar uma atitude de caminhar nesse caminho do qual eu avaliei como verdadeiro e não é decidir. Eu não decido nada. Quem decide é a realidade. Se é que a gente pode chamar de decisão, porque quando a gente toma o caminho da realidade, o que acontece é uma integração, não é uma decisão. Eu estou integrado ao todo, eu estou integrado a mim e ao todo, logo não tem cisão alguma.

HUMILDADE

Para que eu possa admitir que não existe escolha, antes eu preciso ter desenvolvido a humildade. A capacidade de tolerar a minha pequenez frente ao universo, frente à configuração da vida. A minha vulnerabilidade frente às experiências da vida, que não existe escolha. A questão a questão mais complicada é essa. A gente se sente extremamente inseguro quando a gente admite que não existe escolha.

AMAR O IGUAL

Então, o sujeito diz assim: “eu escolhi a minha esposa”. Quando você escolhe uma pessoa, você está baseado na superfície. Você está baseado naquilo que aparenta ser, não naquilo que realmente está sendo. Você escolhe por algo que você imagina ser e não por aquilo que realmente está sendo. Se responsabilizar mesmo que não seja aquilo que você imaginou ser. A maturidade é se responsabilizar pelo que está sendo, mesmo que não coincida com aquilo que você gostaria que fosse. Quem ama só o igual ainda não aprendeu a amar.

CRIME

Que o bandido escolheu ser bandido. O ladrão escolheu ser ladrão. O sujeito violento escolheu ser violento. Não! Ele não escolheu ser violento. O fato dele ser uma vítima da contingência, da sociedade, ou da família que falhou, não quer dizer que ele não tenha que ser detido. Ele precisa ser detido. Ele precisa ser preso, porque ele é um perigo pessoas e a ele mesmo. Isso não quer dizer que foi ele que escolheu aquilo. Ele não escolheu! Ninguém escolhe isso. Mas o fato dele precisar ser detido não tem a ver com ele escolher ou não. Foi toda uma configuração que levou esse sujeito a cometer aquele crime. Isso não justifica mantê-lo solto. E não é puni-lo, é detê-lo, para que ele não continue fazendo o que ele fez.

PEDOFILIA

Vou dizer outra polêmica que é a questão da pedofilia. A pedofilia é uma patologia. Ninguém escolhe ser pedófilo. E ao dizer isso não estou passando pano para os pedófilos, pelo contrário defendo a castração química para barrar esse sujeito de continuar fazendo isso. Porque ele não escolheu. Não existe qualquer medida que possa ser aplicada para que ele deixe de fazer este ato perverso que não seja obstruía libido. Mas isso não quer dizer que deixou de ser uma patologia. É uma patologia, não é uma escolha. Ninguém escolhe ser perverso. É uma configuração da personalidade dele, permeada de falhas no suprimento das funções maternas e paternas, que o levou a esta conduta perversa. Não estou defendendo ninguém.

MATURIDADE 

A gente tem essa onipotência de eu escolho, eu decido, eu resolvo e eu só vou me responsabilizar se isso for verdade, porque se não for verdade então não vou me responsabilizar. É justamente o contrário! A maturidade é se responsabilizar pela vida, mesmo não sendo eu que escolho, mesmo não sendo eu que decido, mesmo não sendo eu que resolvo. A maturidade emocional me traz a possibilidade de me responsabilizar pela vida, pela realidade, por mim inserido na realidade, não somente por aquilo que eu acredito que foi a minha escolha, até porque, não existe escolha. A vida não está nem aí para os seus planos, ninguém escolhe a vida que vive, a gente vive aquilo que dá conta de viver, que foi possível.


terça-feira, 4 de março de 2025

CULPA, SENTIMENTO DE CULPA E PERDÃO - Prof. Renato Dias Martino


FATOR OBSTRUTOR

A culpa é uma das questões fundamentais, ou o cerne da disfunção emocional. A culpa é um elemento fundamental para obstruir o fluxo do desenvolvimento emocional e do funcionamento emocional, comprometendo também o funcionamento afetivo. O sujeito fica obstruído de funcionar emocionalmente e obstruído de funcionar afetivamente, ou seja, nos vínculos com os outros por conta do sentimento de culpa. 

