quinta-feira, 3 de julho de 2025

INCAPACIDADE E EXPECTATIVA - Prof. Renato Dias Martino



DIFERENÇA

 

Me parece que não existe nenhum outro animal na natureza que seja tão diferente um do outro como o ser humano. O ser humano é completamente diferente do outro. Por mais que ele seja gêmeo univitelino, ele vai se tornando, conforme ele vai se desenvolvendo, diferente do outro. Não somos iguais. Ninguém é igual e por conta disso precisamos respeitar as diferenças. O amor pressupõe a diferença. Se você ama o igual isso não é amor. O amor é amar o diferente.

 

INCAPACIDADE

 

Você se sentir magoado, você se sentir ressentido, ou decepcionado, por conta de uma incapacidade do outro é uma grande incoerência. Ele não foi capaz! Como é que você vai se sentir magoado por conta de uma incapacidade do outro. Pega esta prateleira de 200 kg e leva para o outro canto da sala e você diz: "Não! Eu não sou capaz disso" e aí, você fica bravo com ele. Nós estamos falando de capacidade. O sujeito não deu conta e quando me magoou com aquilo que o sujeito não deu conta, sou eu que estou expondo a minha incapacidade de reconhecer a realidade.

 

EXPECTATIVA

 

Quando eu estou do lado de alguém que é incapaz daquilo que eu tenho expectativa, a única intervenção que eu posso fazer é meu afastamento. Ou eu aprendo a tolerar esta incapacidade do outro para continuar convivendo com ele, ou eu me afasto. Continuar ali é promover um conflito promover uma possível hostilidade.

 

ACEITAR

 

Aceitar é uma palavra extremamente perigosa dentro das formulações psicanalíticas. Um sujeito que é consciente da sua ignorância, ele pode respeitar esta ignorância e passar a ser um grande aprendiz, aprendendo com cada experiência, ou ele pode aceitar essa ignorância e passar a ser um grande ignorante crônico. Aceitar é uma condição daquele que se conformou com aquilo, mas respeitar é a condição daquele que abre o vértice para a expansão.

 

BUSCA

 

O sujeito integrado não precisa buscar nada. O sujeito que esteja num acordo consigo mesmo e num acordo com a realidade, ele não carece de buscar nada, de procurar nada, porque tudo será desvelado à sua frente. A verdade está aí, debaixo do nariz de cada um. O que a gente precisa é tirar o Véu de Maya, é desobstruir a nossa capacidade de reconhecimento desta realidade, desta verdade que ela estará ali, sem que a gente precise buscar, sem que a gente precise procurar nada. O que é necessário, na realidade, é desobstruir-se para reconhecer, aprender a respeitar e se responsabilizar pela realidade.

 

ANÁLISE DO AUSENTE

 

Quando eu falo de alguma outra pessoa, eu estou falando, na realidade, de mim. Quando um paciente traz características que lhe incomodam na mãe, no marido, ou seja, lá de quem for, ele está falando dele em relação a esta pessoa e é justamente isso que eu tenho que tratar com ele, porque eu não posso tratar dessa pessoa. Essa pessoa não está ali. Muitas vezes, essa pessoa até já morreu. Como é que eu posso tratar do funcionamento dessa pessoa que não está presente? A psicanálise não pode se prestar a tratar de qualquer pessoa que não esteja presente com o analista. O sujeito que se presta a usar a psicanálise para cuidar de alguma coisa que não está presente e disponível a psicanálise ele está presente e disponível à psicanálise, ele está equivocado.


quinta-feira, 26 de junho de 2025

RESPEITO PELO PRESENTE - Prof. Renato Dias Martino


OLHAR PARA TRÁS

 

Olhar para trás é sempre prejudicial. Na melhor das hipóteses é inútil, porque aquilo que você guardou, aquilo que você registrou na sua memória não foi o que aconteceu, foi o que você conseguiu registrar do que aconteceu. Então, quando você traz isso de volta, você está trazendo o seu ponto de vista, o seu vértice do que aconteceu. Tudo aquilo do passado que é importante que você reconheça hoje virá até você. Você não vai precisar olhar para trás para buscar. Então, essa é a diferença de resgatar da memória e viver uma recordação. A recordação vem. Você não precisa buscar. Ela vai aparecer à sua frente e você não vai precisar virar para olhar para trás.

