terça-feira, 4 de março de 2025

CULPA, SENTIMENTO DE CULPA E PERDÃO - Prof. Renato Dias Martino


FATOR OBSTRUTOR

A culpa é uma das questões fundamentais, ou o cerne da disfunção emocional. A culpa é um elemento fundamental para obstruir o fluxo do desenvolvimento emocional e do funcionamento emocional, comprometendo também o funcionamento afetivo. O sujeito fica obstruído de funcionar emocionalmente e obstruído de funcionar afetivamente, ou seja, nos vínculos com os outros por conta do sentimento de culpa. 

CULPA

A dúvida é, qual é a diferença entre o sentimento de culpa e a culpa? Primeiro vamos falar sobre a culpa e logo de início eu vou já colocar aqui um pressuposto: a culpa é questionável. Todas as vezes que a gente falar sobre culpa nós precisamos olhar para isso atentamente, cuidadosamente porque a culpa sempre é questionável. Se o sujeito realmente tem culpa. O sujeito no trânsito atropela uma pessoa. Ele passa passou no sinal vermelho, por exemplo, atropelou essa pessoa e essa pessoa morre. Ele é culpado pela morte dessa pessoa. É culpa dele que esta pessoa morreu. Quando a gente afirma que é culpa dele, a gente está negando todo o contexto que configurou a situação que levou esse sujeito passar no sinal vermelho e atropelar esta pessoa que veio a óbito. Se a gente negar tudo isso, realmente a culpa dele, mas pode ter havido uma contingência muito maior que levou ele fazer isso sem que ele pudesse ter outra opção, ter outra escolha. Então, existe uma contingência, existe uma configuração maior que é responsável por esta morte. Esta culpa é questionável. No entanto, se ele for julgado, se ele for na justiça, nada disso vai ser considerado. O considerado é que ele atropelou uma pessoa porque passou no semáforo vermelho e esta pessoa veio a óbito. Ele é culpado. Doloso ou culposo, o juiz vai avaliar para ver se é isso, mas de qualquer forma, ele é culpado por isso. Mas isso tudo é questionável, se a gente tiver um olhar mais cuidadoso.

CULPA QUESTIONÁVEL 

A expressão culpa é aplicável quando o sujeito realmente cometeu algum delito, ou algum mal, ou alguma atitude que venha a lesar alguém. Então, isto é culpa. O sujeito tem culpa. Isso dentro da linguagem coloquial, ignorando todo esse olhar atento e cuidadoso que vai no final das contas, questionar a própria culpa.

SENTIMENTO DE CULPA

Nós estamos falando assim, o sujeito é culpado por algum fato que aconteceu, porque a atitude dele levou a isso a acontecer. Agora, nós vamos falar de sentimento de culpa, que é completamente diferente. Tem um abismo entre o sujeito ser culpado e o sujeito se sentir culpado. O sentimento de culpa existe independente da culpa efetivamente. Um sujeito pode carregar um sentimento de culpa sem ter culpa alguma. Um sujeito, por exemplo, ele pode se sentir culpado de sentir alegrias, de realizar alguma coisa, de ter algum sucesso, enquanto um irmão não consegue fazer o mesmo. Enquanto um irmão não consegue ser bem-sucedido o outro pode se sentir culpado por desfrutar de alegrias e sucessos na sua vida. Este é um sentimento de culpa Ele não tem culpa que o irmão não seja capaz de realizar assim como ele e ser bem-sucedido como ele, mas ele pode se sentir culpado por isso. Então, este é um sentimento de culpa. Ele tem culpa? De maneira alguma, mas ainda assim cada sucesso que ele tem cada alegria que ele tem vem junto com um sentimento de culpa.

AUTOPUNIÇÃO 

O sentimento de culpa vai se desdobrar, vai ter uma cadeia de desdobramentos extremamente perigosa. O sujeito se sente culpado, ele se julga, se condena e passa então a se autopunir. E esta autopunição, muitas vezes, vai se manifestar naquilo que a gente, muitas vezes chama de autossabotagem. Ele vai sabotar todas as suas conquistas, todos os seus sucessos, muitas vezes desenvolve uma doença crônica. Ele desenvolve uma doença grave, ele não consegue se curar dessa doença porque esta doença, muitas vezes vem como uma autopunição. Então, ele cultiva essa doença, ele se autopune a partir dessa doença física, dessa doença somática e por mais que essa doença possa ser penosa, por mais que o fracasso possa ser penoso, não se compara com o desconforto que o sentimento de culpa pode trazer. Então, é como se ele dissesse assim: “Estou me sentindo culpado, mas veja como eu estou padecendo! Mas veja como eu sou fracassado!” E este fracasso ameniza o sentimento de culpa, porque serve como uma autopunição. Nenhum fracasso pode ser tão desconfortável quanto o sentimento de culpa. Então, ele carrega o sentimento de culpa e se autossabota como autopunição para amenizar o seu sentimento de culpa.

CONSCIÊNCIA 

A culpa não pode ser inconsciente porque a culpa só acontece a partir de uma relação com o mundo externo. A partir da relação que eu tenho com o mundo externo, eu vou desenvolver um sentimento de culpa. Me sinto culpado por conta de uma relação com o outro e se existe o outro não posso chamar de inconsciente, porque no inconsciente não existe o outro. Este sentimento de culpa por ser muito desconfortável, pode ser mergulhado no inconsciente em algum momento, quando esse sujeito viver uma situação muito difícil ele pode reprimir este sentimento de culpa temporariamente de uma maneira tão drástica que ele pode fugir da consciência do sujeito quase que completamente. Mas isso não quer dizer que ele esteja no inconsciente, quer dizer que ele em algum momento esteve ali. Não quer dizer que o sentimento de culpa permaneça no inconsciente, porque nada permanece no inconsciente. Se foi registrado a partir das noções de tempo e espaço, não pode mais caber no inconsciente.

