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terça-feira, 4 de março de 2025

CULPA, SENTIMENTO DE CULPA E PERDÃO - Prof. Renato Dias Martino


FATOR OBSTRUTOR

A culpa é uma das questões fundamentais, ou o cerne da disfunção emocional. A culpa é um elemento fundamental para obstruir o fluxo do desenvolvimento emocional e do funcionamento emocional, comprometendo também o funcionamento afetivo. O sujeito fica obstruído de funcionar emocionalmente e obstruído de funcionar afetivamente, ou seja, nos vínculos com os outros por conta do sentimento de culpa. 

CULPA

A dúvida é, qual é a diferença entre o sentimento de culpa e a culpa? Primeiro vamos falar sobre a culpa e logo de início eu vou já colocar aqui um pressuposto: a culpa é questionável. Todas as vezes que a gente falar sobre culpa nós precisamos olhar para isso atentamente, cuidadosamente porque a culpa sempre é questionável. Se o sujeito realmente tem culpa. O sujeito no trânsito atropela uma pessoa. Ele passa passou no sinal vermelho, por exemplo, atropelou essa pessoa e essa pessoa morre. Ele é culpado pela morte dessa pessoa. É culpa dele que esta pessoa morreu. Quando a gente afirma que é culpa dele, a gente está negando todo o contexto que configurou a situação que levou esse sujeito passar no sinal vermelho e atropelar esta pessoa que veio a óbito. Se a gente negar tudo isso, realmente a culpa dele, mas pode ter havido uma contingência muito maior que levou ele fazer isso sem que ele pudesse ter outra opção, ter outra escolha. Então, existe uma contingência, existe uma configuração maior que é responsável por esta morte. Esta culpa é questionável. No entanto, se ele for julgado, se ele for na justiça, nada disso vai ser considerado. O considerado é que ele atropelou uma pessoa porque passou no semáforo vermelho e esta pessoa veio a óbito. Ele é culpado. Doloso ou culposo, o juiz vai avaliar para ver se é isso, mas de qualquer forma, ele é culpado por isso. Mas isso tudo é questionável, se a gente tiver um olhar mais cuidadoso.

CULPA QUESTIONÁVEL 

A expressão culpa é aplicável quando o sujeito realmente cometeu algum delito, ou algum mal, ou alguma atitude que venha a lesar alguém. Então, isto é culpa. O sujeito tem culpa. Isso dentro da linguagem coloquial, ignorando todo esse olhar atento e cuidadoso que vai no final das contas, questionar a própria culpa.

SENTIMENTO DE CULPA

Nós estamos falando assim, o sujeito é culpado por algum fato que aconteceu, porque a atitude dele levou a isso a acontecer. Agora, nós vamos falar de sentimento de culpa, que é completamente diferente. Tem um abismo entre o sujeito ser culpado e o sujeito se sentir culpado. O sentimento de culpa existe independente da culpa efetivamente. Um sujeito pode carregar um sentimento de culpa sem ter culpa alguma. Um sujeito, por exemplo, ele pode se sentir culpado de sentir alegrias, de realizar alguma coisa, de ter algum sucesso, enquanto um irmão não consegue fazer o mesmo. Enquanto um irmão não consegue ser bem-sucedido o outro pode se sentir culpado por desfrutar de alegrias e sucessos na sua vida. Este é um sentimento de culpa Ele não tem culpa que o irmão não seja capaz de realizar assim como ele e ser bem-sucedido como ele, mas ele pode se sentir culpado por isso. Então, este é um sentimento de culpa. Ele tem culpa? De maneira alguma, mas ainda assim cada sucesso que ele tem cada alegria que ele tem vem junto com um sentimento de culpa.

AUTOPUNIÇÃO 

O sentimento de culpa vai se desdobrar, vai ter uma cadeia de desdobramentos extremamente perigosa. O sujeito se sente culpado, ele se julga, se condena e passa então a se autopunir. E esta autopunição, muitas vezes, vai se manifestar naquilo que a gente, muitas vezes chama de autossabotagem. Ele vai sabotar todas as suas conquistas, todos os seus sucessos, muitas vezes desenvolve uma doença crônica. Ele desenvolve uma doença grave, ele não consegue se curar dessa doença porque esta doença, muitas vezes vem como uma autopunição. Então, ele cultiva essa doença, ele se autopune a partir dessa doença física, dessa doença somática e por mais que essa doença possa ser penosa, por mais que o fracasso possa ser penoso, não se compara com o desconforto que o sentimento de culpa pode trazer. Então, é como se ele dissesse assim: “Estou me sentindo culpado, mas veja como eu estou padecendo! Mas veja como eu sou fracassado!” E este fracasso ameniza o sentimento de culpa, porque serve como uma autopunição. Nenhum fracasso pode ser tão desconfortável quanto o sentimento de culpa. Então, ele carrega o sentimento de culpa e se autossabota como autopunição para amenizar o seu sentimento de culpa.

CONSCIÊNCIA 

A culpa não pode ser inconsciente porque a culpa só acontece a partir de uma relação com o mundo externo. A partir da relação que eu tenho com o mundo externo, eu vou desenvolver um sentimento de culpa. Me sinto culpado por conta de uma relação com o outro e se existe o outro não posso chamar de inconsciente, porque no inconsciente não existe o outro. Este sentimento de culpa por ser muito desconfortável, pode ser mergulhado no inconsciente em algum momento, quando esse sujeito viver uma situação muito difícil ele pode reprimir este sentimento de culpa temporariamente de uma maneira tão drástica que ele pode fugir da consciência do sujeito quase que completamente. Mas isso não quer dizer que ele esteja no inconsciente, quer dizer que ele em algum momento esteve ali. Não quer dizer que o sentimento de culpa permaneça no inconsciente, porque nada permanece no inconsciente. Se foi registrado a partir das noções de tempo e espaço, não pode mais caber no inconsciente.

