terça-feira, 29 de setembro de 2009

A QUEBRA DO NARCISISMO DE BOB




Bob nasceu em um canil da guarda municipal, sua mãe muito dedicada tivera uma complicação durante o seu parto e seus dois irmãos não resistiram, ele então ficou sendo filho único. Sua mãe era a mascote do canil e assim como Bob ela era da raça pinsher. Sim, Bob era um pinsher pequenino. Preto com a parte inferior do corpo marrom, como num dobermann; alias, neste canil havia muitos dobermanns e eram eles quem eram treinados para fazer a ronda pela cidade.
Logo cedo os dobermanns estavam a postos para seu treino diário e Bob ainda bem pequeno, lá estava para assistir o espetáculo matinal. Ele sonhava em crescer, ser treinado e sair dali junto com um guarda municipal para cuidar da cidade. No treinamento, os dobermanns pulavam arcos, passavam por túneis, buscavam bastões que os treinadores lançavam, mas, à parte que Bob mais gostava era o treino do ataque, onde o treinador vestia nos braços longas luvas protetoras para que os enormes dobermanns, um por um, mordessem o treinador em uma simulação de ataque ao inimigo. Bob delirava ao ver tudo aquilo, a força que aqueles grandes animais tinham e a violência que mordiam.


Quando voltava pra casa ele contava tudo para sua mãe, que ouvia atentamente seu relato detalhado que incluía seu sonho de se tornar um cão de guarda.


É, Bob achava que era um dobermann, alias ele não achava, ele tinha certeza disso, quando admirava sua imagem refletida num velho caco de espelho, lá no fundo do canil. Sua coloração era idêntica com a dos grandes dobermanns. Você deve estar perguntando: Mas e a mãe dele, também não era pequenininha?


A resposta é sim. Mas, você já notou quando agente ama a nossa mãe, como ela fica grande e poderosa? Um dado da realidade que passou despercebido por ele. Talvez seu sonho fosse maior que esse ‘pequeno’ detalhe no real. E de mais a mais, Bob constatava a grandeza dela quando sua mãe contava a ele que conhecera seu pai em uma de suas saídas para passear no parque e que nunca mais o vira. Contava a ele o quanto sofrera em seu parto e o quanto lutara para que ele estivesse vivo hoje.


O sonho de Bob incluía o objetivo de ser forte e poderoso até para cuidar de sua mãe. Sua mãe entendia tudo o que ocorria, mas com lagrimas nos olhos, não tinha coragem de revelar a verdade a Bob e desfazer todo o sonho que movia a vida daquele minúsculo cachorrinho. Ele pensava nisso vinte quatro horas por dia, até dormindo ele sonhava e se agitava no ninho, sonhando que treinava com os grandes dobermanns.
Por quantas vezes nós não somos um pouco como Bob, imaginando que nosso valor esta naquilo que o outro tem ou é? Imaginamos que para sermos felizes teríamos que ser de outra raça, outro sexo, outra cor, outra forma, que não a nossa.
Quanto ao Bob? Ele ficou sabendo da verdade. Sua mãe refletiu e chegou a conclusão de que ela seria a melhor pessoa para dizer a verdade e que acharia a melhor forma, lugar e momento para revelar a ele a realidade. Ele passou alguns dias muito triste e choramingando pelos cantos. Mas um belo dia descobriu o filho do proprietário do canil, que o adotou e fez dele sua mascote. Bob acabou vendo que talvez brincar, correr e se divertir com o garoto, seria bem melhor que se arriscar em rondas pela cidade e morder as pessoas.