A CULPA É MINHA 

Tem a expressão jocosa de que “se a culpa é minha eu coloco em quem eu quiser”. Normalmente o sujeito que carrega um sentimento de culpa, em alguns momentos, ele atribui essa culpa ao outro para dar uma amenizada nesse sentimento que ele está carregando.

ONIPOTÊNCIA

Muitas vezes, o sujeito carrega um sentimento de culpa, porque antes ele desenvolveu uma certa onipotência. Ele acredita que tudo que acontece de ruim foi por causa dele e não é isso, as coisas acontecem na vida, muitas vezes sem a minha intervenção.

VÍCIO NO FRACASSO 

Existe uma um uma configuração onde o sujeito acaba por assim dizer, viciando no sentimento de culpa e isso pode acontecer, muitas vezes, porque ele se sentiu culpado, se autojulgou, se autocondenou e agora passa se autossabotar, destruindo o seu sucesso, sendo um fracassado. E isso é muito confortável. É uma zona de conforto muito grande ser o fracassado. Você não precisa dar manutenção para nada e isso é viciante. Uma vez que o sujeito passa a encontrar neste lugar do fracassado, e aí o sentimento de culpa retroalimenta este fracasso.

INTERVENÇÃO CLÍNICA

 A intervenção que pode ser feita com o paciente em relação a esse sentimento de culpa é refletir com o paciente o absurdo que é carregar um sentimento de culpa. Seja ele porque o sujeito realmente teve uma atitude que causou um mal a alguma outra pessoa, ou por qualquer outro motivo que ele carrega o sentimento de culpa. Qualquer energia investida em carregar um sentimento de culpa é um desperdício, porque já passou, porque agora a gente precisa viver o hoje, porque tudo isso é uma grande ilusão, porque este sentimento de culpa é um grande absurdo.

3 Rs

O único antídoto para dissolver o sentimento de culpa é a responsabilização. E a responsabilização só pode acontecer a partir de dois outros fatores anteriores. três Rs. Ele precisa reconhecer aquilo que está gerando o sentimento de culpa, ele precisa aprender a respeitar isso que aconteceu e que gerou o sentimento de culpa e a partir daí, se responsabilizar por isso. quando eu me responsabilizo por alguma coisa não tem mais culpa.

MATURIDADE 

Eu respondo por isso, logo me responsabilizo. Vamos voltar ao sujeito que passou no sinal vermelho. Sim, eu me responsabilizo por isso, mas não é culpa minha. Existiu uma configuração muito maior por trás disso. A capacidade de se responsabilizar é um desdobramento da maturidade emocional. Não existe como se responsabilizar sem que possa se desenvolver a maturidade emocional. É um desdobramento, é um fator da maturidade emocional.

FRACASSADOS

O sujeito, muitas vezes, se sente culpado, ele se autocondena, ele se autopune, se torna um grande fracassado para se autopunir desta culpa que ele carrega e aí, ele encontra um grupo ideológico que também tem esta mesma configuração. O grupo dos fracassados! O grupo dos fracassados que estão ali tentando apontar um culpado externo. Grupos ideológicos funcionam desta forma. Eu me identifico como um fracassado, me junto com outros fracassados e agora nós vamos levantar a bandeira para reclamar. 

CÍRCULO VICIOSO

Um irmão fracassado inveja um irmão bem-sucedido e a partir desse sentimento de inveja do irmão fracassado ele passa a depreciar este irmão bem-sucedido. Essa depreciação, a partir do reconhecimento que o irmão é fracassado, passa a agir nesse sujeito bem-sucedido como um agente que deteriora o seu sucesso. E aí, o que acontece? Ele passa a se sentir culpado porque o irmão não foi bem-sucedido assim como ele. Ele passa a não se sentir merecedor desse sucesso. Passa a se autossabotar e a partir desta autossabotagem ele também fracassa e passa a invejar aquele que consegue ser bem-sucedido sem se sentir culpado. Um círculo vicioso extremamente nocivo na vida do sujeito.

CULPA LATENTE 

O sentimento de culpa, muitas vezes pode fazer parte do conteúdo latente, mas o conteúdo latente não é inconsciente. Estar latente não quer dizer que esteja inconsciente. O conteúdo latente está pré-consciente, porque ele uma vez viveu experiências no mundo externo. Não cabe no inconsciente qualquer noção do mundo externo. Se tem noção do mundo externo, não cabe mais no inconsciente, logo o sentimento de culpa não é inconsciente, não pode ser inconsciente. 

CULPA REPRIMIDA  

O sentimento de culpa, por se extremamente desconfortável, passa a ser reprimido e uma vez reprimido ele está condenado a flutuar no sistema pré-consciente. Ele é arremessado de volta em direção ao inconsciente, mas no inconsciente ele não consegue permanecer. Ele teve uma ação externa, ele teve um impulso e esse impulso não encontrou representação adequada no mundo externo. Ele foi pressionado de volta, em direção ao inconsciente, mas no inconsciente ele não permanece e também não permanece no pré-consciente, porque o pré-consciente é volátil. O pré-consciente não é um lugar fixo. As coisas, no pré-consciente, ora estão mais inconscientes e ora estão mais conscientes. Então, elas ficam flutuando ali. Ora elas pressionam em direção à ação, ao acting out, a atuação, a ação não pensada e ora elas estão sendo pressionadas para o inconsciente, para que o sujeito possa negá-la. 

