sábado, 21 de dezembro de 2019

AMOR É RENÚNCIA: Algumas Reflexões Sobre o Casamento


Para que seja possível se estabelecer uma relação saudável que possa evoluir, se tornando cada dia mais amadurecida é fundamental que exista o desenvolvimento da tolerância às frustrações das partes. Essa condição é a base para qualquer que seja a relação saudável, tanto do eu consigo mesmo, quanto no relacionamento que se possa ter com o outro e até mesmo com objetos inanimados na materialidade das coisas.
“A expansão da capacidade mental, no movimento de transcendência para além do si mesmo, por sua vez, parece ter íntima relação com o desenvolvimento da capacidade de tolerar desconfortos.” (Martino, 2015) Até na relação entre mãe e bebê, onde este último tem muito pouca capacidade de tolerância aos desconfortos, ainda assim, aprende com a tolerância da mãe. A mãe tolera os desconfortos vindos dele e com isso ele aprende a tolerar-se a si mesmo. Essa tolerância deve ser essencial quanto às falhas da mãe, quando ocorrerem. Dessa maneira expande gradativamente essa tolerância em relação aos outros.
Mas, é importante salientar uma questão referente aos limites. Ser tolerante não inclui permitir que o outro passe dos limites necessários a saúde do vínculo. Permitir abusos não diz respeito à virtude da tolerância de uma personalidade integrada, mas é sinal da desestrutura de uma auto-estima fragilizada. O conceito de tolerância aqui proposto tem incluso a referencia do limite. “Isso, porque a tolerância é um conceito que, quando ausente de limites, invalida a própria tolerância.” (Martino, 2015) Tolerância sem limites é permissividade.
Quando a premissa da tolerância é aplicada num relacionamento entre duas pessoas adultas a necessidade dessa condição fica mais evidente ainda. Um vínculo saudável não pode ser mantido por atração física ou expectativa de satisfação, por mais que tenha nascido desses fatores; justamente quando as expectativas são renunciadas é que começa a se constituir o amor verdadeiro. Vínculos saudáveis são cultivados com renúncias. O amor verdadeiro não é um sentimento, mas uma capacidade, que se desenvolve a partir da renúncia.
Aquele que não está sendo capaz de adiar suas necessidades e renunciar dos seus desejos não está preparado para amar. Sem esse preparo a dedicação aos vínculos saudáveis fica inviável. O verdadeiro amor é aquele que nutre o outro sem empobrecer o eu. Freud nos ensinou sobre as vicissitudes entre o amor próprio (libido do ego) e o amor pelo outro (libido objetal), onde “um verdadeiro amor feliz corresponde à condição primeira na qual a libido objetal e a libido do ego não podem ser distinguidas.” (Freud, 1914).
A questão fundamental é o fato de que não existe escolha quanto a desenvolver a capacidade de amar ou não se dedicar na tarefa desse desenvolvimento. A saúde mental coincide com a capacidade de amar. E assim como Freud nos orienta em sua obra SOBRE O NARCISISMO UMA INTRODUÇÃO, por mais que muitas vezes seja importante desenvolvermos certo egoísmo como proteção contra o adoecer, “num último recurso, devemos começar a amar a fim de não adoecermos, e estamos destinados a cair doentes se, em consequência da frustração, formos incapazes de amar.” (Freud, 1914).
Não nascemos sabendo amar nem a nós mesmo e muito menos ao outro. A auto-estima é a base do funcionamento mental, no entanto, só se aprende a amar a si mesmos pelo amor do outro.
