Para
que seja possível se estabelecer uma relação saudável que possa evoluir, se
tornando cada dia mais amadurecida é fundamental que exista o desenvolvimento da
tolerância às frustrações das partes. Essa condição é a base para qualquer que
seja a relação saudável, tanto do eu consigo mesmo, quanto no relacionamento
que se possa ter com o outro e até mesmo com objetos inanimados na
materialidade das coisas.
“A expansão da capacidade mental, no movimento de
transcendência para além do si mesmo, por sua vez, parece ter íntima relação
com o desenvolvimento da capacidade de tolerar desconfortos.” (Martino, 2015) Até
na relação entre mãe e bebê, onde este último tem muito pouca capacidade de
tolerância aos desconfortos, ainda assim, aprende com a tolerância da mãe. A
mãe tolera os desconfortos vindos dele e com isso ele aprende a tolerar-se a si
mesmo. Essa tolerância deve ser essencial quanto às falhas da mãe, quando
ocorrerem. Dessa maneira expande gradativamente essa tolerância em relação aos
outros.
Mas,
é importante salientar uma questão referente aos limites. Ser tolerante não inclui
permitir que o outro passe dos limites necessários a saúde do vínculo. Permitir
abusos não diz respeito à virtude da tolerância de uma personalidade integrada,
mas é sinal da desestrutura de uma auto-estima fragilizada. O conceito de
tolerância aqui proposto tem incluso a referencia do limite. “Isso, porque a
tolerância é um conceito que, quando ausente de limites, invalida a própria
tolerância.” (Martino, 2015) Tolerância sem limites é permissividade.
Quando
a premissa da tolerância é aplicada num relacionamento entre duas pessoas
adultas a necessidade dessa condição fica mais evidente ainda. Um vínculo saudável
não pode ser mantido por atração física ou expectativa de satisfação, por mais
que tenha nascido desses fatores; justamente quando as expectativas são
renunciadas é que começa a se constituir o amor verdadeiro. Vínculos saudáveis
são cultivados com renúncias. O amor verdadeiro não é um sentimento, mas uma
capacidade, que se desenvolve a partir da renúncia.
Aquele que não está sendo
capaz de adiar suas necessidades e renunciar dos seus
desejos não está preparado para amar. Sem esse preparo a dedicação aos vínculos
saudáveis fica inviável. O verdadeiro amor é aquele que nutre o outro sem
empobrecer o eu. Freud nos ensinou sobre as vicissitudes
entre o amor próprio (libido do ego) e o amor pelo outro (libido objetal), onde
“um verdadeiro amor feliz corresponde à condição primeira na qual a libido
objetal e a libido do ego não podem ser distinguidas.” (Freud, 1914).
A
questão fundamental é o fato de que não existe escolha quanto a desenvolver a
capacidade de amar ou não se dedicar na tarefa desse desenvolvimento. A saúde
mental coincide com a capacidade de amar. E assim como Freud nos orienta em sua
obra SOBRE O NARCISISMO UMA INTRODUÇÃO, por mais que muitas vezes seja
importante desenvolvermos certo egoísmo como proteção contra o adoecer, “num
último recurso, devemos começar a amar a fim de não adoecermos, e estamos
destinados a cair doentes se, em consequência da frustração, formos incapazes
de amar.” (Freud, 1914).
Não nascemos sabendo amar nem a nós mesmo e muito
menos ao outro. A auto-estima é a base do funcionamento mental, no entanto, só
se aprende a amar a si mesmos pelo amor do outro.
Antes
de ser uma mera designação dado à certa cerimônia de matrimonio, o casamento é
uma experiencia de encaixe, onde uma parte se assenta na outra. Duas pessoas
podem estar juntas por estarem penduradas, grudadas, amarradas, ou ainda,
enroscadas, mas o casamento só ocorrer entre dois elementos que se encaixam,
num vínculo de sinceridade a amor.
O real casamento é constituído e mantido essencialmente
pelas renúncias. Aquele que não se sente preparado para se desapegar de
desejos, dificilmente será bem-sucedido numa união afetiva saudável e o real casamento
dificilmente ocorrerá. Isso se torna uma tarefa difícil quando levamos em conta
que vivemos numa configuração social onde a competitividade é uma regra e
disputa parece ser condição de sobrevivência. Somos educados para competir, não
para cooperar.