NÃO SE ENCAIXA

O reprimido não se encaixa em lugar nenhum. Ele não consegue mais se encaixar em nada. Ele não contra lugar algum para ele existir. O sentimento de culpa não tem lugar, ele não consegue encontrar lugar. Por mais que o sujeito coloque a culpa no outro, não não é culpa do outro. Por mais que ele traga para si mesmo, também não é culpa dele. Ele vai ficar se questionando o tempo inteiro e por isso é tão desconfortável. Porque traz uma sensação de insegurança. Ora eu estou me sentindo angustiado, ora eu estou me sentindo ansioso.

DESCULPAR
 
Se a culpa é questionável e o sentimento de culpa é um absurdo, a atitude de desculpar o outro também é absurda. Então, eu te culpo e eu tenho o poder de te desculpar. Se aquilo realmente aconteceu por conta de uma configuração muito maior não há o que se desculpar. É claro que a gente tem essa expressão de pedir desculpa para o outro, de pedir perdão para o outro, como uma expressão de atenção ao outro, de importar-se com o outro, mas é uma mera formalidade.

DESOBSTRUIR

Desculpar é um poder daquele que atribuiu culpa. Se eu atribui culpa, eu tenho o poder de desculpar. Logo de início já se mostra um absurdo. Se a culpa é questionável, por conta de toda uma contingência por trás daquilo que aconteceu e se o sentimento de culpa é um absurdo, desculpar também é. Quem sou eu para desculpar alguém? Esta pessoa fez aquilo que ela deu conta de fazer. Eu preciso ser capaz de desobstruir o caminho, tirando todas essas ilusões, essas alucinações de culpa, seja minha, seja do outro e continuar o fluxo da minha vida. Porque o sujeito que ainda está apegado ao sentimento de culpa é porque ele tem um benefício muito grande naquilo. Porque se ele não tiver um benefício naquele sentimento de culpa, aquilo fica para trás e nunca mais vai ser tocado. 

SENTIMENTO DE CULPA INFANTIL

O primeiro sentimento de culpa que comete o sujeito é dentro da entrada da posição depressiva, segundo o Melanie Klein. Quando ele percebe que a mãe que ele odiava é a mesma que ele idealizava. Que a mãe que ele odiava por privá-lo do conforto, ou do seio é a mesma mãe que vinha e cuidava dele. Quando ele percebe que é uma mãe só e não são duas mães, não é um seio bom e não é um seio mau, ele passa a se sentir culpado. Este sentimento de culpa precisa ser tolerado até que ele possa se transformar em responsabilização. Depois o Freud vai falar de um sentimento de culpa associado ao complexo de Édipo, na fase fálica. Também vai haver ali, um sentimento de culpa de desejar a mãe só para ele e desejar que o pai morra.

AUTO-PERDÃO 

O sujeito vem ali, com uma questão mal elaborada e muitas vezes, o psicanalista diz para ele assim: “É, você está com dificuldade de se perdoar”. Não! Eu não tenho o que me perdoar. Eu fiz aquilo que eu dei conta de fazer. Eu não fiz por intenção de fazer e se fiz por intenção de fazer, fiz num momento de grande imaturidade, onde não estava sendo capaz de avaliar a realidade como um todo.

CULPA GARANTIDORA

O sujeito, quando não está sendo capaz de amar, ele pode usar a culpa para garantir que o outro não vai abandoná-lo. Muitas vezes, ele incita a culpa no outro para que o outro permaneça ali, porque ele não está sendo capaz de amar e não está sendo capaz de dar manutenção para um vínculo saudável. Então, ele incita culpa no outro, o outro se sente culpado e por se sentir culpado ele não toma qualquer atitude para se afastar daquela pessoa. Então, eu, por exemplo, posso estar acamado, posso estar doente e dar manutenção para esta patologia para permanecer daquela forma e garantir que as pessoas não vão me abandonar.

ESCOLHA

Não existe escolha. Ninguém escolhe se sentir culpado. Ninguém escolhe fazer alguma coisa que possa vir a ser atribuído como culpa. Não existe escolha! A escolha é uma grande ilusão. Ninguém escolhe nada. Nós estamos configurados num sistema muito maior que aquilo que a gente quer ou deixa de querer irrelevante. O que a gente pode é entrar num acordo com a realidade e a gente só vai conseguir isso a partir de vínculos afetivos saudáveis.


segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

VONTADE, DESEJO E TOLERÂNCIA - Prof. Renato Dias Martino



OBSTRUÇÃO

Um dos maiores fatores que obstruem a possibilidade de reconhecimento da realidade é a vontade, é o desejo do sujeito. Quando o desejo do sujeito, quando a vontade do sujeito sobressai a sua possibilidade de reconhecimento da realidade, quando o que o sujeito gostaria que fosse prepondera a disponibilidade do sujeito reconhecer a realidade.

DESEJO DO ANALISTA

 Dentro da clínica também existe esta obstrução. O desejo do analista obstrui a possibilidade do acordo que se pode estabelecer com a realidade. Quando eu falo de um acordo com a realidade, eu estou falando aqui da possibilidade de estar num vínculo real com o analisando, com o paciente. O analista deseja alguma coisa e este desejo turva a possibilidade do estabelecimento e da manutenção do vínculo saudável com o paciente. Não só dentro da clínica, em qualquer vínculo, o desejo do sujeito turva, polui o vínculo sincero que possa ser estabelecido entre as partes.

DÚVIDA COMO BÚSSOLA 

A função do analista não é, de maneira alguma, destruir a ilusão do saber do sujeito, mas é questioná-la. Eu preciso trazer o ambiente de questionamento, o ambiente de indagação, o ambiente com os terminais abertos, como o diria o Bion. Para que eu possa estar desobstruído na expansão da consciência. Para que isso aconteça, eu preciso ter a dúvida como bússola e não a resposta. A dúvida precisa ser uma constante, eu preciso ter uma conjunção constante com a dúvida e não me contentar com a resposta. Quando eu me contento com a resposta, morreu a experiência, saturou se a pesquisa. 

