Muitos são
os atalhos tomados quando o assunto é sobre as formas que podemos experimentar
de angustias ou qualquer que seja a emoção que são potencialmente geradoras de
comportamentos. Contudo, a escolha de atalhos talvez não seja o melhor recurso
se o assunto é o funcionamento psíquico ou em outras palavras, as vicissitudes
da alma. Os ditos Transtornos Alimentares descritos nos compêndios
psiquiátricos (CID-10, F 50), como a anorexia e a bulimia, são geralmente
diagnosticados focando-se uma distorção na auto-imagem e relacionados à
pretensão da beleza estética corporal. Usando unicamente esse ponto de vista,
temos então, um quadro que a partir de padrões de beleza corporal
pré-estabelecidos, gira em torno do desejo por um corpo belo e as frustrações
que surgem então.
Seguindo
este ponto de vista, de maneira exclusiva, a prática psicoterapêutica com um paciente dessa ordem, estaria na tarefa de reconstruir o ideal do corpo, ou
seja, o que se pretende como forma estética física ideal. Mas, penso que a
questão está bem mais profundamente implicada do que na superfície do ser
humano, onde se encontra o corpo físico.
Não é
novidade alguma que a alimentação é uma das formas mais primitivas de contato,
aproximação e vínculo entre os animais mamíferos e sobre tudo o ser humano. Na
relação mãe-bebê, o contato feito a partir da amamentação é sem duvida o ponto
de partida do contato da nova vida que nasce com o mundo externo.
Para Sigmund Freud (1856-1939), em 1905, as fases do
desenvolvimento sexual da criança têm inicio na “fase oral”. Aqui lembrando a importante informação
de que, para Freud o sexo é antes de tudo um representante de Eros (deus grego
do amor), aquilo que nos liga, ou nos vincula ao outro. A satisfação sexual que
primariamente é desvinculada da função genital mas, nessa fase, fundida á
satisfação da nutrição. Freud (1905) postula que nessa primeira fase, chamada
“oral”, a boca seria a via de comunicação com o mundo externo.
A relação que a
criança faz entre leite (seio) e amor é algo que orienta o rumo de uma boa
alimentação e a transição do leite para o alimento sólido. Essa experiência
transcende o vínculo primário com a mãe quando é então criado, a partir daí, um
modelo de relações afetivas interpessoais posteriores, na sua vida adulta.
Enquanto mama,
o bebê não esta simplesmente se alimentando, mas, realizando uma das mais
importantes experiências de sua vida. Se até aqui concordamos com essa direção
do pensamento, podemos supor que a maneira como o bebê vive essa experiência e
a possibilidade de simbolizar esta vivência como boa e prazerosa, servirá de
base para toda a vida afetiva e diretamente influenciará na forma da
alimentação adulta.
O que seria
então um transtorno alimentar se não uma maneira de evitar (mecanismo de
defesa) algo que se sente como conflituoso e gerador de ansiedade, depressão,
ou certas sensações tão desprazerosas que nunca tivera a chance de ser nomeada?
Penso
então, como seria o habito alimentar daquele que quando bebê, a mãe
(provavelmente despreparada para a função) sente como angustiante e até
doloroso o ato de amamentar, assim como na tão falada depressão pós-parto? Além
do que, a percepção de fatos emocionais é particularmente intensa nos bebês,
que são particularmente sensíveis à relação mãe-bebê, principalmente nesta fase
que é extremamente próxima. Essa relação que tem sua gênese numa ligação
fisicamente simbiótica.
Desse modo, a menor manifestação emocional de um, é
logo percebida pelo outro, mobilizando em ambos, mecanismos internos de defesa.
Partindo do
principio que, entre amor e alimento existe uma relação especial, perceber a
insegurança na mãe, associada ao alimento que o nutre, pode tornar-se um forte
gerador de culpa. Dessa forma, percebemos que, o conflito transcende a
percepção corporal consciente, daquele que deseja ter um corpo belo. A figura
de alguém muito magro é antes de tudo a figura de alguém do qual consumiu pouco
alimento.
Daí repensarmos as patologias alimentares como o bulêmico, que vomita
o alimento, por culpa de tê-lo comido e o anorexo que evita a comida, deixaria
a problemática da estética corporal reservada num segundo plano. A beleza
corporal fica apenas como resultado de um complexo processo onde, quando um se
nutre o outro sofre.
Nesse
processo se encontraria, de um lado extremo tais transtornos e de outro a
obesidade. Enquanto um imagina que só será amado se não comer, o outro procura
preencher sua falta afetiva comendo em demasia.
Quero
observar a condição poética que se pronuncia nesse material clínico que
apresento. Frases recolhidas em minha experiência com pacientes dessa ordem,
cujo texto foi minimamente ajustado para apresentar-se como tal.
‘Me sinto nojenta com o estômago cheio’
‘Me vem a culpa e eu vomito’
‘Quanto mais eu como, menos me sinto amada’
‘Quanto menos cheio mais bonito’
‘Para ser amada me privo da comida’
‘Quando estou gorda me sinto má’*
*(Frases retiradas de fragmentos de sessões com pacientes com queixa
de transtornos alimentares.)
Fone: 17- 991910375
4 comentários:
e o que é pior, ser bulimico vomitando toda comida como raiva de nao ser como gostaria? ou anorexico, privar -se de comida e exibir a tal da magreza, como estatus para sentir bem pro mundo? se falei algo errado , me perdoe, mas desejo aprender tudo que tem a
ensinar, beijo Renato.
Olá querida Geisa!
Não se desculpe, não disse nada de errado. Sua colocação é bem coerente. Muito grato pelo comentário. É que são experiências tão dolorosas que ficamos realmente muito confusos quando pensamos. Beijo!
Quando estou deprimida tenho uma necessidade imensa e insaciável de comer doces, daqueles de "venda". Sei que não deveria, e bla,bla,bla mas na hora parece que me sinto "protegida" e "acolhida". Deve ser o mecanismo inverso. Mas a balança nunca me perdou...
Quando estou deprimida tenho uma necessidade imensa e insaciável de comer doces, daqueles de "venda". Sei que não deveria, e bla,bla,bla mas na hora parece que me sinto "protegida" e "acolhida". Deve ser o mecanismo inverso. Mas a balança nunca me perdou...
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