quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

SOBRE O PROCESSO DO LUTO E O ESTADO DA MELANCOLIA - Uma Observação Sobre o Pensamento de Freud

Dürer, Melencolia I, 1514
Dois caminhos depois da perda

O tema proposto nesse texto foi muito bem debatido por Sigmund Freud (1856 - 1939) e seus discípulos, porém sinto de extrema utilidade que possamos cogitar alguns aspectos dos caminhos que se pode tomar, quando aquilo que contamos como primordial, nos escapar.
A palavra luto serve-nos para descrever o período que se segue depois da perda de alguém que nos é importante, alguém que de alguma forma é ou foi alvo dos nossos investimentos, alvo dos nossos interesses, ou mesmo, que éramos ligados. A palavra luto serve para descrever a perda de uma pessoa amada, uma posição social ou uma ideia que, se constatou, não viável a realidade. “Sentir o luto” descreve de alguma forma o que deve ser desligado de nós e um processo natural da vida.
Logo ao nascer automaticamente temos que aprender a perder. O próprio momento do parto é para o bebê o fim de um modelo de vida e o início de outro: ele passa de um mundo, aquático para um mundo aéreo (respiração pulmonar) e, de uma alimentação via umbilical para a forma oral. Quando a perda ocorre, nos recolhemos em direção do nosso ego (eu) e nos desinteressamos em certa medida pelas coisas do mundo (externo), nos voltando para dentro de nós mesmos (interno). Esse mecanismo é o que poderíamos chamar de depressão, essa expressão tão usada, para descrever “certos estados mentais”. É esse o fenômeno psíquico que acompanha o período do luto que funciona como o processo de cicatrização de um ferimento.

Como na conduta do caracol do nosso jardim, que se recolhe até que o perigo passe. Desse modo, assim que elaborado o período de luto, ou seja, quando a perda que ocorreu no mundo real (externo) foi também aceita no mundo interno (afetos e emoções), o sujeito inicia um processo de expansão para o mundo externo. Bem como lá no jardim o caracol, depois de algum tempo, põe sua cabeça para fora da casca, tentando retomar seu caminho.
De uma forma esquemática, percebe-se o perigo, admite-se o risco, recolhe-se até que retome a consciência da situação. Um período de reflexão, de como será o mundo sem aquilo que julgava vital e, só depois disso, o sujeito se vê capaz de retomar sua busca por novas ligações afetivas. Mas é fundamental para a maturação deste processo que o “sujeito” reconheça o que perdeu, ou seja, saiba o que se foi e como foi perdido e, também assuma as consequências. Porém, sem que isso implique em interromper suas realizações.
Assim, o ego se mantém íntegro, mesmo depois da perda ou, em outras palavras, a autoestima permaneceu em suas proporções e agora, se vê pronto para buscar novamente algo fora. Contudo, a perda do objeto apresenta outro caminho em paralelo. Pensemos aqui na melancolia.
Sigmund Freud (1856-1939)
Neste estado mental, os processos ocorrem muito semelhantes ao do trabalho do luto, porém com algumas ressalvas de crucial importância.
Na melancolia, também ocorreu à perda; da mesma forma, o sujeito sofre a depressão, como a perda do interesse pelo mundo externo (pessoas e coisas), todavia, diferente do luto, o ego sente-se empobrecido e enfraquecido, como se lhe faltasse um pedaço. Assim, é comprometida a autoestima. Como se disséssemos “sem isto, eu não consigo viver”. Parte do eu parece morrer junto com aquilo que se perdeu no mundo. Freud, em 1917, escreve: “No Luto é o mundo que se torna pobre e vazio, na melancolia, é o próprio ego”. O que parece morrer não é apenas aquilo que se deseja, mas o próprio desejo.
No estado de melancolia, o eu se divide. Uma parte se volta contra a outra, condenando pela perda ou pela incapacidade de viver sem aquilo que se perdeu. Parte do eu se identifica com aquilo que se perdeu. O sujeito melancólico não deixa morrer, na fantasia, aquilo que morreu no real. Desta forma vive aquilo que se perdeu de uma forma narcísica, onde só existe para ele.
Sigmund Freud (1856-1939)
O modelo de relacionamento que pode ter o desfecho melancólico, no caso da perda, nos parece estar caracterizado de forma narcisista. Freud se utilizou do “mito de Narciso”, por trazer em seu modelo grande simbologia. A palavra grega “Narkissos”, que vem do grego “narkes”, significa “entorpecimento / torpor” e ela deu origem à palavra narcótico. Narciso, além disso, é a denominação da flor bela, todavia, inútil, pois morre posteriormente a uma vida breve, estéril e tóxica. 
A Mitologia Grega contava que Narciso era filho do Rio Céfiso e da Ninfa Liríope. A mãe Liríope, que foi fertilizada sendo vítima da insaciável energia sexual de Céfiso, teve uma gravidez penosa e indesejável. Narciso, o filho, nasce tão belo que deixa a mãe assustada. Por esse motivo ela busca o cego Tirésias (vidente), que revela a Ninfa Liríope que Narciso viveria muitos anos com uma condição: de que ele não conhecesse a si mesmo. O mito grego de Narciso só amou a si mesmo e quando amou o outro, o fez através de sua imagem refletida na margem do rio, onde morreu depois de muito adorar sua própria face.
A proposta é que a relação ou o vínculo que se faz com aquilo que se perdeu (segundo o modelo melancólico) é sobre aspectos do “eu” projetados no outro. Uma relação por identificação. Parece-me, nesse caso, a única forma de viver sem o objeto. Uma forma regressiva de estabelecer vínculos, pois é desta forma que o bebê se liga à mãe e irá fazer suas ligações com outras coisas e pessoas, por um bom tempo, ou até mesmo no decorrer de toda a vida, em certa proporção. O bebê não existe sem a mãe ou alguém que cuide dele. Esse objeto de amor é percebido de forma ambivalente.
Por um lado, é idealizado por estar de posse de fatores inerentes à própria existência do sujeito; porém, por outro, mantém um ódio gerado pela inveja daquele que parece ter (ou tem) parte do “eu” (algo que o eu parece não viver sem). Quando o objeto é perdido, recai sobre o “eu” o peso da falta. O que emerge e aparece na consciência é o ódio em forma de culpa e auto-repreensão que, durante a dependência, foi reprimido.
A dificuldade de se deprimir, a impossibilidade ou incapacidade de viver a perda dificulta o processo do luto. Torna-se uma prisão melancólica, o real passa a ser evitado em troca da fantasia. A perda do objeto nos traz a chance de olhar para o vazio, único lugar onde podemos construir.