 

TROPEÇAR

 

O sujeito que muito olha para trás, ele tropeça no caminho daqui para frente. Não você não aprende com o que aconteceu lá atrás, você aprende sendo capaz de reconhecer a sua ignorância frente à realidade e se colocar como um eterno aprendiz de cada experiência que você viver. Não tem a ver com o que passou. O que passou não tem nada a ver com o que você vai viver daqui para frente, nem com o que você está vivendo agora. Quando o Bion nos orienta a nos desapegarmos dos dados armazenados na memória ele está falando justamente disso

 

SOBRE O PASSADO

 

O sujeito, quando ele está apegado ao passado, ele também tem um benefício, porque ele acredita saber sobre aquilo. Então, ele tem uma certa onisciência sobre aquilo. Ele acredita saber sobre aquilo, mas quando o sujeito vem para o presente, acabou toda essa onisciência, porque ninguém sabe sobre o presente. O presente você pode viver, mas você não sabe. Você só passa a saber quando este presente for passado, aí você sabe sobre ele, ou pelo menos acredita saber sobre ele, porque, na verdade, o que você sabe sobre ele é simplesmente um fragmento que você registrou e não foi o todo da experiência. Então, traz essa sensação de onisciência, mas viver o presente traz uma insegurança terrível.

 

PASSADO E PRESENTE

 

O fator fundamental que faz o sujeito ficar apegado ao passado é a impossibilidade de viver um presente saudável, de viver experiências no presente que sejam realmente bem-sucedidas. Quando ele vive uma experiência bem-sucedida no presente, o passado fica para trás. O sujeito que está apegado ao passado é porque o presente dele está insuportável.

 


quinta-feira, 19 de junho de 2025

SER MÃE - Prof. Renato Dias Martino




APRENDER COM A MÃE

Quando o Winnicott vai falar da mãe suficientemente boa, ou quando o Bion vai falar da mãe continente, não está querendo ensinar a mãe. A psicanálise não ensina a mãe, mas a psicanálise aprendeu com a mãe o que é ser continente, o que é ser amorosa, o que é ser suficientemente boa o que é ser dedicada comum. A psicanálise aprende com a mãe. A psicanálise não ensina a mãe, até porque, ensinar é sempre duvidoso.

MATERNÁGEM 

A psicanálise aprende com a mãe. Quando o Bion traz a ideia da capacidade negativa ele vai dizer assim: "Rebaixar o resgate dos dados da memória, rebaixar a expectativa no desejo e rebaixar a ânsia de saber, que na realidade é a ânsia de encaixar a experiência no já sabido." Quando ele vai propor isso, ele está propondo na realidade, justamente a função materna adequada. Uma mãe que está exercendo a sua função materna adequadamente é uma mãe que não fica apegado as coisas que ela se lembra do seu filho. O passado já passou é o aqui e agora com esta criança. E da mesma forma, é uma mãe que não fica projetando as suas expectativas e aquilo que ela gostaria que o filho fosse nesta criança. E da mesma forma, é uma mãe que aprende com cada experiência, logo, ela não está dentro do já sabido, do eu sei tudo. Então, a capacidade negativa coincide com o exercício da maternágem saudável.

SUFICIENTE

Como é que esta mãe suficientemente boa pode exercer esta função? Qual é o fundamental fator? O amor próprio! Ela precisa ser capaz de amar a si mesma. Quando ela é capaz de amar a si mesma, ela será capaz de amar o seu filho suficientemente bem. Algumas vezes exagerando, algumas vezes falhando, mas cumprindo suficientemente bem.

CULPA

É claro que a mãe que não conseguiu dar afeto, ou criar um ambiente propício para o desenvolvimento do afeto com o filho, foi uma mãe que não teve isso também. Em nenhum momento a psicanálise real, uma psicanálise saudável, tem o intuito de culpabilizar qualquer que seja a pessoa. Mas na realidade, é justamente o contrário, é dissolver o sentimento de culpa que não tem um fundamento na realidade. O sujeito chega na clínica se sentindo culpado porque não conseguiu estabelecer um vínculo saudável com a sua mãe. Mas na realidade, a sua mãe não foi capaz de propiciar este ambiente para que ele estabelecesse. Não é empurrar esta culpa para a mãe, mas é mostrar para ele que ele não pode se sentir culpado por isso porque tudo que está na esfera do vínculo é responsabilidade dos dois.

