sexta-feira, 31 de outubro de 2025

DA BUSCA PELA VERDADE - Prof. Renato Dias Martino

O conceito de busca tem sido valorizado no âmbito do pensamento humano como elemento fundamental para o reconhecimento da verdade ou ainda no acordo que se possa manter com a realidade. Contudo, essa incessante procura pela verdade, numa busca, muitas vezes desenfreada, revela-se, na melhor das hipóteses, inútil. A verdade não está em lugar algum além do aqui e do agora.
Frequentemente, o sujeito passa a vida inteira buscando a verdade numa procura incessante, o que não passa de mais uma ilusão o afastando de reconhecer a realidade diante de si, bem sob seu nariz. Não é necessário buscar a verdade; ela se manifesta quando somos capazes de renunciar às ilusões.
Entulhado de memórias, saturado de expectativas e preso a um pressuposto de verdade que espera encontrar, o sujeito permanece obstruído para reconhecer a verdade, muitas vezes óbvia, que está bem à sua frente.
Isso é comum no sujeito intolerante, fechado à percepção do que não se revela diretamente aos órgãos dos sentidos. Muitos ateus o são porque Deus não corresponde às suas expectativas.













Prof. Renato Dias Martino

 

quinta-feira, 30 de outubro de 2025

APOSENTADORIA E O VERDADEIRO EU - Prof. Renato Dias Martino



ARMADURA

 

A vida profissional do sujeito é como se fosse uma armadura de um guerreiro. E a aposentadoria é o momento de pendurar a armadura, por assim dizer, deixar de usar essa armadura que o guerreiro usou por muito tempo. Mas quando ele tira a armadura, o que fica é o verdadeiro eu. Na medida em que ele pôde nutrir o verdadeiro eu, a armadura vai ser simplesmente uma armadura. Agora, quando ele não foi capaz de nutrir o verdadeiro eu, ele pode passar a acreditar que ele é a armadura. E aí quando vem a aposentadoria, ele não consegue tirar a armadura, porque se ele tirar a armadura, ele deixa desistir.

 

NUTRIÇÃO

 

Na realidade, essa nutrição do verdadeiro eu, precisa acontecer antes mesmo de qualquer estruturação da vida profissional. O sujeito, ele precisa ter ali, muito cedo, na tenra infância a possibilidade de reconhecimento, respeito e responsabilização pelo verdadeiro eu, para que quando ele comece a vida profissional, o verdadeiro eu é o que realmente importa. O Winnicott fala da mãe ambiente. Para quê? Para que serve essa mãe ambiente? para que o bebê possa ir aprendendo a reconhecer o verdadeiro eu, porque é ela que vai cuidar do ambiente. A tarefa dele é só reconhecer aquilo que ele está sendo na essência. E quando ele consegue reconhecer esse verdadeiro eu, tudo que se estrutura para além desse verdadeiro eu acontece e se estrutura a favor deste verdadeiro eu, para proteger o verdadeiro eu, para viabilizar a existência do verdadeiro eu.

 

RECONHECIDO

 

Ele nunca foi reconhecido no verdadeiro eu, nunca foi nutrido no verdadeiro eu. E quando eu falo nutrido no verdadeiro eu, o eu verdadeiro é nutrido essencialmente de reconhecimento, de amor e de verdade. Quando ele nunca foi bem nutrido no verdadeiro eu e ele começa a trabalhar, ele passa a acreditar que o trabalho dele é ele, a existência dele é aquilo. Por isso ele tem muita dificuldade de se aposentar. E ele acredita tanto que ele é aquele trabalho que quando ele sai do trabalho às 6 da tarde, ele corre direto para o bar, no que usualmente aprendeu se chamar de happy hour, para encher a cara de álcool para ele começar a ser sedado, entorpecido, porque ele não acredita no verdadeiro eu. E ele passa uma vida inteira assim e quando ele aposenta, não tem mais sentido viver.