Capítulo do livro Para Além da Clínica. Renato Dias Martino - 1. ed. São José do Rio Preto, São Paulo: Editora Inteligência 3, 2011.





Prof. Renato Dias Martino
Psicoterapeuta e Escritor
renatodiasmartino@hotmail.com
Fone: 17-30113866
http://pensar-seasi-mesmo.blogspot.com/

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Encontrar a felicidade dentro de si é o sucesso dos relacionamentos

Encontrar a felicidade dentro de si é o sucesso dos relacionamentos
Francine Moreno


Lézio Júnior/Editoria de Arte

Muitas pessoas acham que só podem ser completas e felizes se tiverem um parceiro. Mas considerar que um relacionamento será fonte segura de felicidade é um erro. A felicidade nunca é propriedade da outra pessoa, ou seja, cada um tem força suficiente de ser feliz independente do outro. Aquele que acredita que colocar uma aliança no dedo anelar da mão esquerda é garantia de um final feliz, é justamente quem mais tem chance de se decepcionar e sofrer.

É muito perigoso, de acordo com o psicoterapeuta professor Renato Dias Martino, depositar todas as expectativas. “O casamento pode ser uma fonte de felicidade quando fizer parte de uma construção desse estado de espírito. Nada que é real pode trazer certa fonte inesgotável de felicidade. Uma união feliz só se dá entre pessoas que criam situações felizes.”

A felicidade é da pessoa que a experimenta e nunca está depositada numa outra. A felicidade está relacionada ao bem-estar individual, que se prova em maior ou menor grau e em diversas situações e decorrente de inúmeras situações desencadeadoras. “A felicidade plena é praticamente inafiançável, mas sua ideia é tão envolvente que nos impulsiona a crescer e querer nos relacionar com a finalidade de provar, mesmo que em parte, suas delícias e prazeres”, afirma Ana Monachesi, psicóloga e especialista em sexualidade.

E nessa busca, cabe a cada um criar sua receita e escrever seu manual do que é sua própria sensação de felicidade. Segundo Prof. Martino, podemos melhorar nossas uniões responsabilizando-nos por nossa própria tristeza e retirando da mão do outro a tarefa de nos fazer feliz. “É preciso tentar tolerar as tristezas ou intemperanças do outro em prol da união, respeitando a necessidade de cada um em ficar algum tempo sozinho.” Professor Martino diz que para aumentar a felicidade e estimular o mesmo sentimento no parceiro é preciso propor a si mesmo um modo feliz de viver, ou seja, uma vida onde exista espaço para momentos felizes, que serão assim valorizados e cultivados. “Para compartilhar isso com o outro, é necessário que ele também espere isso para si, do contrário, será difícil viver a felicidade ao lado de alguém que não é capaz.”

