quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

CATIVAR, SIMBOLIZAR E CONTEMPLAR - Prof. Renato Dias Martino



As três etapas da simbolização, que vai acontecer com o bebê, mas vai se estender como um funcionamento para a vida toda no adulto. Experimentamos de uma realidade concreta, de uma realidade física, de uma realidade sensorial, onde existe uma necessidade concreta, uma necessidade sensorial e existe um objeto concreto e sensorial no mundo externo, que vá suprir essa necessidade. Experimentamos, uma realidade concreta, uma realidade abrangida pelo sensorial, num segundo momento, no afastamento desta realidade sensorial, vamos viver uma imaginação sobre isso que não está presente naquele momento. Preciso de alguma coisa e esta coisa é concreta, é física e neste momento, esta coisa física e concreta não está presente, então, eu imagino sobre isso. Este é o real Imaginário. Se a relação que eu tive com este objeto real e concreto, foi bem-sucedida, esta imaginação vai me levar para a simbolização. Ou seja, eu internalizei este objeto concreto e por ter internalizado, por ter simbolizado este objeto, eu sou capaz de tolerar a ausência deste objeto que um dia foi concreto, imaginário. Isto se chama uma simbolização para psicanálise.

EU

Quando a gente fala de doação, de doar-se, de renunciar para o outro, antes a gente precisa estar de bem com a gente mesmo, antes a gente precisa ter sido nutrido o suficiente, antes do nós existe um eu. Então, eu não posso considerar o nós se eu não tiver de bem comigo mesmo. Eu preciso estar de bem comigo mesmo, para que eu possa estar de bem com o outro. Eu preciso amar a mim mesmo, para que eu possa amar ao outro. Eu preciso estar respeitando a mim mesmo, para que eu possa respeitar o outro. O ego é fundamental para que eu possa ter uma estrutura suficiente para me doar para o outro. Se o meu ego não estiver nutrido e bem estruturado, eu não consigo estender qualquer que seja a ação nobre para o outro.

LUTO E CONFIANÇA

O bom desenvolvimento da personalidade depende fundamentalmente, de ter vivido experiências bem-sucedidas com as pessoas e que estas experiências bem-sucedidas possam nutrir o eu nutrir o ego. Esta é a base de uma personalidade bem estruturada. O luto é fundamental! Quando se vive uma experiência bem-sucedida com um objeto externo e aqui objeto externo estou falando sobre pessoas vincula-se pessoas, quando essa pessoa se afasta, ela deixa recordações dessas experiências bem-sucedidas e essas recordações nutrem o ego. O sujeito vai ficando autoconfiante na medida em que ele sente que o outro confiou nele e ele pôde confiar nesse outro.

CATIVAR E ENTRISTECER 

A raposa do Pequeno Príncipe explica para ele o que quer dizer cativar. Quer dizer criar laços, quer dizer passar a ser necessário para o outro. Um precisar do outro. Um ser singular para o outro. Este é o primeiro passo da experiência. Primeiro cativa-me, depois inicia-se um processo de expansão do vínculo. A experiência da simbolização, a experiência do cativar, inclui a tristeza, inclui o entretecimento. É necessário se entristecer para simbolizar. Se eu evito o sofrimento, se eu evito o entretecimento, eu não consigo simbolizar. Para ter recordações, eu preciso ter perdido o objeto da recordação e isso é triste. O sujeito que não tolera se entristecer, ele não simboliza, ele não cativa, ele não vive.

EQUAÇÃO OU ANALOGIA

A Hanna Segal, ela traz a ideia da equação simbólica. O que que ela chama de equação simbólica? É a relação que o bebê tem com a mãe, enquanto a mãe ainda não está simbolizada. A mãe real, concreta, física a mãe do mundo externo e a mãe que está dentro dele coincidem, equacionam-se. Quando uma sai, a outra deixa de existir. Quando uma se ausenta, a outra deixa de existir. O bebê não é capaz de ter uma imagem internalizada da mãe, até então, para que possa sustentar a ansiedade e angústia da ausência dessa mãe. Aos pouquinhos ele vai simbolizando esta mãe. A partir das experiências bem-sucedidas que ele teve com essa mãe, ele vai simbolizando essa mãe. O que que é simbolizar? É introjetar experiências bem-sucedidas e sustentar-se na ausência dessa mãe com as recordações que ele tem dela. Então, a parte partir daí, este símbolo é como se fosse a mãe e aí a gente expande pra ideia da analogia simbólica na equação simbólica. “Isso” é “isso”. Se “isso” não existe, “isso” também não existe. Na analogia simbólica, “isto” é como se fosse “isso”. Então, se “isso” não está, “isso” sustenta a ausência “disso”. Porque “isso” é como se fosse “isso”. Dentro de um desenvolvimento do processo psicoterapêutico, o paciente pode viver de início a sensação de que a analista é a mãe dele, que o analista é o pai dele, ou que o analista é a mãe dele e quando ele está longe do analista ele sente uma angústia muito grande, porque quando ele está numa situação difícil ele não sabe o que fazer. Ou seja, ele vive uma equação simbólica. Aos pouquinhos ele vai internalizando as experiências que ele vai vivendo dentro do setting terapêutico e aí ele vai vivendo uma analogia simbólica.

ANALOGIA E RECORDAÇÃO

Não é só dentro do processo psicoterapêutico. Quando o sujeito começa por exemplo, um relacionamento amoroso, quando ele começa a se relacionar efetivamente com uma pessoa, ele vive isso também. No princípio, ele não consegue simbolizar esta pessoa e quando essa pessoa sai de perto, ele fica desesperado. Chama no WhatsApp e a pessoa não responde, liga e ela não atende e ele se desespera. Ou seja, ele ainda não tem essa imagem internalizada, ele ainda não conseguiu guardar experiências bem sucedidas com essa pessoa o suficiente para ter recordações desta pessoa. Recordar. “Re”, de novo, “cor”, coração e doar. Experiências que possam ser novamente dadas ao coração. Aos pouquinhos com vivências bem-sucedidas com esta pessoa, ele vai conseguindo simbolizar. E aí, ele vai conseguir fazer analogias simbólicas.

IDENTIFICAÇÃO

A ausência do outro é a ausência de mim mesmo. Porque existe ali, uma relação por identificação. Assim como Freud nos propôs, esta relação por identificação acontece quando o outro não é outro. O outro é um pedaço de mim e aí se o outro se ausenta é como se tivesse arrancado um pedaço de mim.

MELANCOLIA 

Por outro lado, quando a gente não consegue viver experiências bem-sucedidas e a gente perde o objeto sem poder ter vivido experiências bem-sucedidas com este objeto, o sujeito passa a olhar o mundo com maus olhos. Ele passa a ser uma pessoa invejosa, desgostosa, obstruída de contemplação.

SIMBOLIZAÇÃO E CONTEMPLAÇÃO

Quando o sujeito é capaz de viver a experiência da simbolização, quando ele é capaz de viver a experiência do cativar, assim como ensinou a raposa ao Pequeno Príncipe, ele enriquece não só o ego, mas ele se enriquece da contemplação do mundo. Porque esta recordação das experiências bem-sucedidas que ele teve com o objeto vai fazer com que ele olhe para o mundo externo e consiga contemplar o mundo externo de uma forma que ele não fazia anteriormente. Então, a raposa não ligava para os campos de trigo, mas depois de ter cativado o principezinho, ela olhava para os campos de trigo e se lembrava dos cabelos dourados do principezinho. Ou seja, ela não contemplava os campos de trigo e depois da experiência bem-sucedida da simbolização da relação com o principezinho, ela passou a contemplar os trigos.


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