quinta-feira, 28 de setembro de 2023

SOBRE OS PROCESSOS DA MENTE - Prof. Renato Dias Martino



O id é a parte mais selvagem do ser humano. É a parte mais indomada. A partir do momento que os elementos do id ganham noção de tempo e espaço, já não são mais elementos do id já passam a ser elementos do ego.

Noções de tempo e espaço são noções ilusórias. São criações humanas. Não existe tempo. O tempo é uma criação do ser humano. Por mais que os cientistas gostam de dizer que o tempo começou no Big Bang, ou qualquer outra coisa. Não! Antes deste evento já havia tempo e depois de qualquer evento, continuará existindo. Então, isso que a gente chama de noção de tempo é uma divisão criada pelo humano. Na verdade, nós vivemos no eterno. Esta é a realidade. E a perspectiva de espaço também. Nós dividimos o mundo em áreas, em pedaços e espaços, quando na realidade não temos a menor noção da questão do infinito. E isso, na realidade, causa um desconforto enorme para o ser humano, tanto a noção de tempo, quanto noção de espaço, na sua realidade, que é o eterno e o infinito, causa um desconforto no ser humano e por conta disso ele cria esses critérios de tempo e espaço.

Aquilo que é consciente tem uma proporção do que realmente é consciente e uma proporção do que é pré-consciente, uma proporção do que é inconsciente. Tudo aquilo que eu digo que eu sei, na realidade, tem uma parte que eu acho que eu não sei muito bem e por trás disso, tem uma parte enorme que eu realmente não tenho o menor conhecimento. Tudo é proporção, nunca, uma coisa é completamente inconsciente, que não seja uma pulsão. Algo que brota do id, que seja do instinto. Isto é inconsciente, a vontade inconsciente. Aquilo que porventura, tenta entrar em contato com o mundo externo e tenha de alguma forma sido registrada dentro das noções de tempo espaço, já não pode mais ser chamada de puramente inconsciente. Então, existe uma cota de consciência, ou de inconsciência, naquela experiência que eu vivo. E aí, quando a gente vê na literatura psicanalítica assim: “O reprimido é um elemento que tentou emergir para a consciência, mas foi censurado e voltou para o inconsciente”. Não! Nada volta para o inconsciente, porque se ele teve contato com a noção de tempo e espaço, ele não pode mais voltar para a origem. O inconsciente é fonte, é algo que jorra pulsão. Não volta nada para o inconsciente. Ele pode voltar para o pré-consciente, mas nunca para o inconsciente. Tudo aquilo que a gente chama de consciência tem sempre uma cota pré-consciente, ou seja, uma cota que eu sei, mas não sei, que eu tenho dúvida, ou seja, eu sei, mas eu não consigo comunicar para o outro e tem uma cota também inconsciente.

Eu gosto muito de usar a metáfora lá do Platão. Da caverna do Platão. Do MITO DA CAVERNA. Que ele diz que o sujeito saiu da caverna e depois o sujeito tenta voltar. Quando o sujeito volta, ele já não consegue mais ficar confortável lá dentro como ele ficava antigamente. Por que ele não consegue? Porque ele teve noção do mundo externo e aí ele não consegue mais ficar no inconsciente. Ele não concorda mais com aquele funcionamento. E aí, ele começa a perturbar os outros estão do lado. “Oooo! Sabia que tem um negócio lá fora?”, “Vamos lá fora ver?” O cara fala: “Você está maluco, cara? Você está delirando! Não tem nada lá fora. Que ‘lá fora’? Não existe lá fora!” Da mesma forma, um elemento que de alguma maneira teve contato com o mundo externo, ele não consegue mais retornar para a inconsciência, mas ele passa a um plano que, a gente, adequadamente vai chamar de pré-consciente, porque já tem noção de tempo e espaço.

Não tem botão de “desver”. Uma vez que você viu, está visto. Você pode até começar a inventar estórias para se defender daquilo que você viu e que te desagradou, e que você não dá conta de conviver com aquela ideia. Mas, foi visto, então não é mais inconsciente. Agora todo esforço é no sentido de criar recursos defensivos para lidar com isso, até que você seja capaz de tomar “definitivamente”, consciência disso. Mas, ainda assim, isso que você vai chamar tomar consciência disso e esse “definitivamente” com aspas bem em negrito aí, vai ser sempre uma cota, uma proporção. Eu nunca vou ter consciência total disso.

