Por
mais que tenhamos uma predisposição para isso, a capacidade de amar não é um
atributo inato no ser humano. Desenvolvemos essa propriedade a partir de
experiências bem-sucedidas, onde possa ser amado pelo outro que se dedique a
ele, principalmente no que se refere às suas maiores dificuldades. No entanto,
quando existe uma severa privação nos cuidados dedicados e ausência de
reconhecimento afetuoso o desenvolvimento emocional pode sofrer graves
consequências. As implicações da escassez de cuidado e de afeto podem se
manifestar desde o âmbito do funcionamento emocional do sujeito, afetando a
capacidade de vinculação, até se distender para as próximas gerações, como uma
herança que se prolifera dando forma à configuração da sociedade.
As
manifestações de desrespeito, na intolerância e hostilidade na sociedade, não
têm outra origem que não seja a privação de respeito, afeto e reconhecimento,
ocorrente no seio da família.
Dentre
todas as criaturas, o ser humano talvez seja a mais nociva para o equilíbrio da
natureza. Onde essa espécie se instala todas as outras passam a correr risco de
serem extintas. Quando alguma criatura não serve as conveniências do humano,
passa então a sofrer ameaça de desaparecer na natureza. Por conta disso, se
torna imperiosa a necessidade de desenvolvimento das capacidades de respeito,
compaixão, ética e em ultima instância a capacidade de amar, já que essas não
são competências inatas do humano.
Somos
animais extremamente inteligentes e a inteligência se desenvolve independente
do nível da maturidade emocional, que é o que qualifica o sujeito para amar.
Sendo que muitas vezes o sujeito muito inteligente, acaba por conseguir
numerosos subterfúgios para adiar e obstruir o fluxo natural da maturação
emocional, que se desenvolve a partir da necessidade de tolerar frustrações.
Vamos amadurecendo emocionalmente através de experiências dolorosas. Quando não
conseguimos boas condições no alargamento da maturidade emocional, pode se
instalar então, certa configuração ameaçadora.
Desenvolve-se a inteligência num
sujeito imaturo.
Enquanto
a inteligência é configurada pela habilidade em se conseguir o que se
necessita, ou se deseja, a maturidade emocional tem sua ampliação pela
capacidade de se aprender a renunciar ao que se deseja e tolerar adiar a
satisfação das necessidades. A inteligência se desenvolve por meio do
pressuposto do saber, no acumulo de conhecimento. Pela inteligência o sujeito
aprende a conseguir aquilo que está disponível na realidade material, e o faz
através de formulas e articulações racionais.
Já a
maturação emocional é o que amplia a capacidade afetiva e decorre de um
ambiente saudável, onde o sujeito consiga ser amado, reconhecido e respeitado, independentemente
de suas habilidades. Com isso pode desenvolver a capacidade de tolerar as
frustrações e então se tornar capaz de viver experiências dolorosas que o
ensinarão a se responsabilizar por si mesmo. Essa é a configuração fundamental
para que possa desenvolver autoadmiração e autoconfiança, que são atributos do
que chamamos comumente de autoestima o que é a base de um bom funcionamento
mental. A autoestima ou amor próprio é o que qualifica o sujeito a amar o outro.
Isso
se dá numa experiência onde o sujeito possa se sentir dependente e conseguir
gradativamente se independendo, até que consiga autonomia suficiente. Essa
experiência é condição mínima necessária para que se torne capaz de reconhecer,
respeitar e amar o próximo, já que ninguém pode amar o outro se ainda não
aprendeu fazê-lo consigo mesmo. Portanto, quando alguém que não pôde
desenvolver sua maturidade emocional se desenvolve muito intelectualmente,
torna-se um ser potencialmente nocivo, tanto para si mesmo quanto para o outro
e em consequência, para o mundo.
Era
uma noite quente de verão e as amigas de Joana a convidaram para o baile. Ela
não estava muito bem, meio indisposta e também não tinha muito dinheiro, mas
mesmo assim aceitou o convite e foram então ao baile. Chegando ao salão, logo
foi cortejada por Otávio, um jovem rapaz. Joana era uma moça muito bonita,
apesar de não se interessar por se embelezar e também não se enquadrar no
padrão de beleza preestabelecido socialmente, na contemporaneidade.
O
rapaz se aproximou e iniciou uma conversa com Joana, que não se sentira atraída
por ele. Na realidade, Joana não se interessava muito por rapazes, não
manifestando mínimo interesse em namorar. O relacionamento de seus pais sempre
fora conturbado, repleto de desentendimentos, com brigas constantes e Joana
cresceu vendo um péssimo modelo de casamento, que pudesse servir de referencia.
