segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025
VONTADE, DESEJO E TOLERÂNCIA - Prof. Renato Dias Martino
OBSTRUÇÃO
Um dos maiores fatores que obstruem a possibilidade de reconhecimento da realidade é a vontade, é o desejo do sujeito. Quando o desejo do sujeito, quando a vontade do sujeito sobressai a sua possibilidade de reconhecimento da realidade, quando o que o sujeito gostaria que fosse prepondera a disponibilidade do sujeito reconhecer a realidade.
DESEJO DO ANALISTA
Dentro da clínica também existe esta obstrução. O desejo do analista obstrui a possibilidade do acordo que se pode estabelecer com a realidade. Quando eu falo de um acordo com a realidade, eu estou falando aqui da possibilidade de estar num vínculo real com o analisando, com o paciente. O analista deseja alguma coisa e este desejo turva a possibilidade do estabelecimento e da manutenção do vínculo saudável com o paciente. Não só dentro da clínica, em qualquer vínculo, o desejo do sujeito turva, polui o vínculo sincero que possa ser estabelecido entre as partes.
DÚVIDA COMO BÚSSOLA
A função do analista não é, de maneira alguma, destruir a ilusão do saber do sujeito, mas é questioná-la. Eu preciso trazer o ambiente de questionamento, o ambiente de indagação, o ambiente com os terminais abertos, como o diria o Bion. Para que eu possa estar desobstruído na expansão da consciência. Para que isso aconteça, eu preciso ter a dúvida como bússola e não a resposta. A dúvida precisa ser uma constante, eu preciso ter uma conjunção constante com a dúvida e não me contentar com a resposta. Quando eu me contento com a resposta, morreu a experiência, saturou se a pesquisa.
VONTADE OU DESEJO
A vontade é um elemento do id, da pulsão, daquilo que é o mais puro que o sujeito tem dentro do seu funcionamento emocional e afetivo. O desejo já é contaminado por um “deveria ser”, que está muito mais ligado ao superego do que ao id. O desejo é um elemento do id contaminado pelo super, logo já não tem mais a função da vontade, ou da necessidade básica, mas já está contaminado com um factoide externo, que vai trazer para ele uma configuração daquilo que ele deveria ter, deveria conseguir, deveria ser e já não está mais na configuração do id como pulsão.
INFLUÊNCIA DO OUTRO
A vontade é do sujeito, sempre do sujeito. Ninguém tem vontade pelo outro. Agora, o desejo é sempre do outro. O sujeito que deseja, deseja porque o outro desejou por ele. Eu desejo alguma coisa para que o outro me deseje. Eu desejo alguma coisa porque se eu conseguir esta coisa, eu conseguirei ser desejado pelo outro. A vontade é básica! A vontade é necessidade básica, é meu, é algo que eu preciso. O desejo é alguma coisa que foi contaminado pela influência do outro.
MIRAGEM
Quando você está com muita sede, você pode enxergar aquilo que você precisa, ou aquilo que você deseja, ou aquilo que você quer que seja e não aquilo que realmente é. Então, uma pedra, quando eu estou com sede no deserto, pode ser vista como um oásis, por conta da minha vontade. Então, a minha vontade turva o reconhecimento da realidade. A vontade que está caracterizada na sede do sujeito que está no deserto, faz com que ele, a partir da visão de uma pedra, acredite ser um oásis. Então, ele não consegue reconhecer a pedra como pedra porque a vontade dele, a necessidade de se hidratar faz com que ele enxergue aquilo sendo um oásis.
DESEJO DO OUTRO
A diferenciação da vontade com o desejo é muito difícil. Estão sempre misturados. Dificilmente você consegue uma clareza. Só pode ser percebido no bebê, na terra infância, na primeira infância, quando ele ainda não consegue distinguir ele do outro. Tudo que ele manifesta é vontade, é necessidade básica. A partir do momento que ele começa a perceber que existe outro além dele, ele começa a desenvolver o desejo. O desejo que esse outro o deseje. Então, vontade é necessidade básica e desejo vem justamente da influência do outro, quando ele desenvolve o desejo de ser desejado, ainda assim, a vontade está implicada, porque a vida dele está subordinada ao desejo do outro. Eu só sobrevivo se o outro me desejar. Então, eu desejo que o outro me deseje.
