quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

PROCESSO DO LUTO - Prof. Renato Dias Martino



Processo do luto, dentro da psicanálise, não é simplesmente aquela experiência que se dá após a perda de alguém querido, mas dentro da psicanálise, o processo do luto é aquilo que vai se dar após o reconhecimento de uma frustração, o reconhecimento de uma falta, o reconhecimento de uma falha, seja no mundo externo, ou seja no mundo interno. Seja em relação ao outro, ou seja, em relação a si mesmo. Então, muitas vezes, o sujeito vai fazer alguma coisa e ele não consegue fazer essa coisa, ele falha em fazer esta coisa, quando ele reconhece que ele falhou, ele vai viver um processo do luto. Eu costumo dizer que o processo do luto, para ser elaborado, ele vai ter três “erres”. O “Reconhecimento”, a possibilidade de aprender a “Respeitar” esse processo do luto e posteriormente a “Responsabilização” por aquilo que decorreu desse processo do luto.

LUTO E MELANCOLIA

O Freud, lá em 1917, publica o LUTO E MELANCOLIA. Ele vai dizer que, quando o sujeito não viveu uma experiência bem sucedida com aquilo que posteriormente foi perdido, ao invés dele passar pelo processo do luto, ele cai num estado de melancolia, ou seja, ele não consegue acreditar que ele possa continuar vivendo depois da perda daquilo.

MELANCÓLICO DESENERGIZADO

O melancólico é um sujeito desenergizado, por assim dizer. A maior parte da sua energia era investida num objeto e quando esse objeto é perdido, essa energia se perde também.

INTERVENÇÃO COM O MELANCÓLICO

O sujeito que está num estado de melancolia vai precisar viver uma experiência interna que possa desobstruir o seu caminho. Não existe intervenção psicanalítica que possa fazer isso por ele. O que a gente pode fazer, no máximo, é propiciar um ambiente saudável que esteja livre de críticas, que esteja livre de seduções, bajulações, que esteja livre de julgamentos, de condenações, para que ele possa se sentir bem o suficiente. Não acredito numa intervenção externa que possa trazer a possibilidade desse desencadeamento.

TOLERÂNCIA À FRUSTRAÇÃO, DESAPEGO E LUTO

Nós temos três conceitos importantíssimos dentro da psicanálise, das formulações emocionais e afetivas. Tolerância à frustração, desapego e luto. Um conceito está interligado ao outro. Para que haja a elaboração do processo de luto, precisa haver desapego, para que haja o desapego, precisa haver tolerância a frustração. É necessário que haja a possibilidade do desenvolvimento da tolerância à frustração, da possibilidade de adiar satisfações e renunciar de desejos, para que possa haver a experiência do desapegar-se, naquilo que o Mestre Eckhart vai chamar de desprendimento, e com isso, possa haver a elaboração do processo de luto.

DOIS CAMINHOS 

Quando o sujeito teve uma experiência bem-sucedida, viveu um vínculo saudável com um objeto que tenha sido perdido, ele consegue viver o processo do luto em relação a isso que foi perdido. Quando a relação com esse objeto que foi perdido foi conflituosa, foi tóxica, de alguma forma, não pode ser bem elaborada, quando existe a perda do objeto, o sujeito cai num estado de melancolia, ou seja, ele não perde só o objeto no mundo externo, mas ele perde algo dentro dele que se confundia com o objeto externo, naquilo que a gente vai chamar de equação simbólica. O que está dentro e o que está fora, são a mesma coisa.

PROCESSO OU ESTADO 

O luto é um processo, é uma transformação. O sujeito que está vivendo o luto, ele está dentro de um processo, ele sofre um processo. A melancolia é um estado, não existe transformação. A melancolia não é um processo. O sujeito, quando cai em melancolia, ele não é capaz de sofrer. Ele não tolera sofrer, por mais que ele esteja sentindo a dor.

DO ANALISTA 

O analista, quando ele está num processo de luto, seria muito importante que ele pudesse se resguardar. Seria muito importante que ele pudesse respeitar este processo do luto e se resguardar, até que ele possa elaborar uma boa cota deste processo e a partir daí voltar a atender. o analista que esteja em melancolia num estado de melancolia então não tem nem o que dizer porque é muito pouco provado ou eu diria impossível que ele possa exercer a sua função.

