quarta-feira, 20 de novembro de 2024

O EU E O OUTRO - Prof. Renato Dias Martino



O LIMITE DO AMOR

Lá, no SOBRE O NARCISISMO UMA INTRODUÇÃO, o Freud fala sobre o que ele chamou de amor feliz. Eu tenho uma restrição quanto à ideia de feliz. Eu, mais adequadamente, colocaria: o amor real, ou um amor bem-sucedido. Mas, de qualquer forma, o Freud coloca lá que, para que possa ser chamado de amor feliz, a libido do ego precisa coincidir com a libido objetal, ou seja, o quanto o sujeito ama a si mesmo precisa coincidir com o quanto ele ama o outro. Todas as vezes que um uma tendência de interesse sobressair a outra, vai haver uma falta correlacionada. Se eu amar mais o outro do que a mim mesmo, eu não posso chamar isso de amor e se eu amar a mim mesmo mais do que ao outro, tanto quanto. E aí, a gente vai resgatar lá, a formulação religiosa com os dois mandamentos de Jesus Cristo. “Ama a Deus sobre todas as coisas e ama o outro como a ti mesmo”. E aí, é interessante, vale lembrar que, quando a gente lê na Bíblia, “mandamento”, isso não quer dizer que Jesus está mandando você fazer isso. Jesus está mostrando uma regra. Jesus está mostrando uma lei. Jesus está mostrando ali, um princípio. Então, ele está dizendo assim: “não há como amar o outro além do que você ama a si mesmo”. Não tem como. E antes de amar a si mesmo, você precisa estar amando a Deus. Amando a realidade, amando o todo. Porque, senão, isso que você tem com você não é amor, muito menos aquilo que você tem com o outro.

O OUTRO COMO AMBIENTE 

O Winnicott traz o conceito de mãe ambiente. Para o Winnicott, é importante que a mãe seja capaz de, antes de ser uma outra pessoa na vida do bebê, que ela possa ser o ambiente do bebê. Como uma extensão do que o útero foi para o bebê. Então, a mãe é o ambiente do bebê que cuida de toda a psicosfera, por assim dizer, para que ele possa se integrar ao todo. Depois que ele se integrou ao todo, ele está capacitado a reconhecê-la como uma outra pessoa e não simplesmente como o ambiente saudável que o circunda.
O INDIVÍDUO OU A ESPÉCIE 

O ser humano tem essa coisa do indivíduo, do individual, do individualismo. Ele tende, a todo custo preservar a si próprio. O seu desejo, aquilo que ele quer, mas a natureza não está nem aí para o indivíduo. A natureza não está nem aí para o sujeito. A natureza está aí para espécie. Schopenhauer já chamou atenção sobre isso. A natureza tem interesse que a espécie prolifere. Uma formiga não tem a menor importância, o que tem importância é o formigueiro. Ou você está de acordo com o formigueiro, ou você não tem a menor relevância para a natureza. E o ser humano é extremamente incapaz de estar de acordo com o todo, com a natureza. Ele quer saber dele próprio, do umbigo dele e ele, ele, ele, ele e nada mais.



domingo, 10 de novembro de 2024

JULGAMENTO, CONDENAÇÃO, CULPA E PUNIÇÃO - Prof. Renato Dias Martino



SENTIMENTO DE CULPA


Muitas vezes, o sujeito, na relação com a mãe, com o pai, ou com irmãos, ele desenvolve um sentimento de culpa. Culpa é um sentimento! Ninguém tem culpa de nada, a gente faz aquilo que dá conta de fazer. O sentimento de culpa é uma ilusão, mas muitas vezes o sujeito carrega um sentimento de culpa, por conta de uma relação malsucedida com a mãe, com o pai, com irmãos, sei lá com quem. Este sentimento de culpa vai trazer para ele um autojulgamento, uma autocondenação, o sentimento de culpa efetivamente, uma tentativa de autopunição, para que ele possa aplacar este sentimento de culpa. Quando ele se autopune, ele se sente menos culpado. Ele se sente culpado, mas ao mesmo tempo, ele está sendo punido por esta culpa e aí, entra a autossabotagem. O sujeito se autossabota como autopunição, porque estava se sentindo culpado. O desconforto do sentimento de culpa é aplacado pela autopunição, pela autossabotagem. Então, por mais que ele esteja sendo ali, prejudicado por aquilo que ele acabou se autossabotando, ainda assim, esta autossabotagem é menos desconfortável do que o sentimento de culpa.


A AUTOSSABOTAGEM E O INSTINTO DE AUTOPRESERVAÇÃO 

E esta autossabotagem inclui a desconexão com o instinto de autopreservação, ou seja, o instinto de autopreservação é aquilo que faz com que você cuide de si mesmo, se afaste daquilo que é nocivo. O instinto de autopreservação é tão primitivo que até plantinha tem. Então, a plantinha por exemplo, você cutuca ela, ela solta um leite ácido que queima a mão. Isto é um instinto de autopreservação. Então, o sujeito, quando ele está se autopunindo, se autossabotando por conta do sentimento de culpa, ele se desconecta desse instinto de autopreservação. E aí, ele passa a atentar contra a própria vida, ou se colocar em situações de risco, porque aí, ele consegue aquilo que vai trazer para ele a possibilidade de aplacar o sentimento de culpa.

O INSTINTO DE AUTOPRESERVAÇÃO E O SENTIMENTO DE CULPA 

Um dos fatores que mais contribui para o sujeito se desconectar do seu instinto de autopreservação é o sentimento de culpa. Muitas vezes, ele carrega um sentimento de culpa e passa por cima do seu instinto de autopreservação, descuidando de si mesmo, porque, muitas vezes, ele se sente merecedor de adoecer. Porque se sente culpado e o adoecer vai vir como uma autopunição. Esta autopunição vai fazer com que ele consiga equilibrar o sentimento de culpa. “Me sinto culpado, mas olha só como eu estou padecendo”.


PUNIR E SER PUNIDO

Muitas vezes, ele não consegue fazer isso consigo mesmo, atentar contra a própria vida e aí que que ele acaba se aproximando de pessoas que vão atentar contra a vida dele, fisicamente, emocionalmente, moralmente, de qualquer forma. Então, eu não dou conta de me autopunir, então eu me aproximo de alguém que vai me punir e vou ter atitudes que sejam dignas de punição. Muitas vezes, quem faz isso tem uma característica mais histérica da personalidade e ela se aproxima de uma pessoa que tem características mais obsessivas. Então, o obsessivo vai punir o histérico. O histérico se sente culpado e o obsessivo procura alguém que se sinta culpado. O histérico se sente merecedor de punição e o obsessivo quer punir alguém, procura alguém para punir.