VÍNCULO E INTEGRAÇÃO

A única maneira que o sujeito encontra de criar uma conexão consigo mesmo é a partir da conexão com o outro. Não tem como o sujeito aprender a se vincular a si mesmo, a integrar-se a si mesmo sem que ele tenha vivido uma relação saudável com o outro. É só a partir disso, para que este modelo possa ser introjetado e eu aprenda a me vincular de maneira saudável comigo. E a psicoterapia tem este intuito.

A MÃO QUE BALANÇA O BERÇO

E tem uma frase do Abraham Lincoln, que foi presidente do dos Estados Unidos e depois virou tema de um filme de suspense muito bacana que é: A mão que balança o berço governa o mundo. A forma como a mãe cuida do bebê vai fazer com que ele se torne um exemplar do ser humano que irá configurar a sociedade, que irá trazer o futuro da própria humanidade. Então, não é deixar um mundo melhor para os filhos, mas é deixar filhos melhores para o mundo.

MODELO MATERNO-PATERNO

Uma pessoa que conseguiu ser uma mãe suficientemente boa será uma psicoterapeuta boa. Um sujeito que conseguiu ser um pai suficientemente bom, ele será um psicanalista suficientemente bom. Isso o qualifica para tal. Este mesmo modelo que a mãe usa com o filho, que a mãe generosa, que a mãe paciente, que a mãe tolerante, que a mãe suficientemente boa, que a mãe continente usa com o filho é o mesmo modelo que a psicoterapeuta vai usar com o seu paciente. 



quinta-feira, 12 de junho de 2025

PROPICIAR OU PROMOVER - Prof. Renato Dias Martino


FUNÇÃO PSICOTERAPÊUTICA

 

O psicoterapeuta tem a função de propiciar a possibilidade de reparação afetiva e emocional, ele não tem a função de promover. Ele não promove, ele propicia. Qual é a diferença? Promover é ele quem faz, propiciar é abrir espaço para que possa acontecer. Então, tem um abismo entre essas duas coisas. A nossa função enquanto psicoterapeuta é propiciar um ambiente que seja favorável à reparação emocional e afetiva nos vínculos, não proporcionar.

 

PROPICIAR

 

Quando eu proporciono alguma coisa, sou eu que faço, eu que trago a coisa, eu proporciono aquilo. O sujeito que proporciona, ele é quem provoca a coisa, é ele quem faz a coisa. O sujeito, quando ele propicia, ele abre espaço para que a coisa possa acontecer. Então, existe uma diferença entre o psicoterapeuta que se propõe a proporcionar e o psicoterapeuta que se propõe a propiciar. Propiciar é abrir espaço, favorecer um ambiente para que a experiência possa acontecer. Proporcionar é ele quem faz a experiência acontecer. Eu não posso prometer isso. Eu não proporciono nada, eu propicio.

 

HUMILDADE

 

A mudança de proporcionar e propiciar é um exercício de humildade. É reconhecer que eu não proporciono nada, que eu não sou capaz de proporcionar nada, mas eu posso propiciar, porque quando eu propicio, eu também trago a responsabilidade para o paciente. O paciente também tem a responsabilidade nisso. Depende também da capacidade do paciente, se essa experiência vai acontecer ou não, essa experiência de reparação. Quando eu proporciono, não importa o paciente, não importa a capacidade do paciente, eu vou proporcionar. Não! Eu não vou proporcionar, eu vou propiciar.



sexta-feira, 6 de junho de 2025

DESAPEGO E AMOR - SE TORNAR DESNECESSÁRIO - Prof. Renato Dias Martino



PROBLEMA CONTEMPORÂNEO
 
A relação da experiência de amar e do desapego. O amor está completamente subordinado à capacidade de se desapegar, de se tornar desnecessário e lembrando que para que alguém possa se tornar desnecessário, ele precisa ter sido necessário um dia. Não tem como se tornar desnecessário se um dia você não foi necessário. E este é um grande problema contemporâneo, porque as crianças não podem mais contar com os pais. As crianças não podem mais necessitar dos pais, logo elas não conseguem se desapegar desta necessidade de ter a função do pai ou a função da mãe na vida delas.

