Para
quem tem o mínimo de conhecimento sobre as formulações psicanalíticas é muito
clara a série de possíveis danos na estruturação da personalidade daquele que
não pode contar com a presença da função paterna nas etapas fundamentais do
desenvolvimento. Já tive oportunidade em outra ocasião para levantar algumas
das possíveis consequências dessa ausência e aqui tentarei trazer à baila
outros possíveis desdobramentos desta triste experiência de privação.
No
entanto, não é necessária muita pesquisa e muito menos é preciso ser um
estudioso da psicanálise para ter acesso à realidade dos fatos. Para tanto,
mais importante que ter acesso a estudos sobre o tema, ou ainda, mais
importante do que contar com bom nível de desenvolvimento intelectual, é
fundamental o desenvolvimento da maturidade emocional, na capacidade de
estabelecer um acordo com a realidade. Esse possível acordo permite reconhecer
a essência das condições mínimas necessárias para que uma criança possa se
desenvolver emocionalmente de forma saudável. Para isso é necessária a
elaboração das partes da mente que estejam fixadas e por conta disso, tendendo
a manter uma forma saturada de funcionar. Essa experiência promove uma expansão
mental. A expansão da mente possibilita gradativamente a dissolução de certos
conceitos que se encontravam impregnados de certezas, como algo inquestionável,
que devem se manter através da arrogância. Com isso é possível promover a
integração da mente, onde a realidade (desconfortável) é desvelada carecendo de
responsabilização.
Muitas
vezes, o sujeito que não teve a presença da função paterna pode criar aversão a
essa figura, tendendo a acreditar que não é necessária. Isso ocorre
principalmente se ele conseguiu seguir sua vida, ainda que não reconheça os
prejuízos ocorridos por conta da ausência do cumprimento dessa função
fundamental. Dessa maneira, amiúde corroborado por movimentos sociais que apoiam
a inutilidade da figura masculina na família e na estruturação da
personalidade, corre-se o risco da normatização do prejuízo por aqueles que
conseguiram sobreviver mesmo privados da função paterna.
Bem,
quando dissolvidos os preconceitos e livre de falsos conceitos em relação a
essa função básica, então é possível perceber com clareza os prejuízos na vida
daquele que não teve a função paterna cumprida suficientemente. O sujeito que
tenha sido submetido a privação da presença paterna tenderá buscar esse
suprimento, direta ou indiretamente, consciente ou inconscientemente, pelo
resto da vida. Donald Woods Winnicott (1896 — 1971) explana de maneira muito
interessante, em seu trabalho PRIVAÇÃO E DELINQUÊNCIA, o tema da busca pelo
suprimento daquilo que faltou.
“Quando
uma criança rouba fora de casa, ainda está procurando a mãe, mas procura-a com
maior sentimento de frustração, necessitando cada vez mais encontrar, ao mesmo
tempo, a autoridade paterna que pode pôr e porá limite ao efeito concreto de
seu comportamento impulsivo e à atuação das ideias que lhe ocorrem quando está
excitada.”. (Winnicott, 1946)
No
entanto, a função paterna não é o pai. A função paterna não precisa
necessariamente ser desempenhada pelo pai biológico e por outro lado, não é por
que o sujeito ocupa essa posição consanguínea, que lhe garante a capacidade de
cumprir essa função, da qual demanda certa maturidade emocional o suficiente
para tanto.
Ainda assim, essa função não pode ser cumprida pelo tio, pelo avô
ou por qualquer que seja o homem que esteja vinculado por um laço parental, já
que a função paterna deve trazer a possibilidade de sinalizar o limite edípico,
inerente à sexualidade humana. Em outras palavras, a função paterna tem o papel
de libertar a criança do vínculo incestuoso.
A criança percebe que existe uma integração entre mãe e pai, onde não
exista brechas que a permitam invadir. Com isso ela vai se percebendo
inadequada na intimidade do casal e gradualmente vai se libertando, para assim,
viver sua própria autonomia. Grande parte dos transtornos mentais está ligada à
relação fusionada com a mãe, que não pode ser dissolvida por conta da ausência
da função paterna.
Além
disso, é um fato constatável em uma breve pesquisa nas estatísticas que, a
ausência da função paterna está implicada na vida das crianças de rua, ou das
que fogem de casa, assim como no alto índice de suicídios de jovens.
Dificilmente casos de estupradores, envolvimento com drogas e abuso de álcool,
não têm histórico de falha no cumprimento da função paterna. Da mesma maneira o
contingente das prisões tem como marca peculiar, a ausência dessa função na
história de vida. Nas mulheres, a ausência do cumprimento bem-sucedido da
função paterna, afeta como deficiência do estabelecimento de modelos, onde deve
comprometer diretamente a capacidade de avaliar homens em que venham a se
envolver afetivamente.
Por conta disso, a maior parte das mães solteiras, ou na
gravidez fora do casamento, e em consequência disso maior incidência de
abortos, estão ligadas à ausência da função paterna. Até mesmo na maior
incidência de estudantes que desistem do Ensino Médio, antes de concluir. Todas
essas desventuras têm maior incidência em famílias onde a função paterna, ou
está ausente, ou não foi cumprida suficientemente.
Importante
deixar claro que a função paterna não se restringe à presença física de um
sujeito masculino, nem mesmo está restrita na ação de prover recursos
materiais, por mais que sejam esses também, fatores dessa função. Para além
disso, essa função abrange muito mais.
A função paterna deve servir a proteger
e prover o exercício da maternagem, num momento onde àquela que exerce a função
materna não pode se preocupar com nada, pois está ocupada dos cuidados do bebê.
A função paterna está encarregada do desenvolvimento na capacidade de
reconhecimento dos limites, assim como garantir a segurança no lar. Dois
fatores que se desdobram na capacidade de perceber as fronteiras de sua própria
personalidade, aprendendo a respeitá-las e por consequência, estender isso ao
outro. Em última instancia a presença paterna quando bem cumprida também deve se encarregar de desenvolver a capacidade do sujeito em confiar em si mesmo.
Winnicott, D.
W. (2002). ALGUNS ASPECTOS PSICOLÓGICOS DA DELINQUÊNCIA JUVENIL. In D. W.
Winnicott. (2002/1984a). PRIVAÇÃO E DELINQUÊNCIA. (3ª ed.). São Paulo: Martins
Fontes. (Trabalho original publicado em 1946.)
Fone: 17- 991910375
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7 comentários:
Excelente conteúdo!
A questão da ausência paterna é muito intrigante por que muitas são as situações em que fisicamente essa figura está contida dentro de casa, mas não no processo de crescimento e ou amadurecimento do filho. Contudo, causa atravessamentos no indivíduo que o leva à um lugar de poda no que diz respeito ao desenvolvimento emocional.
Excelente
Quando eu tinha 4 anos meu pai teve um caso fora do casamento .... Minha mãe foi pedir ajuda na igreja evangélica e meu pai ficou com a minha mãe e a amante até meus 17 anos, o estrago nem te conto! Obrigada pelo conteúdo, estou tentando sair deste buraco!!!
Texto gratificante, parabéns!
Ótimo texto, excelente colocação!!
Parabéns, professor Renato!
Parabéns professor Renato , nos nutrindo sempre com suas expansões, gratidão
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