RENÚNCIA
Importa o que você precisa, o que é necessário! Se você estiver suprindo aquilo que é necessidade, que aí a gente não vai chamar de desejo, vai chamar de vontade, quando isto tudo tiver suprido de uma maneira bem-sucedida, todos os desejos vão se rebaixar automaticamente. Você passa a conseguir renunciar dos desejos porque você vai percebendo que esses desejos não tinham importância, porque, na realidade, eles estavam servindo como um substituto de uma vontade que não pode ser suprida no seu tempo. Quando o sujeito começa a suprir as suas necessidades, aquilo que ele precisa, ele passa a ser capaz de renunciar dos desejos.
SUBSTITUIÇÃO
Cada desejo é uma tentativa de substituir a o suprimento de uma vontade que não pode ser suprida no seu tempo adequado. Quando o sujeito, por exemplo, não pode suprir uma vontade básica, ele desenvolve um desejo. Ele passa a eleger um objeto substitutivo que vai chamar desejo, objeto de desejo.
CERNE
Aí, ele consegue todos esses bens, ele consegue juntar dinheiro, ele consegue um carrão e ele começa a perceber que isso não adianta nada. Por isso o desejo é uma cilada. O desejo nunca é satisfeito. Por mais que você satisfaça o seu desejo, o cerne, aquilo que gera o desejo é a vontade não satisfeita no tempo adequado e de forma adequada.
SABER
Saber o que faltou originalmente é irrelevante. Não importa o que faltou, porque o que faltou, faltou lá atrás. Não tem mais como suprir. Hoje ele pode estabelecer vínculos afetivos saudáveis que possam trazer para ele, não aquilo que faltou, mas uma possibilidade de reparação emocional e afetiva que possa trazer para ele um bom funcionamento nesse nível. O estabelecimento de vínculos saudáveis de vínculos bem-sucedidos vai trazer para ele a possibilidade de preparação do funcionamento.
segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025
CRÍTICA, INVEJA E AUTOSSABOTAGEM - Prof. Renato Dias Martino
CRÍTICA E FRUSTRAÇÃO
A crítica é uma defesa. O sujeito que critica, ele está denunciando a sua incapacidade através da crítica. Ele está denunciando uma frustração, através da crítica e a crítica nunca foi e nunca vai ser construtiva. Onde entrar a crítica vai gerar uma dissimulação. Ninguém. se transforma porque foi criticado. O sujeito aprende a dissimular através da crítica. A maioria, senão todos os críticos de arte, por exemplo, são artistas frustrados. Críticos de música são músicos frustrados, críticos de artes plásticas são artistas plásticos frustrados que não conseguiram se desenvolver na sua carreira e se sentiram aptos para criticar, falar o que que é bonito o que não é, o que é bem-feito o que não é.
FAZER JUNTO
Por trás de cada sujeito que está criticando se esconde uma frustração enorme de não ter conseguido realizar, de não ter tolerado os passos em falso e as falhas que o outro está cometendo, mas está caminhando. Então, cada vez que eu sentir em mim um ímpeto de criticar é interessante que eu possa me conter e pensar um pouquinho: “de onde está vindo aquela crítica?” “Será que não é uma incapacidade minha?” O sujeito que olha para alguma coisa e pretende que esta coisa seja bem realizada, ele não vai criticar a pessoa que está fazendo a coisa, que está realizando a coisa, ele vai até ali se dispor a fazer junto com a pessoa. Então, dizer para o outro que ele tem que fazer ou deixar de fazer é muito fácil, ir lá fazer junto, nem tanto.
ADMIRAÇÃO SEM CAPACIDADE
A crítica está sempre atrelada a inveja. E o que eu estou chamando de inveja aqui? Eu estou chamando de inveja a experiência de admirar alguma coisa da qual não se tem capacidade. Todas as vezes que eu admiro alguma coisa e eu não tenho capacidade daquilo, se configura numa experiência de inveja. Nós temos uma dificuldade muito grande de lidar com esse sentimento que está em cada um de nós. E nós evitamos chamar isso de inveja e evitar dar o nome dessa experiência de inveja vai fazer com que ela acabe passando sem que eu possa pensá-la. Então, todas as vezes que eu estiver desejando alguma coisa sem ser capaz daquilo eu estou invejando aquilo. E aí, é uma chance para que eu possa pensar e pensando esta inveja vai ter a possibilidade de se expandir e se tornar alguma coisa mais nobre, para além da própria inveja.