IMPORTÂNCIA REAL

Quando a gente trata do desapego, em nenhum momento a gente está falando de desinteresse, de descaso, mas a gente está falando de uma experiência de conseguir desapegar-se de alguma coisa que a gente um dia foi apegado. Então, existe um processo para acontecer o desapego e este processo inclui o apego. Primeiro se sente apegado e depois se desapega. No senso comum, se tornar desnecessário causa um desconforto. Parece que você vai perder a importância para o outro, mas na realidade, é justamente o contrário. Quando você se torna desnecessário para o outro é que acontece uma experiência de importância real, de um vínculo saudável.

DESDOBRAMENTO SAUDÁVEL 

Ninguém tem que se desapegar. Isso é de fundamental importância. A experiência do desapego não pode estar no lugar da expectativa, não pode estar no lugar do “deveria ser”, do “deveria desapegar-se”. O desapego vai acontecer como um desdobramento de uma relação bem-sucedida, de um vínculo saudável. O vínculo saudável se desdobra no desapego.


DEPENDÊNCIA 

A dependência é uma palavra delicada que precisa ser cuidada como delicada, porque a dependência não é ruim. A dependência não é nociva, mas a dependência precisa ser um estágio do processo a dependência. Precisa ser uma forma de desenvolvimento de um vínculo um vínculo bem-sucedido. Tem um início na dependência, mas precisa se desdobrar na independência. Um vínculo onde o sujeito não é capaz de amar, não é capaz de cultivar uma relação de amor sincero e saudável, a dependência vai se instalar como um fator cristalizado e engessado.

DOS PAIS

Na relação mãe e bebê, na relação mãe e filho, ou pai e filho a maior dificuldade do desapego está no pai e na mãe. A criança vai estar pronta a se desapegar na medida em que o adulto esteja sendo capaz de viver essa experiência. Como é que o adulto vai manifestar esta capacidade? Através da sua disponibilidade de estar cumprindo a sua função adequadamente.

FUNÇÕES

Incapacidade a dificuldade que as mulheres têm hoje de cumprirem a sua função materna e muito por conta da ausência do companheiro que possa estar ali do lado, se responsabilizando por aquela relação e cuidando daquilo que também é da sua função, tem que ser ampliado cada vez mais. A gente percebe isso com muita clareza na prática clínica. A gente percebe mulheres incapazes de cumprir a sua função de mãe e muitas vezes, aquelas que estão cumprindo essa função se sentem menosprezadas, porque na realidade, elas não conseguem ser reconhecidas na sua função, que na realidade, é a função, talvez seja a função mais nobre que possa existir na humanidade, ou na existência.

INSUFICIÊNCIA 

Para que um vínculo de dependência continue sendo um vínculo de dependência sem conseguir evoluir para um outro modelo mais nobre, acontece impreterivelmente a insuficiência desta dependência. Quando o sujeito não consegue estar sendo dependente do outro porque o outro não está disponível a isso, então ele prolonga isso. Ele fica sempre esperando mais, porque não foi cumprido, porque ele não pôde realmente ser dependente. E aí, ele passa a ser um sujeito eternamente dependente de tudo. Ele não pôde depender da mãe, ele não pôde depender do pai e aí, ele continua sendo dependente. Dependente do estado, dependente do governo, dependente do “Bolsa Família”, dependente das coisas da vida e não consegue ter independência, porque na realidade, nunca pôde ser realmente dependente no tempo em que ser dependente era adequado.

VÉU DE MAYA

A palavra Maya, na sua semântica, quer dizer aquilo que pode ser medido, ou seja, aquilo que está na perspectiva material, concreta. O sujeito que não teve uma relação bem-sucedida dentro do âmbito emocional e afetivo, permanece com o Véu de Maya, apegado à materialidade das coisas. O sujeito que não aprendeu a tolerar a ausência da mãe, tolerar a ausência do pai. Como é que se tolera a ausência da mãe e do pai? Confiando que eles irão voltar. Acreditando que a mãe foi, mas volta, acreditando que o pai foi, mas volta. Quando o sujeito não conseguiu ter esse tipo de experiência, ele se apega à materialidade das coisas, ele se apega à Maya. Maya é ilusão. O Véu de Maya é estar iludido, mas o sujeito que não conseguiu se desenvolver emocionalmente, logo afetivamente, continua pegado aquilo que pode ser medido e o amor não pode ser medido. Mas ele continua apegado a isso.