VONTADE OU DESEJO

A vontade é um elemento do id, da pulsão, daquilo que é o mais puro que o sujeito tem dentro do seu funcionamento emocional e afetivo. O desejo já é contaminado por um “deveria ser”, que está muito mais ligado ao superego do que ao id. O desejo é um elemento do id contaminado pelo super, logo já não tem mais a função da vontade, ou da necessidade básica, mas já está contaminado com um factoide externo, que vai trazer para ele uma configuração daquilo que ele deveria ter, deveria conseguir, deveria ser e já não está mais na configuração do id como pulsão.

INFLUÊNCIA DO OUTRO

A vontade é do sujeito, sempre do sujeito. Ninguém tem vontade pelo outro. Agora, o desejo é sempre do outro. O sujeito que deseja, deseja porque o outro desejou por ele. Eu desejo alguma coisa para que o outro me deseje. Eu desejo alguma coisa porque se eu conseguir esta coisa, eu conseguirei ser desejado pelo outro. A vontade é básica! A vontade é necessidade básica, é meu, é algo que eu preciso. O desejo é alguma coisa que foi contaminado pela influência do outro.


MIRAGEM

Quando você está com muita sede, você pode enxergar aquilo que você precisa, ou aquilo que você deseja, ou aquilo que você quer que seja e não aquilo que realmente é. Então, uma pedra, quando eu estou com sede no deserto, pode ser vista como um oásis, por conta da minha vontade. Então, a minha vontade turva o reconhecimento da realidade. A vontade que está caracterizada na sede do sujeito que está no deserto, faz com que ele, a partir da visão de uma pedra, acredite ser um oásis. Então, ele não consegue reconhecer a pedra como pedra porque a vontade dele, a necessidade de se hidratar faz com que ele enxergue aquilo sendo um oásis.

DESEJO DO OUTRO

A diferenciação da vontade com o desejo é muito difícil. Estão sempre misturados. Dificilmente você consegue uma clareza. Só pode ser percebido no bebê, na terra infância, na primeira infância, quando ele ainda não consegue distinguir ele do outro. Tudo que ele manifesta é vontade, é necessidade básica. A partir do momento que ele começa a perceber que existe outro além dele, ele começa a desenvolver o desejo. O desejo que esse outro o deseje. Então, vontade é necessidade básica e desejo vem justamente da influência do outro, quando ele desenvolve o desejo de ser desejado, ainda assim, a vontade está implicada, porque a vida dele está subordinada ao desejo do outro. Eu só sobrevivo se o outro me desejar. Então, eu desejo que o outro me deseje.

RENÚNCIA 

Importa o que você precisa, o que é necessário! Se você estiver suprindo aquilo que é necessidade, que aí a gente não vai chamar de desejo, vai chamar de vontade, quando isto tudo tiver suprido de uma maneira bem-sucedida, todos os desejos vão se rebaixar automaticamente. Você passa a conseguir renunciar dos desejos porque você vai percebendo que esses desejos não tinham importância, porque, na realidade, eles estavam servindo como um substituto de uma vontade que não pode ser suprida no seu tempo. Quando o sujeito começa a suprir as suas necessidades, aquilo que ele precisa, ele passa a ser capaz de renunciar dos desejos.

SUBSTITUIÇÃO

Cada desejo é uma tentativa de substituir a o suprimento de uma vontade que não pode ser suprida no seu tempo adequado. Quando o sujeito, por exemplo, não pode suprir uma vontade básica, ele desenvolve um desejo. Ele passa a eleger um objeto substitutivo que vai chamar desejo, objeto de desejo.

CERNE

Aí, ele consegue todos esses bens, ele consegue juntar dinheiro, ele consegue um carrão e ele começa a perceber que isso não adianta nada. Por isso o desejo é uma cilada. O desejo nunca é satisfeito. Por mais que você satisfaça o seu desejo, o cerne, aquilo que gera o desejo é a vontade não satisfeita no tempo adequado e de forma adequada.

SABER

Saber o que faltou originalmente é irrelevante. Não importa o que faltou, porque o que faltou, faltou lá atrás. Não tem mais como suprir. Hoje ele pode estabelecer vínculos afetivos saudáveis que possam trazer para ele, não aquilo que faltou, mas uma possibilidade de reparação emocional e afetiva que possa trazer para ele um bom funcionamento nesse nível. O estabelecimento de vínculos saudáveis de vínculos bem-sucedidos vai trazer para ele a possibilidade de preparação do funcionamento.



segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

CRÍTICA, INVEJA E AUTOSSABOTAGEM - Prof. Renato Dias Martino


CRÍTICA E FRUSTRAÇÃO 

A crítica é uma defesa. O sujeito que critica, ele está denunciando a sua incapacidade através da crítica. Ele está denunciando uma frustração, através da crítica e a crítica nunca foi e nunca vai ser construtiva. Onde entrar a crítica vai gerar uma dissimulação. Ninguém. se transforma porque foi criticado. O sujeito aprende a dissimular através da crítica. A maioria, senão todos os críticos de arte, por exemplo, são artistas frustrados. Críticos de música são músicos frustrados, críticos de artes plásticas são artistas plásticos frustrados que não conseguiram se desenvolver na sua carreira e se sentiram aptos para criticar, falar o que que é bonito o que não é, o que é bem-feito o que não é.

FAZER JUNTO

Por trás de cada sujeito que está criticando se esconde uma frustração enorme de não ter conseguido realizar, de não ter tolerado os passos em falso e as falhas que o outro está cometendo, mas está caminhando. Então, cada vez que eu sentir em mim um ímpeto de criticar é interessante que eu possa me conter e pensar um pouquinho: “de onde está vindo aquela crítica?” “Será que não é uma incapacidade minha?” O sujeito que olha para alguma coisa e pretende que esta coisa seja bem realizada, ele não vai criticar a pessoa que está fazendo a coisa, que está realizando a coisa, ele vai até ali se dispor a fazer junto com a pessoa. Então, dizer para o outro que ele tem que fazer ou deixar de fazer é muito fácil, ir lá fazer junto, nem tanto.