Antes de ser uma mera designação dado à certa cerimônia de matrimonio, o casamento é uma experiencia de encaixe, onde uma parte se assenta na outra. Duas pessoas podem estar juntas por estarem penduradas, grudadas, amarradas, ou ainda, enroscadas, mas o casamento só ocorrer entre dois elementos que se encaixam, num vínculo de sinceridade a amor.
O real casamento é constituído e mantido essencialmente pelas renúncias. Aquele que não se sente preparado para se desapegar de desejos, dificilmente será bem-sucedido numa união afetiva saudável e o real casamento dificilmente ocorrerá. Isso se torna uma tarefa difícil quando levamos em conta que vivemos numa configuração social onde a competitividade é uma regra e disputa parece ser condição de sobrevivência. Somos educados para competir, não para cooperar.
O reconhecimento, com a polissemia do conceito, na multiplicidade de sentidos é elemento fundamental para que se constitua um casamento real.  A capacidade de re-conhecer inclui o significado da possibilidade de admitir a existência de algo, também tem o significado de ser grato à alguém, assim como ser capaz de conhecer novamente, como se não fosse conhecido. Nesse ultimo sentido da palavra existe ainda a ampliação no conceito do respeito, onde a semântica da palavra (do latim RESPICERE: RE = novamente + SPECERE = olhar) nos leva a pensar que o respeito se baseia em se propor a dirigir atenção novamente. Tentando a cada dia se desapegar da maior parte dos dados armazenados na memória, tentando renunciar ao máximo das expectativas.
Ora, aqui mais uma vez vem a tona a necessidade de tolerância às frustrações. “Quem aprende, sentindo-se intolerante da frustração própria ao aprender, desmanda-se em fantasias de onisciência e convicção de tudo saber.” (Bion, 1962) Tolerar o desconforto de nossa condição de ignorância frente à realidade. Estamos nos transformando o tempo todo, sendo assim, nunca seremos conhecedores de nos mesmos, tão-pouco do outro. “E, usualmente, nem aquele que começou a dizer uma frase será o mesmo que irá terminá-la.” (Bion, 1978) Admitir-se ignorante sobre as coisas do mundo é um ato de humildade, assim como toda oportunidade de se entrar em acordo com a realidade. Isso nos prepara para aprendermos com as experiências.
Quando o vínculo é saudável, os piores momentos servem para estreitar ainda mais os laços.
Sem essa atitude de humildade um casamento não pode se realizar e menos ainda se manter. Contudo, se acaso uma união ocorra sem os pressupostos descritos, corre-se o risco de se produzir desdobramentos em frutos que sofrerão as consequência dessa escassez. Frutos de uma relação que não seja saudável serão a extensão dessa insalubridade. Criar filhos é renunciar-se de si mesmo. Do ponto de vista biológico, um filho é gerado pelo encontro de em elemento masculino com um elemento feminino, sendo que a fecundação se dá na fusão entre os núcleos dos gametas (espermatozóide e óvulo).
No âmbito emocional afetivo essa união deve ser irrigada de amor e verdade. Mãe e pai são funções, que dependem de certas capacidades para serem cumpridas. Um filho deve ser fruto de um encontro amoroso, onde haja espaço emocional e afetivo suficiente para recebê-lo. No entanto, se esse amor não foi possível na origem, cada dia é uma nova chance de desenvolvê-lo. Filhos não são adornos para serem exibidos em redes sociais.
De qualquer forma, filhos são extensões da forma como o casal se relaciona, carregando consequências dos desdobramentos dessa relação.