Otávio por sua vez, também não tivera um bom modelo de relacionamento advindo
dos seus pais, que se separaram quando ele era muito pequeno. Otávio passou sua
infância sendo cuidado ora pelos avôs maternos, ora pelos paternos, que também
não mantinham bom relacionamento. Mas Otávio sentiu-se atraído por Joana e por
conta disso insistiu em se aproximar.
Joana
resistiu, mas como suas amigas haviam se entrosado com outros rapazes, ela
também acabou ficando com Otávio. Depois do baile Joana iria passar a noite na
casa de sua amiga, pois ficava próximo do salão do baile que acabaria muito
tarde. Como os pais de sua amiga não estavam em casa, Otávio pediu para dormir
por lá também e a amiga de Joana permitiu. Joana e Otávio acabaram dormindo
juntos e tiveram relação sexual, por insistência dele, apesar do desinteresse
dela, que resistiu até o último momento. Sem usarem preservativos e sem que
Joana estivesse usando qualquer método anticonceptivo, ela engravidou. O pai de
Joana, ao saber da gravidez, obrigou o casamento.
O
bebê nasceu, então, num lar constituído por imposição e Joana que nunca havia
desejado ter um filho, viu-se completamente despreparada para cuidar da
criança. Sentia que a criança viera para lhe roubar a chance de ser feliz. No
entanto, aos poucos Joana foi criando um clima de intimidade com a criança, que
era um menino, Jonas. Ela percebeu que essa relação trazia um sentimento do
qual ela nunca experimentara. Sentia-se importante, sentia que alguém a
desejara como nunca antes havia sentido. Ela, que nunca conseguiu se sentir
importante sendo mulher, agora sente que é a pessoa mais importante do mundo
para outro alguém. Assim, a relação entre Joana e Jonas foi se estreitando e
com isso, Otávio foi se sentindo excluído. Na realidade, Joana nunca quis se
relacionar com o rapaz e agora, convivendo juntos, isso se evidenciou muito.
Joana rejeitava qualquer que fosse a tentativa de aproximação de Otávio, que se
sentia cada vez mais abandonado.
Otávio,
então, mergulhou no trabalho, depois do expediente passou a ir para bares beber
com “amigos”, chegando tarde, todos os dias. Otávio passou a ostentar sua vida
de prazeres e de autonomia financeira para Joana, que passou a depender do
dinheiro de Otávio e passava o tempo todo em casa cuidando de Jonas e dos
afazeres do lar. Com isso, Joana se sentiu menosprezada, inundada por uma
sensação de aprisionamento naquela vida que estava levando. Começou então, a
pensar na ideia de arranjar um trabalho do qual imaginava, iria libertá-la
daquela situação.
Buscou
em anúncios de empregos e espalhou entre conhecidos, a notícia de que desejava
encontrar um trabalho.
Logo conseguiu encontrar um trabalho e com isso teve que
deixar Jonas, que tinha três meses de idade, numa instituição de cuidado à
criança. Jonas era deixado na instituição às sete da manhã e Joana o buscava às
dezoito e trinta da noite, quando já estava com a energia esgotada e muito
irritada, pelo estresse do dia todo trabalhando.
Homens
e mulheres buscam seus direitos de liberdade e independência, mas quem cuidará
das crianças que precisam ser dependentes?
Bem,
Otávio e Joana acabaram se separando e Jonas cresceu dentro de instituições
publicas. De início, com meses de idade, seguindo uma sequência sempre
permanecendo tempo integral encontrando. Muito cedo foi aprendendo a abandonar
o reconhecimento daquilo que realmente estava sendo, para se tornar aquilo que
as instituições de ensino esperavam dele, assim como é a regra desse tipo de
ambiente. Com isso, aprendeu que sua verdade importava muito pouco e que na
realidade cada manifestação espontânea era muito pouco aprovada e muitas vezes
criticada, no entanto, quando mostrava o quanto era capaz de suprir as
expectativas da instituição, logo era elogiado.
Percebendo isso, foi
gradativamente abandonando seu verdadeiro eu e implementando recursos para
satisfazer a demanda que vinham dos outros, portanto se tornando falso e
dissimulando suas atitudes.
Fone: 17- 991910375
#daspequenaspoesias #acolher #acolhimento #olivrododesapego #poesiapsicanalítica #renatodiasmartino #psicoterapia #psicanálise #amar #amor #gratidão #demagogia #consciência #desamparo #pensarseasimesmo #psicologia #sãojosédoriopreto #grupodeestudopsicanálised
Um comentário:
Belíssimo texto professor Renato , existe cotas da Joana dentro de cada uma de nós mulheres , gratidão por sua expansão
Postar um comentário