quinta-feira, 10 de agosto de 2023

DA CONTRATRANSFERÊNCIA À INTUIÇÃO – Prof. Renato Dias Martino


DA CONTRATRANSFERÊNCIA À INTUIÇÃO

Quando a gente fala de intuição, dentro da psicanálise e o Wilfred Bion (1897 - 1979) trouxe essa proposta de que o psicanalista não usa os seus órgãos sensoriais. Ele não usa a visão, ele não usa olfato, ele não usa audição, como um instrumento fundamental, mas ele usa a intuição. O que que ele está chamando de intuição? Alguma coisa mágica que acontece com o sujeito? Não! Não é isso. Ele está falando de uma percepção de algo que está acontecendo ali, durante a sessão, mas que não pode ser percebida com os órgãos do sentido. Quando você fala de uma ansiedade você não pode ouvir ansiedade você não pode sentir o cheiro da ansiedade, você não pode ver a ansiedade. Mas você percebe a ansiedade a partir da intuição. Por mais que o paciente possa falar que está ansioso, ele pode não estar se sentindo ansioso. Por mais que o paciente não diga que está ansioso, você pode perceber através da tua intuição que ele está ansioso.

CONTRATRANSFERÊNCIA

A contratransferência é quando o analista projeta as suas questões no paciente, não é quando ele percebe o que está acontecendo com o paciente, ou o que está acontecendo no vínculo. É quando ele sobrepõe as suas questões particulares as questões do paciente. Então, a contra transferência impede a intuição. Intuir é ver internamente o que está acontecendo ali, no mundo externo. Perceber e reconhecer aquilo que está acontecendo por um órgão que não é aquele que constata a partir dos sentidos. Quando a gente está falando de contratransferência, a gente mais adequadamente, poderia chamar de neurose de contratransferência. Porque é quando o analista projeta suas questões mal elaboradas no paciente e aí isso obstrui, isso polui o vínculo. Eu já não percebo mais o vínculo entre eu como analista e meu paciente, mas eu percebo o vínculo entre eu como analista e eu mesmo como analista. Eu mesmo, dentro das minhas questões mal elaboradas e isso é contratransferência.

CONTRATRANSFERÊNCIA:
memoria, desejo e compreensão

Dentro dessa perspectiva da contratransferência, o analista não é capaz de renunciar do seu desejo, o analista não é capaz de renunciar da sua memória, o analista não é capaz de renunciar da sua compreensão, da sua ânsia de saber. Ele é convidado a atuar dentro da contra transferência. E aí, o paciente precisa corresponder a sua ilusão. Ele veste isso no paciente e é muito triste quando o paciente põe a carapuça, quando o paciente corresponde a contratransferência. E aí, começa a acontecer as atrocidades, que normalmente a gente recebe dentro da clínica da psicanálise do acolhimento. Sujeitos que padeceram nas mãos de supostos analistas, que nunca, na realidade, se dedicaram na sua análise pessoal e estão ali, “pingando” a contratransferência e inundando o paciente das suas questões mal elaboradas.

ATUAÇÃO NA CONTRATRANSFERÊNCIA

A contratransferência é uma coisa, a atuação na contratransferência é outra. Contratransferência paralisa o sujeito. Paralisa em que? Paralisa o analista no desempenho da sua intuição. Ele deixa de intuir. Por que? Porque ele ativa o seu desejo, ele começa a desejar que as coisas aconteçam dentro do seu script. Mas isso não quer dizer que ele atuou, mas ele é convidado a atuar. Então, acting out, para fora, atuação no mundo externo, daquilo que está acontecendo no mundo interno. Porque, não está sendo possível pensar. Quando não é possível pensar, ele reproduz, ele repete. Normalmente, quando acontece a contratransferência, isso vem com uma força tão grande, que na melhor das hipóteses, o analista é obstruído no seu funcionamento intuitivo. Porque gera um desconforto muito grande, uma necessidade de evacuação. Essa tensão faz com que o sujeito tenha uma tendência a evacuar e isso aí obstruiu o funcionamento adequado da renúncia do seu desejo, do rebaixamento das memórias, do rebaixamento da sua ânsia de saber, para que ele possa intuir. Então, ele tende a evacuar isso. E aí, quando se instala contratransferência, por exemplo, dentro de uma sessão, é muito difícil que ele consiga, dentro dessa mesma sessão, restituir ali, o funcionamento, o bastante, para que ele consiga passar a desempenhar a intuição. Não estou dizendo que não pode acontecer. Pode ser que aconteça, mas é muito difícil, porque é muito forte isso.

CONTRATRANSFERÊNCIA E IMPACIÊNCIA

A palavra impaciência é justamente o que retrata. É icônica para dizer quando o sujeito está imbuído de desejo, inundado das suas memórias e ansioso por saber. Ele se torna impaciente. A impaciência causa um desserviço a análise. Ninguém está livre disso. Todos nós estamos arriscados a viver isso. Por mais que você tenha 20, 30 anos de análise e por 20, 30 anos sendo analista, você não está livre de viver isso.



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