CONSIDERAÇÃO

Qual é a semântica da palavra considerar? COM, quer dizer junto e SIDERARE quer dizer sideral. O espaço sideral. Considerar é implicar o todo, é estar junto do todo e desconsiderar é o mesmo radical da palavra desejo DESIDÉRIUM, CONSIDÉRIUM, considerar é incluir o todo. Desejar é desconsiderar o todo. Então, o sujeito, quando deseja, ele não inclui o todo, ele só olha para aquilo que ele deseja.

FRUSTRAÇÃO E ABANDONO

Na vida adulta, quando o outro me frustra, eu abandono. Ou seja, se não existe uma coincidência com aquilo que eu tenho expectativa, deixa de existir para mim. Hanna Segal vai chamar isso de equação simbólica. Se não existe fora, também não existe dentro. Este é um modelo de dependência na vida adulta que é nocivo. Se não corresponder aquilo que eu gostaria que fosse, não existe mais não serve mais para mim, ou eu vou chorar e vou reclamar e vou incitar culpa, vou incitar remorso até que você faça aquilo que eu quero que você faça.

MULHER E MÃE 

Muitas vezes, uma mulher que nunca foi capaz de reconhecer as suas virtudes como mulher, pode ver num vínculo de dependência com o filho, uma forma de se reafirmar. E aí, ela pode se apegar a esse modelo e não se desapegar disso. Mesmo que o filho esteja crescendo. Porque senão ela vai retornar àquele estado do qual ela não acreditava em si mesma. E aí, ela pode estimular essa dependência ad aeternum, por assim dizer. Essa criança não vai conseguir se independer. A mulher nunca confiou nela mesma. E aí, ela tem um filho que olha para ela com um olhar de desejo que ela nunca tinha experimentado na vida e agora para elas desapegar deste olhar desejoso dessa criaturinha que depende dela é muito difícil.

AMAR A SI MESMA

A mulher não aprendeu a amar a si mesma, por isso não conseguiu amar o marido e por não conseguir amar o marido passa a ser dependente do olhar deste filho que vê nela tudo que ele precisa. E ela passa a se tornar dependente deste olhar de desejo do filho em relação a ela. E aí, é como se ela dissesse assim: "Eu abri mão da minha vida para cuidar de você e você está querendo se tornar independente? Como? Como que você quer crescer? Como que você quer ser um adulto?”

DUAS DEMANDAS 

Duas demandas que a gente recebe na clínica. Ou porque a mãe não foi capaz de suprir a dependência do bebê e por conta disso ele não foi capaz de se independer, ou porque a mãe prolongou esta dependência para além do saudável e da mesma forma ele não conseguiu se independer. Essas duas demandas é o que futuramente iremos receber na nossa clínica.

RESPEITO

O respeito é elemento fundamental dentro de uma clínica bem-sucedida, de uma clínica psicanalítica real e adequada, o respeito é o elemento que está entre o reconhecimento e a responsabilização. É uma transição. É um elemento transitório entre a possibilidade de reconhecer e a possibilidade de passar a se responsabilizar. Respeito = RESPECTUS. A semântica da palavra. RE quer dizer de novo e ESPECTUS quer dizer prestar atenção. Quando eu presto atenção novamente é porque eu reconheci e estou aprendendo a me responsabilizar. Quando o respeito é introduzido, qualquer que seja o elemento nocivo começa a se dissolver, a ruir, a deixar de prejudicar o sujeito e as suas relações, mas este respeito vai precisar ser introduzido pelo analista. O analista começa a respeitar o paciente e traz uma um novo modelo de vínculo para este paciente. Na medida em que esse paciente começa a experimentar esse novo modelo de vínculo, ele começa a introjetar este modelo de vínculo dele para ele mesmo e não vai mais permitir qualquer outro modelo de vínculo com qualquer outra pessoa que seja.