O Freud vai dizer assim: “Existe um processo primário, que trabalha, essencialmente, com o mundo, algo que vem para me satisfazer e tudo aquilo que não vem para me satisfazer eu simplesmente ignoro e que ele vai chamar de processo primário e o processo secundário, quando começa a haver conhecimento da realidade. Enquanto um funciona pelo princípio do prazer desprazer, o outro funciona pelo princípio da realidade. Mas mesmo dentro desse princípio da realidade, existe uma cota que não conseguiu passar de um para o outro e esta cota o Freud vai dizer, vai ser chamada de “fantasiar”. Ele vai falar isso aí lá no dois PRINCÍPIOS DO FUNCIONAMENTO MENTAL, de 1911, que é um texto básico, necessário. É um texto icônico e divisor de águas dentro da psicanálise. Fica o convite aí para ler.

Nos processos do desenvolvimento emocional-afetivo, não existe retorno, não existe regressão, não existe reversibilidade. Na realidade, não existe reversibilidade em nenhuma dimensão da natureza. Nada volta como era antes. o Nietzsche fala lá do Eterno Retorno, mas na realidade, assim, quando se retorna, aquele ponto já não se é mais o mesmo e aquele ponto já não é mais o mesmo ponto. Tudo está em transformação. O Bion, sugere a invariância e as transformações, mas, na realidade, a invariância também é temporária. Nada é invariante no mundo, nada permanece a mesma coisa no mundo.



domingo, 24 de setembro de 2023

EXPECTATIVA E RECONHECIMENTO - Prof. Renato Dias Martino


A maior dificuldade no processo da expansão da maturação emocional, no processo psicoterapêutico, mais especificamente. A maior dificuldade é, sem dúvida a expectativa, porque o sujeito cria um ideal de saúde, o ideal de maturidade, um ideal de do sujeito bem sucedido emocionalmente. E aí, qualquer passo que ele possa dar, ele não fica contente com aquilo, ele não é capaz de reconhecer o passo que ele deu, porque ele tem um ideal já pré-estabelecido do que é um sujeito maduro, do que é um sujeito que tem características evoluídas emocional e afetivamente e acaba menosprezando e muitas vezes até desistindo do caminho a percorrer, dizendo: “Não! Não dou conta disso... Isso não é para mim.” Isso quando não se sente culpado e acaba até se auto punindo porque não seguiu o passo que ele estabeleceu dentro da sua expectativa para cumprir o objetivo de chegar até o “ideal de eu” que ele estabeleceu como perfeito. Quando na realidade, não existe isso! A nossa vida é um uma eterna tentativa e não tem uma chegada, é uma grande ponte e a chegada é a morte. 

Eu tenho uma certa restrição desta coisa de ficar tentando estabelecer a origem de alguma moléstia do funcionamento emocional e afetivo, mas assim... comumente o sujeito que ele tem essa propensão a não reconhecer o seu desenvolvimento, o seu desempenho na sua maturação dentro do processo psicoterapêutico, é um sujeito que não teve isso dos pais. Que na realidade, os pais tiveram uma ação reprobatória, uma ação que reprovava, condenava e punia, internaliza essa reprovação e hoje, já não é mais a palavra do pai, ou da mãe, mas agora é a própria palavra do seu “ideal de eu”, do seu “deveria ser”, do seu superego, que o reprova, o condena e dificulta a possibilidade do autorreconhecimento, do sujeito ser capaz de reconhecer cada passo que ele dá. Não existe crescimento emocional e afetivo que não inclua a necessidade de se reconhecer cada passo que se dá. É como se fosse uma escada. Se você não reconhece o degrau que você está você não consegue galgar o próximo degrau. É fundamental que eu seja capaz de reconhecer até o ponto que eu consegui chegar, para que eu possa ir para além disso. Porque, senão, eu vou acreditar sempre que eu estou um passo atrás e aí esse próximo passo acaba ficando cada vez mais longe. 

