terça-feira, 11 de maio de 2010

Entre o amor e a amizade

Arte: Orlandeli



Um relacionamento que se inicia muda a rotina.
O casal quer encontrar-se em todos os momentos livres.
Estar junto é o que importa.
Porém, os amigos antigos começam a cobrar sua presença.
“Esqueceu dos amigos? Não gosta mais da gente?”

Manutenção da amizade

O professor e psicoterapeuta Renato Dias Martino não acredita que uma amizade saudável possa ser destruída por um terceiro, no máximo um afastamento temporário. “De maneira contrária, é um bom sinal de que nunca foi realmente amizade”, diz. Na realidade, é interessante que cada um perceba a qualidade do vínculo que mantém e escolher como mantê-los, seja com amigos ou com amores. “Muito perigosa é a relação onde um decide com quem o outro deve se relacionar”, afirma Martino.

No entanto, mulheres podem manter amizade com amigos. E homens podem continuar o vínculo com amigas sem que isso interfira no relacionamento. E isso só é possível quando existe a capacidade de percepção e manutenção de certo limite que guarda e protege as relações, e para isso, responsabilizar-se por si mesmo é imprescindível. “Aquele que não é capaz de estabelecer certo limite, nunca perceberá a qualidade das relações, e assim uma relação acaba por ameaçar a outra, pois nunca se sabe muito bem até onde vão”, diz Martino.


Entrevista na integra

Francine Moreno - Porque um novo relacionamento pode influenciar nas amizades existentes antes da formação do casal?
Prof. Renato Dias Martino - Quando um casal está apaixonado, cria-se sempre certa fantasia de completude na dupla, onde o resto do mundo fica de certa forma, desvalorizado. Na medida em que o casal vai criando maior confiança à paixão vai dando lugar ao amor e esse quadro tende a amenizar. Contudo, muitas vezes quando um casal se une, pode ter a chance de construir um novo modelo de vínculo, onde elementos como respeito e amor estejam mais presentes e frequentes e assim acaba-se por questionar as outras relações, que podem não apresentarem essas qualidades. Isso é muito claro no inicio de uma psicoterapia, que também é um novo relacionamento.

Francine Moreno - Muitas amizades terminam à pedido do novo parceiro (a). Até que ponto isso é positivo ou negativo?

Prof. Renato Dias Martino - Não acredito que uma amizade saudável possa ser destruída por um terceiro, no máximo um afastamento temporário, de maneira contraria é um bom sinal de que nunca foi realmente amizade. Na realidade, seria muito interessante que cada um pudesse perceber a qualidade do vínculo que mantém e escolher como manter-los, seja com amigos ou com amores. Muito perigosa é a relação onde um decide com quem o outro deve se relacionar.

Francine Moreno - Isso quer dizer que há insegurança na relação? O que mais representa esse tipo de pedido?

Prof. Renato Dias Martino - São infinitas as ocorrências e inúmeras às experiências de insegurança que se pode viver num relacionamento. Não obstante, num vínculo saudável, é muito provável que ao perceber algum movimento de vínculo num modelo tóxico com algum “amigo”, o novo parceiro possa sugerir que isso não esteja fazendo bem e assim mostrar que talvez não seja uma boa companhia. O perigo é quando isso se transforma num vínculo de dependência onde um escolhe pelo outro.

Francine Moreno - Porque algumas pessoas aceitam esse tipo de contrato. Ou eu ou seu amigo (a)?
Como fazer o parceiro (a) relevar o pedido e fazer com que não perca amizade? È uma questão de diálogo?


Prof. Renato Dias Martino – Muito provavelmente aceitem, pois já cultivam dentro de si um descrédito à própria capacidade e habilidade de perceber o que pode estar fazendo mal no que concerne à escolher amizades. A saber, isso muito provavelmente, guarda sua origem numa relação familiar onde pais não são capazes de estimar o que os filhos escolhem e na verdade acabam por desvalorizar as opções deles. O dialogo sempre é o melhor caminho, mas me parece que situações crônicas como essa de “ou eu ou seu amigo (a)” já revelam a ineficácia do dialogo. Já que grande parte de um vínculo doente, inclui muito menos a palavra, e muito mais a criação de certo ambiente emocional silencioso de dependência.

Francine Moreno - E quando há dialogo e a proposta de deixar a amizade permanece. Esse comportamento já dá detalhes de como será a relação?

Prof. Renato Dias Martino - Perceba que é justamente o que proponho na questão anterior, ou seja, o que acontece com relações doentes. A palavra não tem qualquer efeito, pois ambas as parte consentem no vínculo de dependência, de forma muitas vezes inconsciente, logo incapazes de serem discutidas conscientemente, onde o “eu” (cada um) responsabiliza-se por si mesmo. São resquícios de experiências emocionais pré-verbais onde não se podia contar com a expressão falada.

Francine Moreno - Como mulheres podem manter amizade com amigos. E homens podem continuar o vínculo com amigas sem que isso interfira no relacionamento?

Prof. Renato Dias Martino – Isso só é possível quando existe a capacidade de percepção e manutenção de certo limite que guardam e protegem as relações, e pra isso responsabilizar-se por si mesmo é imprescindível. Aquele que não é capaz de estabelecer certo limite, nunca perceberá a qualidade das relações e assim uma relação acaba por ameaçar a outra, pois nunca se sabe muito bem até onde vão.

Francine Moreno - A protagonista do seriado "Ghost Whisperer" disse certa vez ao marido que o problema não era o amigo, mas no que o parceiro que transformava quando estava com ele. E realmente isso acontece diariamente. Porque algumas pessoas se modificam quando estão com o amigo (a)?