ADMIRAÇÃO SEM CAPACIDADE

A crítica está sempre atrelada a inveja. E o que eu estou chamando de inveja aqui? Eu estou chamando de inveja a experiência de admirar alguma coisa da qual não se tem capacidade. Todas as vezes que eu admiro alguma coisa e eu não tenho capacidade daquilo, se configura numa experiência de inveja. Nós temos uma dificuldade muito grande de lidar com esse sentimento que está em cada um de nós. E nós evitamos chamar isso de inveja e evitar dar o nome dessa experiência de inveja vai fazer com que ela acabe passando sem que eu possa pensá-la. Então, todas as vezes que eu estiver desejando alguma coisa sem ser capaz daquilo eu estou invejando aquilo. E aí, é uma chance para que eu possa pensar e pensando esta inveja vai ter a possibilidade de se expandir e se tornar alguma coisa mais nobre, para além da própria inveja.

ACREDITAR EM SI MESMO

O que pode dissolver a inveja é a autoconfiança. É acreditar em si mesmo. O sujeito, ele só inveja o outro porque ele não está acreditando em si mesmo. Ele se julga inferior. E aí, as coisas do outro parecem mais interessantes. A possibilidade de amar a si mesmo, de acreditar em si mesmo, de reconhecer a si mesmo, aprender a respeitar a si mesmo e se responsabilizar por si mesmo, vem do vínculo afetivo saudável que eu possa estabelecer com o outro. Sem isso, sem chance de dissolver a inveja.

DEVERIA SER

A inveja é um desdobramento de uma ação do “deveria ser”, do superego.  O superego cobra alguma coisa, ela não pode entregar aquilo que o superego cobrou, exigiu e ela começa a sentir inveja de quem supostamente consegue entregar isso. E aí, o que acontece? Sentir inveja por conta disso, também tem um desdobramento do próprio superego, de reprovar o fato de você está sentindo inveja. O próprio superego vai te reprovar dizendo assim: “Você é uma invejosa. Você não consegue fazer isso e ainda por cima inveja o outro.” Então, além dela estar sentindo inveja, ela não é capaz de reconhecer, porque existe ali, uma ação do “deveria ser”. Deveria ser assim, deveria ser de outro jeito e o “deveria ser” inclui o deveria ser alguém que não sente inveja.

ACREDITAR EM SI MESMO

É muito simples também a gente fica condenando a instância da mente que a gente chama de superego, mas o superego só vai atuar na medida em que o sujeito não estiver acreditando nele mesmo. Quando o sujeito confia em si mesmo, o superego fica quietinho no canto dele, mas quando ele começa a duvidar de si mesmo, o superego entra em ação como uma medida de segurança para que ele continue caminhando. Então, quando eu não acredito naquilo que eu estou sendo, que é o meu ego, o que vai conduzir, o que vai me guiar, o que vai me impulsionar é o que eu deveria ser, porque senão eu fico parado. Então, o problema não é o superego, o problema é a incapacidade de acreditar em si mesmo. 

INVEJA DE SI MESMO

Eu costumo chamar o superego de “deveria ser”. O superego cria um critério daquilo que o sujeito deveria ser, daquilo que o sujeito deveria fazer. Então, é como se tivesse um avaliador crítico que iria julgá-lo o tempo todo nas coisas que ele está fazendo e como ele está sendo. Muitas vezes, o sujeito, por conta dessa desintegração, ele realiza alguma coisa e o superego invejoso disso que ele fez, começa a desdenhar e dizendo que isso não é bom. Não consegue reconhecer a realização do sujeito como algo bom, por mais que tenha falhas. Muitas vezes, o sujeito que carrega um sentimento de culpa, não uma culpa em si, porque a culpa em si é questionável, mas o sujeito carrega um sentimento de culpa, por conta de algum uma experiência que ele tenha vivido, este sentimento de culpa faz com que ele não se sinta merecedor de realizações na vida. Então, muitas vezes, ele realiza, ele conquista alguma coisa, mas o superego vem e ataca, dizendo que aquilo não presta, ou que ele não é digno de ter aquilo. É um superego invejoso e o superego é uma parte da minha personalidade, logo, eu estou invejando a mim mesmo.

INTEGRADO

O sujeito, quando está integrado, o superego, o ego e o id, fazem parte de um todo. Funcionam, um corroborando com o outro, interligados e interdependentes no funcionamento saudável da mente. Então, um sujeito integrado não inveja a si mesmo, porque o superego está ocupando um lugar que é adequado dentro do funcionamento emocional desse sujeito. O sujeito passa a invejar a si mesmo na medida em que ele carrega algum um sentimento de culpa, na medida em que ele não está acreditando em si mesmo o suficiente para estar integrado.