O sujeito que tem essa dificuldade de se auto reconhecer e tem uma propensão em se automenosprezar, em se autocondenar e muitas até se autopunir com autosabotagens, ele acaba ficando extremamente vulnerável nas relações porque uma vez que ele se liga um pouco mais intimamente com um possível sujeito que possa se aproveitar dessa vulnerabilidade dele, acontece um estrago. Porque, alguém pode vir e potencializar toda essa dificuldade de autorreconhecimento. Então, se você por acaso começa a se relacionar com alguém que é cruel, dentro dessa perspectiva punitiva, agrava demais a situação. E, isso acontece bastante em alguns modelos de psicoterapia, de psicanálise. Muitas vezes, o paciente ele tem essa propensão a se autopunir e ele encontra um analista que faz isso por ele. E aí, vira uma coisa muito danosa. Isso não só acontece com analistas, mas com amigos também amigos, aí, com aspas bem em negrito e relacionamentos diversos. Isso não está restrito ao desenvolvimento emocional-afetivo isso está restrito a qualquer ideal, por mais que esse ideal seja o contrário da evolução emocional e afetiva. Muitas vezes, num ciclo de amigos ali, numa roda de amigos, você pode ter um ideal do sujeito que é mais beberrão, o sujeito que é mais boêmio e aí você acaba não conseguindo suprir o ideal do grupo. E aí, mais uma vez você é pego de surpresa na sua vulnerabilidade e começa a se condenar e se autopunir, porque você não está sendo capaz de cumprir o ideal que o grupo estabeleceu como perfeição. Quando era criança eu era reprovado pelo meu pai porque eu não conseguia ir bem na escola, fazer as condutas de um bom garoto; hoje eu sou reprovado pela roda de amigos, porque eu não consigo ser o beberrão e boêmio. Em qualquer lugar que eu esteja, eu nunca estou conseguindo cumprir o ideal preestabelecido. 

Na realidade, o problema não é alcançar o ideal, na realidade o problema é renunciar a expectativa. Quando se renuncia a expectativa, você se torna mais autônomo para seguir o teu fluxo do teu desenvolvimento. O crescimento vai acontecer a partir da liberdade para respeitar o seu tempo de desenvolvimento. Mas é uma cilada, na realidade, você fica imaginando que se livrar dessa ansiedade é chegar no objetivo, quando na realidade, é justamente ser capaz de renunciar, ser capaz de apaziguar a expectativa.


quinta-feira, 21 de setembro de 2023

INTEGRAÇÃO E ESCOLHAS - Prof. Renato Dias Martino


No início da vida do ser humano, a sua personalidade é naturalmente desintegrada. É a partir do acolhimento do outro que essa integração vai acontecendo. O Bion, por exemplo, propõe a ideia da função-alfa. A função-alfa, por si só, é um recurso de integração. A partir da possibilidade da mãe acolher o conteúdo do bebê e devolver para ele de uma maneira elaborada permite que este elemento que hora é devolvido possa se integrar aos outros elementos internos do bebê. Há a necessidade imperiosa da ação externa, de uma outra pessoa para que o sujeito possa se integrar. Sem a experiência com o outro, não há a possibilidade de integração. É necessário e fundamental que haja a experiência de vínculo com outro para que possa haver a possibilidade de integração da personalidade do sujeito.

DECISÃO E DESINTEGRAÇÃO

Todas as vezes que o sujeito decide, ele desintegra. Todas as vezes que há uma necessidade de decisão, há impreterivelmente uma desintegração. Quando o sujeito está integrado, ele não decide, ele simplesmente percebe reconhece e toma uma atitude, a partir disso que ele reconheceu. Não é o sujeito que decide, enquanto ele está de acordo com a realidade. Mas é a percepção e o reconhecimento dessa realidade que mostram para ele a atitude que precisa ser tomada. A própria palavra diz. Decisão! Então, cada vez que o sujeito decide, ele cinde a realidade e toma uma parte como todo, ou como certo.