ACREDITAR EM SI MESMO
O que pode dissolver a inveja é a autoconfiança. É acreditar em si mesmo. O sujeito, ele só inveja o outro porque ele não está acreditando em si mesmo. Ele se julga inferior. E aí, as coisas do outro parecem mais interessantes. A possibilidade de amar a si mesmo, de acreditar em si mesmo, de reconhecer a si mesmo, aprender a respeitar a si mesmo e se responsabilizar por si mesmo, vem do vínculo afetivo saudável que eu possa estabelecer com o outro. Sem isso, sem chance de dissolver a inveja.
DEVERIA SER
A inveja é um desdobramento de uma ação do “deveria ser”, do superego. O superego cobra alguma coisa, ela não pode entregar aquilo que o superego cobrou, exigiu e ela começa a sentir inveja de quem supostamente consegue entregar isso. E aí, o que acontece? Sentir inveja por conta disso, também tem um desdobramento do próprio superego, de reprovar o fato de você está sentindo inveja. O próprio superego vai te reprovar dizendo assim: “Você é uma invejosa. Você não consegue fazer isso e ainda por cima inveja o outro.” Então, além dela estar sentindo inveja, ela não é capaz de reconhecer, porque existe ali, uma ação do “deveria ser”. Deveria ser assim, deveria ser de outro jeito e o “deveria ser” inclui o deveria ser alguém que não sente inveja.
ACREDITAR EM SI MESMO
É muito simples também a gente fica condenando a instância da mente que a gente chama de superego, mas o superego só vai atuar na medida em que o sujeito não estiver acreditando nele mesmo. Quando o sujeito confia em si mesmo, o superego fica quietinho no canto dele, mas quando ele começa a duvidar de si mesmo, o superego entra em ação como uma medida de segurança para que ele continue caminhando. Então, quando eu não acredito naquilo que eu estou sendo, que é o meu ego, o que vai conduzir, o que vai me guiar, o que vai me impulsionar é o que eu deveria ser, porque senão eu fico parado. Então, o problema não é o superego, o problema é a incapacidade de acreditar em si mesmo.
INVEJA DE SI MESMO
Eu costumo chamar o superego de “deveria ser”. O superego cria um critério daquilo que o sujeito deveria ser, daquilo que o sujeito deveria fazer. Então, é como se tivesse um avaliador crítico que iria julgá-lo o tempo todo nas coisas que ele está fazendo e como ele está sendo. Muitas vezes, o sujeito, por conta dessa desintegração, ele realiza alguma coisa e o superego invejoso disso que ele fez, começa a desdenhar e dizendo que isso não é bom. Não consegue reconhecer a realização do sujeito como algo bom, por mais que tenha falhas. Muitas vezes, o sujeito que carrega um sentimento de culpa, não uma culpa em si, porque a culpa em si é questionável, mas o sujeito carrega um sentimento de culpa, por conta de algum uma experiência que ele tenha vivido, este sentimento de culpa faz com que ele não se sinta merecedor de realizações na vida. Então, muitas vezes, ele realiza, ele conquista alguma coisa, mas o superego vem e ataca, dizendo que aquilo não presta, ou que ele não é digno de ter aquilo. É um superego invejoso e o superego é uma parte da minha personalidade, logo, eu estou invejando a mim mesmo.
INTEGRADO
O sujeito, quando está integrado, o superego, o ego e o id, fazem parte de um todo. Funcionam, um corroborando com o outro, interligados e interdependentes no funcionamento saudável da mente. Então, um sujeito integrado não inveja a si mesmo, porque o superego está ocupando um lugar que é adequado dentro do funcionamento emocional desse sujeito. O sujeito passa a invejar a si mesmo na medida em que ele carrega algum um sentimento de culpa, na medida em que ele não está acreditando em si mesmo o suficiente para estar integrado.