LEGADO DO FRACASSO 

Eu começo a perceber que eu funciono de maneira diferente dos meus pais e cada atitude que eu tenho que não esteja em consonância com as atitudes do meu pai, ou da minha mãe, eu me sinto culpado por aquilo. Me sinto culpado me sinto culpado de sentir prazer, me sinto culpado de me sentir alegria, me sinto culpado de realizar, me sinto culpado das coisas, por quê porque meus pais estão identificados com o lugar do fracassado e por conta disso eu não posso avançar para além daquilo que meus pais fizeram. Porque senão eu me sinto culpado. Então, cada realização que eu consigo, cada prazer que eu sinto, cada alegria que eu sinto, vem junto com o sentimento de culpa, logo com um ímpeto de autopunição.



domingo, 3 de novembro de 2024

SOBRE A VONTADE E A PSICOTERAPIA - Prof. Renato Dias Martino




VONTADE OBSTRUTORA 

Se a gente for levantar aí as nossas aulas, pelo menos aí, nos últimos meses, a gente vai ver que a gente tem falado muito sobre a vontade, sobre a vontade e sobre o desdobramento dessa vontade no desejo. Por que isso é tão importante? Porque é justamente a vontade e o desejo no desdobramento da frustração da vontade que vai ser um fator fundamentalmente obstrutor da nossa prática diária da psicanálise na clínica. Todas as vezes que a nossa vontade sobressair ao reconhecimento da realidade e isso a miúde pode acontecer, este acordo que pode ser travado entre o sujeito e a realidade vai ser comprometido, vai ser poluído. Ou seja, o sujeito deseja alguma coisa, ou ainda a sua vontade está prevalecendo e por conta disso ele tem dificuldade de reconhecer a realidade, tendo dificuldade de reconhecer a realidade ele não é capaz de respeitar esta realidade, não sendo capaz de respeitar essa realidade ele não é capaz de se responsabilizar por si mesmo e pela realidade e aí, estamos obstruídos de um fluxo no vínculo que pode ser estabelecido com o paciente.

ACORDO

O Bion propõe a ideia de “sem memória, sem desejo e sem compreensão”, então ele diz assim quanto menos você resgatar dados da memória, quanto menos você estiver sendo conduzido pelo seu desejo, quanto menos você estiver com ânsia de saber, ou com uma ânsia de tentar encaixar aquilo que está acontecendo no que você já sabia, mais de acordo com a realidade você estará. No entanto, tanto o conhecimento, quanto o resgate dos dados da memória, estão subordinados ao desejo. É o desejo que faz você resgatar as coisas da memória. É o desejo que faz você tentar encaixar aquilo que você está vivendo no já sabido. Então, é muito importante que a gente possa olhar para o desejo como algo que é fundamentalmente obstrutor na prática da clínica. Nos impede de reconhecer a realidade e portanto nos obstrui de entrar num acordo com esta realidade.

RENÚNCIA E FRUSTRAÇÃO 

A questão de renunciar do desejo está subordinada à capacidade de tolerar a frustração, que é gerada pela incerteza. Quando eu não sou capaz de tolerar a incerteza, eu estou apegado àquilo que eu gostaria de ser. Eu tomo como real aquilo que eu gostaria de ser, ou aquilo que eu gostaria que fosse a realidade e isso é justamente o desejo.

PROJEÇÃO 

Quando o analista está vivendo uma grande dor, por exemplo e de alguma forma ele ainda evita sofrer essa dor. Isso é muito importante! A gente separar, sofrimento de dor. Sofrimento, sugere movimento e dor é algo que você sente. Sofrer a dor é diferente de sentir a dor. Quando você sofre essa dor, essa dor tende a se transformar. Diferente de quando você simplesmente sente essa dor. Quando o analista está com dificuldade de sofrer a dor, ele pode projetar esta dor que ele ora está sentindo no paciente. Quando ele projeta essa dor no paciente, porque o paciente sugeriu algo parecido com essa dor, ele passa a tentar solucionar ou resolver ou ainda amenizar essa dor do paciente então ele projeta, essa dor, no paciente e tenta então resolver a dor do paciente, amenizar a dor do paciente. Quando ele está em dia com a sua análise pessoal, quando ele está integrado, ele consegue tolerar esta dor até que ele possa sofrer esta dor para que haja uma transformação, mas para isso ele precisa ser capaz de renunciar ao seu desejo e adiar das suas vontades.

FUGA

Muitas vezes, quando a gente está sentindo uma dor muito intensa, quando a gente está sentindo uma angústia muito grande, uma ansiedade muito grande, a gente tende a fugir dessa dor, dessa dor psíquica, dessa dor emocional. E tudo bem! Não tem problema, nós vamos fazer isso a miúde, mesmo. Nós vamos fugir dessas dores. No entanto, a gente precisa ter consciência de que fugir de uma dor psíquica é impreterivelmente se iludir. A fuga da dor emocional é a ilusão, que vai gerar alucinação, que vai gerar delírios. Ninguém foge de um processo psíquico, ele se engana estar fugindo.

SENTIMENTO, EMOÇÃO, AFETO E VÍNCULO

Quando a gente fala de emoção, vamos começar pela emoção, eu penso ser muito importante a gente partir da semântica da palavra. “E + MOÇÃO” E, no latim é ex. Corta-se os X, aí quer dizer para fora e MOÇÃO é movimento. Então, movimento para fora, ou seja, algo que está dentro que vai para fora, se projeta no mundo externo. A emoção é impreterivelmente algo que eclode do mundo interno. O sentimento já é algo que você sente independente de externalizar. Eu sinto isso e isso não necessariamente vai gerar uma emoção. É claro que toda emoção é gerada de um sentimento, mas nem todo sentimento gera uma emoção. Sentimento é algo que me faz mobilizar algo internamente e emoção é quando eu externalizo isso. Quando eu coloco para fora, quando eu manifesto isso no mundo externo. E aí, vale acrescentar mais uma experiência que é do afeto. A quer dizer em direção alguma coisa e FACERE quer dizer fazer. Fazer alguma coisa em direção. Então, um sentimento gera uma emoção e esta emoção está buscando um afeto que possa afetá-la. Quando esta emoção encontra um afeto acontece um vínculo.