RESPEITO E INDEPENDENCIA

Quando a mãe respeita o desenvolvimento do bebê, ela assiste o bebê se independer dela. É fácil pra mãe ver um filho se independer dela? Não! Não é! Muitas vezes, ela quer que ele seja independente em certos aspectos e em outros aspectos ela não quer. Aspectos que são convenientes para ela, ela quer que ele continue sendo dependente e aspectos que são convenientes para ela, ela quer que ele se desenvolva. Não! O desenvolvimento precisa ser no todo. Não é só naquilo que você gostaria que fosse.

CULPA PRAZEROSA

Pode parecer paradoxal isso que eu vou dizer. Pode parecer até um contrassenso o que eu vou dizer, mas a culpa é prazerosa. O sujeito pode se manter com um sentimento de culpa para se defender de um monte de coisas. A única forma de dissolver o sentimento de culpa é pela responsabilização e muitas vezes o sujeito não é capaz de se responsabilizar. Então, ele mantém a culpa, porque se a culpa for minha, eu coloco em quem eu quiser.

DEPENDÊNCIA CONVENIENTE 

Muitas vezes, a pessoa reclama que o outro depende dela, mas isso está sendo conveniente para ela. Ela se sente extremamente importante tendo alguém dependendo dela, mesmo que ela reclame disso. Quando alguém depende de mim, isso pressupõe que esta pessoa é menos que eu e aí eu me sinto superior, por mais que eu reclame disso. Por mais que eu sinta o peso dessa pessoa dependendo de mim, ainda assim eu me sinto superior.

MEDO E DESEJO

O medo de perder é filho do desejo de posse. Então, todas as vezes que houver ali esse desejo de posse, de possuir o outro, de controlar o outro, o medo da perda sempre vai ser exacerbado, sempre vai ser maior e ele quer controlar o outro porque na realidade depende do outro.

O FILHO DA DEPENDÊNCIA

Emocionalmente, o amor é filho da dependência, mas o amor não é a dependência. Se não houve a dependência, não se desenvolve amor. Precisa ter havido dependência, mas essa dependência precisa ser transitória. Ela precisa ser transicional de um modelo para o outro. Da dependência para independência.


DEPENDÊNCIA SAUDÁVEL

O filho dependeu da mãe, hoje a mãe idosa, depende do filho. A dependência é um elemento das relações saudáveis, se for transitória, se estiver disponível a transformação. A dependência é nociva quando ela está no aspecto invariante. Quando ela está cristalizada, ela é nociva.

LUTO E INDEPENDENCIA

Dói se tornar desnecessário. Dói mais para mãe se tornar desnecessária do que para o filho não precisar mais da mãe, dispensar a mãe. É muito doloroso, é luto, é um sentimento de luto. A mãe, quando desmama o filho, ela se sente enlutada.




sexta-feira, 30 de maio de 2025

NEUROSE, PSICOSE, PERVERSÃO E AMOR - Prof. Renato Dias Martino


NEUROSE E PSICOSE

 

A neurose, essencialmente é configurada por um desejo perverso reprimido. Quando se deseja alguma coisa e se é reprimido nesse desejo perverso, isso claro na infância, o sujeito desenvolve um sintoma e esse sintoma é um sintoma neurótico. Existe uma parte do sujeito que não concorda com a realidade. Um pedaço desse sujeito que não concorda com a realidade. E este pedaço gera um sintoma. Esta parte gera um sintoma. Este é o sujeito que tem a predominância neurótica da mente. O psicótico já é o contrário. O psicótico tem só um pedacinho que é ligado na realidade e o resto todo é cindido. Ele não está na realidade. Só um pedacinho mínimo para que ele possa conviver.

 

PERVERSO POLIMORFO

 

O Freud chamava o bebê de perverso polimorfo. Por quê? Porque o bebê se satisfaz de várias maneiras. Com a boca, mamando. Ele se satisfaz evacuando. Perversão é se satisfazer de alguma forma que não seja a cópula. O órgão genital masculino com o órgão genital feminino. Quando a criança é reprimida nesta sua satisfação, que naquele tempo é saudável, ele desenvolve um desejo substitutivo, que vai se configurar num sintoma. Então, todo sintoma neurótico é uma perversão reprimida. O Freud vai dizer assim: "A neurose é o negativo da perversão".