AUTOSSABOTAGEM
Muitas vezes, o sujeito, ele escreve bem, ele fala bem, ele tem talentos, ele tem habilidades, mas ele escreve alguma coisa, depois ele lê e ele é capaz de depreciar aquilo que ele leu, dizendo que aquilo é uma porcaria. Ele faz um vídeo para postar na internet, ele assiste aquilo ali, ele fala: “Nossa! Isso aí está muito ruim”. Então, isso é inveja de si mesmo. Ele não é capaz de tolerar as suas falhas o suficiente para que ele possa desenvolver-se naquilo. Ninguém nasceu pronto! Mas quando eu tenho um “deveria ser”, esse “deveria ser” vira um pressuposto que se eu não estiver dentro daquela expectativa do “deveria ser”, aquilo que eu estou fazendo fica invalidado.
domingo, 9 de fevereiro de 2025
AMOR INCONDICIONAL E LIMITE - Prof. Renato Dias Martino
INTEGRAÇÃO
O fundamento de um bom funcionamento emocional é estar de acordo consigo mesmo. E quando eu falo estar de acordo é concordar estar junto de coração, estar junto de coração consigo mesmo. Ser o seu melhor companheiro ser o seu cúmplice. Por mais que você esteja fazendo a maior besteira do mundo, ainda assim, estar junto de si mesmo, amar a si mesmo. Amor-próprio não pode estar subordinado a gostar de si mesmo. Eu posso não estar gostando daquilo que eu estou fazendo, eu posso não estar gostando daquilo que eu estou sendo, mas ainda assim, eu me amo, ainda assim, eu me considero, ainda assim, eu estou do meu lado. “Ah! Mas você está fazendo uma besteira com o outro e consigo mesmo!” Não importa! É o que eu estou dando conta de fazer agora. E isso, dentro da teoria psicanalítica, sobretudo esta teoria que a gente está cogitando aqui, a gente vai chamar de integração.
AMOR-PRÓPRIO OU NARCISISMO
E não vamos confundir amor-próprio com narcisismo. Narcisismo não é amor-próprio. Narcisismo é gostar de si mesmo, amor-próprio é independente de gostar. O Narciso, ele olhou para imagem dele no rio e gostou. Ele foi atraído por aquilo e aí ele ficou ali, encantado, ele ficou ali apaixonado pela sua imagem. Ele não se dedicou a aquilo. Ele estava interessado naquilo. Então, amor-próprio não é narcisismo.
AMA OU GOSTA
O amor é construído a partir de relacionamentos bem-sucedidos. O outro me amou, eu aprendi a amar a mim mesmo e agora eu sou capaz de amar as outras pessoas. O outro se dedicou a mim, o outro foi meu companheiro o outro esteve do meu lado, mesmo eu fazendo a pior besteira do mundo, eu passei a estar do meu próprio lado, mesmo eu fazendo a pior besteira do mundo e agora eu sou tolerante com as besteiras dos outros. Gostar é outra coisa. Gostar é se sentir atraído, gostar é se sentir atraído porque aquilo que me atrai sugere que vai me trazer um benefício e quando eu não vejo mais esse benefício, eu abandono porque eu não gosto mais.
AMOR E DESRESPEITO
A expressão “amor incondicional” é um pleonasmo. Amor é incondicional. Se não for incondicional, não é amor. Se houver condição, então não é amor. Agora, é importante a gente pensar o seguinte: quando eu estou falando de uma relação amorosa, esta relação precisa partir do amor-próprio. Eu me amo e a partir daí, eu sou capaz de amar o outro e eu me amo porque fui amado pelo outro. Agora, não é porque eu tenho um amor incondicional que eu vou permitir abuso, desrespeito, agressão, violência. Então, o amor incondicional é que eu não estou esperando qualquer coisa para que eu passe a amar, mas isso não quer dizer que eu vá permitir abusos e desrespeitos.
LIMITES
O amor incondicional está dentro da perspectiva do limite. Qual o limite? O limite entre “eu” e “você”. Nós somos duas pessoas. Amor incondicional não é fusionamento. Não é me fundir com o outro. É justamente o contrário. É ser capaz de estar integrado o suficiente para que você possa reconhecer o limite entre “eu” e o “outro”. E quando começa a haver desrespeito, quando começa a haver agressão, quando começa a haver aí, uma um abuso é porque está havendo um fusionamento, já que, quando eu desrespeito o outro é porque eu já estou me desrespeitando há muito tempo. E através desse fusionamento eu passo a desrespeitar e abusar do outro também.