A CULPA É MINHA 

Tem a expressão jocosa de que “se a culpa é minha eu coloco em quem eu quiser”. Normalmente o sujeito que carrega um sentimento de culpa, em alguns momentos, ele atribui essa culpa ao outro para dar uma amenizada nesse sentimento que ele está carregando.

ONIPOTÊNCIA

Muitas vezes, o sujeito carrega um sentimento de culpa, porque antes ele desenvolveu uma certa onipotência. Ele acredita que tudo que acontece de ruim foi por causa dele e não é isso, as coisas acontecem na vida, muitas vezes sem a minha intervenção.

VÍCIO NO FRACASSO 

Existe uma um uma configuração onde o sujeito acaba por assim dizer, viciando no sentimento de culpa e isso pode acontecer, muitas vezes, porque ele se sentiu culpado, se autojulgou, se autocondenou e agora passa se autossabotar, destruindo o seu sucesso, sendo um fracassado. E isso é muito confortável. É uma zona de conforto muito grande ser o fracassado. Você não precisa dar manutenção para nada e isso é viciante. Uma vez que o sujeito passa a encontrar neste lugar do fracassado, e aí o sentimento de culpa retroalimenta este fracasso.

INTERVENÇÃO CLÍNICA

 A intervenção que pode ser feita com o paciente em relação a esse sentimento de culpa é refletir com o paciente o absurdo que é carregar um sentimento de culpa. Seja ele porque o sujeito realmente teve uma atitude que causou um mal a alguma outra pessoa, ou por qualquer outro motivo que ele carrega o sentimento de culpa. Qualquer energia investida em carregar um sentimento de culpa é um desperdício, porque já passou, porque agora a gente precisa viver o hoje, porque tudo isso é uma grande ilusão, porque este sentimento de culpa é um grande absurdo.

3 Rs

O único antídoto para dissolver o sentimento de culpa é a responsabilização. E a responsabilização só pode acontecer a partir de dois outros fatores anteriores. três Rs. Ele precisa reconhecer aquilo que está gerando o sentimento de culpa, ele precisa aprender a respeitar isso que aconteceu e que gerou o sentimento de culpa e a partir daí, se responsabilizar por isso. quando eu me responsabilizo por alguma coisa não tem mais culpa.

MATURIDADE 

Eu respondo por isso, logo me responsabilizo. Vamos voltar ao sujeito que passou no sinal vermelho. Sim, eu me responsabilizo por isso, mas não é culpa minha. Existiu uma configuração muito maior por trás disso. A capacidade de se responsabilizar é um desdobramento da maturidade emocional. Não existe como se responsabilizar sem que possa se desenvolver a maturidade emocional. É um desdobramento, é um fator da maturidade emocional.

FRACASSADOS

O sujeito, muitas vezes, se sente culpado, ele se autocondena, ele se autopune, se torna um grande fracassado para se autopunir desta culpa que ele carrega e aí, ele encontra um grupo ideológico que também tem esta mesma configuração. O grupo dos fracassados! O grupo dos fracassados que estão ali tentando apontar um culpado externo. Grupos ideológicos funcionam desta forma. Eu me identifico como um fracassado, me junto com outros fracassados e agora nós vamos levantar a bandeira para reclamar. 

CÍRCULO VICIOSO

Um irmão fracassado inveja um irmão bem-sucedido e a partir desse sentimento de inveja do irmão fracassado ele passa a depreciar este irmão bem-sucedido. Essa depreciação, a partir do reconhecimento que o irmão é fracassado, passa a agir nesse sujeito bem-sucedido como um agente que deteriora o seu sucesso. E aí, o que acontece? Ele passa a se sentir culpado porque o irmão não foi bem-sucedido assim como ele. Ele passa a não se sentir merecedor desse sucesso. Passa a se autossabotar e a partir desta autossabotagem ele também fracassa e passa a invejar aquele que consegue ser bem-sucedido sem se sentir culpado. Um círculo vicioso extremamente nocivo na vida do sujeito.

CULPA LATENTE 

O sentimento de culpa, muitas vezes pode fazer parte do conteúdo latente, mas o conteúdo latente não é inconsciente. Estar latente não quer dizer que esteja inconsciente. O conteúdo latente está pré-consciente, porque ele uma vez viveu experiências no mundo externo. Não cabe no inconsciente qualquer noção do mundo externo. Se tem noção do mundo externo, não cabe mais no inconsciente, logo o sentimento de culpa não é inconsciente, não pode ser inconsciente. 

CULPA REPRIMIDA  

O sentimento de culpa, por se extremamente desconfortável, passa a ser reprimido e uma vez reprimido ele está condenado a flutuar no sistema pré-consciente. Ele é arremessado de volta em direção ao inconsciente, mas no inconsciente ele não consegue permanecer. Ele teve uma ação externa, ele teve um impulso e esse impulso não encontrou representação adequada no mundo externo. Ele foi pressionado de volta, em direção ao inconsciente, mas no inconsciente ele não permanece e também não permanece no pré-consciente, porque o pré-consciente é volátil. O pré-consciente não é um lugar fixo. As coisas, no pré-consciente, ora estão mais inconscientes e ora estão mais conscientes. Então, elas ficam flutuando ali. Ora elas pressionam em direção à ação, ao acting out, a atuação, a ação não pensada e ora elas estão sendo pressionadas para o inconsciente, para que o sujeito possa negá-la. 

NÃO SE ENCAIXA

O reprimido não se encaixa em lugar nenhum. Ele não consegue mais se encaixar em nada. Ele não contra lugar algum para ele existir. O sentimento de culpa não tem lugar, ele não consegue encontrar lugar. Por mais que o sujeito coloque a culpa no outro, não não é culpa do outro. Por mais que ele traga para si mesmo, também não é culpa dele. Ele vai ficar se questionando o tempo inteiro e por isso é tão desconfortável. Porque traz uma sensação de insegurança. Ora eu estou me sentindo angustiado, ora eu estou me sentindo ansioso.

