sexta-feira, 26 de outubro de 2018

SOBRE O SER DO PSICANALISTA

A tentativa de se descrever o que é psicanálise é sempre uma tarefa difícil e de escassa definição real. O conceito de psicanálise não deve ser saturado, carecendo assim de reflexão constante. Essa tarefa deve ter maior chance de ser bem-sucedida se partirmos daquilo que não é psicanálise. Assim como é impossível se definir o que é amor, mas, ainda assim, é muito provável se identificar o que não deve ser amor, também com a psicanálise acontece algo análogo, tal qual Sigmund Freud (1856 – 1939) afirmou que “a cura é essencialmente efetuada pelo amor." (Freud, 1906).  
Psicanálise não é medicina, pois não se presta a cuidar do corpo físico, ainda que se acredite que no cuidado com a mente, também o corpo deve encontrar recursos para se restabelecer. Também não é tão somente psicologia, já que esse conceito vem da junção das palavras gregas "psyché", que significa alma ou espírito, com "logos", que quer dizer estudo, razão, ou ainda compreensão, enquanto a psicanálise deve abranger uma dimensão que vai para além da compreensão ou da tentativa de se estudar a mente.
Na realidade a psicanálise transcende o próprio significado da palavra na acepção original da junção de “psic” mais “análise”. Sendo “psic”, alma ou espírito, a palavra análise também vem do grego análysis do analýein, junção de “aná” que quer dizer para cima, mais “lýein” que significa soltar, afrouxar, ou ainda decompor. Na tentativa de estudo detalhado da mente, em cada parte do todo. Mesmo assim, a psicanálise deve se prestar muito mais ao “ser em relação ao outro” do que ao “saber sobre o outro”. “Portanto, mais importante que dividir para compreender, é acolher com o intuito de integrar, para que assim seja possível reparar falhas, restabelecer o funcionamento saudável e expandir as possibilidades.” (Martino, 2018).
Sendo assim, a psicanálise não se configura numa área da ciência, no sentido comum do termo, mas passa a ser se pudermos atribuir ao conceito de ciência a experiência de busca pela verdade, que não se encontra tão somente no nível racional. O cuidado psicanalítico é com certo objeto que não se pode perceber pelos órgãos dos sentidos, o que é normalmente ignorado por parte da ciência comum. A psicanálise também não deve se interessar por resultados preestabelecidos, já que aquilo que agora imaginamos ser um bom resultado pode deixar de ser em algum outro momento.
Psicanálise não é uma simples profissão, mas é uma filosofia de vida. Mais que isso, deve ser a prática dessa filosofia. Uma filosofia que, assim como propõe Wilfred Ruprecht Bion (1897 — 1979) orienta-se pela capacidade negativa. “Bion toma emprestado este conceito do poeta inglês John Keats (1795-1821), do qual admirava muito o trabalho. Bion propõe que o terapeuta exercite o desapego dos órgãos dos sentidos, para maior desenvolvimento da intuição.”. (Martino, 2015). 
O desempenho da psicanálise deve estar fundamentado na capacidade de tolerar a ignorância, que é própria de cada um de nós. Uma busca constante de tomar consciência da própria ignorância, assim como na celebre frase atribuída ao filósofo grego Sócrates (469 a.C. - 399 a.C.) “só sei que nada sei”. Isso propicia condições para que o psicanalista, humildemente, seja um eterno aprendiz nas experiências que a vida propõe.
Para tanto é necessário um exercício constante de rebaixamento no apoio mantido em dados armazenados na memória. Renunciando a maior parte possível do que já passou e tenha ficado registrado. A fixação em dados armazenados na memória obstrui a percepção e reconhecimento do fato presente.
Esse exercício inclui a busca por desprender-se da maior parte possível do desejo, na expectativa do que se gostaria que a realidade fosse. O desejo do sujeito tende a contaminar o fluxo natural das coisas. Quando se deseja algo, contamina-se direta ou indiretamente a percepção e o reconhecimento da realidade.
Portanto, o psicanalista deve ser um contemplador, que acolhe a realidade propiciando um ambiente o mais livre possível de julgamento.
Sendo a psicanálise a prática de uma filosofia de vida, não deve ser restrita às formulações teóricas, ou ainda, ao atendimento dos pacientes na clínica, mas deve se estender ao cotidiano daquele que se encontra nessa função. O suposto psicanalista que não estiver se ocupando dessa função o tempo todo de sua vida, estará fatalmente fingindo ser psicanalista no período que imagina estar sendo. 


Bion , W. R. A Atenção e Interpretação. Imago, Rio de Janeiro, (1970/1973).
FREUD, Sigmund; JUNG, Carl G.. A correspondência completa de Sigmund Freud e Carl G. Jung. 2a Ed. Revisada org. William McGuire ;trads. Leonardo Froes, Eudoro Augusto Macieira de Souza. Rio de Janeiro: Imago, 1993.
MARTINO, Renato Dias. O LIVRO DO DESAPEGO – 1ª ed. São José do Rio Preto, SP: Vitrine Literária Editora, 2015.
____________________.ACOLHIDA EM PSICOTERAPIA - 1. ed. - São José do Rio Preto, SP: Vitrine Literária Editora, 2018.



Prof. Renato Dias Martino
Psicoterapeuta e Escritor
Alameda Franca n° 80, Jardim Rosena, 
São José Do Rio Preto – SP  
Fone: 17- 991910375
prof.renatodiasmartino@gmail.com
http://pensar-seasi-mesmo.blogspot.com/ 





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2 comentários:

Jane Himeno Psicanalista disse...

Muito verdadeiro, tormar-se psicanalista é uma imersão no mundo das ideias, da alma e especialmente do amor . Uma vez psicanalista sempre psicanalista.
Parabéns Professor, voce encontra na formulação literaria a perfeita discriminação disso.

Danilo Hadek disse...

parabéns professsor!!

Psicanalista