AUTOSSABOTAGEM  

Muitas vezes, o sujeito, ele escreve bem, ele fala bem, ele tem talentos, ele tem habilidades, mas ele escreve alguma coisa, depois ele lê e ele é capaz de depreciar aquilo que ele leu, dizendo que aquilo é uma porcaria. Ele faz um vídeo para postar na internet, ele assiste aquilo ali, ele fala: “Nossa! Isso aí está muito ruim”. Então, isso é inveja de si mesmo. Ele não é capaz de tolerar as suas falhas o suficiente para que ele possa desenvolver-se naquilo. Ninguém nasceu pronto! Mas quando eu tenho um “deveria ser”, esse “deveria ser” vira um pressuposto que se eu não estiver dentro daquela expectativa do “deveria ser”, aquilo que eu estou fazendo fica invalidado.



domingo, 9 de fevereiro de 2025

AMOR INCONDICIONAL E LIMITE - Prof. Renato Dias Martino



INTEGRAÇÃO

O fundamento de um bom funcionamento emocional é estar de acordo consigo mesmo. E quando eu falo estar de acordo é concordar estar junto de coração, estar junto de coração consigo mesmo. Ser o seu melhor companheiro ser o seu cúmplice. Por mais que você esteja fazendo a maior besteira do mundo, ainda assim, estar junto de si mesmo, amar a si mesmo. Amor-próprio não pode estar subordinado a gostar de si mesmo. Eu posso não estar gostando daquilo que eu estou fazendo, eu posso não estar gostando daquilo que eu estou sendo, mas ainda assim, eu me amo, ainda assim, eu me considero, ainda assim, eu estou do meu lado. “Ah! Mas você está fazendo uma besteira com o outro e consigo mesmo!” Não importa! É o que eu estou dando conta de fazer agora. E isso, dentro da teoria psicanalítica, sobretudo esta teoria que a gente está cogitando aqui, a gente vai chamar de integração.

AMOR-PRÓPRIO OU NARCISISMO

E não vamos confundir amor-próprio com narcisismo. Narcisismo não é amor-próprio. Narcisismo é gostar de si mesmo, amor-próprio é independente de gostar. O Narciso, ele olhou para imagem dele no rio e gostou. Ele foi atraído por aquilo e aí ele ficou ali, encantado, ele ficou ali apaixonado pela sua imagem. Ele não se dedicou a aquilo. Ele estava interessado naquilo. Então, amor-próprio não é narcisismo.

AMA OU GOSTA

O amor é construído a partir de relacionamentos bem-sucedidos. O outro me amou, eu aprendi a amar a mim mesmo e agora eu sou capaz de amar as outras pessoas. O outro se dedicou a mim, o outro foi meu companheiro o outro esteve do meu lado, mesmo eu fazendo a pior besteira do mundo, eu passei a estar do meu próprio lado, mesmo eu fazendo a pior besteira do mundo e agora eu sou tolerante com as besteiras dos outros. Gostar é outra coisa. Gostar é se sentir atraído, gostar é se sentir atraído porque aquilo que me atrai sugere que vai me trazer um benefício e quando eu não vejo mais esse benefício, eu abandono porque eu não gosto mais.

AMOR E DESRESPEITO 

A expressão “amor incondicional” é um pleonasmo. Amor é incondicional. Se não for incondicional, não é amor. Se houver condição, então não é amor. Agora, é importante a gente pensar o seguinte: quando eu estou falando de uma relação amorosa, esta relação precisa partir do amor-próprio. Eu me amo e a partir daí, eu sou capaz de amar o outro e eu me amo porque fui amado pelo outro. Agora, não é porque eu tenho um amor incondicional que eu vou permitir abuso, desrespeito, agressão, violência. Então, o amor incondicional é que eu não estou esperando qualquer coisa para que eu passe a amar, mas isso não quer dizer que eu vá permitir abusos e desrespeitos.

LIMITES

O amor incondicional está dentro da perspectiva do limite. Qual o limite? O limite entre “eu” e “você”. Nós somos duas pessoas. Amor incondicional não é fusionamento. Não é me fundir com o outro. É justamente o contrário. É ser capaz de estar integrado o suficiente para que você possa reconhecer o limite entre “eu” e o “outro”. E quando começa a haver desrespeito, quando começa a haver agressão, quando começa a haver aí, uma um abuso é porque está havendo um fusionamento, já que, quando eu desrespeito o outro é porque eu já estou me desrespeitando há muito tempo. E através desse fusionamento eu passo a desrespeitar e abusar do outro também.

PERMISSIVIDADE

Amor incondicional não inclui a permissividade. Se eu não estiver amando a mim mesmo incondicionalmente, eu não posso chamar isso que eu tenho com o outro, de amor. O amor não inclui a permissividade. Quando um filho desrespeita a mãe, quando um filho começa a passar do limite, na adolescência, por exemplo, ele já estava fazendo isso desde pequeno, porque a mãe foi permitindo que ele fizesse. Quando não há ali, a possibilidade de uma configuração de desenvolvimento que deixa muito claro o limite, lembrando que quem mostra o limite, quem traz a possibilidade de reconhecimento do limite é a função paterna na figura do pai, quando isso não pode acontecer e chega no adolescente ou na idade adulta isso passa a ter que sofrer imposições e a imposição nunca é saldável.

DISTANCIAMENTO NECESSÁRIO 

Muitas vezes, para que eu possa amar incondicionalmente o outro eu preciso respeitar um distanciamento necessário. Isso não é impor condições, porque de outra forma o outro vai me provocar e me desrespeitar e eu vou ter muita dificuldade para construir e manter este amor.


domingo, 2 de fevereiro de 2025

IMAGINAÇÃO, VINCULO E REVOLTA - Prof. Renato Dias Martino


ANALISABILIDADE

Analisabilidade. O que a gente chama de analisabilidade? Tecnicamente, a gente poderia dizer assim a capacidade do paciente de estabelecer uma transferência positiva, uma cooperação com o analista para o progresso do processo psicoterapêutico. Mas, para isso ele precisa ter tido o mínimo de experiências bem-sucedidas na vida dele. ele porque se ele não teve experiências bem-sucedidas minimamente, ele não tem elementos para projetar no analista como esperança de evolução, de crescimento. Então, ele precisa ter isso. E aí é que entra a ideia de que a psicanálise está aí para todo mundo, mas nem todo mundo está aí para a psicanálise. A gente precisa quebrar essa ideia de que a psicanálise cabe em qualquer situação. Não! Ela não cabe em qualquer situação. Ela cabe na situação onde houver a capacidade do paciente de cooperar com o processo. E para isso ele precisa ter vivido algumas experiências que antecederam aquela experiência da análise.