DESCULPAR
 
Se a culpa é questionável e o sentimento de culpa é um absurdo, a atitude de desculpar o outro também é absurda. Então, eu te culpo e eu tenho o poder de te desculpar. Se aquilo realmente aconteceu por conta de uma configuração muito maior não há o que se desculpar. É claro que a gente tem essa expressão de pedir desculpa para o outro, de pedir perdão para o outro, como uma expressão de atenção ao outro, de importar-se com o outro, mas é uma mera formalidade.

DESOBSTRUIR

Desculpar é um poder daquele que atribuiu culpa. Se eu atribui culpa, eu tenho o poder de desculpar. Logo de início já se mostra um absurdo. Se a culpa é questionável, por conta de toda uma contingência por trás daquilo que aconteceu e se o sentimento de culpa é um absurdo, desculpar também é. Quem sou eu para desculpar alguém? Esta pessoa fez aquilo que ela deu conta de fazer. Eu preciso ser capaz de desobstruir o caminho, tirando todas essas ilusões, essas alucinações de culpa, seja minha, seja do outro e continuar o fluxo da minha vida. Porque o sujeito que ainda está apegado ao sentimento de culpa é porque ele tem um benefício muito grande naquilo. Porque se ele não tiver um benefício naquele sentimento de culpa, aquilo fica para trás e nunca mais vai ser tocado. 

SENTIMENTO DE CULPA INFANTIL

O primeiro sentimento de culpa que comete o sujeito é dentro da entrada da posição depressiva, segundo o Melanie Klein. Quando ele percebe que a mãe que ele odiava é a mesma que ele idealizava. Que a mãe que ele odiava por privá-lo do conforto, ou do seio é a mesma mãe que vinha e cuidava dele. Quando ele percebe que é uma mãe só e não são duas mães, não é um seio bom e não é um seio mau, ele passa a se sentir culpado. Este sentimento de culpa precisa ser tolerado até que ele possa se transformar em responsabilização. Depois o Freud vai falar de um sentimento de culpa associado ao complexo de Édipo, na fase fálica. Também vai haver ali, um sentimento de culpa de desejar a mãe só para ele e desejar que o pai morra.

AUTO-PERDÃO 

O sujeito vem ali, com uma questão mal elaborada e muitas vezes, o psicanalista diz para ele assim: “É, você está com dificuldade de se perdoar”. Não! Eu não tenho o que me perdoar. Eu fiz aquilo que eu dei conta de fazer. Eu não fiz por intenção de fazer e se fiz por intenção de fazer, fiz num momento de grande imaturidade, onde não estava sendo capaz de avaliar a realidade como um todo.

CULPA GARANTIDORA

O sujeito, quando não está sendo capaz de amar, ele pode usar a culpa para garantir que o outro não vai abandoná-lo. Muitas vezes, ele incita a culpa no outro para que o outro permaneça ali, porque ele não está sendo capaz de amar e não está sendo capaz de dar manutenção para um vínculo saudável. Então, ele incita culpa no outro, o outro se sente culpado e por se sentir culpado ele não toma qualquer atitude para se afastar daquela pessoa. Então, eu, por exemplo, posso estar acamado, posso estar doente e dar manutenção para esta patologia para permanecer daquela forma e garantir que as pessoas não vão me abandonar.

ESCOLHA

Não existe escolha. Ninguém escolhe se sentir culpado. Ninguém escolhe fazer alguma coisa que possa vir a ser atribuído como culpa. Não existe escolha! A escolha é uma grande ilusão. Ninguém escolhe nada. Nós estamos configurados num sistema muito maior que aquilo que a gente quer ou deixa de querer irrelevante. O que a gente pode é entrar num acordo com a realidade e a gente só vai conseguir isso a partir de vínculos afetivos saudáveis.


quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

IMATURIDADE, SIMBOLIZAÇÃO, VÍNCULO E ESPERANÇA - Prof. Renato Dias Martino




IMATURIDADE

Nós vivemos numa sociedade de adultos imaturos, adultos imaturos e perigosamente inteligentes. Sujeitos que têm uma inteligência grande, o sujeito que tem um conhecimento muito vasto, mas que são extremamente imaturos emocionalmente e um sujeito imaturo emocionalmente condiz com um sujeito incapaz afetivamente, ou seja, incapaz de amar. Ele não é capaz de se dedicar ao outro, ele não é capaz de considerar o outro, ele não é capaz de respeitar o outro. Porque, apesar de inteligente é imaturo e sendo guardando, fixado uma criança ou inúmeras crianças dentro dele, ele vai priorizar aquilo que o interessa e não aquilo que seja bom para todos.

PRINCÍPIO DO PRAZER 

O Freud propôs que nós funcionamos de duas formas diferentes. No processo primário e no processo secundário. O processo primário é regido pelo princípio do prazer, ou seja, eu busco satisfação imediata o tempo todo e evito desconfortos o tempo todo. Esta é a função do processo primário, no princípio do prazer. Na medida em que o sujeito vai desenvolvendo a sua capacidade de tolerância, ele começa a funcionar também por um outro processo chamado processo secundário, que então é regido pelo princípio da realidade. Ele começa admitir, considerar alguma coisa que já não é só o seu prazer, não é só a sua satisfação, não é só evitar desconfortos, mas é também considerar o mundo externo e a realidade como um todo. Nós estamos falando então, de uma sociedade onde um adulto não é capaz de considerar a realidade como um todo, mas ele simplesmente e tão somente busca a sua satisfação e muitas vezes usando, de maneira inteligente, narrativas dizendo que aquilo ali é para o bem do outro também.

