quinta-feira, 21 de setembro de 2023

INTEGRAÇÃO E ESCOLHAS - Prof. Renato Dias Martino


No início da vida do ser humano, a sua personalidade é naturalmente desintegrada. É a partir do acolhimento do outro que essa integração vai acontecendo. O Bion, por exemplo, propõe a ideia da função-alfa. A função-alfa, por si só, é um recurso de integração. A partir da possibilidade da mãe acolher o conteúdo do bebê e devolver para ele de uma maneira elaborada permite que este elemento que hora é devolvido possa se integrar aos outros elementos internos do bebê. Há a necessidade imperiosa da ação externa, de uma outra pessoa para que o sujeito possa se integrar. Sem a experiência com o outro, não há a possibilidade de integração. É necessário e fundamental que haja a experiência de vínculo com outro para que possa haver a possibilidade de integração da personalidade do sujeito.

DECISÃO E DESINTEGRAÇÃO

Todas as vezes que o sujeito decide, ele desintegra. Todas as vezes que há uma necessidade de decisão, há impreterivelmente uma desintegração. Quando o sujeito está integrado, ele não decide, ele simplesmente percebe reconhece e toma uma atitude, a partir disso que ele reconheceu. Não é o sujeito que decide, enquanto ele está de acordo com a realidade. Mas é a percepção e o reconhecimento dessa realidade que mostram para ele a atitude que precisa ser tomada. A própria palavra diz. Decisão! Então, cada vez que o sujeito decide, ele cinde a realidade e toma uma parte como todo, ou como certo.

ESCOLHAS

A escolha é uma ilusão. A escolha serve para um único objetivo, para que você possa aprender com a experiência, para que você possa se integrar, entrar num acordo com a realidade, para perceber que não existe escolha, seja no âmbito que for. Quando o sujeito está escolhendo, ele está iludido, ele não está de acordo com a realidade. Tem uma panela com água fervendo. Existe alguma coisa dentro da panela que você precisa pegar. Você pode escolher enfiar a mão e pegar aquilo que está dentro da panela com água fervendo. Existe essa escolha! Mas você vai queimar a sua mão, você vai se machucar, mas ainda assim eu vou lá, enfio a mão para pegar aquilo, então eu escolhi. Mas, se você tiver de acordo com a realidade, a realidade vai mostrar para você que aquilo é inadequado e que o prejuízo é claro. Existe uma consequência clara, quanto a aquilo. Então, cada vez que eu estou de acordo com a realidade o caminho é um só.

DESEJO E ESCOLHA

Para aquilo que realmente importa não existe escolha, e aí, você vai dizer: “Bom, então, para as futilidades existe escolha?” Não! Para as futilidades também não existe escolha, porque na realidade, cada coisa que você imagina que você escolheu, antes passou pelo seu inconsciente, ou pelo seu pré-consciente, pelas suas questões reprimidas e você acabou escolhendo por conta de alguma coisa que te antecedeu, que é questão do desejo. O sujeito, quando ele deseja alguma coisa, na verdade, aquele desejo não é dele. Aquele desejo está impregnado de uma série de experiências anteriores que fizeram com que ele quisesse aquilo. A pessoa deseja fazer sexo livre. Isso é um desejo da pessoa. Não, não é um desejo da pessoa! Este desejo está impregnado por um impedimento, por alguma coisa que ele viveu na infância dele, que o impediu de viver as experiências e hoje quando ele faz esse sexo livre ele se sente extremamente livre daquilo que foi reprimido lá atrás. Então, não tem a ver com o sexo livre, mas tem a ver com a possibilidade dele se libertar daquela repressão anterior que gerou uma revolta enorme e hoje ele transfere, ele substitui por esta compulsão sexual livre. Então, não tem a ver com desejo, não tem a ver com escolha. E por outro lado, existe uma outra questão quanto as escolhas. Também o sujeito, quando diz que escolheu, ele está fornecendo essa experiência ao seu “ideal de eu”, ao seu “deveria ser” para que depois seja cobrado e se sinta culpado por ter escolhido aquilo, quando na realidade, não existia outro caminho, aquilo foi o que ele deu conta de fazer e não foi o que ele escolheu, foi o que foi possível ser feito naquele momento. Então, ele não pode se culpar, mas deve na realidade, se responsabilizar por isso.