Prof. Renato Dias Martino
Psicoterapeuta e Escritor
Fone: 17991910375 
renatodiasmartino@hotmail.com
http://pensar-seasi-mesmo.blogspot.com/

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Dois lados ou mais


Dois lados ou mais
Renato Dias Martino

Um lado condena, o outro gargalha
Um sente pena, o outro ironiza
Um lado ajuda, o outro atrapalha
Um quebra tudo, o outro organiza

Um quer tudo, o outro diz não.
Um lado é louco, o outro é são.
Um quer ser útil, o outro não.
E o “eu” diminuto no meio dos dois,
Sofre calado com a confusão.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

O uso do “eu sei”

Surrealismo de Salvador Dali
Por que dizer “eu sei”?
Será porque sabemos realmente?
“Só sei que nada sei”.
Sócrates tomou essa máxima como seu lema e o imortalizou. Mas, se não conhecemos a nos mesmos, o que sabemos então? Estudamos anos a fio certa coisa e um dia nos damos conta que sabemos muito pouco sobre ela. A satisfação que obtemos com a sensação do “saber” é realmente gratificantes, mas penso ser útil encará-la como um domingo de descanso em uma semana de labuta, onde o ponto de interrogação é o norte do desenvolvimento e da expansão. Se não temos duvidas nos acomodamos. As certezas são as maiores ilusões criadas pela mente humana. Contentamo-nos com a certeza quando nos vimos incapazes de continuar a questionar e não porque estamos realmente certos.
Maurice Blanchot (1907 – 2003)
Maurice Blanchot (1907 – 2003) diz: “La réponse est le malheur de la question”, “A resposta é a desgraça da pergunta” (2002). A única certeza é a morte, logo; buscar incessantemente certezas e garantias é o equivalente a buscarmos a morte. A morte da pesquisa, a morte do amor (sentimento rico em incertezas), a morte da busca da vida. "Navigare necesse; vivere non est necesse" no latim, “navegar é preciso, viver não é preciso”, frase de Pompeu, general romano (106-48 AC.), dita aos marinheiros, amedrontados, que recusavam viajar durante a guerra, cf. Plutarco, in Vida de Pompeu. O poeta português Fernando António Nogueira Pessoa (Lisboa, 13 de Junho de 1888 — Lisboa, 30 de Novembro de 1935), ressuscita a idéia com a condição de que “Viver não é necessário; o que é necessário é criar”. A criação parte da falta, criamos aquilo que ainda não existe. Se não existe, logo não sabemos.
Fernando Pessoa (1888 — 1935)
Quando dizemos: “eu sei”, encerramos a busca. Já sabemos, logo; não há nada a aprender. Muitas vezes pronunciamos “eu sei” antes mesmo do outro concluir o que quer dizer. É uma maneira de não dar muita atenção, ou de ignorar alguém. Quando respondemos automaticamente: “eu sei”, o que realmente dizemos é “não estou ouvindo o que você diz”. Assim, tiramos o valor do discurso do outro. É como se parássemos de ouvir por achar que já sabemos tudo o que há para saber.
Sempre que ameaçados nos vemos impelidos a nos defender. Pode-se dizer, “eu sei” quando encontrar-se tomado por ansiedade, enquanto se espera a vez de falar. Também quando, simplesmente não estamos dispostos ou interessados em ouvir. Seja qual for o motivo, essa reação impede que possamos aprender coisas que podem ser importantes. Em um ato de descrédito em si mesmo e na própria capacidade de aprender, criamos um abismo entre o “eu” e o outro.
O “eu sei” pode servir como uma defesa para aquele que se sente ignorante e envergonhado por realmente não saber. Defendendo-se assim, acaba por não aprender.

Prof. Renato Dias Martino
Psicoterapeuta e Escritor 
Fone: 17-30113866
renatodiasmartino@hotmail.com
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terça-feira, 8 de setembro de 2009

Grupo de estudo


Primeiro Passo para se entender Psicanálise

Primeiro Passo para se entender Psicanálise
Renato Dias Martino


O que é Psicanálise?


Primeira Tópica é um modelo organizado por Sigmund Freud (Viena, 1856 – Londres, 1939), médico austríaco e fundador da Psicanálise, que se tornou a base para o pensamento psicanalítico. A partir dessa idéia metapsicológica, trazida pela Psicanálise, houve considerável mudança no vértice, na percepção, entendimento e pensamento sobre a Psicologia, Sociologia, Antropologia e, sobretudo, na forma de perceber aquilo a que chamamos de aparelho psíquico.