CONJUNÇÃO CONSTANTE

Muitas vezes, o analista, principalmente o sujeito que está iniciando a sua carreira, pode cair numa cilada no sentido de que, muitas vezes o paciente pode não aderir ao processo. Muitas vezes, o paciente não consegue não tem a capacidade para cooperar com o processo, ou seja, não tem analisabilidade e o aspirante analista, ou aquele que está iniciando a sua carreira, pode começar a questionar a sua capacidade enquanto analista. Mas quando a gente fala de psicanálise, nós estamos falando de vínculo, nós estamos falando das duas partes. Precisa haver uma cooperação mútua. Precisa haver aquilo que o Bion chamou de conjunção constante continente contido para que alguma coisa possa acontecer.

ACOLHIMENTO

O acolhimento é vínculo. Você só pode acolher alguém que esteja disponível a ser acolhido, porque se ele não estiver disponível, isso que você está tendo com ele não é acolhimento. E se ele não estiver disponível a ser acolhido, ele não tem analisabilidade, ele não pode ser submetido à psicoterapia dentro da perspectiva da psicanálise.

PROMESSAS 

É uma capacidade do sujeito. Um sujeito que tem analisabilidade não vai aderir a processos rasos, ou tentativas de promessas milagrosas de cura, ou qualquer coisa nesse sentido. Porque, na verdade, ele está de acordo com a realidade o suficiente para perceber que isso tudo é uma mentira.

VULNERÁVEL

É muito interessante a gente pensar que, aquele sujeito que passa a ser influenciado, ou por instituições religiosas, ou por promessas políticas de benefícios ilusórios, são justamente aquelas pessoas que não tiveram um lar bem estruturado. Esses são vulneráveis a essa influência que venha de religiosos políticos e de instituições que venham trazer ali, promessas fantasiosas.

TRÍADE SIMBÓLICA 

Cria-se aí então, uma tríade simbólica e esta tríade que eu vou dizer agora nada tem a ver com a proposta da tríade do Lacan, da Tríade lacaniana da qual eu não tenho conhecimento qualquer. Mas nós estamos falando aqui de uma tríade onde existe um real concreto, um real imaginário e um real simbólico. Então, o real concreto é aquele que engloba apenas e tão somente o corpo físico, o fisiológico. A necessidade física. Então, o bebê tem a necessidade fisiológica do corpo da mãe. O corpo do bebê precisa do corpo da mãe. È uma realidade concreta é uma fome real e concreta que precisa de um seio real e concreto. Esta realidade concreta, esta dimensão concreta vai se desdobrar numa realidade imaginária. O bebê precisa do seio real concreto da mãe, ele encontra esse seio, cria um referencial, uma referência desse seio e na próxima vez que ele precisar desse seio, que ele sentir fome, por exemplo, ele vai imaginar esse seio. Então, eu tive a realidade concreta, passo a ter então uma realidade imaginária. Imaginar o seio que um dia eu experimentei de maneira concreta, física, material. Se essa experiência que eu tive com o seio material, físico, concreto, foi bem-sucedida, a realidade imaginária, o real Imaginário vai abrir espaço para o real simbólico. Ou seja, eu vou conseguir internalizar o seio que eu experimentei de forma concreta, que eu imaginei e agora ele está internalizado, ou seja eu simbolize o seio.

SEIO

Nós usamos a palavra seio, mas a palavra seio é um ícone de qualquer objeto em que se desenvolve uma experiência afetiva. Ser capaz de pensar o objeto que se ama dispensa a confirmação sensorial deste objeto.

REMÉDIO OU VENENO

A substância vai ser um remédio ou um veneno dependendo da dosagem. No filme A VIDA É BELA, o pai mente para o filho o tempo inteiro. Ali mentira foi fundamental para que o filho pudesse tolerar a situação.

DESILUSÃO

Normalmente, a gente tem a ideia de que a função do analista, a função da psicanálise é de desfazer ilusões, de destruir ilusões, quando na verdade, é o contrário. A função da psicanálise a função do psicanalista é aquela de, junto com o paciente, ir, a conta gotas, se desiludindo. Mostrar para o paciente que ele não precisa desfazer das suas ilusões porque alguém está dizendo para ele que aquilo é ilusão. A função da psicanálise é estar junto do paciente até que ele consiga entrar num acordo com a realidade, ser capaz de se desiludir e não destruir Ilusões.

REVOLTA

Quando você tenta desiludir alguém, ele pode se revoltar. E o que que é revoltar? É dar uma volta em falso. É re-voltar. Então, o revoltado é aquele que fica correndo assim como um cachorro atrás do próprio rabo Este é o revoltado porque não tolerou a desilusão como é que trabalha a espiral a espiral trabalha através de voltas que vão se alargando num eixo horizontal Cada Volta o sujeito alarga um tanto e caminha outro tanto no eixo horizontal O que é que vai propiciar a possibilidade de alargamento da volta e expansão no eixo horizontal é justamente o vínculo afetivo se não há vínculo afetivo o sujeito fica na revolta E aí ele dá uma volta em falso quando ele consegue este vínculo afetivo quando ele é acolhido ele consegue expandir uma volta a mais na espiral progressiva

ALUCINAÇÃO CIENTÍFICA 

O sujeito está envolvido e fixado nas imaginações, nas fantasias, porque na verdade não teve uma relação bem-sucedida com a realidade, não conseguiu estabelecer um acordo com a realidade. Então, ele passa a afirmar as suas fantasias como realidade e passa a criar um sistema dedutivo teórico racional para justificar aquela sua ideologia. E é mais maluco ainda quando isso atinge as prateleiras acadêmicas, quando isso vira ciência, quando o sujeito começa a afirmar dentro de estudos científicos que aquela configuração alucinada que ele afirma tem embasamento teórico, porque ele se juntou com mais meia dúzia, sessenta, seiscentos outros iludidos e alucinados que afirmam a mesma coisa, dentro do ambiente acadêmico. Isso se chama “alucinação científica”.