Bion. W. R. O APRENDER COM A EXPERIÊNCIA; tradução Paulo Dias Corrêa. Rio de Janeiro: Imago,(1991-1962).
_________. SEMINÁRIO DE WILFRED BION, Realizado em Paris, 10 de julho de 1978, Transcrição de Francesca Bion, Setembro 1999, Tradução de Wellington Dantas (SBPRJ), Abril de 2000, Copyright -  2000 Francesca Bion.
Freud, S. SOBRE O NARCISISMO: UMA INTRODUÇÃO, Rio de Janeiro: Imago, (1914).
MARTINO, R. D. O LIVRO DO DESAPEGO – 1ª ed. São José do Rio Preto, SP: Vitrine Literária Editora, 2015.









Fone: 17- 991910375











sábado, 9 de novembro de 2019

DO SEIO DA FAMÍLIA À CONFIGURAÇÃO DA SOCIEDADE


Por mais que tenhamos uma predisposição para isso, a capacidade de amar não é um atributo inato no ser humano. Desenvolvemos essa propriedade a partir de experiências bem-sucedidas, onde possa ser amado pelo outro que se dedique a ele, principalmente no que se refere às suas maiores dificuldades. No entanto, quando existe uma severa privação nos cuidados dedicados e ausência de reconhecimento afetuoso o desenvolvimento emocional pode sofrer graves consequências. As implicações da escassez de cuidado e de afeto podem se manifestar desde o âmbito do funcionamento emocional do sujeito, afetando a capacidade de vinculação, até se distender para as próximas gerações, como uma herança que se prolifera dando forma à configuração da sociedade.
As manifestações de desrespeito, na intolerância e hostilidade na sociedade, não têm outra origem que não seja a privação de respeito, afeto e reconhecimento, ocorrente no seio da família.
Dentre todas as criaturas, o ser humano talvez seja a mais nociva para o equilíbrio da natureza. Onde essa espécie se instala todas as outras passam a correr risco de serem extintas. Quando alguma criatura não serve as conveniências do humano, passa então a sofrer ameaça de desaparecer na natureza. Por conta disso, se torna imperiosa a necessidade de desenvolvimento das capacidades de respeito, compaixão, ética e em ultima instância a capacidade de amar, já que essas não são competências inatas do humano.
Somos animais extremamente inteligentes e a inteligência se desenvolve independente do nível da maturidade emocional, que é o que qualifica o sujeito para amar. Sendo que muitas vezes o sujeito muito inteligente, acaba por conseguir numerosos subterfúgios para adiar e obstruir o fluxo natural da maturação emocional, que se desenvolve a partir da necessidade de tolerar frustrações. Vamos amadurecendo emocionalmente através de experiências dolorosas. Quando não conseguimos boas condições no alargamento da maturidade emocional, pode se instalar então, certa configuração ameaçadora.
Desenvolve-se a inteligência num sujeito imaturo.
Enquanto a inteligência é configurada pela habilidade em se conseguir o que se necessita, ou se deseja, a maturidade emocional tem sua ampliação pela capacidade de se aprender a renunciar ao que se deseja e tolerar adiar a satisfação das necessidades. A inteligência se desenvolve por meio do pressuposto do saber, no acumulo de conhecimento. Pela inteligência o sujeito aprende a conseguir aquilo que está disponível na realidade material, e o faz através de formulas e articulações racionais.
Já a maturação emocional é o que amplia a capacidade afetiva e decorre de um ambiente saudável, onde o sujeito consiga ser amado, reconhecido e respeitado, independentemente de suas habilidades. Com isso pode desenvolver a capacidade de tolerar as frustrações e então se tornar capaz de viver experiências dolorosas que o ensinarão a se responsabilizar por si mesmo. Essa é a configuração fundamental para que possa desenvolver autoadmiração e autoconfiança, que são atributos do que chamamos comumente de autoestima o que é a base de um bom funcionamento mental. A autoestima ou amor próprio é o que qualifica o sujeito a amar o outro.
Isso se dá numa experiência onde o sujeito possa se sentir dependente e conseguir gradativamente se independendo, até que consiga autonomia suficiente. Essa experiência é condição mínima necessária para que se torne capaz de reconhecer, respeitar e amar o próximo, já que ninguém pode amar o outro se ainda não aprendeu fazê-lo consigo mesmo. Portanto, quando alguém que não pôde desenvolver sua maturidade emocional se desenvolve muito intelectualmente, torna-se um ser potencialmente nocivo, tanto para si mesmo quanto para o outro e em consequência, para o mundo.
Era uma noite quente de verão e as amigas de Joana a convidaram para o baile. Ela não estava muito bem, meio indisposta e também não tinha muito dinheiro, mas mesmo assim aceitou o convite e foram então ao baile. Chegando ao salão, logo foi cortejada por Otávio, um jovem rapaz. Joana era uma moça muito bonita, apesar de não se interessar por se embelezar e também não se enquadrar no padrão de beleza preestabelecido socialmente, na contemporaneidade.
