sexta-feira, 23 de novembro de 2018

SOBRE A PERCEPÇÃO DO TEMPO


Ainda que o ser humano tente dividir o tempo em segundos, minutos horas, dias, e daí por diante, na verdade, o tempo faz parte de um ininterrupto processo, inserido no nível do eterno, que não pode ser conhecido por nossa limitada capacidade de compreensão. Essas divisões são criadas a partir da insegurança humana frente a sua limitação.
Não podemos chamar de realidade aquilo que está no futuro, ou aquilo que já passou. Quando estamos apegados à fatos passados ou a aquilo que ainda não aconteceu é um sinal de que não estamos funcionando de forma saudável.
Quando estamos inundados de angústia, ficamos presos no que já passou e quando estamos ansiosos, o que nos aprisiona é o que ainda não aconteceu. Essa é característica básica dos transtornos do pensamento na confusão mental, e Freud nos orienta sobre isso. “A transposição de material do passado esquecido para o presente, ou para uma expectativa de futuro, é, na verdade, ocorrência habitual nos neuróticos, não menos do que nos psicóticos.”. (Freud, 1937).
Ainda assim, o espaço/tempo do aqui e do hoje é uma dádiva da vida, que estamos muito pouco preparados para desfrutar, sobre tudo nos tempos contemporâneos, onde a materialidade das coisas parece ter enorme importância. Na busca desmedida pelo bem material, a realidade, que se faz no agora e aqui, acaba por passar despercebido. O apego no bem material faz com que a mente fique inundada de pré-ocupações e isso impede o sujeito de se ocupar de qualquer coisa que não seja material. Impedido está de desenvolver sua capacidade de amar.
A expectativa do que irá acontecer é sempre ilusória, já que o que virá é um mistério e só pode ser mantido através de suposições. “O futuro está compreendido naquilo que se imagina que será. Isso já que dele não se pode ter previsões precisas, mas apenas antecipações, hipotéticas e aproximadas, do anseio daquilo que possa vir a ser.”. (Martino, 2015).
Por outro lado, aquilo que aconteceu no passado só se mantém através da memória, e a memória é seletiva e traiçoeira, por misturar-se ao conteúdo impensado da mente, anulando seu acordo com a realidade no que ocorre no presente. “Registramos certo ponto de vista limitado das experiências vividas e então armazenamos na memória, sendo que muitas vezes isso acontece mantendo a convicção de que se trata da totalidade do que realmente ocorreu.”. (Martino, 2015).
Estamos tratando de um fator que serve de articulação para certa “auto exigência” excessiva, daquilo que em psicanálise chamamos de superego. O superego, através da formação de um ideal de eu, cobra do sujeito que ele seja perfeito no futuro e ao mesmo tempo o condena por supostas falhas no passado.
O apego tanto ao tempo passado, quanto ao futuro revela-se como uma grande defesa para aquele que não está sendo capaz de se responsabilizar pela realidade, que só se configura no tempo presente.
Quando se está sendo capaz de viver o presente da forma mais saudável possível, responsabilizando-se por aquilo que estamos sendo no aqui e agora, propiciando experiências bem-sucedidas, o registro que ficará sobre o que passou deve configurar-se em recordações cheias de afeto. Da mesma maneira, a expectativa de futuro deve se apaziguar, em termos de ansiedade, se transformando em esperança, já que o presente é recebido como uma grata experiência.




FREUD, Sigmund. CONSTRUÇÕES EM ANÁLISE, em EDIÇÃO BRASILEIRA DAS OBRAS PSICOLÓGICAS COMPLETAS – Edição Standard Brasileira, Imago (1980) – Vol. XXIII, 1937.
MARTINO, Renato Dias. O LIVRO DO DESAPEGO – 1ª ed. São José do Rio Preto, SP: Vitrine Literária Editora, 2015.





Fone: 17- 991910375










3 comentários:

Jane Himeno Psicanalista disse...

Muito verdadeiro!

Unknown disse...

Tenho até uma canção autoral que trata do tempo na qual parafraseio o livro de provebios "o que é já foi que é que será"

Ana e André Peters disse...

Olá professor!
Suas palavras são desafiadoras, a partir do momento que nos obriga a raciocinar e avaliar nossa realidade.
Torna se imprescindível ter um raciocínio lógico para compreender que as lembranças passadas servem como exemplos para nosso presente e o futuro é incerto. Quem tem a certeza do amanhã? Ela não existe! O futuro não existe, ainda virá mas muitos não terão o daqui a pouco. O que vale mesmo é aproveitar para nossa vida os exemplos bons do que vivemos no passado e trazer para o presente de forma construtiva. Se tivermos futuro, este vai depender do que fazemos com nosso presente.
Concorda?