Quem é Freud?
Freud nasceu em 6 de maio de 1856, em Freiberg, na Moravia, pequena cidade situada onde hoje é a Tchecoslováquia. Seus pais eram judeus e ele próprio continuou judeu. Em 1860, por motivos de guerra, sua família é forçada a se mudar para Viena, onde Freud recebeu sua educação e passou boa parte de sua vida. Primeiro filho de oito irmãos e do terceiro casamento de seu pai, Jacob Freud com Amalie Nathansohn Freud, Sigmund Freud, muito cedo, se mostra interessado pelas questões da alma, assim como pela história da Bíblia.


Desafios


Um grande admirador de Charles Darwin (1809—1882), e sua teoria, o tem como referência em grande parte de suas obras. Demonstra o valor da teoria darwinista, analisando-a como um pensamento que vem quebrar o que chamou de ilusão narcisista. Em seu texto “Uma dificuldade no caminho da Psicanálise”, datado de 1917, escreve sobre três feridas narcísicas da humanidade. Quando desenvolve a Metapsicologia, demonstra que o ser humano não é totalmente dono de si mesmo.
Despertou, com isso, grande oposição, pois tira o homem do domínio de sua própria vontade. Coloca, assim, a Psicanálise entre Nicolau Copérnico (1473-1543), que corajosamente introduz a idéia de que a terra não seria o centro do universo, e o darwinismo, que propõe que o homem não está no topo da evolução biológica, sendo um animal entre os outros em evolução. Assim, inaugura certo conflito com o pensamento científico vigente em sua época, já que os olhares da Psicologia se voltavam para o ponto de vista de escolas de pensamento experimental como a do fisiologista Wilhelm Wundt (1832- 1920).


A histeria




Dr. Joseph Breuer (1842-1925), um dos médicos mais respeitados de Viena, e colega a quem Freud tinha uma grande afeição, já, em 1880, desenvolvera um estudo sobre histeria. Partindo do radical “histeros” (útero), nasce o termo histeria, que designaria um estado patológico que, a princípio, ocorreria apenas em mulheres.
A paciente, senhorita Bertha Pappenheim (1859-1936), ganha, nos estudos de Freud e Breuer, o pseudônimo de Anna O. (caso que seria publicado só 13 anos mais tarde).  

Jean-Martin Charcot (1825-1893)

 Transformações metodológicas


Em 1885, Freud recebe uma bolsa e viaja a França para estudar a histeria com Jean-Martin Charcot (1825-1893), de quem Freud já tinha conhecimento como brilhante estudioso das doenças da mente e que lhe despertara intensa admiração. Na escola Salpetrière, Charcot também fazia uso da hipnose no método da “cura” desta patologia psíquica. Freud usa o método catártico por mais algum tempo, mas começa a perceber que a hipnose, assim como o método da catarse, na busca da ab-reação, não apresentava bons resultados em todos os pacientes e passa a desenvolver e utilizar-se do método que chamou de associação livre. Com isso, inicia o rompimento com os estudos do método catártico do velho amigo e colega de estudos, Breuer.


No discurso do paciente, estariam dois tipos de conteúdo:


1) manifesto: representado nas questões explícitas;
2) latente: representado nos pontos cegos da mente.


A perspectiva passa da antiga visão horizontal para um vértice vertical, revelando uma conotação de profundidade, o que poderíamos chamar de mapeamento mental.
O aparelho psíquico pode ser estudado e entendido tendo como referência três prismas ou pontos de vista: o topográfico, o dinâmico e o econômico. Neste primeiro tópico, Freud divide o aparelho psíquico em três sistemas que, apesar de sua condição de interdependência, serão estudados, posteriormente, um a um:




- Inconsciente (Ics),
- Pré-consciente (Pcs) e
– Consciente (Cs)



Melaine Klein (1882 – 1960)

Quem ajudou?