MODELO

Cada psicoterapeuta tem a sua técnica, cada psicoterapeuta tem a sua maneira, a sua metodologia de praticar a psicoterapia. Não só cada psicoterapeuta, mas existem inúmeras teorias de aplicabilidade psicoterapêutica, no entanto, seja a prática que for, seja o método que for, seja a técnica que possa ser usada, na realidade, o que realmente é transformador é o vínculo saudável que se estabelece entre as duas pessoas, psicoterapeuta e paciente. Como é que funciona isso? Você propicia a possibilidade de se estabelecer um vínculo saudável com esse paciente, este vínculo ora estabelecido vai começar a se tornar um modelo de vínculo para que o paciente possa internalizar e aplicar na relação que ele tem consigo mesmo. Muitas vezes, ele não consegue reconhecer a si mesmo. Muitas vezes, ele não consegue respeitar a si mesmo. Muitas vezes, ele não consegue se responsabilizar por si mesmo, mas dentro do vínculo psicoterapeuta/paciente vai haver a possibilidade disso. O psicoterapeuta vai reconhecer esse paciente, vai respeitar este paciente, vai se responsabilizar por esse vínculo com o paciente. E o paciente vai aprendendo isso e internalizando. E ele passa a fazer isso em relação a si mesmo. A partir desse vínculo que ele vai reparando consigo mesmo, ele vai sendo capaz de estender este mesmo modelo nas relações que ele tem com as pessoas. E não só estender este modelo na relação com as pessoas, mas ser capaz de avaliar se a pessoa que ele vem a se relacionar é capaz de manter um vínculo desta qualidade e se afastar das pessoas que definitivamente ele perceba que não são capazes de manter esta qualidade de vínculo saudável.

TRANSFORMAR 

A psicoterapia não promove transformação, ela propicia um ambiente para que a transformação possa acontecer. A transformação vai acontecer por si só, não é a psicoterapia que promove. A psicoterapia propicia um ambiente para desobstruir a possibilidade de transformação. O sujeito não se transforma porque ele está obstruído de um monte de coisas que ele foi criando e colocando no seu caminho e que vão represando a sua possibilidade de fluxo do desenvolvimento. A psicoterapia é um recurso de desobstrução. Então, o que realmente propicia desobstrução é um vínculo saudável, é um vínculo que tenha dedicação e limite, amor e verdade. Dedicação é amor. Acolhimento! O que é acolhimento? É amor com limite. Acolher é algo que carece de limite, mas também carece de dedicação, de doação, de atenção, mas isso tudo dentro do limite. Qual é o limite? O limite da capacidade de ambos. Precisamos respeitar o limite de cada um. O limite do analista e o limite do paciente. O quanto o analista é capaz de se doar. Tem um limite. O quanto o paciente é capaz de se doar. Tem um limite!

DEBRIS

Auto-lapidação! É muito bonito isso. O que é lapidação? É ir retirando as partes que não são tão nobres de si mesmo e se desfazendo daquilo que talvez não seja saudável de si mesmo e ficando só com a essência. Esta questão de auto-lapidação é muito bela. O Bion vai falar dos debris. Ele vai falar dos escombros, dos entulhos que o paciente chega na clínica e você vai ajudando ele a tirar aquilo de cima dele para ver o que é que sobra de verdadeiro. Então, essa questão é muito e interessante, é muito bela, de ir se autou-lapidando daquilo que não é nobre, daquilo que não te ajuda, daquilo que só te obstrui o fluxo da sua própria vida.

SOFRER A DOR

O Bion trata sobre essa questão do sofrer a dor e o sentir a dor lá no ATENÇÃO E INTERPRETAÇÃO, 1970. Então, ele vai dizer que alguns pacientes não são capazes de sofrer a dor. Eles sentem a dor, mas eles não conseguem submeter essa dor ao sofrimento. Ele não consegue viver essa dor, então ele padece da dor. Ele sente aquela dor repetidamente, da mesma forma e ele se lamenta daquela dor. Ele reclama daquela dor, mas ele não consegue sofrer aquela dor. Quando ele coloca esta dor dentro da perspectiva do sofrimento e se propõe a realmente sofrer esta dor... O que é sofrer essa dor? É RECONHECER essa dor como sua, é aprender a RESPEITAR essa dor e é se RESPONSABILIZAR por essa dor. Quando ele consegue esses três “Rs”: reconhecer, respeitar e se responsabilizar, essa dor começa a se transformar em algo nobre, em aprendizado e já não está mais naquela perspectiva da lamentação, do padecimento, mas esse sofrimento leva à transformação. Não é simplesmente... Sofrer a dor não é simplesmente sentir a dor, mas é viver essa dor para que ela possa se transformar. Mas, para isso eu preciso de tolerar essa dor. Quando eu estou padecendo da dor e não estou sofrendo da dor, eu estou a aguentando essa dor, eu não estou tolerando a dor. Quando eu tolero, ela se transforma. Quando eu aguento... E o que é aguentar? É suportar como se suporta um peso. Então, quando eu aguento, quando eu suporto, aquela dor fica represada e não se transforma. E aí, a gente vai chamar em psicanálise isso daí de melancolia, de estado de melancolia. Quando o sujeito submete essa dor ao sofrimento ele passa a viver o processo do desta dor e aí é transformador.

RESPONSABILIDADE

Um exemplo claro de sentir a dor, de padecer da dor e não sofrer da dor: eu sinto essa dor dentro de uma perspectiva de angústia, de ansiedade, de medo, de insegurança e eu atribuo ao outro a responsabilidade disso. “Foi você que me deixou inseguro!” “Quando você faz isso eu fico assim!” “Foi você que provocou isso!” E aí, eu brigo com o outro, porque eu não sou capaz de reconhecer que essa dor é minha, que é uma insegurança minha, que eu não estou sendo capaz de reconhecer isso como meu, não estou sendo capaz de respeitar isso como meu e não estou sendo capaz de me responsabilizar por isso. Então, eu coloco no colo do outro e digo: “É você quem faz isso acontecer comigo!” E aí, o que acontece? Quando o sujeito sente a dor e padece da dor e não é capaz de sofrer a dor ele prejudica todo mundo que está em volta dele. Todo mundo se sente culpado por aquilo. Quando, na realidade, é o sujeito que precisa se responsabilizar por isso.