ESCOLHAS

A escolha é uma ilusão. A escolha serve para um único objetivo, para que você possa aprender com a experiência, para que você possa se integrar, entrar num acordo com a realidade, para perceber que não existe escolha, seja no âmbito que for. Quando o sujeito está escolhendo, ele está iludido, ele não está de acordo com a realidade. Tem uma panela com água fervendo. Existe alguma coisa dentro da panela que você precisa pegar. Você pode escolher enfiar a mão e pegar aquilo que está dentro da panela com água fervendo. Existe essa escolha! Mas você vai queimar a sua mão, você vai se machucar, mas ainda assim eu vou lá, enfio a mão para pegar aquilo, então eu escolhi. Mas, se você tiver de acordo com a realidade, a realidade vai mostrar para você que aquilo é inadequado e que o prejuízo é claro. Existe uma consequência clara, quanto a aquilo. Então, cada vez que eu estou de acordo com a realidade o caminho é um só.

DESEJO E ESCOLHA

Para aquilo que realmente importa não existe escolha, e aí, você vai dizer: “Bom, então, para as futilidades existe escolha?” Não! Para as futilidades também não existe escolha, porque na realidade, cada coisa que você imagina que você escolheu, antes passou pelo seu inconsciente, ou pelo seu pré-consciente, pelas suas questões reprimidas e você acabou escolhendo por conta de alguma coisa que te antecedeu, que é questão do desejo. O sujeito, quando ele deseja alguma coisa, na verdade, aquele desejo não é dele. Aquele desejo está impregnado de uma série de experiências anteriores que fizeram com que ele quisesse aquilo. A pessoa deseja fazer sexo livre. Isso é um desejo da pessoa. Não, não é um desejo da pessoa! Este desejo está impregnado por um impedimento, por alguma coisa que ele viveu na infância dele, que o impediu de viver as experiências e hoje quando ele faz esse sexo livre ele se sente extremamente livre daquilo que foi reprimido lá atrás. Então, não tem a ver com o sexo livre, mas tem a ver com a possibilidade dele se libertar daquela repressão anterior que gerou uma revolta enorme e hoje ele transfere, ele substitui por esta compulsão sexual livre. Então, não tem a ver com desejo, não tem a ver com escolha. E por outro lado, existe uma outra questão quanto as escolhas. Também o sujeito, quando diz que escolheu, ele está fornecendo essa experiência ao seu “ideal de eu”, ao seu “deveria ser” para que depois seja cobrado e se sinta culpado por ter escolhido aquilo, quando na realidade, não existia outro caminho, aquilo foi o que ele deu conta de fazer e não foi o que ele escolheu, foi o que foi possível ser feito naquele momento. Então, ele não pode se culpar, mas deve na realidade, se responsabilizar por isso.

DESEJO E REPRESSÃO 

Vamos pegar um outro exemplo. O sujeito que tem uma compulsão alimentar. Ele deseja comer demais. Na verdade, isso não é um desejo dele, isso na verdade, tem por trás, algo reprimido, uma carência muito grande, uma privação de afeto na sua infância, que hoje ele substitui pela alimentação compulsiva. Não existe ali um desejo genuíno. O desejo está sempre impregnado de experiências reprimidas do passado. Qualquer que seja esse desejo.

ESCOLHAS E ACORDO COM A REALIDADE

Eu escolhi a camiseta azul para colocar hoje. Não! Eu não escolhi essa camiseta azul. A realidade me levou para colocar essa camiseta azul. Seja a realidade da praticidade. Porque ela foi a primeira que estava ali no guarda-roupa e eu peguei, ou seja, por conta de um elemento que está fora da minha consciência, que esteja pré-consciente ou inconsciente, que me levou a pegar esta camisa. Mas de escolha consciente, não existe uma coisa muito pequena. Tudo que está num acordo com a verdade, com a realidade, segue um caminho único e só e quanto mais integrado que você esteja com a realidade, mais você está seguindo este caminho que é o único.

ESCOLHA INCONSCIENTE 

O sujeito, na realidade, ele se aproxima do outro sem saber o porquê ele está se aproximando. Ele não tem consciência de porque ele está se ligando aquela pessoa, não foi por escolha e ele passa o resto da vida tentando argumentar e justificar o porquê que ele está com aquela pessoa, e não consegue. Existe escolha dentro da perspectiva da ilusão. Se você não tiver dentro da ilusão, você não tem escolha. A gente tem a ideia de que você conhece alguma coisa e passa a gostar daquela coisa que você conheceu. Na realidade, não é isso. Você gosta de alguma coisa e depois passa a vida inteira tentando entender.