 

FUGA

 

Não é só a fuga para o happy hour depois do trabalho que o sujeito usualmente tem feito, mas também é a fuga para o psicotrópico, o medicamento psiquiátrico, para as academias, para as compras. Ele foge para todo lado. Pois é, você pode fugir do outro, mas você não pode fugir de você mesmo. Uma hora você vai se encontrar com você. O outro não sabe o teu ponto fraco, mas você sabe.

 

OBJETIVOS

 

O sujeito que está integrado, o sujeito que está nutrindo o verdadeiro eu, o sujeito que foi nutrido no verdadeiro eu e passou a nutrir-se na perspectiva do verdadeiro eu, tem muito poucos objetivos na vida. Ele simplesmente caminha, ele simplesmente realiza, não por conta de um objetivo pré-estabelecido, mas porque realizar é caminhar. Porque a vida desse sujeito é uma grande passagem. Ele não tem um objetivo. Quando ele chega num suposto objetivo, ele continua andando. Esta é a integração do verdadeiro eu. Este é o sujeito integrado. Não aquele que tem um objetivo, mas aquele que está caminhando.

 

IMPORTÂNCIA

 

O sujeito passou uma vida inteirinha não se importando consigo mesmo, não se importando com o verdadeiro eu, alimentando o falso eu, alimentando aquele eu que serve para cumprir expectativas dos outros ou dele mesmo. E aí ele começa a perceber que isso está desabando e chega na psicoterapia. Mas não é de um dia para o outro que isso é reparado. A erva daninha brota por si mesmo. O cultivo de coisas saudáveis demanda de dedicação.

 


terça-feira, 28 de outubro de 2025

SOBRE A DOR - Prof. Renato Dias Martino

 


Quando estamos satisfeitos, desvinculamo-nos momentaneamente da vida, entrando num estado de mente saturada que se assemelha a um entorpecimento. Isso nos conduz a uma dinâmica de relaxamento emocional que nos afasta do estado de atenção. Schopenhauer propôs que a vida é como um pêndulo que oscila entre a dor da vontade e o tédio da satisfação. Ora, o tédio nada mais é do que o enfado do inanimado. Freud denominava isso de pulsão de morte, na qual a libido está ausente. Assim, é na insatisfação que a vontade de viver se manifesta. É na dor que realmente nos sentimos vivos. Na clínica psicanalítica contemporânea, é comum observar jovens que, vivendo uma experiência de satisfação ilimitada, se automutilam, buscando sentir-se vivos.
Contudo, simplesmente sentir a dor, num padecimento repetitivo, contínuo e vicioso, é diferente de sofrer a dor no processo de desenvolvimento e expansão. A possibilidade de sofrer a dor que conduz ao desenvolvimento exige a capacidade de tolerar a frustração. Não há desenvolvimento sem o sofrimento da dor.











Prof. Renato Dias Martino

 

quinta-feira, 23 de outubro de 2025

GRUPO HUMANO: Uma Entidade Psicótica - Prof. Renato Dias Martino

 

A massa humana é estúpida por natureza, já que é heterogênea.
Mesmo que exista um motivo unindo um grupo humano, sempre existirão inúmeros outros que não sustentam essa união. Assim que o motivo de união se dissolver, outros elementos logo se manifestarão, promovendo a dissolução do grupo humano. 
Freud já nos alertava, em 1921, sobre a característica estúpida do grupo humano. O ser humano é narcisista por natureza, e isso faz do grupo uma entidade psicótica, formada por inúmeras partes que dificilmente concordam entre si.
O grupo humano carece do cuidado obstinado de um líder para que não se dissolva ou para que conflitos desastrosos entre os membros não ocorram.
Somente em raras situações o grupo humano consegue uma orientação comum e afinada entre seus integrantes.
A harmonia dentro do grupo humano é, geralmente, superficial, guardando em seu íntimo infindáveis desacordos entre os membros.