AUTOSSABOTAGEM

Uma breve pesquisa na obra do Freud, você vai perceber que ele é bem humilde em relação aos processos internos. Então, ele vai dizer assim: “Quando o processo é interno, nós temos muito pouco conhecimento de como isso acontece.” Nós precisamos ter aquilo que o Bion chamou de “ato de fé” para que a gente possa tolerar o tempo necessário para que isso aconteça. E aí a gente vai, esperançosamente, propiciando esse ambiente saudável para o paciente. No entanto, todo esse processo vai acontecendo no tempo do paciente, não no tempo que a gente tem, enquanto expectativa. E esse é o grande problema. Na maioria das vezes, um paciente que esteja de um estado melancólico, ou que a cota melancólica dele esteja sendo proeminente no seu funcionamento emocional e afetivo, ele dificilmente busca ajuda psicoterapêutica. Dificilmente ele vai até o psicoterapeuta. Porque a melancolia traz para ele uma desesperança enorme. Ele não acredita que qualquer coisa do mundo externo possa ajudá-lo a continuar viver que não seja o objeto que foi perdido. Paciente melancólico entende-se, paciente que tenha a cota melancólica proeminente no seu funcionamento. Melancólico todos somos em certa cota. Quando o paciente melancólico, ou paciente que esteja com sua cota melancólica proeminente, procura psicoterapia, o trabalho é muito difícil, porque que ele vai se autossabotar constantemente, porque a melancolia tem a característica peculiar do sentimento de culpa. A perda do objeto deixou um sentimento de culpa no sujeito. E aí, o que acontece? Ele vai viver esse sentimento de culpa, ele vai se julgar por esse sentimento de culpa e ele vai se condenar por esse sentimento de culpa. E muitas vezes, vai se autossabotar mesmo sem perceber que esteja fazendo isso. Mas a sua própria desmotivação para as suas práticas e as suas realizações vão propiciar uma atmosfera de autossabotagem e as coisas dele parece que não andam. Ele dá um passo pra frente e dois para trás por assim dizer.

TOLERÂNCIA

Não pode existir um funcionamento saudável, dentro do âmbito emocional e afetivo, sem poder contar com tolerância às frustrações. A tolerância à frustração é a base de todo o funcionamento saudável da mente. É a base de todo funcionamento afetivo, ou seja, das formas saudáveis de se relacionar com o outro e consigo mesmo. É a partir da tolerância à frustração que se estrutura um bom funcionamento da mente.

LUTO E A DEMANDA DO OUTRO

Todas as vezes que se perde alguma coisa que era muito importante para o sujeito, todas as vezes que se desliga de alguma coisa do mundo externo, que tinha uma importância muito grande para o sujeito, existe um retraimento do interesse do mundo externo. O sujeito se retrai do mundo externo. O mundo externo fica sem graça, passa a não ser interessante, no período do que a gente chama de luto. E é muito importante que isso seja respeitado. Que o sujeito seja respeitado no seu processo da elaboração do luto. Que ele possa realmente se retrair do mundo externo e que não seja cobrado dele que ele volte ao mundo externo, por conta da demanda do outro.

DEPRESSÃO PATOLÓGICA 

A palavra depressão é polissêmica, dentro das formulações emocionais e afetivas. Ela vai desde a catalogação psiquiátrica do psicodiagnóstico depressão, até a expansão, dentro da possibilidade de um movimento introspectivo. Todas as vezes que o sujeito, por exemplo, vive uma perda, ou uma frustração, ele vai entrar num processo depressivo. A tristeza é depressiva. Isso que a gente chama de patologia da depressão, tem duas origens possíveis. A primeira é quando existe realmente, a instalação de um quadro de melancolia. Quando o sujeito não pode viver uma experiência saudável com o objeto que foi perdido, e na perda desse objeto, ele vai se retrair e vai perder a motivação de viver. Agora, existe uma outra possibilidade de um quadro patológico de depressão, que é o luto mal elaborado. O sujeito perdeu um objeto que, ele pode até ter tido um bom relacionamento, mas por conta do ambiente nocivo que ele viva, ele não conseguiu viver o processo do luto. Ele foi impedido de viver e elaborar o processo do luto. Nessas duas possibilidades, ele pode cair numa depressão patológica.

LUTO E RESPEITO

Nós vivemos numa contemporaneidade que não respeita o período do luto, que não respeita a elaboração do processo do luto. Nós vivemos num tempo onde o luto é encarado como doença. O sujeito, quando vive uma perda e se retrai, por conta dessa perda, é sugerido a ele, que ele tome medicamentos para que ele não viva o luto, que ele não viva a depressão incluída no luto. Desde os parentes, da família, até os amigos e se estendendo à vida profissional. Todo mundo tem uma ânsia enorme para que esse sujeito saia logo desse estado de luto e isso é muito perigoso, porque muitas vezes, ele acaba interrompendo o processo necessário do luto para atender o desejo do outro. “Não fica triste, não! Não fica assim, não! Toma um medicamento antidepressivo. Vamos tomar ‘uma’, para esquecer a tristeza!” Na realidade, ele precisa viver aquele processo. Aquele processo é necessário para que ele possa elaborar aquele luto e retomar a sua vida agora de forma saudável.


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