O rapaz se aproximou e iniciou uma conversa com Joana, que não se sentira atraída por ele. Na realidade, Joana não se interessava muito por rapazes, não manifestando mínimo interesse em namorar. O relacionamento de seus pais sempre fora conturbado, repleto de desentendimentos, com brigas constantes e Joana cresceu vendo um péssimo modelo de casamento, que pudesse servir de referencia. Otávio por sua vez, também não tivera um bom modelo de relacionamento advindo dos seus pais, que se separaram quando ele era muito pequeno. Otávio passou sua infância sendo cuidado ora pelos avôs maternos, ora pelos paternos, que também não mantinham bom relacionamento. Mas Otávio sentiu-se atraído por Joana e por conta disso insistiu em se aproximar.
Joana resistiu, mas como suas amigas haviam se entrosado com outros rapazes, ela também acabou ficando com Otávio. Depois do baile Joana iria passar a noite na casa de sua amiga, pois ficava próximo do salão do baile que acabaria muito tarde. Como os pais de sua amiga não estavam em casa, Otávio pediu para dormir por lá também e a amiga de Joana permitiu. Joana e Otávio acabaram dormindo juntos e tiveram relação sexual, por insistência dele, apesar do desinteresse dela, que resistiu até o último momento. Sem usarem preservativos e sem que Joana estivesse usando qualquer método anticonceptivo, ela engravidou. O pai de Joana, ao saber da gravidez, obrigou o casamento.
O bebê nasceu, então, num lar constituído por imposição e Joana que nunca havia desejado ter um filho, viu-se completamente despreparada para cuidar da criança. Sentia que a criança viera para lhe roubar a chance de ser feliz. No entanto, aos poucos Joana foi criando um clima de intimidade com a criança, que era um menino, Jonas. Ela percebeu que essa relação trazia um sentimento do qual ela nunca experimentara. Sentia-se importante, sentia que alguém a desejara como nunca antes havia sentido. Ela, que nunca conseguiu se sentir importante sendo mulher, agora sente que é a pessoa mais importante do mundo para outro alguém. Assim, a relação entre Joana e Jonas foi se estreitando e com isso, Otávio foi se sentindo excluído. Na realidade, Joana nunca quis se relacionar com o rapaz e agora, convivendo juntos, isso se evidenciou muito. Joana rejeitava qualquer que fosse a tentativa de aproximação de Otávio, que se sentia cada vez mais abandonado.
Otávio, então, mergulhou no trabalho, depois do expediente passou a ir para bares beber com “amigos”, chegando tarde, todos os dias. Otávio passou a ostentar sua vida de prazeres e de autonomia financeira para Joana, que passou a depender do dinheiro de Otávio e passava o tempo todo em casa cuidando de Jonas e dos afazeres do lar. Com isso, Joana se sentiu menosprezada, inundada por uma sensação de aprisionamento naquela vida que estava levando. Começou então, a pensar na ideia de arranjar um trabalho do qual imaginava, iria libertá-la daquela situação.
Buscou em anúncios de empregos e espalhou entre conhecidos, a notícia de que desejava encontrar um trabalho.
Logo conseguiu encontrar um trabalho e com isso teve que deixar Jonas, que tinha três meses de idade, numa instituição de cuidado à criança. Jonas era deixado na instituição às sete da manhã e Joana o buscava às dezoito e trinta da noite, quando já estava com a energia esgotada e muito irritada, pelo estresse do dia todo trabalhando.
Homens e mulheres buscam seus direitos de liberdade e independência, mas quem cuidará das crianças que precisam ser dependentes?
Bem, Otávio e Joana acabaram se separando e Jonas cresceu dentro de instituições publicas. De início, com meses de idade, seguindo uma sequência sempre permanecendo tempo integral encontrando. Muito cedo foi aprendendo a abandonar o reconhecimento daquilo que realmente estava sendo, para se tornar aquilo que as instituições de ensino esperavam dele, assim como é a regra desse tipo de ambiente. Com isso, aprendeu que sua verdade importava muito pouco e que na realidade cada manifestação espontânea era muito pouco aprovada e muitas vezes criticada, no entanto, quando mostrava o quanto era capaz de suprir as expectativas da instituição, logo era elogiado.
Percebendo isso, foi gradativamente abandonando seu verdadeiro eu e implementando recursos para satisfazer a demanda que vinham dos outros, portanto se tornando falso e dissimulando suas atitudes.








Fone: 17- 991910375

terça-feira, 29 de outubro de 2019

Bate Papo - O FASCÍNIO DO CORINGA


Por que mesmo sendo um vilão assassino, 
o Coringa é capaz de despertar tanto fascínio? 
O personagem já atraiu milhões de pessoas aos cinemas 
e é um dos assuntos mais falados nas redes sociais. 
Nesta terça-feira, 29, o Diário traz a psicóloga Karina Younan 
e o psicoterapeuta Renato Dias Martino 
para um bate-papo sobre o assunto.

Com apresentação do jornalista Rogério Castro, 
a live começa às 11h, com transmissão pelo Facebook do Diário. 
Participe enviando comentários!