PERMISSIVIDADE
Amor incondicional não inclui a permissividade. Se eu não estiver amando a mim mesmo incondicionalmente, eu não posso chamar isso que eu tenho com o outro, de amor. O amor não inclui a permissividade. Quando um filho desrespeita a mãe, quando um filho começa a passar do limite, na adolescência, por exemplo, ele já estava fazendo isso desde pequeno, porque a mãe foi permitindo que ele fizesse. Quando não há ali, a possibilidade de uma configuração de desenvolvimento que deixa muito claro o limite, lembrando que quem mostra o limite, quem traz a possibilidade de reconhecimento do limite é a função paterna na figura do pai, quando isso não pode acontecer e chega no adolescente ou na idade adulta isso passa a ter que sofrer imposições e a imposição nunca é saldável.
DISTANCIAMENTO NECESSÁRIO
Muitas vezes, para que eu possa amar incondicionalmente o outro eu preciso respeitar um distanciamento necessário. Isso não é impor condições, porque de outra forma o outro vai me provocar e me desrespeitar e eu vou ter muita dificuldade para construir e manter este amor.
domingo, 2 de fevereiro de 2025
IMAGINAÇÃO, VINCULO E REVOLTA - Prof. Renato Dias Martino
ANALISABILIDADE
Analisabilidade. O que a gente chama de analisabilidade? Tecnicamente, a gente poderia dizer assim a capacidade do paciente de estabelecer uma transferência positiva, uma cooperação com o analista para o progresso do processo psicoterapêutico. Mas, para isso ele precisa ter tido o mínimo de experiências bem-sucedidas na vida dele. ele porque se ele não teve experiências bem-sucedidas minimamente, ele não tem elementos para projetar no analista como esperança de evolução, de crescimento. Então, ele precisa ter isso. E aí é que entra a ideia de que a psicanálise está aí para todo mundo, mas nem todo mundo está aí para a psicanálise. A gente precisa quebrar essa ideia de que a psicanálise cabe em qualquer situação. Não! Ela não cabe em qualquer situação. Ela cabe na situação onde houver a capacidade do paciente de cooperar com o processo. E para isso ele precisa ter vivido algumas experiências que antecederam aquela experiência da análise.
CONJUNÇÃO CONSTANTE
Muitas vezes, o analista, principalmente o sujeito que está iniciando a sua carreira, pode cair numa cilada no sentido de que, muitas vezes o paciente pode não aderir ao processo. Muitas vezes, o paciente não consegue não tem a capacidade para cooperar com o processo, ou seja, não tem analisabilidade e o aspirante analista, ou aquele que está iniciando a sua carreira, pode começar a questionar a sua capacidade enquanto analista. Mas quando a gente fala de psicanálise, nós estamos falando de vínculo, nós estamos falando das duas partes. Precisa haver uma cooperação mútua. Precisa haver aquilo que o Bion chamou de conjunção constante continente contido para que alguma coisa possa acontecer.
ACOLHIMENTO
O acolhimento é vínculo. Você só pode acolher alguém que esteja disponível a ser acolhido, porque se ele não estiver disponível, isso que você está tendo com ele não é acolhimento. E se ele não estiver disponível a ser acolhido, ele não tem analisabilidade, ele não pode ser submetido à psicoterapia dentro da perspectiva da psicanálise.
PROMESSAS
É uma capacidade do sujeito. Um sujeito que tem analisabilidade não vai aderir a processos rasos, ou tentativas de promessas milagrosas de cura, ou qualquer coisa nesse sentido. Porque, na verdade, ele está de acordo com a realidade o suficiente para perceber que isso tudo é uma mentira.
VULNERÁVEL
É muito interessante a gente pensar que, aquele sujeito que passa a ser influenciado, ou por instituições religiosas, ou por promessas políticas de benefícios ilusórios, são justamente aquelas pessoas que não tiveram um lar bem estruturado. Esses são vulneráveis a essa influência que venha de religiosos políticos e de instituições que venham trazer ali, promessas fantasiosas.
TRÍADE SIMBÓLICA
Cria-se aí então, uma tríade simbólica e esta tríade que eu vou dizer agora nada tem a ver com a proposta da tríade do Lacan, da Tríade lacaniana da qual eu não tenho conhecimento qualquer. Mas nós estamos falando aqui de uma tríade onde existe um real concreto, um real imaginário e um real simbólico. Então, o real concreto é aquele que engloba apenas e tão somente o corpo físico, o fisiológico. A necessidade física. Então, o bebê tem a necessidade fisiológica do corpo da mãe. O corpo do bebê precisa do corpo da mãe. È uma realidade concreta é uma fome real e concreta que precisa de um seio real e concreto. Esta realidade concreta, esta dimensão concreta vai se desdobrar numa realidade imaginária. O bebê precisa do seio real concreto da mãe, ele encontra esse seio, cria um referencial, uma referência desse seio e na próxima vez que ele precisar desse seio, que ele sentir fome, por exemplo, ele vai imaginar esse seio. Então, eu tive a realidade concreta, passo a ter então uma realidade imaginária. Imaginar o seio que um dia eu experimentei de maneira concreta, física, material. Se essa experiência que eu tive com o seio material, físico, concreto, foi bem-sucedida, a realidade imaginária, o real Imaginário vai abrir espaço para o real simbólico. Ou seja, eu vou conseguir internalizar o seio que eu experimentei de forma concreta, que eu imaginei e agora ele está internalizado, ou seja eu simbolize o seio.