CULPA

Qual é o antídoto para dissolver a culpa? É a capacidade de se responsabilizar. Não existe outra coisa! Mas, qual é o benefício do sujeito manter a culpa, se manter se sentindo culpado? É justamente atribuir ao outro esta culpa. “A culpa é minha, eu coloco em quem eu quiser!” Manter a culpa tem um benefício. Reconhecer, aprender a respeitar e se responsabilizar pelo fato é muito trabalhoso. Requer uma dedicação enorme. Requer uma capacidade de frustração muito grande. Não é para qualquer um. É muito mais fácil eu jogar para o outro. É muito mais fácil eu armar um caos, sair brigando com todo mundo, gritando, esbravejando, do que me responsabilizar por isso, do que cuidar disso na minha análise pessoal.

REALIDADE

Nós temos a tendência de enxergar no mundo aquilo que coincide com a nossa vontade. A gente imagina alguma coisa e procura no mundo isso que a gente imaginou. A possibilidade de reconhecer as coisas reais do mundo é muito difícil para o ser humano. Ele só consegue fazer isso a partir de um encontro bem sucedido com o mundo externo. O bebê precisa encontrar com a mãe generosa, com a mãe suficientemente boa, porque a mãe é a primeira noção de mundo externo. Quando ele não consegue encontrar esta mãe generosa, essa mãe benevolente, essa mãe suficientemente boa, ele vai guardar uma dificuldade enorme de reconhecer as coisas do mundo externo, as coisas reais e vai priorizar aquilo que ele imagina e não aquilo que realmente é.

ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA

Tenho minhas restrições ali com o Saramago, porque era ateu, mas tudo bem, respeito, não tem problema, mas ele tem obras geniais e uma das obras geniais dele é o Ensaio Sobre a Cegueira, que depois virou um filme tão bacana quanto o livro. Então, muitas vezes, o paciente chega na clínica vivendo uma experiência muito parecida com esta obra. Ele é o único que está sendo capaz de ver, de enxergar, simbolicamente é claro, num ambiente onde está todo mundo cego. E ele chega desesperado por causa disso e muitas vezes, ele acreditando que o mal dele é enxergar. Porque está todo mundo cego e adaptado à cegueira, só que pendurado nele. Muitas vezes, na maioria das vezes o sujeito que procura terapia é o sujeito mais saudável emocionalmente da família.

REPARAÇÃO

Quando a criança é pequena, existe maior possibilidade dele conseguir reparar esta relação com o mundo externo. Conforme ele vai crescendo, conforme ele vai se desenvolvendo, vai se tornando cada vez mais difícil, porque esta interação quando vai passando o tempo, vai criando maiores obstruções maiores ilusões e ilusões muitas vezes, intransponíveis, que não podem ser ultrapassadas na barreira que separa o sujeito do outro. Então, quanto mais terra for a possibilidade de reparação, tanto mais ela pode ser bem-sucedida.





terça-feira, 29 de outubro de 2024

FAZER AMOR - Prof. Renato Dias Martino


Esse é um tema extremamente polêmico! Porque nós aprendemos desde pequenininho que praticar o sexo com o outro é fazer amor. No entanto, uma coisa não tem nada a ver com a outra. Desejo sexual não é amor. O desejo sexual é um desejo de se satisfazer com o corpo do outro, amor é justamente a capacidade de adiar a sua satisfação pelo outro. Uma coisa é o avesso da outra. O sexo precisa ser de comum acordo dos dois. O sexo saudável é aquele que acontece quando os dois estão disponíveis naquele momento. Esse negócio de que precisa haver sexo, tem que ter sexo, é uma conversa fiada. Não tem que ter sexo. O sexo tem que acontecer quando houver a sintonia das duas pessoas e aquilo acontecer como uma brincadeira. É muito mais um entrosamento dos dois do que é um desejo. O sujeito que é maduro emocionalmente é capaz de adiar a sua vontade sexual, porque ele percebe que o outro não está disponível. Ele é capaz de renunciar ao seu desejo sexual por conta do outro. Porque, desejo sexual é uma coisa, vontade de sexo é outra. Desejo sexual diz respeito a alguma coisa que vai para além da satisfação sexual. Você tem vontade se e isso é fisiológico e você precisa do sexo para suprir esta vontade, agora, o desejo sexual é outra coisa. O desejo sexual diz respeito a um biotipo específico, o desejo sexual diz respeito a “eu desejo ser desejada pelo meu companheiro”. Isso não tem nada a ver com satisfação sexual, dentro do âmbito da necessidade.


segunda-feira, 21 de outubro de 2024

DA INVEJA A GRATIDÃO - Prof. Renato Dias Martino



Em 1957 a Melanie Klein, publica INVEJA E GRATIDÃO e ela planta uma sementinha para gente refletir sobre a relação da inveja e do sentimento de gratidão. Do sentimento de inveja e do sentimento de gratidão. 

GRATIDÃO

Quando a gente fala de gratidão, nós estamos falando de um sentimento. Gratidão é um sentimento e ninguém escolhe o que sentir. Então gratidão é um desdobramento de uma experiência que vai levar sujeito à maturidade emocional e não uma escolha. Então, você não escolhe ser grato você vive experiências que vão te levar a sentir gratidão. Isso é muito importante. Muitas vezes, a gente vê nas redes sociais: “Ah! você tem que ser grato!” Não! Você não tem que ser grato! Você vai ser grato na medida em que você conseguir viver experiências junto com o outro, que te leve a desenvolver o sentimento de gratidão. Eu preciso do outro para que eu possa sentir gratidão. Ninguém desenvolve uma possibilidade de sentir gratidão sem ter experiências afetivas com o outro.