ESCOLHA E ONIPOTÊNCIA 

Dizer que você é capaz de escolher traz uma sensação de poder, traz uma sensação de onipotência, traz uma sensação de que você consegue tudo que você escolheu. Mas, na realidade, não existe nada que seja possível escolher. Tudo depende da capacidade de cada um. Tudo depende da oportunidade. Tudo depende de uma configuração muito maior, que está extremamente distante da escolha de cada um de nós. Então, ninguém escolhe amar, ninguém escolhe tratar o outro bem, ninguém escolhe a pessoa que se envolveu. Não há escolha. Tudo isso acontece por um sistema muito mais amplo, que não está dentro da perspectiva do desejo do sujeito. Isso vai acontecendo por conta desse sistema muito maior, por conta da configuração da realidade.

DO CONHECIMENTO À TRANSFORMAÇÃO 

Quando a gente fala de conhecer, nós estamos falando de alguma coisa que precisa estar invariante. Ela precisa ser da mesma forma, para que eu possa ter o domínio do conhecimento quanto a isso. Quando a gente está falando do processo emocional-afetivo, nós estamos falando do “estar sendo”, de uma transformação constante. Então, não há possibilidade de conhecer. Então, conhecer a si mesmo, autoconhecimento é uma ilusão, porque nós “estamos sendo”. Aquilo que você conheceu hoje amanhã já não é mais igual o Bion diz assim: “O sujeito que começa uma frase, ele não é o mesmo depois que ele termina”. Então, o autoconhecimento é uma falácia, é uma mentira. O que você acha que você conhecia, dali cinco minutos não é mais aquilo que você acreditou que conheceu. Então, existe aí, a necessidade de perceber, reconhecer, que não é conhecer, reconhecer é admitir a existência, aprender a respeitar, para se responsabilizar por isso. E não há possibilidade de conhecimento, de saber, isso tudo é uma ilusão muito grande. Se a gente estiver falando da materialidade das coisas, do mundo concreto, isso faz um sentido muito grande, porque a gente está falando de coisas invariantes, que vão ficar daquela forma por um bom tempo. Então, um médico pode ter conhecimento do corpo físico, mas um psicanalista não pode ter conhecimento do funcionamento emocional-afetivo, porque é transformação.

O SABER NÃO GARANTE 

Saber sobre uma realidade, não garante que você seja capaz de lidar com ela. E aí, ele passa a se cobrar: “Puxa vida! Agora que eu sei, eu não consigo fazer nada.” Saber as consequências das coisas, não faz com que você deixe de fazê-las. Se saber de alguma coisa te protegesse de algum mal, você ia pegar o maço de cigarro, ia ver que aquela foto horrível de uma pessoa doente e não iria fumar. Então, saber não garante nada. Saber o porquê não vem a água não diminui a sua sede.



domingo, 17 de setembro de 2023

INCONSCIENTE, PRÉ-CONSCIENTE E CONSCIENTE - Prof. Renato Dias Martino



Quando a gente fala de inconsciente, pré-consciente e consciente, a gente precisa falar sempre de cotas. A única coisa que é genuinamente inconsciente é um instinto. Isso é genuinamente inconsciente. Todos os outros elementos do funcionamento psíquico têm uma cota inconsciente, pré-consciente e consciente. Existem elementos que são mais inconscientes e outros menos inconscientes. Tudo isso que você chama de consciência, na realidade, tem uma cota sempre por trás, que não é muito bem consciente, por trás disso tem algo que é completamente inconsciente. E aí, se a gente tiver falando então, de um elemento que sugere um “ideal de eu”, por exemplo, um ideal preestabelecido, isso nunca é totalmente inconsciente. Tem uma parte inconsciente, mas grande parte disso é pré-consciente, na realidade, porque precisou de um modelo externo para que você pudesse estabelecer este ideal. E aí, já não posso mais chamar de inconsciente, porque tem um contato com o mundo externo, tem um contato com o outro, tem um contato com o ideal preestabelecido de perfeição.