Carl Gustav Jung (1875-1961), um grande pensador suíço e estudioso da mente humana, rompera com Freud, em 1912, uma amizade que rendera um grande avanço para o estudo da Psicanálise, o que o indicaria ao título de precursor de Freud (título esse sugerido pelo próprio Freud). Jung esteve próximo do pensamento psicanalítico em uma fase de grande expansão.
Melaine Klein (1882 – 1960) iniciou seus estudos e publica seu primeiro trabalho na década de vinte, quando a Psicanálise já se fazia uma teoria psicológica que alcançava respeito e o nome de Freud já conquistara reconhecimento e prestígio pelo mundo todo. Ela desenvolve o método da ludoterapia no tratamento e análise de crianças. Enfrenta inúmeras dificuldades como a “rivalidade teórica” com Anna Freud (1895-1982), filha de S. Freud, que, nessa época, desenvolvera também um método de psicoterapia infantil.
Donald Woods Winnicott (1896 - 1971), pediatra e psicanalista inglês, o frances Jacques-Marie Émile Lacan (1901-1981), Wilfred Ruprecht Bion (1897-1979), Antônio Ferro e, no Brasil, Walter Trinca, Antônio de Muniz Rezende e David Zimmermann, pensadores que trazem conceitos de enormes proporções para a Psicanálise. E, assim como o próprio Freud escrevera, “outros virão”.


As instancias da mente


- O Consciente (Cs)Do ponto de vista tópico, o sistema percepção-consciência está situado na periferia, ou na mais alta camada do aparelho psíquico. Do ponto de vista dinâmico, ou funcional, nele, não se inscreve qualquer traço durável das excitações. No vértice econômico, caracteriza-se pelo fato de se dispor de uma energia livremente móvel, suscetível do sobre-investir este ou aquele elemento, a energia – catexias – muito clara no mecanismo de atenção.
Funciona na base do princípio da realidade, ou seja, tem a realidade como referencial para reconhecer o que são as produções da mente, ou percepção da realidade. Mas essa é apenas uma pequena parte do que é psíquico. Logo abaixo, num referencial de vértice vertical, fica o sistema pré-consciente ou Pcs.



- O Pré-consciente (Pcs)

Freud escreve em 1915:
“O conteúdo do sistema Pcs. (ou Cs.) deriva, em parte, da vida instintual (por intermédio do Ics.) e, em parte, da percepção”.
Os elementos contidos no sistema pré-consciente podem ser exemplificados, em parte, por tudo aquilo que lembramos, mas que, de alguma forma, não conseguimos trazer à consciência. Isso nos sugere um tipo de critério de seleção baseado em uma censura que barra estes conteúdos de se tornarem conscientes.
Freud coloca uma condição para que os conteúdos emirjam para as camadas superiores do aparelho psíquico quando declara em seu texto “Instintos e suas Vicissitudes”:
“Um instinto jamais pode se tornar um objeto da consciência – somente a idéia que representa o instinto é que pode.”
É no pré-consciente que ocorre a junção de algo que está dentro com algo que está fora, momento este em que um sentimento se liga a um objeto externo, formando o que Freud chamou de representação de coisa.

- O Inconsciente (Ics)



O eu desconhecido mora no inconsciente. Em 1911, Freud chamou a atenção com o texto “Formulações sobre os dois Princípios do Funcionamento Mental”, para os processos mentais em funcionamento. Apesar de a função mais evoluída desses processos, o processo secundário (já descrito neste trabalho), fazer parte do sistema consciente, é apenas uma parte do aparelho psíquico que funciona assim. Na maioria do tempo, o psíquico funciona por um processo em que o pensamento mágico impera, cuja forma de pensar está disponível a um bebê em seus primeiros anos de vida.
O princípio do prazer é que comanda esse tipo de processo que Freud chamou de processo primário. Noções como as de tempo e espaço não têm lugar neste processo mental. Dentro deste funcionamento, a lógica se estabelece por meio dos mecanismos de condensação e deslocamento, o que permitem uma “realidade” diferente da realidade externa, conhecida do sistema consciente e compartilhada entre sujeitos. Esta realidade interna é sempre regida por um alto grau de narcisismo e onipotência, que tendem a se dissolver quando emergem para camadas mais altas do aparelho mental. Assim, as idéias passam por aquilo que Freud denominou de teste de realidade, e chegam à consciência em forma de pensamento. Já no funcionamento inconsciente o que se produz são fantasias que são dependentes do princípio do prazer.

Prof. Renato Dias Martino
Psicoterapeuta e Escritor
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