O reconhecimento,
com a polissemia do conceito, na multiplicidade de sentidos é elemento
fundamental para que se constitua um casamento real. A capacidade de re-conhecer inclui o
significado da possibilidade de admitir a existência de algo, também tem o
significado de ser grato à alguém, assim como ser capaz de conhecer novamente,
como se não fosse conhecido. Nesse ultimo sentido da palavra existe ainda a
ampliação no conceito do respeito, onde a semântica da palavra (do latim RESPICERE:
RE = novamente + SPECERE = olhar) nos leva a pensar que o respeito se baseia em
se propor a dirigir atenção novamente. Tentando a cada dia se desapegar da
maior parte dos dados armazenados na memória, tentando renunciar ao máximo das expectativas.
Ora, aqui mais uma vez vem a tona a necessidade de tolerância às frustrações. “Quem
aprende, sentindo-se intolerante da frustração própria ao aprender, desmanda-se
em fantasias de onisciência e convicção de tudo saber.” (Bion, 1962) Tolerar o
desconforto de nossa condição de ignorância frente à realidade. Estamos nos
transformando o tempo todo, sendo assim, nunca seremos conhecedores de nos
mesmos, tão-pouco do outro. “E, usualmente, nem aquele que começou a dizer uma
frase será o mesmo que irá terminá-la.” (Bion, 1978) Admitir-se ignorante sobre
as coisas do mundo é um ato de humildade, assim como toda oportunidade de se
entrar em acordo com a realidade. Isso nos prepara para aprendermos com as
experiências. Quando o vínculo é saudável, os piores momentos servem para estreitar ainda mais os laços.
Sem
essa atitude de humildade um casamento não pode se realizar e menos ainda se
manter. Contudo, se acaso uma união ocorra sem os pressupostos descritos,
corre-se o risco de se produzir desdobramentos em frutos que sofrerão as
consequência dessa escassez. Frutos de uma relação que não seja saudável serão
a extensão dessa insalubridade. Criar filhos é renunciar-se de si mesmo. Do
ponto de vista biológico, um filho é gerado pelo encontro de em elemento
masculino com um elemento feminino, sendo que a fecundação se dá na fusão entre
os núcleos dos gametas (espermatozóide e óvulo).
No âmbito emocional afetivo
essa união deve ser irrigada de amor e verdade. Mãe e pai são funções, que
dependem de certas capacidades para serem cumpridas. Um filho deve ser fruto de
um encontro amoroso, onde haja espaço emocional e afetivo suficiente para
recebê-lo. No entanto, se esse amor não foi possível na origem, cada dia é uma
nova chance de desenvolvê-lo. Filhos não são adornos para serem exibidos em
redes sociais. De qualquer forma, filhos são extensões da forma como o casal se relaciona, carregando consequências dos desdobramentos dessa relação.
Bion. W. R. O APRENDER
COM A EXPERIÊNCIA; tradução Paulo Dias Corrêa. Rio de Janeiro: Imago,(1991-1962).
_________. SEMINÁRIO DE
WILFRED BION, Realizado em Paris, 10 de julho de 1978, Transcrição de Francesca
Bion, Setembro 1999, Tradução de Wellington Dantas (SBPRJ), Abril de 2000, Copyright
- 2000 Francesca Bion.
Freud, S. SOBRE O
NARCISISMO: UMA INTRODUÇÃO, Rio de Janeiro: Imago, (1914).
MARTINO, R. D. O LIVRO
DO DESAPEGO – 1ª ed. São José do Rio Preto, SP: Vitrine Literária Editora,
2015.
Fone: 17- 991910375
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4 comentários:
Simplesmente.......interessantíssimo para uma profunda e necessária reflexão sobre o casamento. Adorei e espero digeri-lo, calmamente, nos próximos dias!Super beijo obrigada pelo ensinamento!
Que texto maravilhoso!
Muito proveitosa essa leitura. Adorei.
Muito bom Prof!!!
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