CONSCIÊNCIA

O que que a gente chama de consciência? De uma maneira bem simples é assim: A ciência compartilhada = com + ciência. Eu sei de alguma coisa e eu consigo compartilhar isso que eu sei com o outro. Isso eu chamo de consciência. O que é diferente do acordo com a realidade. Porque o acordo que eu tenho com a realidade independe do saber. Mas a consciência está subordinada ao entendimento, ao conhecimento, já que é ciência. Consciência! Eu tenho algo que eu sei e eu consigo comunicar isso ao outro, compartilhar isso com o outro, logo tenho consciência disso. Agora, existe a pré-consciência. A pré-consciência é quando eu sei, mas eu não consigo compartilhar com o outro, então é pré-consciente. eu ainda não consigo compartilhar com o outro. Então, todos os elementos que estão ali, dentro da mente, tem uma parte consciente e pré-consciente, só aquilo que é da ordem dos instintos, daquilo que é muito profundo, daquilo que nunca teve contato com o mundo externo, que eu posso, genuinamente chamar de inconsciente.

RENÚNCIA

A renúncia vai acontecer quanto ao elemento do desejo, ao objeto de desejo. Se é objeto do desejo ele está pré-consciente, ou consciente, nunca inconsciente. Aquilo que está no inconsciente é vontade, é básico, é necessidade. E quanto a isso, eu não tenho como renunciar, eu posso adiar a satisfação, mas renunciar, não tem como. porque é necessidade básica. Agora, quanto ao desejo eu posso renunciar porque não é básico porque na realidade é um elemento substituto daquilo que era da vontade anteriormente.

PARADOXO DO INCONSCIENTE

Na realidade, não existe formas de acessar o inconsciente. O inconsciente pode vir a emergir e aí você tem acesso a ele, mas quando ele emergiu, ele já não é mais inconsciente. Quando ele emergiu ele já é pré-consciente, ou consciente. o inconsciente é fonte, é algo que brota. Para você ter acesso a algo que é inconsciente, ele já não pode ser o mais inconsciente, porque o seu acesso já retira dele o atributo de inconsciência, mas traz para ele, já é uma cota de consciência.

REPRIMIDO

Conforme o ambiente que o sujeito está configurado, está inserido, os elementos estão mais conscientes, ou menos consciente. Por conta da ameaça que o sujeito acaba reprimindo aquilo, ao ponto de ele perder a consciência disso. Mas aquilo não voltou a ser inconsciente, mas está ali numa esfera tão reprimida que o sujeito perde o acesso aquilo, mas que em um outro momento, num momento onde ele esteja inserido num ambiente um pouco menos ameaçador, aquilo ali vai emergir, mas com características conscientes, porque foi reprimido.

EMERGIR PELO ACOLHIMENTO

A psicanálise, sobretudo o modelo da psicanálise acolhedora, ou a psicanálise do acolhimento, propicia um ambiente saudável o suficiente para que os elementos que estejam mais profundos, inconscientes, ou pré-conscientes, possam emergir, por conta da ausência de ameaças, sejam elas de julgamento, de crítica, ou de bajulação e sedução. Ausência desses elementos nocivos, faz com que o aparelho emocional-afetivo se sinta liberado para que possa emergir elementos que estavam ali, ou reprimidos no pré-consciente, ou até elementos inconscientes, que possam começar a aparecer ali para ganhar um pouco mais de clareza. 