NO ADULTO

Nós funcionamos, mesmo depois de adulto a maioria do tempo, pelo processo primário. Não deixamos de funcionar, no entanto, nós aprendemos a conter os desdobramentos do processo primário e a partir de então, somos capazes de funcionarmos também pelo processo secundário. Na maioria do tempo a gente está buscando afastar desconfortos e buscando satisfação imediata, no entanto, somos capazes, a partir da maturação emocional, de conter este processo para que ele não se manifeste o tempo todo e nesta continência a gente passa a ser capaz de considerar o mundo externo também. Ou seja, o processo primário e o processo secundário vão funcionar concomitantemente. Um não anula o outro. Existe uma cota do sujeito funcionando por um processo e outra cota funcionando por outro processo, mas a maior parte do tempo nós estamos funcionando pelo processo primário, por mais maduro, por assim dize,r que nós possamos ser.

SIMBOLIZAÇÃO 

Como é que o processo psicoterapêutico entra nessa tarefa de transformação da forma que o sujeito funciona? Através da simbolização. Como é que se dá esse trabalho de simbolização? Se dá de uma maneira muito bonita, muito bela, porque o sujeito, a partir do vínculo bem-sucedido com o psicoterapeuta, com o psicanalista, o sujeito, enquanto paciente, ele vai internalizando a relação que ele tem com o analista e a partir dali esta relação que ele tem com analista vai se tornando um modelo que ele vai aos pouquinhos trazendo para a relação com ele mesmo. Então, a forma como ele se relaciona consigo mesmo vai ganhar um novo modelo a partir da relação que ele tem com o analista. Então, em primeiro momento ele vai levar a figura do analista internalizada e na medida em que ele se encontra em algum conflito na sua vida cotidiana, ele provavelmente vai pensar: “o que seria que o meu psicoterapeuta, o meu psicanalista me diria agora, nessa situação?” E na medida em que ele vai conseguindo internalizar e essa simbolização vai se efetivando e vai se consolidando, ele passa a levar esse diálogo na relação com ele próprio, ou seja, ele não pensa mais o que o psicanalista dele diria para ele, mas hoje ele já tem essa forma de funcionar e ele mesmo passa a lidar com seus conflitos de uma forma própria, que leva em conta as experiências que ele teve com o analista.

SUPORTAR 

Esse processo de simbolização faz com que o sujeito seja cada vez mais capaz de tolerar desconfortos e menos capaz de aguentar desconfortos. Porque o sujeito quando ele aguenta é porque ele não aprendeu a tolerar. O desdobramento bem-sucedido é na capacidade de tolerar na esperança de que aquilo vai passar. O sujeito que aguenta ele aguenta porque não tem esperança de passar. Ele suporta. Ele carrega o peso o sujeito que tolera, tolera até que passe. 

ESPERANÇA 

O processo de tolerância está diretamente subordinado à esperança. Sem esperança, sem tolerância. Precisa haver a esperança de que algo acontecerá e que possa trazer o alívio daquela situação, senão é aguentar e aguentar não é saudável por quê porque é acumulativo, porque é estressante, porque traz para o sujeito um adoecimento, mesmo que ele não esteja percebendo.


VÍNCULO E ESPERANÇA 

A esperança é algo desenvolvido, impreterivelmente a partir de um vínculo bem-sucedido. Não existe o desenvolvimento de esperança sem que anteriormente possa ter havido um vínculo afetivo saudável.

SIM E DIA

Símbolo é juntar, diábolos é separar. SIM é juntar, DIA é separar. Quando eu sou capaz de simbolizar, eu estou integrando. A partir da minha integração com o outro eu tenho um modelo de integração comigo mesmo. O processo de diabolização, por assim dizer, é o processo de separação de fragmentação. Então, enquanto eu, a partir do processo psicoterapêutico consigo simbolizar, a sociedade me propõe diabolizar por várias vias. Seja pelas ideologias que separam negros de brancos, homossexuais de heterossexuais, de homens de mulheres e outras coisas parecidas, vão separando as coisas e dentro do processo psicoterapêutico, a gente tem a chance de juntar as coisas e a partir de um processo extremamente desconfortável, reconhecer a realidade como um todo.

ESTAR SENDO

A diferenciação básica do ato de fé e da esperança é que o ato de fé diz respeito a algo que está acontecendo naquele momento, no aqui e agora, apesar de eu não conseguir constatar pelos meus órgãos dos sentidos, apesar de não estar dentro da perspectiva do sensorial, ainda sim está acontecendo. Então, isso carece o ato de fé para que eu possa, a partir da minha intuição, perceber isso, reconhecer isso aprender a respeitar isso e me responsabilizar por isso. A esperança diz respeito àquilo que há de vir. Então, por mais que agora a situação esteja me frustrando, ainda assim eu vou tolerar com a esperança de que isso vai se transformar e essa esperança diz respeito à percepção do “estar sendo”, do fluxo da vida e não de um estado cristalizado, engessado que, a partir do “eu sou”, não me permite perceber que a vida é um fluxo.

SOBRE O SABER

Intuição sem que eu possa dar um nome, ela é cega. Um nome que não esteja preenchido de intuição é vazio. No entanto, a partir da nossa vivência psicoterapêutica, a gente percebe que muitas vezes, a intuição não precisa sequer levar um nome para que ela possa ser considerada. Muitas vezes eu não vou encontrar nome para uma experiência vivida e a ainda assim, essa experiência que não foi nomeada é nutridora, é passiva de aprendizado, nos ensina, mesmo sem nome. Priorizar o conhecimento, ainda ficar ligado ao saber, ao conhecer, é limitar a nossa experiência como um todo. Porque o saber é limitado, é limitado e limitante em qualquer esfera, seja numa ciência extremamente rebuscada e tecnológica, ainda assim, esse saber é limitante, porque o saber não inclui o amor. O saber é frio, o saber é racional, o sujeito só vai desenvolver a sua capacidade afetiva a partir do seu desenvolvimento emocional, da sua qualificação afetiva, que venha de um preparo, de uma maturação emocional, que tem a ver com simbolizações e tolerância.