INVEJA

 A inveja é um sentimento que vai espontaneamente brotar no sujeito. Também, ninguém escolhe sentir inveja, ou deixar de sentir inveja. Na terra infância, a Melanie Klein vai dizer que quando o bebê começa a perceber que a mãe traz para ele uma série de elementos que ele próprio, sozinho não consegue, ele passa sentir inveja da mãe. Ele sente inveja da mãe. O que a gente está chamando de inveja aqui? Inveja é admiração sem capacidade. Então, o bebê passa a admirar a mãe, mas ele não tem capacidade daquilo, logo, configura-se em inveja. Esta inveja, ela vai seguir alguns caminhos. Alguns nocivos e um saudável. Dois caminhos nocivos que a gente poderia enumerar aqui. Voracidade, o bebê querer devorar a mãe, incorporar a mãe para conseguir tudo aquilo que ele inveja e o outro é depreciação. Ah! Isso aí não presta mesmo! Para aplacar a inveja. Os dois formatos são nocivos e uma via saudável. Qual é a via saudável? Quando a mãe é generosa. Quando a mãe é capaz de suprir suficientemente bem as necessidades do bebê, daquilo que ele não dá conta sozinho e que ela pode fazer. Ele passa a desenvolver a gratidão por essa mãe. Ele passa a ser grato porque ela dá para ele aquilo que sozinho ele não consegue fazer. Isso não só na vida do bebê. Um adulto, por exemplo, dentro da análise a gente vê isso. Muitas vezes, o paciente, ele sente inveja do analista, porque ele se sente tão bem perto do analista e longe do analista ele não consegue fazer isso sozinho. Então, ele passa a sentir inveja do poder que o analista tem em relação a ele. Dele se sentir bem, dele se sentir protegido, dele se sentir seguro, mas quando ele está longe ele se sente inseguro, ele sente desprotegido. Ele fala assim com ele mesmo: “Puxa vida, mas o que esse cara tem que eu não consigo fazer sozinho?” Ou ele começa a ser atacado pelo próprio superego dele, dizendo assim: “Está vendo, óh? Você é um banana, você não consegue fazer isso aí sozinho. Você é dependente do teu analista.” Então, ele passa a ter inveja do analista nas capacidades, no poder que o analista tem em relação ao seu funcionamento emocional e afetivo. Só que, aos pouquinhos se ele for capaz de tolerar esta inveja, ele vai devagarinho, aprender o funcionamento que a dupla tem e internalizar isso para que ele possa fazer consigo mesmo. E quando ele consegue internalizar este modelo, quando ele consegue acolher a si mesmo, assim como o analista o acolhe, ele passa a ser grato ao analista. Então, o que um dia foi inveja, passou pelo acolhimento, se transformou em gratidão. 

PRÀTICA

Com alguns anos de psicanálise, né? A gente experimenta algumas vezes, até o paciente que é sincero o suficiente para falar: “Um dia eu senti inveja de você, mas hoje eu sou grato a isso aqui”. É uma experiência bonita. Aliás, a psicanálise é bonita. A psicanálise é bela. Não deixa de ser triste. Não deixa de ser dolorosa, mas é bela. Contemplação! O contemplar, por mais que seja doloroso, contemplar, por mais que seja doído. COM + TEMPLO. COM = junto e TEMPLO = local sagrado. Um ambiente sagrado, por mais que não seja um ambiente físico, hoje a gente tem a psicanálise online aí, se forma um ambiente emocional-afetivo sagrado, por isso uma contemplação.



domingo, 13 de outubro de 2024

CONJUNÇÃO E GESTAÇÃO - Prof. Renato Dias Martino


DESAPEGO E IGNORÂNCIA

O desapego é a pedra fundamental do desenvolvimento saudável da mente. Uma mente se desenvolve através da capacidade de tolerar o desconforto do desapego e a compreensão é um elemento que está ligado diretamente neste desenvolvimento. O sujeito, ele se apega a compreensão por não tolerar a sua ignorância. A vontade dele faz com que ele se apegue no saber, na compreensão por não estar preparado para tolerar o desconforto de se perceber ignorante. Ignorante da realidade, ignorante do fluxo constante da realidade.

MODELO MÃE BEBÊ 

A psicanálise se utiliza dessa relação mãe e bebê, sobretudo depois da introdução das ideias do Winnicott, como um modelo de toda a elaboração que vai acontecer com outros objetos, com outros elementos do mundo, mas essa relação mãe e bebê é uma relação simbólica e uma relação icônica que transcende essa própria relação. Claro! É importante a gente lembrar que, quando a gente fala da relação mãe e bebê, nós estamos falando, implicitamente da relação mãe e pai. O pai precisa estar presente, desempenhando a sua função paterna para que a relação mãe/bebê seja bem-sucedida. Quando a gente está falando da relação mãe/bebê nós estamos falando, inclusive da relação eu e eu mesmo. Eu sendo a minha mãe. Eu sendo a minha mãe e tendo a minha função paterna em relação a mãe que eu sou de mim mesmo.

RE-CONHECER

Quando a gente fala relação mãe e bebê na psicanálise, implicitamente nós estamos falando, por exemplo da relação analista paciente. É só um exemplo, mas quando a gente fala que é prejudicial para o bebê que a mãe acredite conhecê-lo e que se contente com aquilo que sabe sobre ele, nós estamos falando do sujeito em relação ao mundo. Todas as vezes que você acredita que sabe alguma coisa e que você se contenta sobre isso que você conhece sobre esta coisa, isso te impede de continuar aprendendo. Porque, aquele que acredita que já sabe está obstruído de aprender e quando a gente traz isso no âmbito da mãe e do bebê, isso toma uma proporção extremamente grave, porque a mãe precisa estar aberta o tempo todo a reconhecer o seu bebê a conhecer o seu bebê novamente. Um analista precisa estar aberto a reconhecer o seu paciente. Conhecer o seu paciente novamente a cada encontro.

TRANSFORMAÇÃO

É prejudicial para o sujeito que ele acredite conhecer as coisas do mundo, que ele acredite saber sobre as coisas do mundo e mais, que ele se conforme com isso que ele acredite saber. Assim como a mãe e o seu bebê. A mãe precisa propiciar um ambiente para que o bebê possa se transformar nos seu ritmo. Quando ela acredita que conhece esse bebê, ela pode ficar com estas características do já conhecido e obstruir o desenvolvimento deste bebê. Isso tem a ver também com a experiência do analista e do paciente. Estar abertos para aquilo que é a transformação no paciente.

TOLERÂNCIA 

Saúde mental carece de tolerância. Todo desenvolvimento saudável da mente tem como pressuposto a tolerância. É necessário ter tolerância para se desenvolver emocionalmente e afetivamente. E esse desenvolvimento vai trazer mais tolerância como um desdobramento do processo.

