Observando os modelos de ligação afetiva, ou em outras palavras, a forma como nos ligamos às pessoas e coisas, é que podemos perceber e avaliar aquilo que chamamos de funcionamento mental. Partiremos desse referencial tendo como pressuposto que o próprio ser humano só pode “ser humano” no contato com outro humano. De outra forma, sempre duvidará de sua própria humanidade. Quero propor com isso que, efetivar ou exercer sua humanidade só se realizará quando em contato com outro ser humano. Um ser ausente de Eros, aquele que nos liga ao outro e ao mundo, não pode estar integrado quanto ao “ser” ou sua existência, muito menos quanto a sua própria humanidade. A psicanálise nos instrui que o que é voltado para o interior do sujeito, não pode ser acessível ao outro, a não ser que seja interpretado (que o outro diga como ele percebe). Mas para isso também carecerá de Eros ( o deus do amor) para humanizar-se. Porém, até que o faça percorrerá longo caminho. E assim como na linguagem poética; o outro pode estar bem perto fisicamente, porém muito distante do coração.
Assim como em cada nova etapa histórica o sujeito pós-moderno, que nasce a partir dos anos 50, trás com ele alguns novos conceitos que em forma de slogans sociais, servem na orientação da massa. O ser humano necessita destes referenciais que se resumem em breves falas e se expandem em comportamentos, escolhas e chegam até a forma de amar. Utiliza-se disso sempre na falta ou nas falhas de sua individualidade ou na duvida sobre sua identidade. Busca suas referencias em sua contemporaneidade e isso surge na forma de moda ou tendências sociais. Usa disso na medida em que se sente inseguro quanto a si mesmo. Normas formais e informais úteis na decodificação do existir. Quanto menos estruturado emocionalmente, mais faz uso deste recurso de massa. Como num cardume de sardinhas que, juntas transformam-se em um enorme e poderoso peixe no olhar do inimigo. Dessa mesma forma o ser humano age e revelam assim suas escolhas, ou mesmo sua incapacidade de escolher.
Junto com a criação da bomba atômica e a descoberta do genoma, criam-se novos modelos de escolha afetiva e de ligação amorosa na dita sociedade pós-moderna. A repressão sexual construída pelo homem moderno é demolida pelo slogan “amor livre” criado pelo pós-modernismo. Cria-se um pensamento revolucionário. Um movimento com a bandeira do “Paz e Amor”, tem o afeto aberto como ícone nessa sociedade denominada “Flower Power”. Sobre tudo a partir dos anos 60, renuncia-se a escolha da família paternalista, para que a reivindicação da responsabilidade do si mesmo na escolha do par amoroso seja satisfeita. A criação de métodos anticonceptivos mais eficazes, como a pílula, foi de grande influencia nessa transformação de modelo afetivo. O casamento armado pelos pais, por conveniências familiares é renunciado. É então permitindo ao sujeito ampla liberdade na escolha que ganha o novo título de namoro. Descritivamente se trata de certo modelo de relacionamento que inclui um período de reconhecimento e avaliação entre as partes do casal, até que se optasse por estarem juntos (ou não) em um compromisso “legal” ou formalizando. Só então, segundo as normas sociais inicia-se a família no modelo pós-moderno. Revela-se um projeto de vida onde a independência pronuncia-se sobre qualquer que fosse a percepção de resquício de dependência, assim sentir-se alienado seria veementemente passivo de ser evitado.
Dentro desse modelo de pensamento, sinais de dependência revelariam um sujeito fraco. Como que um tipo de passividade conformista, totalmente incoerente com uma sociedade revolucionária que se conduziria pela bandeira da liberdade do amor.
Entretanto, percebemos que gradualmente o namoro foi sendo substituído por um novo modelo de aproximação. O modelo afetivo denominado namoro agora num formato mais breve, ganha o título de ‘ficar’. O ficar chega acompanhado pela ‘balada’, ambiente propício para se ‘ficar’. A balada é caracterizada por festas com musica eletrônica, casas noturnas e micaretas de carnaval temporão, onde o culto ao ficar é mencionado em letras como: “Já beijei um já beijei dois já beijei três, Hoje eu já beijei e vou beijar mais uma vez” (musica de João Maurício e Bastola e Tiago Quadros, gravada pela banda Cheiro de Amor).
Contudo, a balada não tem muito significado se não associada ao consumo de álcool e energéticos a base de cafeína, combinadas com aminoácidos. Não deve ser muito ampla uma pesquisa que possa revelar a impossibilidade da promoção de uma balada onde não se consuma álcool. Em muitos casos existe o consumo de outras drogas como certas combinações de anfetaminas que se transforma em influencias cruciais na incapacitação do julgamento da realidade e desta forma estimulando a superficialidade do contato com aquilo que existe fora do eu, justamente o ‘ficar’. O beijo que seria símbolo do amor pós-moderno, agora passa a ser o troféu na superficialidade do encontro denominado ‘ficar’. Troféu desligado de noções como qualidade, mas fica condicionado segundo a quantidade de sujeitos beijados numa só noite de balada. A amplitude de possibilidade de escolha cresce muito mais com esse novo modelo, porém o que antes se pronunciava em forma de angústia por sentir-se preso a alguém que não pudera ter a chance de escolher, agora se revela como uma superficialidade no encontro, que traz certa inabilidade no reconhecimento mais profundo do objetivo assim como do objeto amoroso. Ou seja, o sujeito se perde no meio das suas próprias escolhas, num sentimento de enorme solidão.
O que se originou de uma luta por liberdade ou independência agora se pronuncia como medo extremo da profundidade nas relações. Isso já que esse modelo de experiência poderia proporcionar um ambiente propício para se reviver situações de dependência.Nesse culto ao mito de Narciso, me parece que o grande prejuízo se encontra no lado mais frágil. Tudo estaria muito tranqüilo se essa geração fosse a ultima das gerações e até parece que a degradação da natureza aponta para essa direção. Boatos recorrentes de catástrofes em massa e fim do mundo são fantasias acalentadoras dessa tendência narcisista de que “nada continuará depois que eu morrer”. Entretanto, na realidade, a vida continua. O sujeito contemporâneo reivindicou e conquistou sua independência, mas quem cuidará dos bebês que necessitam se sentirem dependentes?
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Um comentário:
Excelente!!!
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