EQUAÇÃO OU ANALOGIA 


O termo “equação simbólica” foi criada pela Hanna Segal, inspirada na Melanie Klein. Equação simbólica é quando o objeto coincide com o símbolo, equaciona com o símbolo. Aquilo que está dentro é aquilo que está fora. Quando aquilo que está fora não está presente, aquilo o que tá dentro também não fica presente. Não traz a possibilidade de desenvolver tolerância, porque a ausência de um equaciona a ausência do outro e isso vai para além, num exemplo dentro da clínica. O analista é meu pai! Isto é uma equação simbólica. O analista se torna o pai do sujeito. A analista se torna a mãe do sujeito. Na analogia simbólica é assim: isto que está dentro é como se fosse aquilo que está fora, então não é aquilo que está fora, mas é como se fosse. O analista é como se fosse meu pai. Isso é analogia. O analista é análogo ao meu pai, ele não está numa equação com o meu pai. A analista é como se fosse a minha mãe, ela não é minha mãe equacionada. A parte psicótica da mente funciona por ação simbólica e não por analogia simbólica. A equação simbólica só tem igualdades, a analogia simbólica tem igualdades e também admite diferenças.

BEZERRO DE OURO 

Um exemplo muito interessante de equação simbólica, nas formulações religiosas é a passagem do bezerro de ouro. Quando Moisés sobe a montanha para ter com Deus e o povo fica ali esperando, quando ele volta o povo juntou todo o ouro que tinha, derreteu e fez um bezerro de ouro. Para o povo, Deus tinha que ser materializado em algo valoroso, porque senão eles não conseguiam adorar Deus. Então, existe a necessidade de concretizar alguma coisa para que este elemento concreto e físico possa coincidir com o símbolo interno.



sexta-feira, 16 de agosto de 2024

AINDA SOBRE PUNIÇÕES E RECOMPENSAS - Prof. Renato Dias Martino



PRÊMIO E CASTIGO

Muitas vezes, os pais criam mecanismos de tentar facilitar um desenvolvimento que na realidade, tem seu tempo e muitas vezes, é moroso, muitas vezes, ele é lento e requer dedicação. Quando a gente fala por exemplo da punição ou da recompensa, essa é uma tentativa de abreviar este desenvolvimento. Quando eu ofereço uma recompensa por alguma coisa que na realidade seria da responsabilidade da criança fazer, eu passo a tentar abreviar um processo que seria de desenvolvimento da responsabilidade dela. A punição também está dentro dessa perspectiva. Ameaçar a criança de alguma coisa para que ela faça não se responsabilizando por aquilo, mas por medo da punição. E aí, a gente estrutura um modelo moral e não um modelo ético, onde a criança, onde a pessoa vai aprendendo aos pouquinhos e isso é sempre aos pouquinhos não é de uma hora para outra a se responsabilizar pelas suas realizações, pelos seus feitos, pelas suas tarefas e não fazer aquilo para ganhar alguma coisa ou fazer aquilo com medo de perder outra. Este é o atalho que é uma mentira, porque na realidade, isto que ele está tendo como recompensa, isso que ele está tendo como um ganho, ele pode conseguir de outra forma, em outro momento. E esta punição por exemplo, só vai acontecer se o outro descobrir que ela fez isso enquanto ela estiver secretamente fazendo isso, ela não vai ser punida e quando ela também perceber que ela não tem mais o risco de ser punida, ela automaticamente vai deixar de agir por conta do medo da punição.

RE-COMPENSA

Recompensa! Aquilo que eu faço, aquilo que eu realizo já compensa. Quando eu tenho um prêmio além disso, eu tenho uma re-compensa. Isso precisa me compensar novamente. Este é o grande problema do sujeito que não está sendo capaz de se responsabilizar. Ele não consegue reconhecer a sua realização como algo que compensa fazer. Então, não compensa fazer, só se eu tiver uma recompensa. E aí, a gente vai criando um paradigma social e isso se instala na criança a partir da criação dela em casa é mais fácil. Se eu oferecer uma recompensa, ele vai fazer isso, eu não vou precisar de ter o trabalhão que é mostrar para ele que ele precisa desenvolver a sua responsabilidade e fazer as coisas porque compensa fazer as coisas. É um atalho dos pais. Olha! Eu te dou uma recompensa. E aí, eu viro as costas e deixo ele sozinho fazendo. Agora, quando não tem recompensa, eu tenho que fazer junto com ele. Eu tenho que estar junto no processo de desenvolvimento, porque aí faz valer a pena aquilo que ele está fazendo. Porque aí, compensa fazer. Junto com o outro compensa. Sozinho eu preciso de uma recompensa.

DO CUIDADO

Quando a gente fala da ineficácia da punição ou da recompensa na transformação, na possibilidade do sujeito se tornar alguém melhor, uma pessoa melhor, a gente está falando essencialmente da criança. Do Cuidado com a criança. Quando isso chega à idade adulta, a possibilidade dessa transformação cai drasticamente. Desenvolvendo certos mecanismos de defesa que se instalam como um funcionamento tão enraizado na sua própria personalidade, que para ele abrir mão deste funcionamento é muito catastrófico no desenvolvimento dele e muitas vezes ele não dá conta de fazer isso, talvez na maioria das vezes. Esta ideia de punir ou recompensar na realidade é uma prática que acaba se instalando, porque não tem mais como fazer de outra forma. Então, ele é obrigado a ser punido porque, senão ele não faz aquilo ele é obrigado a ser retribuído para que ele possa fazer. Mas isso já está denunciando que houve uma falha na estruturação da personalidade desse sujeito, que seria bem-sucedida se ele tivesse sido cuidado adequadamente, se alguém tivesse responsabilizado por ele e que ele pudesse ter aprendido a se responsabilizar pelas coisas sem precisar ser punido e nem recompensa por fazer isso.