INVARIÂNCIA 

A ideia de invariância, ela é uma ideia extremamente delicada. Por quê? Porque nada é completamente invariante, nada neste plano é completamente invariante, as coisas que podem ser invariantes estão num plano transcendental ao plano material. Por exemplo a divindade é invariante a essência é invariante, a partícula que configura os elementos do mundo pode ser chamada de invariante. Todos nós somos feitos de átomos. O átomo talvez possa ser chamado, talvez possa ser chamado de invariante em cada um de nós. Não só em cada um de nós, mas uma xícara é feita de átomo e o ser humano também é feito de átomos. Esta partícula pode ser chamada de invariante, mas é extremamente delicado tratar da ideia de invariância, porque a invariância é relativa. Já a transformação, não! A transformação é a realidade. Tudo está em transformação. Tudo está se reconfigurando o tempo todo. Cada coisa no seu tempo. Cada coisa dentro da perspectiva particular daquela configuração, mas tudo está em transformação. Nós vamos falar aqui da invariância temporária do colo da mãe em relação ao bebê. Então, o colo da mãe precisa ser invariante para acolher o bebê que é transformação.

AMPARO

A transformação saudável vai ocorrer na medida que possa contar com um acolhimento, um amparo invariante. O paciente está procurando o analista porque está sofrendo de transformação e ele precisa encontrar neste analista uma invariância para que ele possa se apoiar e viver a transformação necessária para o seu desenvolvimento. Você coloca, por exemplo, uma sementinha de qualquer planta num vaso, essa terra que está no vaso, este substrato que está no vaso, precisa estar invariante para que essa sementinha possa germinar e brotar. Se você ficar mexendo essa terra o tempo todo, ela não vai conseguir firmar as raízes para que ela possa crescer, para que possa haver uma transformação saudável. Essa transformação está subordinada ao amparo, ou ao acolhimento invariante. Esta invariância precisa estar também atenta à transformação, porque ela precisa ceder a essa transformação quando essa transformação já estiver num certo ponto de autonomia. Então, a terra que estava ali invariante para que a semente pudesse brotar, passa precisar ceder para que as raízes possam penetrar cada vez mais fundo nessa terra. Porque se ela se mantiver invariante, a raiz não consegue penetrar. Assim também o colo da mãe precisa trazer esta transformação conforme a transformação do bebê.

INVARIÂNCIA DINÂMICA 

Precisa ser uma invariância dinâmica. Então, a terra precisa ser invariante para que a raiz da planta possa se apegar, possa se expandir, mas não invariante ao ponto de obstruir a penetração desta raiz. Porque se ela for extremamente rígida, a raiz não consegue penetrar e não consegue se expandir. Então, esta invariância também é relativa, ela não pode ser efetiva e engessada.

BEBÊ TRANSFORMAÇÃO 

Invariante é aquilo que não muda, que não se transforma. O colo da mãe precisa ser invariante para acolher o bebê que é transformação, que está se transformando o tempo todo e quanto mais esse colo for invariante, mais o bebê vai ter a chance de se transformar. No entanto, esta invariância do colo da mãe precisa estar atenta para o desenvolvimento do bebê. Para quê? Para que possa libertar o bebê na medida em que ele estiver transformado o bastante para ter certa autonomia. Porque esta invariância, quando ela é muito rígida, ela obstrui o desenvolvimento do bebê que é transformação.

VÍNCULOS

Quando uma parte é capaz de sofrer a transformação, a outra parte também é beneficiada. Tudo que diz respeito ao vínculo, quando é saudável para uma parte, também é saudável para outra e vice versa. Quando algo é nocivo para uma parte também é nociva para outra parte dentro do vínculo. O Bion coloca lá em ATENÇÃO E INTERPRETAÇÃO, 1970, ele propõe três tipos de vínculos e ele se apoia na biologia para trazer esses três tipos. Então, ele vai falar do vínculo comensal, ele vai falar do vínculo simbiótico e ele vai falar do vínculo parasítico. E aí, ele traz uma ideia muito interessante que vai aí entrar em conflito com a ideia vigente de simbiose. Nós vamos chegar lá. Então, vamos falar do vínculo comensal. O vínculo comensal, ele diz assim, que é um vínculo onde duas partes se unem, onde uma não beneficia a outra, mas também não atrapalha a outra. Convivem harmonicamente, sem que uma atrapalhe a outra, ou também que uma possa trazer benefício para a outra. Vamos chamar esse vínculo de comensal e isso acontece na natureza. O vínculo simbiótico, dentro da natureza é quando uma vida se une a outra vida para que essas duas vidas consigam expandir. Cada uma beneficiando a outra e beneficiando também o vínculo. Então, a mãe tem um vínculo simbiótico com o bebê. O bebê se desenvolve, a mãe se desenvolve e o vínculo dos dois se desenvolve. E ele vai também falar do vínculo parasítico. O vínculo parasítico é quando um se junta com o outro causando um mal para o outro, um mal para si mesmo e o mal para o próprio vínculo.

SIM-BIOSE 

Vínculo simbiótico, onde uma vida se junta com outra vida para que as duas possam crescer e se desenvolver e com isso também propiciar o desenvolvimento do vínculo. Quando a mãe cuida do bebê, quando a mãe é suficientemente boa é dedicada ao bebê, ela propicia o crescimento do bebê o desenvolvimento do bebê e ela também se desenvolve nessa experiência. Não é só o bebê que está se desenvolvendo, ela não é simplesmente um recipiente como um vaso que vai ali, receber o bebê para que o bebê se desenvolva, mas ela é um continente ativo e dinâmico que também está aprendendo com esta experiência e o primeiro aprendizado é a humildade para perceber e reconhecer a sua ignorância frente a esta criatura da qual ela está cuidando.

CONJUNÇÃO CONSTANTE 

O Bion traz a ideia de continente contido no APRENDER COM A EXPERIÊNCIA, mas depois ele retoma essa ideia de uma maneira muito interessante lá no ELEMENTOS DE PSICANÁLISE, onde ele vai eleger a conjunção constante continente contido como o primeiro elemento de psicanálise. Então, o que é conjunção constante continente contido? É onde uma parte está junto da outra, ora uma sendo continente, ora outra sendo continente, ora uma sendo contido, ora outra sendo contido. Um bom exemplo disso é o bebê no colo da mãe. O bebê está contido no colo da mãe que é o continente, mas quando ele começa a mamar o seio da mãe, a boca dele passa a ser um continente e o seio da mãe o contido. Um outro exemplo disso, o analista o analista precisa ser o continente para receber o conteúdo, o contido do paciente, mas ora trabalhado, este conteúdo devolvido para o paciente, o paciente precisa ser capaz de ser o continente para receber este contido. Isso a gente vai chamar de conjunção constante continente contido.