Prof. Renato Dias Martino


domingo, 19 de outubro de 2025

RECONHECENDO A REALIDADE - Prof. Renato Dias Martino


O MAIS SAUDÁVEL

 

Eu costumo dizer que o sujeito que procura psicoterapia normalmente é o sujeito mais saudável da família, porque na realidade é o sujeito que conseguiu perceber e reconhecer a verdade, e por conta disso começa a sentir o desconforto desta percepção e deste reconhecimento. Logo, ele procura a psicoterapia para tentar lidar com isso. Então, ele é o sujeito mais saudável, porque todos os outros estão envolvidos com suas ilusões, com suas defesas e se virando com suas defesas. Defesas que os afastam da realidade. Isso fica muito claro, não só dentro desse ambiente emocional e afetivo, mas dentro da sociedade. Quando um sujeito é capaz de reconhecer a realidade e se manifesta quanto essa realidade, ele é apedrejado por todos que estão iludidos e estão muito bem confortáveis na sua ilusão.

 

CAOS ALUCINADO

 

Existe uma conveniência em se manter iludido. Existe uma conveniência em negar a realidade, negar a verdade, porque o sujeito tira um proveito disso. Quanto mais caótico estiver, mais ele vai poder agir ilicitamente, mais ele vai poder agir de maneira insana e tirar proveito disso. Porque se responsabilizar dá trabalho! Reconhecer, aprender a respeitar e se responsabilizar é muito difícil. Não é para qualquer um. A maioria prefere estar inserido num caos alucinado para que ele não precise reconhecer nada, respeitar nada e muito menos se responsabilizar. Isso tanto dentro das famílias quanto na sociedade. Na política isso fica muito claro.

 

DESACORDO

 

Isso é verdade, tanto nos grupos externos quanto no grupo interno. Parte do sujeito reconhece a verdade, reconhece a realidade e as outras partes dele se revoltam contra esta parte e aí se instala o caos interior. Assim como no Mito da Caverna, que o sujeito saiu, viu o mundo externo e voltou e quis contar para os caras lá dentro o que que estava acontecendo lá fora e ele foi ridicularizado. Todo mundo falava: "Do que que você tá falando, cara? Que mundo externo que lá fora?”

 

TIRAR PROVEITO DO CAOS

 

E também nos grupos externos. Na política é isso que acontece. Quando aparece um querendo trazer a verdade, ele é apedrejado. Porque existe todo um sistema caótico, onde existe muita gente tirando proveito disso. Quanto mais caótico, melhor. E essas pessoas que estão tirando proveito disso, acabam tendo um poder muito maior do que o sujeito que porventura venha reconhecer a realidade e se manifeste quanto a isso. Porque o sujeito que está tirando proveito do caos, ele é um sujeito inconsequente. Então ele vai “tudo ou nada” muito facilmente. Enquanto o sujeito está reconhecendo a verdade, ele começa a perceber que ele tem a perder. E aí, é uma briga desleal.

 

OFURÔ DE COCÔ

 

O sujeito está mergulhado num ofurô extremamente luxuoso, só que cheio de cocô. Confortável, quentinho, garantido. Não vai faltar cocô, porque cada um que se aproxima vai jogar um pouco ali dentro. E ele está ali confortavelmente podre, até porque, sair dali vai dar trabalho. Como é que ele vai sair dali? Todo sujo, sem roupa, nu? Como é que ele vai se virar cheirando mal? Então é melhor ele se manter ali.

 

RESPONSABILIDADE

 

A questão fundamental é a capacidade de se responsabilizar. Nós vivemos numa sociedade em que ninguém se responsabiliza por nada. Todos estão procurando um culpado, mas ninguém se responsabiliza por nada. Num ambiente onde as pessoas não são capazes de se responsabilizar, está todo mundo procurando culpado, está todo mundo tentando investigar a situação para ver quem é o culpado, mas ninguém se responsabiliza, porque responsabilidade não é uma escolha, é uma capacidade. Ou o sujeito é capaz, ou o sujeito desenvolveu esta capacidade, ou não. Não tem como você imputar responsabilidade. Responder por alguma coisa é ser capaz de se responsabilizar por aquilo. Se você não é capaz, você vai se sentir culpado.