COMPORTAMENTO OU FUNCIONAMENTO

É importante que a gente possa diferenciar o funcionamento do comportamento. Algumas psicoterapias se propõem a mudar o comportamento. Isso não quer dizer que o sujeito se transformou no seu funcionamento. Quando o sujeito transforma a forma de funcionar ele passa a se comportar como uma extensão deste funcionamento. É diferente de propor tarefas para que ele deixe de se comportar dessa forma, porque este comportamento vai ser conveniente à situação. Um momento ele vai agir de uma forma e outro momento ele vai agir de outra dependendo das punições ou das recompensas.

O NOVO

O sujeito tem medo do novo. Mas ele tem medo do novo, sem ter consciência de que o real dano está no “de novo”. O novo liberta. aquilo que se repete de novo e de novo e de novo é o que traz a impossibilidade do crescimento da expansão


domingo, 19 de maio de 2024

FUTURO E DESEJO - Prof. Renato Dias Martino


FUTURO E DESEJO

Quando a gente fala de futuro, daquilo que está por vir, isso está relacionado, diretamente ao desejo, a expectativa. Aquilo que se deseja que venha e quanto isso passa a ser nocivo dentro da prática clínica. Não só dentro da prática clínica na psicoterapia, mas na nossa vida cotidiana mesmo. Todas as vezes que a gente alimenta, que a gente estimula a expectativa sobre aquilo que virá, a gente vai, de alguma forma, se desconectar daquilo que está sendo. Dentro da prática clínica isso passa a ser um sacrilégio, mas dentro da nossa vida cotidiana, todas as vezes que estamos estimulando as expectativas, estamos nos desconectando do tempo presente e não estamos sendo capazes de viver as experiências do tempo presente. O problema não é criar expectativas, as expectativas vão surgir, vão ser criadas espontaneamente. Naturalmente, as expectativas vão se criar. O Bion até coloca que o bebê nasce com uma expectativa inata de seio. Não existe a possibilidade de não criar expectativas, mas existe a possibilidade e carecemos de renunciá-las. 

RENÚNCIA 

Para que o sujeito seja capaz de renunciar de um desejo, ele precisa primeiro reconhecer que ele deseja. Muitas vezes, ele não consegue, sequer reconhecer que ele deseja alguma coisa. E aí, ele se defende por desejar aquilo, ele se defende daquele desejo, e aí, ele se afasta cada vez mais da possibilidade de elaboração. Reconhecer esse desejo, passar a respeitar a si mesmo porque tem este desejo e se responsabilizar por desejar isso. A partir desses três “Rs”, ele passa a ser capaz de um quarto “R”, que é a renúncia.

SINTOMA

O desejo vai acontecer. A tendência a expectativa é inata do ser humano. Ele vai desenvolver desejos. No entanto, o desejo, para ser saudável, ele precisa ser renunciável. O desejo saudável é aquele que o sujeito consegue renunciar. Se ele conseguir renunciar esse desejo é saudável. Se ele não conseguir renunciar, esse desejo é um sintoma.




domingo, 11 de fevereiro de 2024

CURA - Prof. Renato Dias Martino




Quando a gente fala de alguma coisa que chega na clínica psicoterapêutica, a gente tem esse olhar popular de cura e muitas vezes o Freud promoveu isso. Essa ideia de cura. Mas, não existe cura naquilo que a gente tem dentro do funcionamento emocional-afetivo. O que existe é ser capaz de aprender a respeitar isso. Então, quando o sujeito traz uma dor, uma angústia, uma ansiedade, gerada por algum conflito emocional ou afetivo, ele precisa ser capaz de aprender a reconhecer, respeitar e se responsabilizar por isso. E aí, isso aí vai se integrar a sua personalidade. Não acredito de maneira alguma, que algo possa ser curado dentro dessa dimensão. O que pode haver é aprender a conviver com isso de tal maneira que isso passa a ser integrado à sua personalidade. Então, se o sujeito tem esse ímpeto de buscar a aprovação do outro isso não vai deixar de existir, mas de alguma forma, vai ser contido, vai ser reconhecido, vai ser respeitado e o sujeito passa a se responsabilizar por isso e a partir daí, passa a se integrar a sua personalidade e aí ele começa a dar conta disso. Talvez um dia isso vá se amenizando aos pouquinhos, mas o psicoterapeuta que promete para o sujeito que vai haver uma cura, ele é um charlatão. Porque isso é impossível. Existe uma “pró-cura”, uma eterna procura, mas não uma cura e isso vai desde os sintomas mais brandos de neurose, até as questões mais severas dentro do âmbito psicótico. O trabalho é reconhecer, aprender a respeitar e se responsabilizar. Quando isso acontece, a gente já conseguiu um grande avanço na direção dentro das experiências da psicoterapia.



sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

RESPONSABILIZAÇÃO - Prof. Renato Dias Martino



Quando eu percebo que está se formando um vínculo, eu preciso reconhecer esse vínculo. Como é que eu reconheço esse vínculo? É percebendo se esse vínculo é saudável ou nocivo. Neste reconhecimento, eu vou, ou me aproximar mais, ou me afastar. Depois que eu reconheci, eu preciso passar a respeitar este vínculo. Respeitar, porque me aproximei, ou respeitar porque me afastei. Depois que eu aprendi a respeitar este vínculo, eu preciso passar a me responsabilizar por este vínculo. E aí, quando eu me responsabilizo por este vínculo, começa a se desdobrar em outras experiências nobres. Tanto na aproximação, quanto no distanciamento, eu preciso me responsabilizar. Quando o vínculo é bem-sucedido, e eu me aproximei mais, estreitei este laço, eu começo a criar uma confiança com o outro. Quando eu me afastei, porque eu percebi que este vínculo era nocivo, eu reafirmei a confiança em mim mesmo. Quando eu percebo que está havendo esta relação, está se formando, está se criando um vínculo e eu passo a reconhecer o formato desse vínculo, o teor desse vínculo. Se ele pode ser saudável ou nocivo. Eu não vou decidir me aproximar ou me afastar, eu vou avaliar e tomar uma atitude. Não tem decisão! Se eu decidir me aproximar, mesmo percebendo que é nocivo, eu estou iludido. E aí, essa decisão é um desdobramento da ilusão. Por outro lado, a mesma coisa. Se eu percebo que ali é uma possibilidade de criar um vínculo afetivo saudável e mesmo assim eu me afasto, eu decido me afastar. Também está havendo aí uma ilusão. Porque talvez eu não me sinta merecedor de estar num vínculo saudável. A questão central da responsabilização não passa pelo querer, não passa por eu não quero me responsabilizar. Na realidade, ele nunca teve alguém que foi responsável por ele e hoje ele não consegue se responsabilizar por si mesmo e por nada mais. Uma criança que teve que aprender a se responsabilizar por si mesmo muito cedo, ela não aprendeu a se responsabilizar, ela aprendeu a se virar, ela aprendeu a dar um jeito para continuar vivendo. Porque, a gente só aprende a se responsabilizar por nós mesmos a partir da responsabilização do outro. Quando eu percebo que meus pais se responsabilizaram por mim, eu aprendo a me responsabilizar por mim mesmo e passo a me responsabilizar pelas minhas ações, pelos meus atos. Nunca se responsabilizaram por mim, eu não aprendi a me responsabilizar por mim mesmo e não me responsabilizo por nada. Eu só me importo com aquilo que me é conveniente, que possa me trazer um benefício, que possa me dar uma recompensa. Esta é a máxima da sociedade contemporânea. Quando os pais não permitem que os filhos se desenvolvam e aprendam a se responsabilizar por si mesmo, eles têm um benefício com isso. Eles estão se tornando essa pessoa patologicamente dependente deles e se beneficiando disso. Estão garantindo ali, que não vão ser abandonados. Esses filhos não vão querer sair de perto deles. A fonte não seca e eles não têm que buscar água em qualquer outro lugar e eles com medo de abandono estão garantindo que não serão abandonados.



quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

PROCESSO DO LUTO - Prof. Renato Dias Martino



Processo do luto, dentro da psicanálise, não é simplesmente aquela experiência que se dá após a perda de alguém querido, mas dentro da psicanálise, o processo do luto é aquilo que vai se dar após o reconhecimento de uma frustração, o reconhecimento de uma falta, o reconhecimento de uma falha, seja no mundo externo, ou seja no mundo interno. Seja em relação ao outro, ou seja, em relação a si mesmo. Então, muitas vezes, o sujeito vai fazer alguma coisa e ele não consegue fazer essa coisa, ele falha em fazer esta coisa, quando ele reconhece que ele falhou, ele vai viver um processo do luto. Eu costumo dizer que o processo do luto, para ser elaborado, ele vai ter três “erres”. O “Reconhecimento”, a possibilidade de aprender a “Respeitar” esse processo do luto e posteriormente a “Responsabilização” por aquilo que decorreu desse processo do luto.

LUTO E MELANCOLIA

O Freud, lá em 1917, publica o LUTO E MELANCOLIA. Ele vai dizer que, quando o sujeito não viveu uma experiência bem sucedida com aquilo que posteriormente foi perdido, ao invés dele passar pelo processo do luto, ele cai num estado de melancolia, ou seja, ele não consegue acreditar que ele possa continuar vivendo depois da perda daquilo.

MELANCÓLICO DESENERGIZADO

O melancólico é um sujeito desenergizado, por assim dizer. A maior parte da sua energia era investida num objeto e quando esse objeto é perdido, essa energia se perde também.

INTERVENÇÃO COM O MELANCÓLICO

O sujeito que está num estado de melancolia vai precisar viver uma experiência interna que possa desobstruir o seu caminho. Não existe intervenção psicanalítica que possa fazer isso por ele. O que a gente pode fazer, no máximo, é propiciar um ambiente saudável que esteja livre de críticas, que esteja livre de seduções, bajulações, que esteja livre de julgamentos, de condenações, para que ele possa se sentir bem o suficiente. Não acredito numa intervenção externa que possa trazer a possibilidade desse desencadeamento.

TOLERÂNCIA À FRUSTRAÇÃO, DESAPEGO E LUTO

Nós temos três conceitos importantíssimos dentro da psicanálise, das formulações emocionais e afetivas. Tolerância à frustração, desapego e luto. Um conceito está interligado ao outro. Para que haja a elaboração do processo de luto, precisa haver desapego, para que haja o desapego, precisa haver tolerância a frustração. É necessário que haja a possibilidade do desenvolvimento da tolerância à frustração, da possibilidade de adiar satisfações e renunciar de desejos, para que possa haver a experiência do desapegar-se, naquilo que o Mestre Eckhart vai chamar de desprendimento, e com isso, possa haver a elaboração do processo de luto.

DOIS CAMINHOS 

Quando o sujeito teve uma experiência bem-sucedida, viveu um vínculo saudável com um objeto que tenha sido perdido, ele consegue viver o processo do luto em relação a isso que foi perdido. Quando a relação com esse objeto que foi perdido foi conflituosa, foi tóxica, de alguma forma, não pode ser bem elaborada, quando existe a perda do objeto, o sujeito cai num estado de melancolia, ou seja, ele não perde só o objeto no mundo externo, mas ele perde algo dentro dele que se confundia com o objeto externo, naquilo que a gente vai chamar de equação simbólica. O que está dentro e o que está fora, são a mesma coisa.