DESEJO E REPRESSÃO 

Vamos pegar um outro exemplo. O sujeito que tem uma compulsão alimentar. Ele deseja comer demais. Na verdade, isso não é um desejo dele, isso na verdade, tem por trás, algo reprimido, uma carência muito grande, uma privação de afeto na sua infância, que hoje ele substitui pela alimentação compulsiva. Não existe ali um desejo genuíno. O desejo está sempre impregnado de experiências reprimidas do passado. Qualquer que seja esse desejo.

ESCOLHAS E ACORDO COM A REALIDADE

Eu escolhi a camiseta azul para colocar hoje. Não! Eu não escolhi essa camiseta azul. A realidade me levou para colocar essa camiseta azul. Seja a realidade da praticidade. Porque ela foi a primeira que estava ali no guarda-roupa e eu peguei, ou seja, por conta de um elemento que está fora da minha consciência, que esteja pré-consciente ou inconsciente, que me levou a pegar esta camisa. Mas de escolha consciente, não existe uma coisa muito pequena. Tudo que está num acordo com a verdade, com a realidade, segue um caminho único e só e quanto mais integrado que você esteja com a realidade, mais você está seguindo este caminho que é o único.

ESCOLHA INCONSCIENTE 

O sujeito, na realidade, ele se aproxima do outro sem saber o porquê ele está se aproximando. Ele não tem consciência de porque ele está se ligando aquela pessoa, não foi por escolha e ele passa o resto da vida tentando argumentar e justificar o porquê que ele está com aquela pessoa, e não consegue. Existe escolha dentro da perspectiva da ilusão. Se você não tiver dentro da ilusão, você não tem escolha. A gente tem a ideia de que você conhece alguma coisa e passa a gostar daquela coisa que você conheceu. Na realidade, não é isso. Você gosta de alguma coisa e depois passa a vida inteira tentando entender.

ESCOLHA E ONIPOTÊNCIA 

Dizer que você é capaz de escolher traz uma sensação de poder, traz uma sensação de onipotência, traz uma sensação de que você consegue tudo que você escolheu. Mas, na realidade, não existe nada que seja possível escolher. Tudo depende da capacidade de cada um. Tudo depende da oportunidade. Tudo depende de uma configuração muito maior, que está extremamente distante da escolha de cada um de nós. Então, ninguém escolhe amar, ninguém escolhe tratar o outro bem, ninguém escolhe a pessoa que se envolveu. Não há escolha. Tudo isso acontece por um sistema muito mais amplo, que não está dentro da perspectiva do desejo do sujeito. Isso vai acontecendo por conta desse sistema muito maior, por conta da configuração da realidade.

DO CONHECIMENTO À TRANSFORMAÇÃO 

Quando a gente fala de conhecer, nós estamos falando de alguma coisa que precisa estar invariante. Ela precisa ser da mesma forma, para que eu possa ter o domínio do conhecimento quanto a isso. Quando a gente está falando do processo emocional-afetivo, nós estamos falando do “estar sendo”, de uma transformação constante. Então, não há possibilidade de conhecer. Então, conhecer a si mesmo, autoconhecimento é uma ilusão, porque nós “estamos sendo”. Aquilo que você conheceu hoje amanhã já não é mais igual o Bion diz assim: “O sujeito que começa uma frase, ele não é o mesmo depois que ele termina”. Então, o autoconhecimento é uma falácia, é uma mentira. O que você acha que você conhecia, dali cinco minutos não é mais aquilo que você acreditou que conheceu. Então, existe aí, a necessidade de perceber, reconhecer, que não é conhecer, reconhecer é admitir a existência, aprender a respeitar, para se responsabilizar por isso. E não há possibilidade de conhecimento, de saber, isso tudo é uma ilusão muito grande. Se a gente estiver falando da materialidade das coisas, do mundo concreto, isso faz um sentido muito grande, porque a gente está falando de coisas invariantes, que vão ficar daquela forma por um bom tempo. Então, um médico pode ter conhecimento do corpo físico, mas um psicanalista não pode ter conhecimento do funcionamento emocional-afetivo, porque é transformação.

O SABER NÃO GARANTE 

Saber sobre uma realidade, não garante que você seja capaz de lidar com ela. E aí, ele passa a se cobrar: “Puxa vida! Agora que eu sei, eu não consigo fazer nada.” Saber as consequências das coisas, não faz com que você deixe de fazê-las. Se saber de alguma coisa te protegesse de algum mal, você ia pegar o maço de cigarro, ia ver que aquela foto horrível de uma pessoa doente e não iria fumar. Então, saber não garante nada. Saber o porquê não vem a água não diminui a sua sede.



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