Filosoficamente poderíamos descrever o tédio como um estado de espírito onde o fato futuro não tem representante na expectativa. É talvez, estar ‘nem aí’, na linguagem coloquial.
Assim como uma espécie de aborrecimento onde vemos as coisas do mundo com certo desinteresse. Certo funcionamento da mente onde elementos como fervor, entusiasmo ou impetuosidade, se encontram inoperantes.
O tédio parece ser algo que é vivido tão introvertidamente, que muitas vezes torna-se um estado emocional extremamente sutil, distante dos olhos alheios. Por conta desta falta de veemência, o tédio acaba por não encontrar lugar significativo na literatura psicanalítica, ou nos estudos feitos pela psicologia, seja ela qual for a abordagem que utilize. Porém, o fato da manifestação psíquica muitas vezes não se revelar externamente e não se encontrar veemente, não reduz sua importância no funcionamento mental do sujeito e na influencia que ocupa nas escolhas da vida de cada um de nós.
Uma criança, possivelmente ilustraria esse estado como “nada pra fazer”. E a partir desta teoria infantil (na minha visão, a mais próxima de um estado desprovido de defesas, logo mais próximo da realidade), e pela ausência de uma teoria mais bem elaborada, podemos arriscar criar alguma tentativa de unir alguns pontos desse assunto. Isso no intuito de gerar um símbolo do que seria tédio. Criar a partir de um olhar mais atento, um sentido para compreendermos o porquê e como nos ocorre o tédio.
A criança pode fazer uso do tédio como um ensaio da separação da mãe, ainda na presença dela. Uma tentativa de pensar-se a si mesmo sem aquilo que mais se valoriza na vida. Estar ‘nem aí’, talvez seja estar mais ‘aqui’, no agora, onde o real acontece. Dessa maneira, se pensarmos na maturidade como missão humana do desenvolvimento, a capacidade de entediar-se pode ser uma conquista na independência da criança. Um ensaio da perda, inevitável. Um momento na vida que nos propomos a sentir o vazio interior, um sentimento que pode sugerir certa angústia e que assim, gera esse estado de quietude e marasmo interior. Na verdade é o resultado da percepção interior de algo que habita a alma. Alguma coisa que faz parte dela, mas que, normalmente (até prudentemente, em certos momentos) evitamos senti-la ou sofrê-la. Quando digo “sofrê-la”, penso na ambiguidade do termo, pois a vida é um processo e sendo assim, não o sofrer caracteriza certa ação (não-ação) patológica. Um obstáculo no viver.
Steven Tyler |
Donald Woods Winnicott (1896 - 1971) |
Dessa forma, é muito interessante percebermos aspectos internos e externos. Isso quando a exigência social entra em contraste com nosso estado de espírito. Perceba como alguém sem pressa incomoda o homem moderno, que corre desesperado atrás de “sabe-se lá o que”. Por essa decorrência, amiúde criamos um “falso eu”, como coloca Donald Woods Winnicott (1896 - 1971) pediatra e psicanalista inglês, ou como o psicólogo suíço Carl Gustav Jung (1875-1961) denomina o arquétipo da “Persona” (parte do eu que existe para satisfazer o outro), de tal modo, que nunca se entendia. Algo que é criado para satisfazer o outro, ou melhor dizendo, um eu criado para satisfazer a necessidade de sermos desejados pelo outro. Na predominância desse recurso, porém, abandonamos nosso eu real no quarto dos fundos de nosso interior, muitas vezes sem dar-nos conta disso. Pensemos na utilidade de através do tédio, repensar nossos objetos de desejo.
Prof. Renato Dias Martino
Psicoterapeuta e Escritor
Contato: renatodiasmartino@hotmail.com
(17) 3011 3866
Veja mais sobre o autor em: http://pensar-seasi-mesmo.blogspot.com/
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