SABER PENSAR

Por isso é importante a gente desenvolver a capacidade de pensar de pesar e não engolir conhecimentos goela baixo que foi dito pelo outro porque o outro é doutor. Que é o que o meio acadêmico faz, estabelece um certo e errado e te obstrui de avaliar o que é falso e verdadeiro. É justamente o que a psicanálise se propõe a se opor. A função da psicanálise é pensar, pesar e não conhecer, saber. Então, quando o sujeito é convidado para dar uma palestra de psicanálise, ele não vai ali para levar conhecimento, ele não vai ali para promover o saber, ele vai ali para pensar junto.

REPENSAR 

O abismo que existe entre saber e pensar. Cada vez que eu penso novamente, cada vez que eu penso melhor alguma coisa, eu coloco em xeque, eu coloco em jogo tudo aquilo que eu imaginava saber. Porque eu estou repensando. Será que é assim mesmo? E é o que a gente faz aqui isso aqui. Não é um espaço do saber, não é um espaço do conhecimento, é um espaço do pensamento.

PENSAMENTO FRIO

Nós vemos aí agora cursos de psicanálise aprovados pelo MEC. Impossível, gente! A não ser que seja essa psicanálise lacaniana, aí talvez, pode ser que seja, porque é acadêmica, porque é intelectualizada, porque vira uma equação, porque vira uma conta matemática, que você soma “lé” com “cré” e dá “ré”. Pensamentos frios calculados.

DO IMAGINAR AO PENSAR

a gente não pode esquecer que a imaginação a ilusão é um protop pensamento sem a ilusão não pode haver pensamento é a partir da ilusão que o sujeito pode vir a pensar primeiro ele se ilude depois ele pensa o sujeito que foi cerceado em sua ilusão o sujeito que foi tolhido que foi privado das suas imaginações é um sujeito que não aprendeu a pensar

ILUSÃO CRISTALIZADA 

Se a gente pudesse pensar no que definiria uma ilusão saudável ou uma ilusão tóxica, uma ilusão que não fosse saudável, o aspecto fundamental para essa definição é a cristalização, a impossibilidade de transformação. Quando, a ilusão está disponível a ser transformada ela é saudável. Quando ela está cristalizada engessada ela é nociva.

RACIONALIDADE

Vai pela razão! Seja racional! Muitas vezes, isso traz uma conotação de que se o sujeito for pela razão, ou for racional, ele vai conseguir uma decisão acertada e é justamente isso. Ele vai conseguir uma decisão acertada. Mas isso não quer dizer que ele esteja de acordo com a realidade, porque muitas vezes a ilusão pode fazer com que o sujeito crie um sistema dedutivo teórico racional que vai justificar aquela ilusão. Não é porque ele tem razões que ele não esteja iludido. Muitas vezes, o sujeito que está com a razão pode estar muito mais iludido do que o outro que talvez não esteja com a razão. A racionalidade não garante o acordo com a realidade.

DECISÃO OU ATITUDE 

Tomar uma decisão é uma coisa, tomar uma atitude é outra. Decisão quer dizer cindir do todo. A decisão, quando ela é tomada, ela é tomada excluindo o todo. De-cisão = separação! Atitude é uma ação. Decidir é uma coisa, avaliar e tomar uma atitude é outra. Quando você está de acordo com a realidade, você não precisa decidir nada, é só você avaliar a realidade e tomar uma atitude conforme esta avaliação. Decidir, ou tomar atitude. Tomar atitude a partir da avaliação é para quem está de acordo com a realidade, decisão é para aquele que está parcialmente desejando alguma coisa.

ADULTO ILUDIDO

O adulto que está iludido e insistindo nas suas ilusões, muitas vezes criando racionalidades racionalizando para justificar as suas ilusões é um sujeito que não pode viver essas ilusões no tempo adequado. Ou seja, na sua infância. Por que que ele não pôde? Porque ele não foi resguardado pelo pai, pela mãe, pela família, que pudesse trazer para ele, um espaço lúdico para que ele vivesse essa ilusão. Então ele carrega essa ilusão para a vida adulta e inadequadamente ele tenta implantar esta ilusão nos lugares mais sensíveis.

A BOLHA

A gente vê bastante hoje no discurso popular a ideia da bolha e a bolha, ela é um modelo muito interessante, porque ela protege o sujeito, mas, ao mesmo tempo, ela aprisiona o sujeito. Ele está aprisionado dentro da bolha que supostamente o protege. Mas a bolha o protege ilusoriamente, porque a película da bolha é extremamente vulnerável. Qualquer coisa fura. O sujeito, quando está dentro da bolha, ele não tem consciência de que ele está dentro da bolha, ele acredita que o universo é a bolha. O universo de Ilusões que ele vive é a bolha. E ele ignora aquilo que existe para além da bolha. Agora, a função do psicanalista não é estourar a bolha, é acolher o sujeito que percebeu que existe uma vida fora da bolha. O psicanalista precisa ser capaz de transitar dentro e fora da bolha.

ASFIXIA 

Quanto mais a bolha protege, mais perigosa ela se torna. Porque fica intransponível, a película. Quanto mais ela te proteger, menos ela permite a troca interna e externa e um sujeito que está dentro de uma bolha com uma película espessa, ele corre o risco de ser asfixiado.