terça-feira, 12 de setembro de 2023

PROCESSO PSICOTERAPÊUTICO - Prof. Renato Dias Martino



Eu acredito no processo terapêutico como uma possibilidade de expansão do todo. Existe dentro do processo psicoterapêutico a possibilidade de propiciar a maturação emocional que vai acontecendo a partir da reparação de experiências emocionais e afetivas. Quando isso vai acontecendo, todas as áreas de dificuldade do sujeito vão se reparando por si só, sem que você precise olhar para uma área especificamente. Então, um sujeito por exemplo que chega na psicoterapia se queixando de bulimia, ou de anorexia, ou de qualquer tipo de transtorno, qualquer tipo de dificuldade, esta dificuldade é um desdobramento de alguma coisa muito maior, que está acontecendo sem poder ser acessada. Então, a partir do acolhimento, a partir do ambiente propício da psicoterapia, vai havendo um crescimento, um amadurecimento no todo da personalidade do sujeito e estas questões vão se adequando por si só, sem que precise ser olhado para isso como uma área específica. Muitas vezes, o paciente chega se queixando de uma experiência específica, como ejaculação precoce, como bulimia, como anorexia, ou como uma fobia... E aí, a gente começa um trabalho psicoterapêutico de acolhimento, de possibilidade de viver dentro de um ambiente propício, isento de memórias, isento de desejos, isento de ânsia de compreensão, de saber e o sujeito vai crescendo emocionalmente e afetivamente, e ele consegue superar, ele consegue reparar esta queixa inicial, por si só. E muitas vezes, ele nem conta para o analista que ele conseguiu superar aquilo, porque aquilo era tão pequeno perto de um processo muito maior, que foi sendo realizado a partir da psicoterapia.

sábado, 9 de setembro de 2023

ANGÚSTIA E ANSIEDADE - Prof. Renato Dias Martino


Os desconfortos emocionais se dividem em dois modelos. Essencialmente, ansiedades e angústias.

ANGÚSTIA

A angústia é aquele sentimento de aperto, é um sentimento que leva a um embotamento, a um estado depressivo, a um estado deprimente. Então, a angústia é essencialmente, e a palavra que vem do latim já sugere isso, é aperto, estreito. O sujeito que tem a mente angustiada, não consegue pensar, porque não existe espaço. Para pensar é necessária uma mente ampla, expansiva. A angústia está diretamente ligada a noção de espaço, que na realidade é uma criação do humano para apaziguar esta angústia. Quando existe a criação da divisão em pedaços, de espaço é para dar conta desta demanda, porque na realidade, o ser humano tem uma dificuldade enorme de lidar com a ideia do infinito. O infinito é angustiante. Pensar sobre o infinito, reconhecer o infinito gera angústia.

ANSIEDADE

Enquanto a angústia está ligada à noção de espaço, a ansiedade está ligada à noção de tempo. O sujeito ansioso é aquele sujeito que está sempre com pressa. O sujeito ansioso é aquele que sente que não vai dar tempo. O sujeito quando tem ansiedade começa a dividir a vida dele em horas minutos, em dias e anos... Um ansioso é sempre aquele cara que consegue guardar datas, que está o tempo todo olhando no relógio.

ESPAÇO E TEMPO

Quando a gente reconhece o conceito de eterno, a gente se sente ansioso. O mundo existia antes do ser humano, o tempo existia antes do ser humano e vai continuar existindo depois que não houver mais humanos. Para o ser humano, o tempo existe ao seu serviço. Ou seja, ele criou essa divisão de tempo, de anos, de dias, de meses. Não é? Ele criou isso para dar conta da incapacidade de lidar com a ideia do eterno. Então, dois conceitos aí: eterno e infinito. Quando a gente fala de infinito, infinito não é a soma de todos os pedaços, é ausência de pedaço e o eterno não é a soma de todos os tempos né de todos os anos, de todos os séculos, mas é ausência desses conceitos. Angústias, ansiedade, são resultado de desconforto pela introdução de espaço e tempo no funcionamento inconsciente. Porque, nessa dimensão psíquica não se tolera esse tipo de lógica, esse tipo de limitação. Para o inconsciente não existe divisão de tempo. Para um inconsciente não existe divisão de espaço.

CULPA

O angustiado fica embotado, ele fica deprimido e o ansioso é aquele que fica agitado. Enquanto angústia é para dentro a ansiedade é para fora. O sujeito, quando está se sentindo culpado, ele se angustia. O ansioso tende a tentar fazer alguma coisa para apaziguar a sua culpa. Então, ele tem uma atitude. “Vai trabalhar, vai fazer alguma coisa para ver se você se sente menos culpado.” O angustiado já é o contrário, ele já se rende essa culpa. Então ele se autopune, porque ele é culpado e não tem mais nada para ser feito.