SEIO
Nós usamos a palavra seio, mas a palavra seio é um ícone de qualquer objeto em que se desenvolve uma experiência afetiva. Ser capaz de pensar o objeto que se ama dispensa a confirmação sensorial deste objeto.
REMÉDIO OU VENENO
A substância vai ser um remédio ou um veneno dependendo da dosagem. No filme A VIDA É BELA, o pai mente para o filho o tempo inteiro. Ali mentira foi fundamental para que o filho pudesse tolerar a situação.
DESILUSÃO
Normalmente, a gente tem a ideia de que a função do analista, a função da psicanálise é de desfazer ilusões, de destruir ilusões, quando na verdade, é o contrário. A função da psicanálise a função do psicanalista é aquela de, junto com o paciente, ir, a conta gotas, se desiludindo. Mostrar para o paciente que ele não precisa desfazer das suas ilusões porque alguém está dizendo para ele que aquilo é ilusão. A função da psicanálise é estar junto do paciente até que ele consiga entrar num acordo com a realidade, ser capaz de se desiludir e não destruir Ilusões.
REVOLTA
Quando você tenta desiludir alguém, ele pode se revoltar. E o que que é revoltar? É dar uma volta em falso. É re-voltar. Então, o revoltado é aquele que fica correndo assim como um cachorro atrás do próprio rabo Este é o revoltado porque não tolerou a desilusão como é que trabalha a espiral a espiral trabalha através de voltas que vão se alargando num eixo horizontal Cada Volta o sujeito alarga um tanto e caminha outro tanto no eixo horizontal O que é que vai propiciar a possibilidade de alargamento da volta e expansão no eixo horizontal é justamente o vínculo afetivo se não há vínculo afetivo o sujeito fica na revolta E aí ele dá uma volta em falso quando ele consegue este vínculo afetivo quando ele é acolhido ele consegue expandir uma volta a mais na espiral progressiva
ALUCINAÇÃO CIENTÍFICA
O sujeito está envolvido e fixado nas imaginações, nas fantasias, porque na verdade não teve uma relação bem-sucedida com a realidade, não conseguiu estabelecer um acordo com a realidade. Então, ele passa a afirmar as suas fantasias como realidade e passa a criar um sistema dedutivo teórico racional para justificar aquela sua ideologia. E é mais maluco ainda quando isso atinge as prateleiras acadêmicas, quando isso vira ciência, quando o sujeito começa a afirmar dentro de estudos científicos que aquela configuração alucinada que ele afirma tem embasamento teórico, porque ele se juntou com mais meia dúzia, sessenta, seiscentos outros iludidos e alucinados que afirmam a mesma coisa, dentro do ambiente acadêmico. Isso se chama “alucinação científica”.
SABER PENSAR
Por isso é importante a gente desenvolver a capacidade de pensar de pesar e não engolir conhecimentos goela baixo que foi dito pelo outro porque o outro é doutor. Que é o que o meio acadêmico faz, estabelece um certo e errado e te obstrui de avaliar o que é falso e verdadeiro. É justamente o que a psicanálise se propõe a se opor. A função da psicanálise é pensar, pesar e não conhecer, saber. Então, quando o sujeito é convidado para dar uma palestra de psicanálise, ele não vai ali para levar conhecimento, ele não vai ali para promover o saber, ele vai ali para pensar junto.
REPENSAR
O abismo que existe entre saber e pensar. Cada vez que eu penso novamente, cada vez que eu penso melhor alguma coisa, eu coloco em xeque, eu coloco em jogo tudo aquilo que eu imaginava saber. Porque eu estou repensando. Será que é assim mesmo? E é o que a gente faz aqui isso aqui. Não é um espaço do saber, não é um espaço do conhecimento, é um espaço do pensamento.