CONSTÂNCIA

Para que haja uma transformação é necessário que haja constância. Constância sugere invariância. Se é constante, não está variando, não pode ser transformação, ou pelo menos dentro de uma boa proporção não pode se transformar. Para que o bebê possa se transformar ou possa viver o processo do seu desenvolvimento ele precisa contar com uma mãe que seja proporcionalmente invariante ela precisa proporcionar um ambiente de constância de invariância até que o bebê possa se desenvolver

GESTAR

O próprio Bion se utiliza da do símbolo feminino como continente e o símbolo masculino como contido, sugerindo aí, a penetração mesmo, do órgão genital masculino no órgão feminino. A cópula em si. Então, esta penetração é uma relação continente contido e essa relação continente contido é tão simbólica que é justamente o que vai gerar o novo gerar, o bebê. Dentro da mente também podemos usar esse mesmo modelo, onde uma ideia penetra um sujeito que vai gestar aquela ideia e gerar uma nova ideia. Não mais aquela ideia anterior, mas uma ideia agora que une as duas partes. Então, o bebê não é só da mãe, o bebê é uma união do pai e da mãe.



sexta-feira, 4 de outubro de 2024

DO AUTOEROTISMO AO AMOR PELO OUTRO - Prof. Renato Dias Martino


AUTOEROTISMO

Hoje nós temos aí, pessoas com um dom extremamente elevado de diagnosticar as pessoas, de apontar os dedos e trazer com precisão inúmeros dados, mas nós psicanalistas, precisamos ser humildes o suficiente para admitir que a gente não sabe nada e que a gente precisa viver essas experiências junto com o paciente. A questão é o sujeito que só consegue se satisfazer através da masturbação. Então, a gente está falando aí, da impossibilidade de ter passado do autoerotismo para o narcisismo primário. O que é o autoerotismo? É quando o sujeito se satisfaz consigo mesmo, por mais que seja através do corpo do outro, mas ele ainda tem uma autossatisfação, ele não consegue admitir o outro. Ele não inclui o outro. Então, ele não conseguiu fazer essa transição do autoerotismo para o objeto externo, para o outro. Então, ele ainda ficou fixado nisso.

NARCISISMO PRIMÁRIO

Como se dá a passagem do autoerotismo para o narcisismo primário? Então, Freud vai colocar em 1914, SOBRE O NARCISISMO: UMA INTRODUÇÃO, que, para que possa haver o narcisismo primário, precisa ter havido uma ação a mais. Qual é essa ação a mais? É a apresentação do objeto que é a mãe. A mãe precisa entrar na relação, porque se a mãe não entra na relação ele fica preso no autoerotismo. Para a mãe se apresentar e para que o sujeito possa reconhecer esta mãe, ela precisa chegar de mansinho. Aí, vamos resgatar o Winnicott: ela, primeiro, precisa ter sido o ambiente. Quando ela é um ambiente, o bebê vive o autoerotismo, porque ela não é outra pessoa. Então, ele desenvolve, ele vive a experiência do autoerotismo até o ponto que isso possa se desenvolver e ele passe a ser capaz de reconhecer o outro. Este outro passa a ser um espelho para ele. Quando ele passa a ser um espelho para ele, ele começa a viver o narcisismo primário. Então, agora ele admite a entrada do outro, mas um outro que vive exclusivamente para ele. Quando ele não tem este outro que vive exclusivamente para ele, ele fica fixado no autoerotismo como se não existisse qualquer outra pessoa. Porque essa outra pessoa não foi boa o suficiente para que ele pudesse abrir mão daquela configuração autoerótica para se abrir para o outro.

FUNÇÕES

Quando eu falo aqui da função materna, eu estou falando implicitamente da função paterna. Não há como exercer a função materna de maneira suficientemente boa, ou de maneira bem-sucedida, sem a presença atuante da função paterna não tem como.

INTENSO OU DURÁVEL 

Amor intenso não existe! Amor intenso é paixão e na paixão o elemento fundamental é o desejo. Na paixão eu desejo o outro, no amor eu me dedico ao outro. E a dedicação não é intensa, ela é constante. O amor é constância, a paixão é intensidade. Então, quando a gente está falando de um amor saudável, de um amor verdadeiro, a gente está falando de constância, de continuidade. Quando a gente fala de intensidade, nós estamos falando de paixão. Na paixão o sujeito elege o outro como um objeto de desejo e quando ele percebe que o outro não corresponde ao seu desejo, ele já não quer mais o outro. 

GOSTAR OU AMAR

Nós temos a ideia de que amor é um sentimento, nós temos a ideia de que se sente amor. Eu sinto amor! Não! Eu não sinto amor. Amor não é um sentimento, amor é uma capacidade. Nós tendemos a colocar o amor no super relativo do gostar. Eu gosto tanto que eu amo. Não! Amor é independente de gostar. Amor é dedicação, amor é doação. Gostar é para coisas, amar é para pessoas. Quando a gente ama o outro é quando a gente está aberto a se dedicar ao outro. Por quê? Porque a gente está amando a gente mesmo, porque a gente é capaz de amar a gente mesmo, a gente estende esse amor ao outro. E amar a nós mesmos independente de gostar de nós mesmos. Eu posso não estar gostando de mim, mas eu me amo, eu me dedico a mim mesmo. Isso porque aquele que cuidou de mim, aquela que fez a função materna e aquele que fez a função paterna me amava independente de gostar de mim. Uma mãe não gosta do bebê o tempo todo. Bebê é muito difícil de cuidar e eu não posso esperar que eu goste desse bebê para amá-lo. Gostar é quando o outro me traz um benefício, amar é quando eu me dedico ao outro. Uma coisa não tem nada a ver com a outra.