Matéria na integra: http://www.diarioweb.com.br/novoportal/Noticias/Comportamento/5364,,Encontrar+a+felicidade+dentro+de+si+e+o+sucesso+dos+relacionamentos.aspx

Prof. Renato Dias Martino
Psicoterapeuta e Escritor
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quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

TOLERÂNCIA NA FORMAÇÃO DOS MECANISMOS DA INVEJA


 Sebastián de Covarrubias,
“ A inveja”, gravura, Século XVI

Um rapaz apaixonado trata com a nova namorada um jantar para sábado à noite. Passará para pega-la às 20 horas. Ao chegar pra buscá-la, no dia e horário combinados, o rapaz depara-se com um recado da criada para que aguarde até que a moça termine de se arrumar. O rapaz apaixonado, então, passa a esperar pacientemente. Espera por aproximadamente cinquenta minutos. Nesse período pensamentos e imaginações se movimentam e disputam lugar no interior de sua mente, assim como as cores do semáforo que o jovem assiste mudar inúmeras vezes no cruzamento mais próximo, enquanto aguarda. O moço que construíra expectativas de um “encontro perfeito”, cheio de entusiasmo, se vê agora a quase uma hora esperando. Durante esse tempo cada pensamento criativo de uma noite romântica como, nome de um restaurante preferido, prato predileto, vinho branco e proposta para se estenderem noite adentro, são conflitados pelas imaginações geradas a partir da duvida do amor da moça, que, agora já o faz esperar por uma hora. Ele imagina então: “Como me faz esperar tanto?”, “Como posso me permitir ser desprezado assim?”, “E toda atenção que investi nela?”, e por fim “Me sinto um idiota”.

Melanie Klein (1882 - 1960)
Deixemos o rapaz que já aguarda enfurecido por alguns instantes e pensemos agora em um bebê que começa a perceber a satisfação que traz o seio da mãe. Descobre como é prazeroso o conforto de seu colo e a proteção desta que muitas vezes não pode atendê-lo de imediato. A capacidade de tolerar esse período de espera (momento entre o desejo até a chegada do seio) é na psicanálise – sobre tudo a partir dos estudos de Melanie Klein (Viena, 30 de março de 1882 - Londres, 22 de setembro de 1960) em (Inveja e Gratidão, Estudo das Fontes do inconsciente, Imago, 1974) – um fator decisivo no desenvolvimento dos mecanismos formadores da inveja. É como se o outro (nos exemplos a cima, a mãe - namorada) estivesse de posse de partes do “eu” (bebê-rapaz apaixonado). Deste modo: “como posso viver sem o outro?”. A partir desse vértice, a gênese da inveja estaria nisso que o outro tem e que o “eu” não vive sem. É útil nos lembrarmos que a paixão é amor sem verdade, onde o outro tem a posse do “eu”. “Ele é tudo pra mim, logo sou nada sem ele.”
Voltemos ao paciente rapaz, que agora espera a mais de uma hora a vaidosa moçoila que ainda se encontra em frente ao espelho escovando suas longas e alouradas madeixas. O período de espera pode se tornar um lugar propicio para ataques à imagem idealizada da moça, assim como, da proposta de uma noite romântica. Dessa forma, quando a moça, muito bem vestida, penteada, maquiada e cheirosa, chegar, pode encontrar um rapaz enfurecido e ávido por retribuir vingativamente todo desconforto da longa espera. Da mesma maneira o seio nutridor da mãe pode ser recebido, depois de longa espera, com uma mordida. A idealização é seguida pela destruição do objeto antes adorado.


Ilustração de Gustave Doré (1832 – 1883)
- Divina Comédia, Dante Alighieri (1265 – 1321)


Isso implica diretamente na capacidade de simbolizar. A saber; simbolizar é a capacidade de sentir a presença mesmo na falta, através de uma imagem internalizada. Quando essa capacidade é de alguma forma comprometida, a falta é preenchida por ideias destrutivas.
No desenvolvimento da vida emocional do bebê, a entrada do pai é experimentada por um impacto que é sentido com um novo modelo, o ciúme. Esse novo sentimento inclui mais alguém na relação que até então era entre dois, mãe-bebê. Nesse triângulo é onde ocorre a formação do que Sigmund Freud (1856-1939), utilizando-se do mito de Sófocles, e chamou de Complexo de Édipo, mas que não pretendo me aprofundar nesse texto. 
Édipo e a esfinge (Oedipus et Sphinx),
1808, pintura de Jean Auguste Dominique Ingres;
Paris, França.
Contudo, o ciúme pode ser oportunidade de experiência tanto como uma evolução emocional em direção a realidade, por compreender alguém mais na relação mãe e filho, quanto um risco de regressão a antigos conflitos mais primitivos. Quando a inveja do seio e da satisfação que este traz, é algo de acentuação extrema, a entrada do pai na relação é recebida de uma forma diferente. O que se deseja não é o amor do pai, mas a disputa da posse deste com a mãe. Desta forma, na menina, por exemplo, pode estar se estabelecendo um protótipo de relações subsequentes, onde cada sucesso em direção aos homens passa a ter a importância de um triunfo sobre outra mulher.




Prof° Renato Dias Martino
Psicoterapeuta e Escritor
Fone: 17-30113866    
renatodiasmartino@hotmail.com
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