PENSAMENTO FRIO
Nós vemos aí agora cursos de psicanálise aprovados pelo MEC. Impossível, gente! A não ser que seja essa psicanálise lacaniana, aí talvez, pode ser que seja, porque é acadêmica, porque é intelectualizada, porque vira uma equação, porque vira uma conta matemática, que você soma “lé” com “cré” e dá “ré”. Pensamentos frios calculados.
DO IMAGINAR AO PENSAR
a gente não pode esquecer que a imaginação a ilusão é um protop pensamento sem a ilusão não pode haver pensamento é a partir da ilusão que o sujeito pode vir a pensar primeiro ele se ilude depois ele pensa o sujeito que foi cerceado em sua ilusão o sujeito que foi tolhido que foi privado das suas imaginações é um sujeito que não aprendeu a pensar
ILUSÃO CRISTALIZADA
Se a gente pudesse pensar no que definiria uma ilusão saudável ou uma ilusão tóxica, uma ilusão que não fosse saudável, o aspecto fundamental para essa definição é a cristalização, a impossibilidade de transformação. Quando, a ilusão está disponível a ser transformada ela é saudável. Quando ela está cristalizada engessada ela é nociva.
RACIONALIDADE
Vai pela razão! Seja racional! Muitas vezes, isso traz uma conotação de que se o sujeito for pela razão, ou for racional, ele vai conseguir uma decisão acertada e é justamente isso. Ele vai conseguir uma decisão acertada. Mas isso não quer dizer que ele esteja de acordo com a realidade, porque muitas vezes a ilusão pode fazer com que o sujeito crie um sistema dedutivo teórico racional que vai justificar aquela ilusão. Não é porque ele tem razões que ele não esteja iludido. Muitas vezes, o sujeito que está com a razão pode estar muito mais iludido do que o outro que talvez não esteja com a razão. A racionalidade não garante o acordo com a realidade.
DECISÃO OU ATITUDE
Tomar uma decisão é uma coisa, tomar uma atitude é outra. Decisão quer dizer cindir do todo. A decisão, quando ela é tomada, ela é tomada excluindo o todo. De-cisão = separação! Atitude é uma ação. Decidir é uma coisa, avaliar e tomar uma atitude é outra. Quando você está de acordo com a realidade, você não precisa decidir nada, é só você avaliar a realidade e tomar uma atitude conforme esta avaliação. Decidir, ou tomar atitude. Tomar atitude a partir da avaliação é para quem está de acordo com a realidade, decisão é para aquele que está parcialmente desejando alguma coisa.
ADULTO ILUDIDO
O adulto que está iludido e insistindo nas suas ilusões, muitas vezes criando racionalidades racionalizando para justificar as suas ilusões é um sujeito que não pode viver essas ilusões no tempo adequado. Ou seja, na sua infância. Por que que ele não pôde? Porque ele não foi resguardado pelo pai, pela mãe, pela família, que pudesse trazer para ele, um espaço lúdico para que ele vivesse essa ilusão. Então ele carrega essa ilusão para a vida adulta e inadequadamente ele tenta implantar esta ilusão nos lugares mais sensíveis.
A BOLHA
A gente vê bastante hoje no discurso popular a ideia da bolha e a bolha, ela é um modelo muito interessante, porque ela protege o sujeito, mas, ao mesmo tempo, ela aprisiona o sujeito. Ele está aprisionado dentro da bolha que supostamente o protege. Mas a bolha o protege ilusoriamente, porque a película da bolha é extremamente vulnerável. Qualquer coisa fura. O sujeito, quando está dentro da bolha, ele não tem consciência de que ele está dentro da bolha, ele acredita que o universo é a bolha. O universo de Ilusões que ele vive é a bolha. E ele ignora aquilo que existe para além da bolha. Agora, a função do psicanalista não é estourar a bolha, é acolher o sujeito que percebeu que existe uma vida fora da bolha. O psicanalista precisa ser capaz de transitar dentro e fora da bolha.
ASFIXIA
Quanto mais a bolha protege, mais perigosa ela se torna. Porque fica intransponível, a película. Quanto mais ela te proteger, menos ela permite a troca interna e externa e um sujeito que está dentro de uma bolha com uma película espessa, ele corre o risco de ser asfixiado.
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