DIFERENCIAÇÃO 

A mãe se separou do pai e o menininho de 11 anos, um dia chegou para mãe e falou assim: “Mãe, olha, eu te amo muito, mas o papai é muito mais legal que você”. Na avaliação da criança, o pai é mais legal. Agora, quando a criança não é capaz de amar ainda, porque ela ainda não tem esta capacidade. Uma criança não ama. Crianças não amam! Bebê não ama! Eu não posso exigir de uma criança que ela ame, porque ela ainda não é capaz disso. Ela precisa ser amada, muito amada, muito bem-amada, para que ela possa desenvolver isso. Então, não posso exigir isso da criança. Então, enquanto ela não se torna capaz de amar ela também não é capaz de discernir o que está vindo do outro, se é amor, ou qualquer outra coisa. Mas, a ainda assim, a dedicação é amor e quando ela aprender a amar através dessa dedicação, que hoje ela não consegue reconhecer como amor, ela vai perceber e vai avaliar quem realmente ama. Talvez a criança não seja capaz de diferenciar quem gosta dela e quem a ama, mas isso aí é temporário, é até que ela possa aprender a amar. Aprender a amar através do quê? Através da dedicação que tiveram com ela e não através das pessoas que gostam dela. Porque as pessoas que gostam dela, gostam porque ela pode trazer um benefício. Porque ela é bonitinha, porque ela fala legalzinho, porque ela sabe fazer continha, porque ela faz desenho bonito, isso é gostar, mas isso daí só alimenta um falso eu, porque você vai ficar preso naquilo que você tem que fazer para que o outro possa gostar de você. O amor não! O amor é dedicação. As pessoas que se dedicaram a mim, alimentaram em mim a minha auto-dedicação e hoje eu sou capaz de dedicar a mim mesmo e estender essa dedicação ao outro. Isso é amor! Gostar é outra coisa. O amor se manifesta quando eu não espero nada do outro. Enquanto eu estiver esperando alguma coisa do outro, não é amor. Então, o amor se manifesta quando o sujeito é idoso e quando o sujeito é criança. Por quê? Porque quando ele é criança, ele não pode trazer benefício nenhum para o outro e quando ele é idoso, tanto quanto. Então, a criança pode não estar sendo capaz de reconhecer, ou diferenciar, ou avaliar o que é amor e o que é gostar, mas mesmo que ela não esteja sendo capaz de diferenciar, está acontecendo a nutrição e ela está se alimentando disso e se nutrindo disso.

DEPRESSÃO PÓS 

Depressão é um movimento. O movimento para dentro, para baixo. A depressão pode tanto ser patológica, quanto ser saudável. Todas as duas são desconfortáveis. Então, depressão pós-parto, ela vai acontecer, em alguma medida, em todos os partos, em todos os pós-partos, todo filho que nasce vai gerar na mãe uma certa depressão. Todo sujeito que entra na minha vida, após a entrada desse sujeito na minha vida, vai gerar uma depressão. Por quê? Porque esta entrada do outro vai, de alguma forma sacrificar uma parte do meu narcisismo. Então, o bebê que nasce vai, de alguma forma, suprimir a vida da mãe em alguma medida. A mãe, agora, vai ter que viver para aquela criatura e dizer que você vai lidar com isso de uma maneira: Ah está tudo bem! Não! Não vai lidar com isso, “tudo bem”. Umas estão mais preparadas para isso, outras menos, mas de alguma forma, você vai sentir isso. Ou seja, você, em algum momento, não vai gostar que aquela criança esteja ali, mas você vai amá-la, da mesma forma, mesmo não gostando que ela esteja ali, porque amar é dedicação.

EDUCAR

Você sabe qual que é a semântica da palavra educar? “E” quer dizer fora e “DUCERE” quer dizer colocar. Educar é colocar para fora. Educar é um fator da função paterna, a mãe não educa é o pai que vai preparar para fora. É a função paterna que prepara a criança para que ela possa viver no mundo externo. A mãe não! Quando não tem a função paterna, a mãe tem que carregar esse duro fardo de educar e aí, ela tem que se destituir da sua sensibilidade que é a sua maior virtude para fazer isso.

NÃO DE PAI 

Para o pai, falar um não é uma coisa, para a mãe falar um não é outra. Custa muito para uma mãe falar não. Para o pai é corriqueiro. Então, numa família bem estruturada, o filho pede alguma coisa para mãe e a mãe fala assim: “Vai pedir pro seu pai”. Por quê? Porque para ela custa falar não, mas para ele é simples. “O pai... Não! Não! Não! Não! Não! Já falei que não.” Acabou a conversa! O pai dedicado é o pai que ama, é o pai que se dedica ao filho, é o pai que se dedica à criança. Não é simplesmente aquele que fala não. Não é simplesmente aquele que faz reconhecer o limite, mas é aquele que se dedica. E este pai que é capaz de amar também vai dizer o não e este não é mais um fator da função de dedicação. A dedicação dele inclui o não. Então, o pai que ama não precisa sequer justificar o não, porque o não é uma expressão do amor, da dedicação. Quando ele fala esse não com amor, este não é internalizado como autocuidado e esta criança vai aprendendo a dizer não para ela mesma como um autocuidado e não como uma repressão, como uma castração, ou como qualquer coisa nesse sentido, mas como uma capacidade de respeitar a si mesmo. E a partir daí, ele vai se posicionando e tomando atitudes que incluem esta configuração de limite e amor.

MODELO

O nosso desenvolvimento emocional trabalha através de modelos. Eu preciso de modelos. Modelos que possam me trazer limite e amor. Eu preciso ser amado com limite para que eu possa ver no outro um modelo que eu possa seguir, mas hoje nós estamos extremamente carentes de modelos. Modelos aonde? Dentro de casa. O pai precisa ser um modelo para o menino se tornar um homem. O pai precisa ser um modelo para que a menina possa avaliar qual é o homem que ela vai se envolver. A mãe precisa ser um modelo para menina se tornar uma mulher. A mãe precisa ser um modelo para que o menino possa avaliar a mulher que ele vá se envolver. Mas nós não temos mais isso. O pai não está mais presente. A mãe também não está mais presente. E aí, ou ele desiste de procurar modelos, ou ele busca o modelo externo, o modelo de um ídolo que sabe lá onde é que está. Muitas vezes político, muitas vezes dirigente religioso... Sei lá onde... Um cantor de funk, um artista, ele busca esse modelo onde este modelo não é adequado para que ele possa estruturar a sua própria personalidade.