quinta-feira, 30 de outubro de 2025

APOSENTADORIA E O VERDADEIRO EU - Prof. Renato Dias Martino



ARMADURA

 

A vida profissional do sujeito é como se fosse uma armadura de um guerreiro. E a aposentadoria é o momento de pendurar a armadura, por assim dizer, deixar de usar essa armadura que o guerreiro usou por muito tempo. Mas quando ele tira a armadura, o que fica é o verdadeiro eu. Na medida em que ele pôde nutrir o verdadeiro eu, a armadura vai ser simplesmente uma armadura. Agora, quando ele não foi capaz de nutrir o verdadeiro eu, ele pode passar a acreditar que ele é a armadura. E aí quando vem a aposentadoria, ele não consegue tirar a armadura, porque se ele tirar a armadura, ele deixa desistir.

 

NUTRIÇÃO

 

Na realidade, essa nutrição do verdadeiro eu, precisa acontecer antes mesmo de qualquer estruturação da vida profissional. O sujeito, ele precisa ter ali, muito cedo, na tenra infância a possibilidade de reconhecimento, respeito e responsabilização pelo verdadeiro eu, para que quando ele comece a vida profissional, o verdadeiro eu é o que realmente importa. O Winnicott fala da mãe ambiente. Para quê? Para que serve essa mãe ambiente? para que o bebê possa ir aprendendo a reconhecer o verdadeiro eu, porque é ela que vai cuidar do ambiente. A tarefa dele é só reconhecer aquilo que ele está sendo na essência. E quando ele consegue reconhecer esse verdadeiro eu, tudo que se estrutura para além desse verdadeiro eu acontece e se estrutura a favor deste verdadeiro eu, para proteger o verdadeiro eu, para viabilizar a existência do verdadeiro eu.

 

RECONHECIDO

 

Ele nunca foi reconhecido no verdadeiro eu, nunca foi nutrido no verdadeiro eu. E quando eu falo nutrido no verdadeiro eu, o eu verdadeiro é nutrido essencialmente de reconhecimento, de amor e de verdade. Quando ele nunca foi bem nutrido no verdadeiro eu e ele começa a trabalhar, ele passa a acreditar que o trabalho dele é ele, a existência dele é aquilo. Por isso ele tem muita dificuldade de se aposentar. E ele acredita tanto que ele é aquele trabalho que quando ele sai do trabalho às 6 da tarde, ele corre direto para o bar, no que usualmente aprendeu se chamar de happy hour, para encher a cara de álcool para ele começar a ser sedado, entorpecido, porque ele não acredita no verdadeiro eu. E ele passa uma vida inteira assim e quando ele aposenta, não tem mais sentido viver.

 

FUGA

 

Não é só a fuga para o happy hour depois do trabalho que o sujeito usualmente tem feito, mas também é a fuga para o psicotrópico, o medicamento psiquiátrico, para as academias, para as compras. Ele foge para todo lado. Pois é, você pode fugir do outro, mas você não pode fugir de você mesmo. Uma hora você vai se encontrar com você. O outro não sabe o teu ponto fraco, mas você sabe.

 

OBJETIVOS

 

O sujeito que está integrado, o sujeito que está nutrindo o verdadeiro eu, o sujeito que foi nutrido no verdadeiro eu e passou a nutrir-se na perspectiva do verdadeiro eu, tem muito poucos objetivos na vida. Ele simplesmente caminha, ele simplesmente realiza, não por conta de um objetivo pré-estabelecido, mas porque realizar é caminhar. Porque a vida desse sujeito é uma grande passagem. Ele não tem um objetivo. Quando ele chega num suposto objetivo, ele continua andando. Esta é a integração do verdadeiro eu. Este é o sujeito integrado. Não aquele que tem um objetivo, mas aquele que está caminhando.

 

IMPORTÂNCIA

 

O sujeito passou uma vida inteirinha não se importando consigo mesmo, não se importando com o verdadeiro eu, alimentando o falso eu, alimentando aquele eu que serve para cumprir expectativas dos outros ou dele mesmo. E aí ele começa a perceber que isso está desabando e chega na psicoterapia. Mas não é de um dia para o outro que isso é reparado. A erva daninha brota por si mesmo. O cultivo de coisas saudáveis demanda de dedicação.

 


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