A vida parece se realizar em ciclos. Sucessão de repetições, que em uma configuração saudável, torna-se possível, a cada volta, evoluir em transformações expansivas. Como no modelo da espiral, a vida da ares de evolução. “O modelo da espiral que povoa as formações materiais no âmbito sensorial pode também ser muito bem aplicado à expansão emocional, onde cada volta traria a possibilidade de ampliação no nível circular e de acréscimo no rosqueamento da espiral.” (Martino, 2018) Porém, sofrer o processo de transformações, no nível emocional é gerador de desconforto. Por conta disso, podemos nos prender e nos perder em estereótipos de repetição e neles nos fixar. Incapazes de sofrer o processo natural da vida, tendemos a repetir modelos estereotipados de funcionamento mental, ações e comportamentos. O comportamento nocivo que se repete é uma forma de evitar o sofrimento. Ainda que o sujeito evite sofrer a dor, ela ocorrerá impreterivelmente, já que obstruir esse processo também gera dor. Wilfred R. Bion (1897 - 1979), levanta a questão em ATENÇÃO E INTERPRETAÇÃO, sobre pessoas que apresentam intolerância a dor, “que elas sentem a dor, mas não a sofrem; assim, não é possível dizer que elas descobrem a dor.”. (Bion, 1970). Isso parece ocorrer por conta da dificuldade de tolerar a insegurança gerada pela transformação. “O termo ‘transformação’ desorienta, a menos que se reconheçam limitações da implicação de ‘forma’.” (Bion, 1965) Isso acontece naquele que esteja sendo incapaz de acreditar em si mesmo, muito machucado, fragilizado ou ainda, doente. Repetimos ações para não lembrarmos daquilo que dói. Assim como nos norteou Sigmund Freud (1856 – 1939), em sua obra RECORDAR, REPETIR E ELABORAR. “Freud alerta para o fato de que o paciente tende a repetir em forma de atuação (ação impensada) tudo aquilo que é desconfortável de se recordar.” (Martino, 2018) É a base do que Freud chamou de atuação (acts it out), onde o sujeito não consegue recordar o que esqueceu por ter reprimido, entretanto manifesta através da atuação, ou seja, atua-o. “Ele o reproduz não como lembrança, mas como ação; repete-o, sem, naturalmente, saber que o está repetindo.” (Freud,1914) A ação motora é o acesso direto de descarga de energia psíquica, diminuindo a tensão desconfortável gerada pelo elemento não elaborada. Ainda que se possa ter certa consciência de que se esteja conhecendo alguém novo, existe certa tendência a usar nessa nova situação, formas antigas de se vincular, das quais já se usava antes com outras pessoas. Freud denominou esse fenômeno de transferência. “Ao aspecto transferencial importante, na transformação, Freud descreve, na tendência “a repetir, como experiência presente, o reprimido”, ao invés de recordá-la, como fragmento passado.” (Bion, 1965) É uma tentativa de controle e com isso um ato de desrespeito. Tentar controlar é uma forma de desrespeitar. Certa insegurança frente ao desconhecido. A prisão na repetição estereotipada causa grande fadiga mental. Existe um grande dispêndio de energia a cada vez que se repete. Isso ocorre, pois a realidade se configura mutante, onde tudo se transforma o tempo todo. A ordem do universo é a expansão. “Aprendemos que o paciente repete ao invés de recordar e repete sob as condições da resistência.” (Freud,1914) E o sujeito insiste em fazer igual, enquanto cada novo dia é sempre diferente do anterior. Ninguém “é”; estamos “sendo”. No entanto, a repetição, por si só, não é necessariamente uma experiência que representa um desacordo com a realidade. A capacidade de se manter repetições saudáveis é de fundamental importância para a saúde mental. Certa rotina que orienta. Rotina, do francês ROUTINE, “caminho batido, sentido costumeiro”, ou ainda, de ROUTE, “rota”. A possibilidade de encontrar uma rota para o arranjo ou um reajuste na capacidade de pensar saudável. Uma bússola norteadora na organização do pensar. Existe um motivo importante para se manter a regularidade do horário fixo das sessões. A repetição ocorrente nos horários fixos semanais é de cunho terapêutico. Muitas vezes, o paciente que nos procura na clínica psicanalítica, se encontra sem referências para que possa organizar sua vida e a rotina do horário fixo na análise é um dos fatores de organização mental. Assim como a proposta dos mantras orientais. Mantra, do sânscrito Man, mente e Tra, proteção, "instrumento para conduzir a mente". Além disso, mesmo a repetição de ações não pensadas (acts it out) nunca acontece totalmente em vão. A cada vez que repetimos certa ação impensada abre-se uma nova chance de tomarmos consciência daquilo que força a repetição. No movimento espiralado cada volta é uma nova oportunidade de se dar conta do que anteriormente não tenha sido possível. Uma forma de tomar consciência e conseguir ampliação à cada volta da espiral. Para conseguir fazer diferente é necessário reconhecer o que está se repetindo. Esse reconhecimento não pode acontecer sem a ajuda do outro. Quando o sujeito que procura psicoterapia está realmente predisposto ao trabalho psicoterapêutico, ou seja, com um bom nível de analisabilidade é possível ao analista perceber, transformações, mesmo que mínimas. “Por mais que pareça não sair do lugar, por retornar sempre para algo muito próximo do ponto de partida, dando ares de não realizar transformações muito importantes.” (Martino, 2018) Através de um olhar tolerante e acolhedor, é provável perceber expansões, mesmo que sejam pequenas. A verdadeira transformação acontece espontaneamente, livre de expectativas. Aquilo que realmente motiva o sujeito está distante de seu próprio conhecimento. Dessa forma, não há modos de se intervir de maneira objetiva para promover mudanças no nível emocional. Quando se tenta intervir desta maneira o que se promove é a geração de defesas que podem até parecerem transformações, mas não passam de dissimulação para se obter um resultado que nada condiz com um acordo com a realidade. A verdadeira transformação não pode acontecer por meio de imposição. Ninguém escolhe mudar, isso ocorrerá na medida em que o sujeito esteja maduro o suficiente para tanto. O que realmente determina nossas escolhas está distante do nosso conhecimento. A maturação emocional ocorrerá assim que for possível reparar o funcionamento mental e isso ocorrerá mediante à uma experiência de acolhimento. O despertar vem da dor, mas a expansão depende do acolhimento.
BION, Wilfred Ruprecht. AS
TRANSFORMAÇÕES. Rio de Janeiro, Imago, 1965.
___________________. ATENÇÃO E
INTERPRETAÇÃO. Imago, Rio de Janeiro, 1970.
FREUD, Sigmund. RECORDAR,
REPETIR E ELA¬BORAR, 1914, EDIÇÃO BRASILEIRA DAS OBRAS PSICO-LÓGICAS COMPLETAS
– Edição Standard Brasileira, Imago (1969-80)
MARTINO, Renato Dias. ACOLHIDA
EM PSICOTERAPIA – 1ª ed. São José do Rio Preto, SP: Vitrine Literária Editora,
2018.
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