quarta-feira, 16 de agosto de 2023

O SENSORIAL E O NÃO SENSORIAL – Prof. Renato Dias Martino


Em cada experiência com as coisas materiais do mundo, existe uma experiência afetiva que envolve isso. Quando a pessoa tem dificuldade na experiência com a questão material, a questão sensorial, é porque junto com essa questão existe uma questão emocional afetiva que não pode ser bem elaborada. Quando o sujeito fala que não gosta de jiló, não é que ele não gosta de jiló, é que ele não conseguiu associar comer jiló com uma experiência emocional-afetiva de qualidade e que pudesse de uma maneira carinhosa, bem sucedida, unir o sensorial do não sensorial. Unir o material, com o afetivo. Se você tem uma experiência afetiva bem sucedida com o jiló, você vai comer jiló e vai achar que é uma delícia. Dentro da perspectiva de qualquer que seja manifestação sintomática, do funcionamento emocional-afetivo, todas essas manifestações sintomáticas estão ligadas às experiências emocionais-afetivas que não puderam ser bem sucedidas. Então, nas fobias também, se o sujeito por exemplo, tem medo de tartaruga, por exemplo, o medo que ele tem de tartaruga, não tem a ver com a tartaruga, mas tem a ver com o que ele atribui a tartaruga. Porque a tartaruga é um bicho inofensivo. Tem a ver com experiências emocionais-afetivas que não foram bem elaboradas e que, a partir daí, foram projetadas nesse bicho. Por conta de alguma associação que, se o sujeito tiver energia e tempo suficiente, ele vai poder aí destrinchar para analisar. Eu, sinceramente, não vejo qualquer benefício, ou utilidade de ficar sabendo o porquê das coisas, mas, de qualquer forma, o medo que se atribui a alguma coisa no mundo material, tem a ver com o medo que está ligado a uma relação emocional-afetiva mal sucedida. Uma insegurança, ou um susto, alguma coisa nesse sentido, que houve, que foi registrado e que hoje é atribuído ao inocente bichinho chamado tartaruga. O Freud traz a ideia da “lembrança encobridora”. O que é “lembrança encobridora”? É quando o sujeito vive a experiência emocional afetiva traumática, ou mal sucedida e ele encobre aquilo com uma lembrança que, de alguma forma tampa a experiência original, de alguma forma, disfarça a experiência emocional. O sujeito vive uma experiência mal sucedida e relaciona essa experiência mal sucedida com uma outra coisa, uma outra coisa que possa estar passando na televisão naquele momento, uma outra coisa que possa, por exemplo, ser a estampa do seu cobertor, da sua camiseta. Ele vai associar, naquele momento e vai encobrir essa experiência com uma memória que vai impedir que ele entre em contato com essa experiência dolorosa que ele viveu. Quando o sujeito é submetido a um enfrentamento, e isso aí é proposto até como técnica de algumas vertentes da psicoterapia, o enfrentamento do medo, quando ele é submetido ao enfrentamento do medo da tartaruga, ele deixa de ter medo da tartaruga, mas este medo vai emergir em um outro objeto substitutivo do mundo material. Vai deixar de ter medo de tartaruga, mas vai começar a ter medo de lagarto, por exemplo. Estou dando um exemplo extremamente grosseiro, mas é mais ou menos isso. Quando a causa não foi tratada, o sintoma pula de um objeto para outro e aí a gente pode ter a ilusão de que alguma coisa foi elaborada, quando não foi. Na realidade, assim, é perceber esse medo, é reconhecer que esse medo é real, passar a respeitar este medo e se responsabilizar por esse medo. Quando eu passo por essas quatro etapas, eu consigo permitir que isso transforme em um elemento da prudência. E aí, o sujeito que tinha medo de dirigir, passa a ser um condutor prudente. O trabalho é olhar para isso e cuidar disso. Quando o sujeito ganha um rótulo, quando ele ganha um psicodiagnóstico, isso encobre essa experiência emocional-afetiva e ele não se permite mais tocar nisso, porque já ganhou um nome, já ganhou uma cobertura, já ganhou um fator encobridor, que não vai mais permitir que ele possa penetrar. Esse psicodiagnóstico para reconhecer o que realmente está por baixo disso. Ele fica obstruído de reconhecer aquilo, de passar a respeitar aquilo e se responsabilizar por aquilo. O psiquiatra dá um presente para patologia do sujeito, que é encobrir aquilo que na realidade precisa ser cuidado. Precisa ser olhado, para que aquilo ali possa ser elaborado.

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