 

SINTOMA NEURÓTICO

 

O bebê não mamou no tempo adequado e desenvolve na vida adulta uma compulsão alimentar que vai levá-lo à obesidade. O desejo perverso que é se satisfazer com a mucosa da boca vai se converter num desejo de comer abusivamente. A necessidade de se nutrir junto com a satisfação sexual da mucosa, que é, a princípio perversa, porque não é uma satisfação dos órgãos sexuais, reprimida vai levar o sujeito a desenvolver um desejo substitutivo com a promessa de que vai trazer essa satisfação que ele precisaria lá atrás. Vai levá-lo a desenvolver um sintoma neurótico e vai gerar a obesidade, vai gerar a compulsão alimentar.

 

O AMAR

 

A maturidade emocional leva o sujeito a renunciar de desejos e se integrar às vontades que são necessidades. Quanto mais maduro emocionalmente o sujeito for, ele vai priorizar as suas necessidades. E esta priorização também inclui a capacidade de adiar estas vontades. Ser capaz de adiar as vontades faz parte da sua maturidade emocional. Ele é capaz de adiar as vontades, renunciar de desejos e com isso ele amplia sua capacidade de se doar que é justamente o amar.



sexta-feira, 23 de maio de 2025

AMAMENTAÇÃO - Prof. Renato Dias Martino


INTERRUPÇÃO

 

Amamentação é um fator da função materna. Se, por acaso a amamentação teve que ser interrompida bruscamente, todos os outros fatores, ou a maior parte dos outros fatores da função materna precisam estar funcionando de maneira bem-sucedida. Se os outros fatores estiverem funcionando de maneira bem-sucedida, a interrupção da amamentação não vai comprometer. O problema é quando a amamentação que é interrompida bruscamente vem com a interrupção de outros fatores da função materna. Porque, a mãe pode continuar cuidando com carinho, com dedicação, mesmo que a amamentação tenha sido interrompida bruscamente, pode lançar mão de outros recursos e continuar nutrindo o bebê de carinho, de cuidado de atenção, de reconhecimento.

 

MAMADAEIRA

 

A mãe, por exemplo, pode ter um problema de não produzir o leite e lançar mão do recurso da mamadeira no lugar do seio. Quando ela está sendo suficientemente boa, quando ela está sendo dedicada comum, como diria Winnicott, ela vai lançar mão da mamadeira e vai cuidar do bebê independente do leite estar saindo do seio. Por outro lado, uma mãe pode dar o seio, pode estar produzindo leite e não conseguir passar o afeto a partir das mamadas. Estar dando mamá para o bebê, desconfortável, fazendo aquilo lá a contragosto. E é pior do que dar a mamadeira.

 

DESMAME

 

O desmame é muito mais difícil para a mãe do que para o bebê. A criança se adapta rapidamente no desmame, a mãe nem tanto. Principalmente se a mãe tiver ali, projetando na amamentação elementos que não foram bem elaborados na vida dela. Aí ela vai estender essa amamentação muito mais do que o necessário, ou vai interromper na medida em que ela esteja se sentindo desconfortável com aquilo. Muitas vezes, a mãe pode manter a amamentação do filho para se defender de alguma situação, por exemplo.

 

OUTRA MÃE

 

Uma mãe que cuida de dois filhos, ela nunca cuida da mesma forma dos dois filhos. Me desculpe! Me perdoe! Essa mãe era uma quando nasceu um filho e ela é outra quando nasceu outro filho. Ela está em desenvolvimento. Ela está passando por situações, por contingências completamente diferentes quando nasceu um e quando nasceu o outro. Pode ter nascido o primeiro filho e ela cuidou desse filho numa fase muito tranquila da vida dela, numa tranquilidade financeira, numa tranquilidade emocional, numa tranquilidade afetiva. Quando chega o segundo filho pode acontecer um monte de problemas e esses problemas podem afetar na criação deste filho. É um papo muito furado esse de falar: "Ah! Eu cuidei dos dois filhos, igual. Eu criei os dois...” Não! Não cuidou! Não! Não criou! E eu não estou tentando culpar ninguém por isso, mas falar isso é uma falácia! É uma mentira! Porque não acontece dessa forma.