Por conta da inacessibilidade dos conteúdos mentais por meio do aparato sensorial, a utilizaçãos de modelos de analogia é fundamental na prática da psicanálise. O processo de maturação ocorrente nos processos psíquicos tem analogia muito interessante nas manifestações da natureza.
Para que uma fruta esteja pronta para ser colhida é necessário que fique madura o suficiente para tanto. Caso não esteja adequadamente amadurecida, quando colhida pode ser perdida, ou ainda, pode causar moléstia àquele que, por ventura venha a consumi-la. Nos processos mentais existe experiência comparável a isso. Os conteúdos inconscientes levam um tempo para amadurecerem e então ficarem prontos para serem colhidos (acolhidos). Sendo que as tentativas de alcançar esses elementos imersos na mente sem que emerjam no seu tempo, parece gerar maiores resistências, desenvolvendo novas defesas. Muitas vezes os estimulando a se aprofundarem mais ainda tornando-os mais inacessíveis ainda. Se distanciando sobre maneira da consciência, se desconectando e impossibilitando a integração da personalidade total.
Por maior que seja a desorganização emocional, que por vezes possa causar grandes transtornos na vida afetiva de um sujeito, isso só poderá ser tratado adequadamente quando emergir como dor psíquica da qual esse sujeito se encontre capaz de lidar. “Faz-se necessária mínima tolerância, que seja, em sofrer a dor.” (Martino, 2018) Muitas vezes ele pode até sentir a dor emocional, entretanto pode ser que ainda não seja capaz de sofrer o processo de transformação. Assim como propõe Wilfred Bion (1897-1979) em ATENÇÃO E INTERPRETAÇÃO, “existem pessoas tão intolerantes à dor ou frustração (ou em quem a dor ou a frustração são tão intoleráveis), que elas sentem a dor, mas não a sofrem; assim, não é possível dizer que elas descobrem a dor.” (Bion, 1970)
Além disso, é necessário que o sujeito do sentimento, que na prática clínica ganha o nome de paciente (do Grego PATHE, “sentimento”) acredite e tenha o mínimo de esperança no processo psicoterapêutico. A psicanálise não pode ser aplicável àquele que não tenha a capacidade de estabelecer um vínculo bem sucedido com o analista, no que se denomina transferência positiva. E assim como nos orienta Sigmund Freud (1856 – 1939): “Tampouco é aplicável às pessoas que não sejam levadas à terapia por seu próprio sofrimento, mas antes submetem-se a ela apenas pela ordem autoritária de seus familiares.” (Freud, em SOBRE A PSICOTERAPIA, 1905 [1904])
Outro fator crucial para que a ajuda do psicoterapeuta possa ser profícua é a capacidade do sujeito do sentimento em renunciar aos benefícios que existem no fato de estar no estado que se encontra, no que popularmente chamamos de “zona de conforto”. Um exemplo disso é o auto castigo. Quando o sujeito carrega certo sentimento de culpa, pode buscar autopunição. Assim, por maior que possa ser a dor causada pela moléstia, a sensação de autopunição deve amenizar o sentimento de remorso. Deste modo, não será conveniente para sua configuração, livrá-lo do que causa a dor.
Sendo assim, fica claro que nem sempre qualquer pessoa pode se beneficiar de uma psicoterapia. Existem inúmeros fatores que impossibilitam, pelo menos em certo momento da vida do sujeito, que a psicanálise possa beneficiá-lo. “Apesar de a psicanálise estar aí para todos, nem todos estão aí para a psicanálise. Assim, penso serem necessários alguns atributos fundamentais, que definiriam o que poderíamos chamar de analisabilidade do candidato à paciente.” (Martino, 2018)
Ora, se por algum motivo o analista insiste em manter em análise um paciente que não apresenta um nível de analisabilidade suficiente, corre o risco de se sentir forçado a desejar por ele. Além da infecundidade no trabalho, a situação pode ainda se manifestar em vários dissabores, como a grande frequência de faltas e a dificuldade no acerto de honorários. Toda essa situação pode levar o analista a passar a questionar a própria capacidade, já que pode atribuir a si as falhas que possam estar impedindo o desenvolvimento do processo.
Para que possa oferecer um bom atendimento, o psicanalista carece estar em dia com a sustentação do tripé psicanalítico, que consiste em sua analise pessoal, supervisões sobre os casos que esteja atendendo e a dedicação aos estudos teóricos. São medidas que propiciam a qualificação do sujeito que se propõe a atender pacientes em psicanálise. Tendo essa dedicação em dia, o fator analisabilidade no candidato à paciente, ou seja, no sujeito do sentimento é fundamental. Para àquele que se encontra disponível à transformação, uma palavra é o suficiente. Contudo, para quem está fechado para isso, mil tentativas são inúteis.
A psicanálise se configura num recurso para se entrar num acordo com a realidade e isso implica na experiência de se desiludir. Logo, quando o sujeito ainda encontra em suas ilusões um modo de continuar sobrevivendo, a psicanálise tem pouco ou nada para oferecer. A qualidade do ambiente emocional deve ser fator preponderante para propiciar essa desilusão paulatina, onde o vínculo saudável e de acolhimento é a sustentação nesse processo. Quando o sujeito percebe que as ilusões que o sustentara até então começam a ruir é que a psicanálise passa a fazer sentido com a função de acolhimento.
BION, W. R. ATENÇÃO E INTERPRETAÇÃO, tradução de Paulo Cesar Sandler. - 2. ed. 1970 - Rio de Janeiro: Imago, 2006.
Freud. S. SOBRE A PSICOTERAPIA, Rio de Janeiro, Imago, 1905.
Martino, D. M. ACOLHIDA EM PSICOTERAPIA – São José do Rio Preto. Vitrine Literária Editora, 2018.
Fone: 17- 991910375
Um comentário:
Já me vi nessa situação. Dói muito sair da área de conforto, àquela na qual fugimos das dores necessárias.
Por isso vejo muitas pessoas entrarem e logo após saírem da psicanálise. Não estão prontas para quererem de verdade, enfrentar e tolerar a dor.😔
Grata sempre 🙏
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