DUAS FACES

A angústia gera ansiedade e ansiedade gera angústia. Essas, duas coisas estão sempre juntas. O sujeito pode acordar ansioso e dali a pouco já está angustiado. Tempo e espaço estão sempre juntos. Conceitos juntos, noções que estão juntas. Muitas vezes, o sujeito está ansioso, tentando fazer alguma coisa para tentar apaziguar a sua culpa e em outro momento, ele se rende a aquilo e diz: “Olha, não tem jeito mesmo, eu sou um fracasso e não tem o que ser feito. Porque eu sou culpado mesmo e só me resta me auto por nele.”

MELANCOLIA 

A melancolia é o quadro. Um quadro de melancolia pode gerar ansiedades a angústias. O melancólico é um sujeito essencialmente angustiado, é um sujeito que desistiu, mas ele pode ter episódios de ansiedade, que a gente vai chamar de mania. O Freud vai chamar isso de mania. Então, a mania é a tentativa desesperada de fazer alguma coisa para se livrar daquele sentimento de embotamento, de angústia, que a melancolia traz. O quadro de melancolia, que é a incapacidade de lidar com a perda, vai trazer episódios de angústia e episódios de ansiedade. Essencialmente, de angústia essencialmente, de embotamento, mas com algumas experiências externas de mania, que são movidas pela ansiedade.


domingo, 3 de setembro de 2023

O MODELO DO AMOR E A DISSIMULAÇÃO - Prof. Renato Dias Martino



A carta de Paulo aos Coríntios, trazendo um modelo de amor foi escrita por Paulo, não foi escrita por qualquer um. Este é um modelo a se seguir. É um norte a se tomar, não é um ideal. Isso não pode ser entregue a mão do superego e dizer: “se você não estiver fazendo assim, você não presta”. Isso não pode ser um “deveria ser”. Ninguém pode pegar a carta de Paulo e falar agora eu vou amar desse jeito. Isso é um desenvolvimento. Ninguém se desenvolve emocionalmente, ou afetivamente, a partir da leitura da Bíblia. Você se desenvolve emocionalmente e efetivamente através de vínculos, através de experiências que você tem com o outro. Então, não adianta você ter ali, uma coisa dizendo que você tem que ser daquele jeito, porque você não vai ser daquele jeito, você vai ser daquele jeito a partir de viver experiências que possam trazer a possibilidade de expandir, crescer, amadurecer o suficiente para ficar daquele jeito, ou próximo daquilo, melhor dizendo.

TENHO QUE SER DESSE JEITO

Quando o sujeito pega um texto bíblico, pega um texto psicanalítico, ou pego um texto do que for aí, e começa a falar eu tenho que ser desse jeito. Sabe o que que vai acontecer? Vai ser falso! Vai ser superegóico! Vai ser de simulação! Vai ser um elemento do falso eu. Na realidade, aquilo ali está retratando o que vai acontecer com o sujeito a partir do seu desenvolvimento emocional e afetivo. Ele lê daquele jeito, ele fala: “tem que ser desse jeito”. Ele força para ser daquele jeito, mas ele não está sendo daquele jeito, porque para estar sendo daquele jeito, ele vai precisar de um processo que possa trazer experiências enriquecedoras o suficiente para que ele possa vir a estar sendo daquela forma.

FABRICA DE FALSIDADES 

Essa coisa de “deveria ser”, “tem que ser assim”, isso é uma fábrica de falsidades, de mentiras, de hipocrisia. Ninguém tem que ser nada. Você vai ser, na medida em que você conseguir viver experiências emocionais e afetivas que possam ser enriquecedoras o suficiente para propiciar a maturação e a reparação desse funcionamento. Sem isso? Hipocrisia, falsidade e só e isso! dentro de qualquer espaço, seja ele dentro do religioso, seja ele dentro do acadêmico, seja ele dentro da psicanálise, seja ele dentro de qualquer âmbito. Ninguém cresce emocionalmente, ninguém amadurece emocionalmente a partir de estudos teóricos. Isso não existe! O que propicia o crescimento, a maturação emocional, ou a reparação do funcionamento emocional, são experiências emocionais-afetivas. E aí, depois, o estudo teórico vai ser ótimo. Mas, antes disso, o estudo teórico, muitas vezes, atrapalha esse processo. Fabricam pastores chatos, demagogos. Fabricam psicanalistas insuportáveis, cruéis. Fabricam padres que não são capazes de compaixão. Precisa ver um preparo emocional afetivo anterior.