sexta-feira, 1 de maio de 2020

RECLUSÃO SOCIAL: Importância física e emocional-afetiva

A situação da ameaça de um agente nocivo à saúde orgânica, da qual vivemos nos dias de hoje, por conta do vírus que assola a humanidade, tem um correlato na vida mental. Assim como o corpo pode ser contaminado e padecer através de causadores orgânicos, a mente também pode ser infectada por fatores psíquicos venenosos. Um sujeito contaminado de ódio, inundado desse sentimento, por exemplo, pode transmiti-lo diretamente ao outro, pela hostilidade e violência, ou mesmo indiretamente, espalhando essa frequência insalubre por meio de inveja, chantagem emocional, da incitação do remorso, assim como por outras formas de infecções mentais.
No entanto, esse fator nocivo à vida mental não começou a se alastrar nos últimos tempos, como no caso do vírus ora corrente, tão pouco mostra chance de desaparecer. Distinto disso, esta forma de contaminação sempre existiu e não acredito que um dia deixará de existir, pelo menos nesse plano da vida. Tratamos aqui de uma forma de contaminação danosa que se alastra nas relações afetivas, desde o âmbito da vida social até se incutir no espaço privado das famílias.
Ainda assim, diferente do vírus orgânico que, invisível a olho nu é muitas vezes transmissível pelo sujeito assintomático, sem que o contaminado possa perceber o que e como ocorreu, na contaminação emocional é possível perceber a ameaça advinda de vínculos nocivos em potencial e se afastar, antes que possa ser contaminado. Para tanto é necessário que se esteja integrado em si mesmo e bem nutrido emocionalmente. Quando bem nutrido de afeto, o sujeito corre menor risco de buscar satisfações em relações que sejam tóxicas e quando isso eventualmente ocorrer, estará mais preparado para reparar os possíveis danos. A imunidade emocional se dá através da integração do eu.
Muitas vezes, o sujeito emocionalmente desnutrido e faminto de afeto, acaba por se envolver em relações nocivas, sem perceber que são tóxicas para o funcionamento mental. Assim, emocionalmente envenenado, adoece nessa dimensão que, na verdade serve de base para todas as outras dimensões, sejam elas do domínio físico, orgânico, social, afetivo ou mesmo espiritual.
Mesmo desenvolvendo defesas que funcionam como uma espessa e compacta casca emocional, ainda assim, ocorrem brechas, como fendas por onde infiltram toxinas mentais, fazendo com que o sujeito adoeça, mesmo sem perceber. Esse sujeito ora contaminado, assim como o doente organicamente assintomático o faz, espalha elementos nocivos, como que contaminando a outros assim como fora contaminado.
A vida social, que já é naturalmente nociva, por se configurar baseada na dissimulação e imprópria para o desempenho do verdadeiro eu, ganha uma proporção especial quando o sujeito se encontra desnutrido emocionalmente e carente de afeto. Portanto, assim como na situação da ameaça do vírus orgânico, também nessa dimensão, a necessidade da reclusão social se faz necessária, por onde possa ser possível resgatar a sensibilidade suficiente para perceber a qualidade dos possíveis vínculos a se estabelecer. O resgate de um fator muito primitivo, chamado instinto de autopreservação. Para tanto é de fundamental importância poder contar com vínculos saudáveis, de onde o sujeito irá conseguir tanto se purificar das toxinas mentais das quais fora contaminado, quanto dissolver as defesas que ergueu tentando se resguardar da contaminação. Isso deve ocorrer através do desempenho do verdadeiro eu, o que só pode acontecer num ambiente emocional saudável. 
No entanto, aquele que não teve a chance de viver experiências boas o suficiente para estabelecer vínculos bem sucedidos que resultassem em relações saudáveis, pode sentir certa dificuldade na ocasião da necessidade de reclusão social. Isso ocorre pois não foi possível desenvolver um bom vínculo consigo mesmo, não se tornado uma companhia desejável para si mesmo, já que isso depende diretamente do estabelecimento profícuo no vínculo com o outro. Isso tem uma extensão na dificuldade de se sentir bem em sua própria casa, por conta de não conseguir estabelecer um referencial de bem estar associado ao seu lar.
A prática clínica da psicanálise é por excelência, um recurso para se tratar dessa demanda. Na sessão de análise existe um isolamento social, onde o sujeito, quando acolhido por um psicoterapeuta qualificado, pode experimentar de uma psicosfera livre de contaminações e restauradora dos recursos mentais.
Os órgãos de controle de saúde regulamentam critérios de isolamento que deverão ser aplicados para prevenir a proliferação de infecção pelo novo corona vírus, durante o período de risco de contagio. No entanto, o risco de infecção mental continuará e estará livre desse risco aquele que nutrido de vínculos saudáveis e integrado em si mesmo. Essa integração permite o desempenho da sensibilidade suficiente para que seja possível perceber o risco de contagio. Independente da orientação de órgãos de saúde é importante que o sujeito tenha bem claro os sinais de sua tendência natural de preservar a própria vida, que o orientará quanto às possíveis ameaças.






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