 

PESQUISA

 

A questão é que a psicanálise não é um método investigativo, não é um método de pesquisa. Ou você é um pesquisador ou você é um acolhedor. Não dá para ser duas coisas ao mesmo tempo, porque um pesquisador tem um projeto de um objeto que ele quer investigar e quer pesquisar. O psicanalista não tem um objeto que ele quer pesquisar. O psicanalista, ele não tem um objetivo de pesquisa. Ou você é acolhedor daquilo que vier, sem expectativa, ou você é um pesquisador de alguma coisa que você pré-estabeleceu. Aí você vai fazer um projeto de pesquisa e este projeto vai ser implementado. A psicanálise não pode estar dentro desta função. O Freud nunca fez isso. O Freud nunca propôs um projeto de pesquisa. Ele escreveu a partir das experiências que ele foi conseguindo na sua clínica.

 

CERTEZAS

 

Nós buscamos certezas. Nós buscamos qual é a área do pensamento humano que pode oferecer certezas. A ciência te oferece certezas. A psicanálise não é uma ciência porque não oferece certezas. Quem diz que eu defendo que seja? O que que você chama de ciência? Que ciência que realmente está com a verdade? Que que você anda acreditando? Qual é a conveniência de você acreditar nisso aí que você diz que é ciência? Quem foi que desenvolveu essa ciência? Quem patrocinou esse estudo?

 

IGNORÂNCIA

 

A maior virtude de um psicanalista real é a consciência da sua própria ignorância. Então, nós precisamos, enquanto psicanalistas, continuar sendo psicanalistas mesmo fora do consultório. E este é o princípio deste psicanalista que você continua sendo: a consciência da sua ignorância. Logo, sempre sendo um aprendiz, aprendendo com cada experiência. Não é sair interpretando todo mundo, não é sair dizendo que você é o que sabe tudo, não é sair por aí dizendo que você é o conhecedor da mente humana, ou sair dando conselhos. Isso não é psicanálise. Não é função de um psicanalista dar conselhos para ninguém, mas é função de um psicanalista tolerar a sua ignorância.

 

CONHECIMENTO

 

Muitas vezes a gente consegue certo conhecimento e para conseguir este conhecimento a gente batalhou muito, estudou muito e aí, a gente se apega a esse conhecimento e não quer largar dele. E aí, a gente tenta enfiar este conhecimento em tudo na vida, porque foi tão difícil eu conseguir esse conhecimento. Agora tudo tem que ser isso.

 

ESTUDOS

 

Ah, mas eu estudei muito Freud. Ah, mas eu estudei muito Melanie Klein. Estudei muito Bion. Estudei muito Winnicott. Agora, tudo tem que ser isso, porque eu sou doutor nisso. Eu gastei um dinheirão, gastei um tempo, gastei uma energia enorme nisso e agora, ai de você de falar que não é isso.

 

TÍTULO

 

Muitas vezes o sujeito nunca foi acreditado por ninguém, ninguém confiou nesse sujeito. Ele não confia em si mesmo. E ele entra numa universidade, começa a estudar muito, consegue o título de doutor e agora ele vai se apegar a isso, porque isso vai trazer para ele uma certa segurança de existir com aquilo ele pode se afirmar perante o mundo. E aí, ele tem um convite de se tornar um grande arrogante, porque ele conseguiu ser visto pelo outro a partir do título.

 


sexta-feira, 17 de outubro de 2025

DA DÚVIDA À RESPOSTA - Prof. Renato Dias Martino

 


Enquanto o sujeito busca por respostas, a vida se propaga na dúvida.
A capacidade de tolerar dúvidas é característica da maturação emocional.
Certezas são ilusões confortáveis para aqueles que ainda não aprenderam a respeitar as dúvidas.
Quando é possível tolerar a incerteza inerente ao fluxo da vida, percebemo-nos grandes ignorantes quanto à realidade.
À medida que aprendemos a reconhecer e respeitar o mistério da vida, passa a ser possível nos responsabilizarmos por nossa ignorância —
e isso nos torna inacabáveis aprendizes.
O sujeito que age, sempre seguro daquilo que imagina saber, é constantemente convidado à arrogância.

Aquele que não é consciente de sua ignorância tende a ter atitudes a partir do que imagina ser sabedor, agindo, assim, com estupidez.






Prof. Renato Dias Martino