PROCESSO OU ESTADO 

O luto é um processo, é uma transformação. O sujeito que está vivendo o luto, ele está dentro de um processo, ele sofre um processo. A melancolia é um estado, não existe transformação. A melancolia não é um processo. O sujeito, quando cai em melancolia, ele não é capaz de sofrer. Ele não tolera sofrer, por mais que ele esteja sentindo a dor.

DO ANALISTA 

O analista, quando ele está num processo de luto, seria muito importante que ele pudesse se resguardar. Seria muito importante que ele pudesse respeitar este processo do luto e se resguardar, até que ele possa elaborar uma boa cota deste processo e a partir daí voltar a atender. o analista que esteja em melancolia num estado de melancolia então não tem nem o que dizer porque é muito pouco provado ou eu diria impossível que ele possa exercer a sua função.

AUTOSSABOTAGEM

Uma breve pesquisa na obra do Freud, você vai perceber que ele é bem humilde em relação aos processos internos. Então, ele vai dizer assim: “Quando o processo é interno, nós temos muito pouco conhecimento de como isso acontece.” Nós precisamos ter aquilo que o Bion chamou de “ato de fé” para que a gente possa tolerar o tempo necessário para que isso aconteça. E aí a gente vai, esperançosamente, propiciando esse ambiente saudável para o paciente. No entanto, todo esse processo vai acontecendo no tempo do paciente, não no tempo que a gente tem, enquanto expectativa. E esse é o grande problema. Na maioria das vezes, um paciente que esteja de um estado melancólico, ou que a cota melancólica dele esteja sendo proeminente no seu funcionamento emocional e afetivo, ele dificilmente busca ajuda psicoterapêutica. Dificilmente ele vai até o psicoterapeuta. Porque a melancolia traz para ele uma desesperança enorme. Ele não acredita que qualquer coisa do mundo externo possa ajudá-lo a continuar viver que não seja o objeto que foi perdido. Paciente melancólico entende-se, paciente que tenha a cota melancólica proeminente no seu funcionamento. Melancólico todos somos em certa cota. Quando o paciente melancólico, ou paciente que esteja com sua cota melancólica proeminente, procura psicoterapia, o trabalho é muito difícil, porque que ele vai se autossabotar constantemente, porque a melancolia tem a característica peculiar do sentimento de culpa. A perda do objeto deixou um sentimento de culpa no sujeito. E aí, o que acontece? Ele vai viver esse sentimento de culpa, ele vai se julgar por esse sentimento de culpa e ele vai se condenar por esse sentimento de culpa. E muitas vezes, vai se autossabotar mesmo sem perceber que esteja fazendo isso. Mas a sua própria desmotivação para as suas práticas e as suas realizações vão propiciar uma atmosfera de autossabotagem e as coisas dele parece que não andam. Ele dá um passo pra frente e dois para trás por assim dizer.

TOLERÂNCIA

Não pode existir um funcionamento saudável, dentro do âmbito emocional e afetivo, sem poder contar com tolerância às frustrações. A tolerância à frustração é a base de todo o funcionamento saudável da mente. É a base de todo funcionamento afetivo, ou seja, das formas saudáveis de se relacionar com o outro e consigo mesmo. É a partir da tolerância à frustração que se estrutura um bom funcionamento da mente.

LUTO E A DEMANDA DO OUTRO

Todas as vezes que se perde alguma coisa que era muito importante para o sujeito, todas as vezes que se desliga de alguma coisa do mundo externo, que tinha uma importância muito grande para o sujeito, existe um retraimento do interesse do mundo externo. O sujeito se retrai do mundo externo. O mundo externo fica sem graça, passa a não ser interessante, no período do que a gente chama de luto. E é muito importante que isso seja respeitado. Que o sujeito seja respeitado no seu processo da elaboração do luto. Que ele possa realmente se retrair do mundo externo e que não seja cobrado dele que ele volte ao mundo externo, por conta da demanda do outro.

DEPRESSÃO PATOLÓGICA 

A palavra depressão é polissêmica, dentro das formulações emocionais e afetivas. Ela vai desde a catalogação psiquiátrica do psicodiagnóstico depressão, até a expansão, dentro da possibilidade de um movimento introspectivo. Todas as vezes que o sujeito, por exemplo, vive uma perda, ou uma frustração, ele vai entrar num processo depressivo. A tristeza é depressiva. Isso que a gente chama de patologia da depressão, tem duas origens possíveis. A primeira é quando existe realmente, a instalação de um quadro de melancolia. Quando o sujeito não pode viver uma experiência saudável com o objeto que foi perdido, e na perda desse objeto, ele vai se retrair e vai perder a motivação de viver. Agora, existe uma outra possibilidade de um quadro patológico de depressão, que é o luto mal elaborado. O sujeito perdeu um objeto que, ele pode até ter tido um bom relacionamento, mas por conta do ambiente nocivo que ele viva, ele não conseguiu viver o processo do luto. Ele foi impedido de viver e elaborar o processo do luto. Nessas duas possibilidades, ele pode cair numa depressão patológica.

LUTO E RESPEITO

Nós vivemos numa contemporaneidade que não respeita o período do luto, que não respeita a elaboração do processo do luto. Nós vivemos num tempo onde o luto é encarado como doença. O sujeito, quando vive uma perda e se retrai, por conta dessa perda, é sugerido a ele, que ele tome medicamentos para que ele não viva o luto, que ele não viva a depressão incluída no luto. Desde os parentes, da família, até os amigos e se estendendo à vida profissional. Todo mundo tem uma ânsia enorme para que esse sujeito saia logo desse estado de luto e isso é muito perigoso, porque muitas vezes, ele acaba interrompendo o processo necessário do luto para atender o desejo do outro. “Não fica triste, não! Não fica assim, não! Toma um medicamento antidepressivo. Vamos tomar ‘uma’, para esquecer a tristeza!” Na realidade, ele precisa viver aquele processo. Aquele processo é necessário para que ele possa elaborar aquele luto e retomar a sua vida agora de forma saudável.