CULPA

A dúvida é, qual é a diferença entre o sentimento de culpa e a culpa? Primeiro vamos falar sobre a culpa e logo de início eu vou já colocar aqui um pressuposto: a culpa é questionável. Todas as vezes que a gente falar sobre culpa nós precisamos olhar para isso atentamente, cuidadosamente porque a culpa sempre é questionável. Se o sujeito realmente tem culpa. O sujeito no trânsito atropela uma pessoa. Ele passa passou no sinal vermelho, por exemplo, atropelou essa pessoa e essa pessoa morre. Ele é culpado pela morte dessa pessoa. É culpa dele que esta pessoa morreu. Quando a gente afirma que é culpa dele, a gente está negando todo o contexto que configurou a situação que levou esse sujeito passar no sinal vermelho e atropelar esta pessoa que veio a óbito. Se a gente negar tudo isso, realmente a culpa dele, mas pode ter havido uma contingência muito maior que levou ele fazer isso sem que ele pudesse ter outra opção, ter outra escolha. Então, existe uma contingência, existe uma configuração maior que é responsável por esta morte. Esta culpa é questionável. No entanto, se ele for julgado, se ele for na justiça, nada disso vai ser considerado. O considerado é que ele atropelou uma pessoa porque passou no semáforo vermelho e esta pessoa veio a óbito. Ele é culpado. Doloso ou culposo, o juiz vai avaliar para ver se é isso, mas de qualquer forma, ele é culpado por isso. Mas isso tudo é questionável, se a gente tiver um olhar mais cuidadoso.

CULPA QUESTIONÁVEL 

A expressão culpa é aplicável quando o sujeito realmente cometeu algum delito, ou algum mal, ou alguma atitude que venha a lesar alguém. Então, isto é culpa. O sujeito tem culpa. Isso dentro da linguagem coloquial, ignorando todo esse olhar atento e cuidadoso que vai no final das contas, questionar a própria culpa.

SENTIMENTO DE CULPA

Nós estamos falando assim, o sujeito é culpado por algum fato que aconteceu, porque a atitude dele levou a isso a acontecer. Agora, nós vamos falar de sentimento de culpa, que é completamente diferente. Tem um abismo entre o sujeito ser culpado e o sujeito se sentir culpado. O sentimento de culpa existe independente da culpa efetivamente. Um sujeito pode carregar um sentimento de culpa sem ter culpa alguma. Um sujeito, por exemplo, ele pode se sentir culpado de sentir alegrias, de realizar alguma coisa, de ter algum sucesso, enquanto um irmão não consegue fazer o mesmo. Enquanto um irmão não consegue ser bem-sucedido o outro pode se sentir culpado por desfrutar de alegrias e sucessos na sua vida. Este é um sentimento de culpa Ele não tem culpa que o irmão não seja capaz de realizar assim como ele e ser bem-sucedido como ele, mas ele pode se sentir culpado por isso. Então, este é um sentimento de culpa. Ele tem culpa? De maneira alguma, mas ainda assim cada sucesso que ele tem cada alegria que ele tem vem junto com um sentimento de culpa.

AUTOPUNIÇÃO 

O sentimento de culpa vai se desdobrar, vai ter uma cadeia de desdobramentos extremamente perigosa. O sujeito se sente culpado, ele se julga, se condena e passa então a se autopunir. E esta autopunição, muitas vezes, vai se manifestar naquilo que a gente, muitas vezes chama de autossabotagem. Ele vai sabotar todas as suas conquistas, todos os seus sucessos, muitas vezes desenvolve uma doença crônica. Ele desenvolve uma doença grave, ele não consegue se curar dessa doença porque esta doença, muitas vezes vem como uma autopunição. Então, ele cultiva essa doença, ele se autopune a partir dessa doença física, dessa doença somática e por mais que essa doença possa ser penosa, por mais que o fracasso possa ser penoso, não se compara com o desconforto que o sentimento de culpa pode trazer. Então, é como se ele dissesse assim: “Estou me sentindo culpado, mas veja como eu estou padecendo! Mas veja como eu sou fracassado!” E este fracasso ameniza o sentimento de culpa, porque serve como uma autopunição. Nenhum fracasso pode ser tão desconfortável quanto o sentimento de culpa. Então, ele carrega o sentimento de culpa e se autossabota como autopunição para amenizar o seu sentimento de culpa.

CONSCIÊNCIA 

A culpa não pode ser inconsciente porque a culpa só acontece a partir de uma relação com o mundo externo. A partir da relação que eu tenho com o mundo externo, eu vou desenvolver um sentimento de culpa. Me sinto culpado por conta de uma relação com o outro e se existe o outro não posso chamar de inconsciente, porque no inconsciente não existe o outro. Este sentimento de culpa por ser muito desconfortável, pode ser mergulhado no inconsciente em algum momento, quando esse sujeito viver uma situação muito difícil ele pode reprimir este sentimento de culpa temporariamente de uma maneira tão drástica que ele pode fugir da consciência do sujeito quase que completamente. Mas isso não quer dizer que ele esteja no inconsciente, quer dizer que ele em algum momento esteve ali. Não quer dizer que o sentimento de culpa permaneça no inconsciente, porque nada permanece no inconsciente. Se foi registrado a partir das noções de tempo e espaço, não pode mais caber no inconsciente.

A CULPA É MINHA 

Tem a expressão jocosa de que “se a culpa é minha eu coloco em quem eu quiser”. Normalmente o sujeito que carrega um sentimento de culpa, em alguns momentos, ele atribui essa culpa ao outro para dar uma amenizada nesse sentimento que ele está carregando.

ONIPOTÊNCIA

Muitas vezes, o sujeito carrega um sentimento de culpa, porque antes ele desenvolveu uma certa onipotência. Ele acredita que tudo que acontece de ruim foi por causa dele e não é isso, as coisas acontecem na vida, muitas vezes sem a minha intervenção.

VÍCIO NO FRACASSO 

Existe uma um uma configuração onde o sujeito acaba por assim dizer, viciando no sentimento de culpa e isso pode acontecer, muitas vezes, porque ele se sentiu culpado, se autojulgou, se autocondenou e agora passa se autossabotar, destruindo o seu sucesso, sendo um fracassado. E isso é muito confortável. É uma zona de conforto muito grande ser o fracassado. Você não precisa dar manutenção para nada e isso é viciante. Uma vez que o sujeito passa a encontrar neste lugar do fracassado, e aí o sentimento de culpa retroalimenta este fracasso.

INTERVENÇÃO CLÍNICA

 A intervenção que pode ser feita com o paciente em relação a esse sentimento de culpa é refletir com o paciente o absurdo que é carregar um sentimento de culpa. Seja ele porque o sujeito realmente teve uma atitude que causou um mal a alguma outra pessoa, ou por qualquer outro motivo que ele carrega o sentimento de culpa. Qualquer energia investida em carregar um sentimento de culpa é um desperdício, porque já passou, porque agora a gente precisa viver o hoje, porque tudo isso é uma grande ilusão, porque este sentimento de culpa é um grande absurdo.

3 Rs

O único antídoto para dissolver o sentimento de culpa é a responsabilização. E a responsabilização só pode acontecer a partir de dois outros fatores anteriores. três Rs. Ele precisa reconhecer aquilo que está gerando o sentimento de culpa, ele precisa aprender a respeitar isso que aconteceu e que gerou o sentimento de culpa e a partir daí, se responsabilizar por isso. quando eu me responsabilizo por alguma coisa não tem mais culpa.

MATURIDADE 

Eu respondo por isso, logo me responsabilizo. Vamos voltar ao sujeito que passou no sinal vermelho. Sim, eu me responsabilizo por isso, mas não é culpa minha. Existiu uma configuração muito maior por trás disso. A capacidade de se responsabilizar é um desdobramento da maturidade emocional. Não existe como se responsabilizar sem que possa se desenvolver a maturidade emocional. É um desdobramento, é um fator da maturidade emocional.

FRACASSADOS

O sujeito, muitas vezes, se sente culpado, ele se autocondena, ele se autopune, se torna um grande fracassado para se autopunir desta culpa que ele carrega e aí, ele encontra um grupo ideológico que também tem esta mesma configuração. O grupo dos fracassados! O grupo dos fracassados que estão ali tentando apontar um culpado externo. Grupos ideológicos funcionam desta forma. Eu me identifico como um fracassado, me junto com outros fracassados e agora nós vamos levantar a bandeira para reclamar. 

CÍRCULO VICIOSO

Um irmão fracassado inveja um irmão bem-sucedido e a partir desse sentimento de inveja do irmão fracassado ele passa a depreciar este irmão bem-sucedido. Essa depreciação, a partir do reconhecimento que o irmão é fracassado, passa a agir nesse sujeito bem-sucedido como um agente que deteriora o seu sucesso. E aí, o que acontece? Ele passa a se sentir culpado porque o irmão não foi bem-sucedido assim como ele. Ele passa a não se sentir merecedor desse sucesso. Passa a se autossabotar e a partir desta autossabotagem ele também fracassa e passa a invejar aquele que consegue ser bem-sucedido sem se sentir culpado. Um círculo vicioso extremamente nocivo na vida do sujeito.

CULPA LATENTE 

O sentimento de culpa, muitas vezes pode fazer parte do conteúdo latente, mas o conteúdo latente não é inconsciente. Estar latente não quer dizer que esteja inconsciente. O conteúdo latente está pré-consciente, porque ele uma vez viveu experiências no mundo externo. Não cabe no inconsciente qualquer noção do mundo externo. Se tem noção do mundo externo, não cabe mais no inconsciente, logo o sentimento de culpa não é inconsciente, não pode ser inconsciente. 

CULPA REPRIMIDA  

O sentimento de culpa, por se extremamente desconfortável, passa a ser reprimido e uma vez reprimido ele está condenado a flutuar no sistema pré-consciente. Ele é arremessado de volta em direção ao inconsciente, mas no inconsciente ele não consegue permanecer. Ele teve uma ação externa, ele teve um impulso e esse impulso não encontrou representação adequada no mundo externo. Ele foi pressionado de volta, em direção ao inconsciente, mas no inconsciente ele não permanece e também não permanece no pré-consciente, porque o pré-consciente é volátil. O pré-consciente não é um lugar fixo. As coisas, no pré-consciente, ora estão mais inconscientes e ora estão mais conscientes. Então, elas ficam flutuando ali. Ora elas pressionam em direção à ação, ao acting out, a atuação, a ação não pensada e ora elas estão sendo pressionadas para o inconsciente, para que o sujeito possa negá-la. 

NÃO SE ENCAIXA

O reprimido não se encaixa em lugar nenhum. Ele não consegue mais se encaixar em nada. Ele não contra lugar algum para ele existir. O sentimento de culpa não tem lugar, ele não consegue encontrar lugar. Por mais que o sujeito coloque a culpa no outro, não não é culpa do outro. Por mais que ele traga para si mesmo, também não é culpa dele. Ele vai ficar se questionando o tempo inteiro e por isso é tão desconfortável. Porque traz uma sensação de insegurança. Ora eu estou me sentindo angustiado, ora eu estou me sentindo ansioso.

DESCULPAR
 
Se a culpa é questionável e o sentimento de culpa é um absurdo, a atitude de desculpar o outro também é absurda. Então, eu te culpo e eu tenho o poder de te desculpar. Se aquilo realmente aconteceu por conta de uma configuração muito maior não há o que se desculpar. É claro que a gente tem essa expressão de pedir desculpa para o outro, de pedir perdão para o outro, como uma expressão de atenção ao outro, de importar-se com o outro, mas é uma mera formalidade.

DESOBSTRUIR

Desculpar é um poder daquele que atribuiu culpa. Se eu atribui culpa, eu tenho o poder de desculpar. Logo de início já se mostra um absurdo. Se a culpa é questionável, por conta de toda uma contingência por trás daquilo que aconteceu e se o sentimento de culpa é um absurdo, desculpar também é. Quem sou eu para desculpar alguém? Esta pessoa fez aquilo que ela deu conta de fazer. Eu preciso ser capaz de desobstruir o caminho, tirando todas essas ilusões, essas alucinações de culpa, seja minha, seja do outro e continuar o fluxo da minha vida. Porque o sujeito que ainda está apegado ao sentimento de culpa é porque ele tem um benefício muito grande naquilo. Porque se ele não tiver um benefício naquele sentimento de culpa, aquilo fica para trás e nunca mais vai ser tocado. 

SENTIMENTO DE CULPA INFANTIL

O primeiro sentimento de culpa que comete o sujeito é dentro da entrada da posição depressiva, segundo o Melanie Klein. Quando ele percebe que a mãe que ele odiava é a mesma que ele idealizava. Que a mãe que ele odiava por privá-lo do conforto, ou do seio é a mesma mãe que vinha e cuidava dele. Quando ele percebe que é uma mãe só e não são duas mães, não é um seio bom e não é um seio mau, ele passa a se sentir culpado. Este sentimento de culpa precisa ser tolerado até que ele possa se transformar em responsabilização. Depois o Freud vai falar de um sentimento de culpa associado ao complexo de Édipo, na fase fálica. Também vai haver ali, um sentimento de culpa de desejar a mãe só para ele e desejar que o pai morra.

AUTO-PERDÃO 

O sujeito vem ali, com uma questão mal elaborada e muitas vezes, o psicanalista diz para ele assim: “É, você está com dificuldade de se perdoar”. Não! Eu não tenho o que me perdoar. Eu fiz aquilo que eu dei conta de fazer. Eu não fiz por intenção de fazer e se fiz por intenção de fazer, fiz num momento de grande imaturidade, onde não estava sendo capaz de avaliar a realidade como um todo.

CULPA GARANTIDORA

O sujeito, quando não está sendo capaz de amar, ele pode usar a culpa para garantir que o outro não vai abandoná-lo. Muitas vezes, ele incita a culpa no outro para que o outro permaneça ali, porque ele não está sendo capaz de amar e não está sendo capaz de dar manutenção para um vínculo saudável. Então, ele incita culpa no outro, o outro se sente culpado e por se sentir culpado ele não toma qualquer atitude para se afastar daquela pessoa. Então, eu, por exemplo, posso estar acamado, posso estar doente e dar manutenção para esta patologia para permanecer daquela forma e garantir que as pessoas não vão me abandonar.

ESCOLHA

Não existe escolha. Ninguém escolhe se sentir culpado. Ninguém escolhe fazer alguma coisa que possa vir a ser atribuído como culpa. Não existe escolha! A escolha é uma grande ilusão. Ninguém escolhe nada. Nós estamos configurados num sistema muito maior que aquilo que a gente quer ou deixa de querer irrelevante. O que a gente pode é entrar num acordo com a realidade e a gente só vai conseguir isso a partir de vínculos afetivos saudáveis.