Prof. Renato Dias Martino - Talvez, por um despreparo na capacidade de se manter integro. Possivelmente ele se sente limitado em ser realmente quem é quando no ambiente do casal. Ao encontrar com o amigo sente-se seguro para revelar a parte que é reprimida na companhia dela.

Francine Moreno - É possível ser feliz só com amigos ou só com o parceiro (a)? Como encontrar o equilíbrio perfeito?
Prof. Renato Dias Martino - Quando podemos reunir os dois e criarmos certo vínculo onde compreenda sermos também amigos daquele que escolhemos como parceiros, muito provavelmente diminuiremos as amizades externas, mantendo apenas as mais próximas e escolhendo um modelo menos achegado para a maioria. Assim, se pode criar um ambiente menos perigoso para se viver aquilo que está na ordem das experiências de afeto e das emoções.

Linck para a matéria na integra: http://www.diarioweb.com.br/novoportal/Divirtase/Comportamento/8955,,Entre+o+amor+e+a+amizade.aspx
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Prof. Renato Dias Martino
Psicoterapeuta e Escritor
Fone: 17-30113866 

renatodmartino@ig.com.br
http://pensar-seasi-mesmo.blogspot.com/  

domingo, 9 de maio de 2010

Reflexão sobre perversão

Os desvios no amor
Renato Dias Martino


...A saber, que o homem não é realmente um só, mas verdadeiramente dois em um. Digo dois, porque o estado dos meus conhecimentos não vai além desse ponto. Outros virão, outros me ultrapassarão nessa mesma direção, e aventuro-me a pensar que o homem será finalmente conhecido como um simples agregado multiforme de cidadãos incongruentes e independentes uns dos outros. O Medico e o Monstro, Robert Louis Stevenson (1850-1894).




Dr. Jekill deixa uma carta relatando sua experiência. Escreve uma longa carta que antes de tudo traz a revelação de um momento reflexivo daquele que tivera um insight (compreensão interna) sobre si mesmo. Alguém que descobrira o terrível fato de que talvez sua maior perversão fosse justamente o que o permitira manter-se intenso em suas realizações.


Talvez em sua busca por ser alguém livre de imperfeições, tivera que criar no quarto dos fundos de sua alma, um perverso. Alguém que ele mesmo não conhecera. E quando o pode conhecer, foi o fim. Na obra de Stevenson, Dr. Jekyll, um dedicado medico que reunira em torno de seu nome, qualidades como as de cavalheirismo, educação e bondade, desenvolve uma formula que permite transformá-lo em Mr. Hyde, um ser frio e nefasto que age essencialmente por seus impulsos. O uso da poção decompunha a personalidade do medico que assim, se tornava alguém dividido. Um recurso criado por ele, antes de tudo, para conseguir continuar vivendo. Justifica-se com o argumento de que, amiúde era tomado por certos desejos estranhos que ameaçavam o desenvolvimento e até a existência do medico bem sucedido. O preparado farmacológico não criava alguém novo, mas revelava uma parte escondida no interior do gentleman. Ao beber da poção, o medico era arremessado para a extremidade avessa do médico, ocupando sua alma da irracionalidade do monstro. O uso da substancia química criava um fenômeno onde era evitando assim a experiência do conflito, já que delegava a cada parte do eu, uma escolha. Enquanto Dr. Jekyll (que carrega a morte em seu nome; kill), abriria mão do desejo proibido e assim revelava um homem amável e preocupado com o outro; Mr. Hyde (escondido em inglês), de forma inversa, abre mão da realidade e satisfaz o impulso perversamente, atacando pessoas num ódio mortal pelo ser humano. Entretanto, o maior oprimido e grande sacrificado pelos atos perversos de Mr. Hyde seria exatamente Dr. Jekyll.
O que poderia nos permitir cogitar, com propriedade sobre o que é perversão, que tipo de argumento poderia nos autorizar diagnosticar ou designar algo como sendo perverso?
A palavra "perversão", se entendida por um vértice onde é utilizada a linguagem coloquial, ganha logo um formato malévolo, um representante venenoso da crueldade. No dicionário (Michaelis 2003), encontraremos a palavra como sinônimo de expressões que aparecem desde contaminação, infecção, até corrupção, ou mesmo depravação. Se estivermos utilizando um estilo em que se usa vocabulário e sintaxe bem aproximados da linguagem do dia-a-dia, ou seja, coloquialmente, encontraremos a palavra perversão como significado de algo que se encontre, quem sabe, no avesso do que é humano. Na medicina (quiçá a primeira ciência a estudar o termo), a palavra perversão aparece como classificação de uma enfermidade, ou descrição de algum tipo de degeneração. Contudo, se procurarmos a origem da palavra, encontraremos no latin, per vertio, por sua vez
derivado de per vertere, que remete à noção de "pôr de lado", ou "pôr-se à parte".
A partir dos estudos da psicanálise, sobre tudo na obra de Sigmund Freud (1856-1939)
publicada em 1905 “TRÊS ENSAIOS SOBRE A TEORIA DA SEXUALIDADE”, a conotação ganha alguns importantes ponderadores, apontando para a mesma direção semântica do radical determinador da palavra. Através de um exame mais polido, podemos apreciar maduramente a palavra em seu significado e assim perceberemos certos pontos de vista que permitem deslocar o conceito da posição fixa, no extremo oposto do bom, do bem, do humano e perceber um significado mais amplo que poderia abarcar o termo. Na psicanálise, o termo foi e é (esse trabalho é um exemplo disso) de essencial importância no escopo dos pensadores. Sendo cuidadosamente estudado e debatido desde o inicio dos estudos de Freud.
No segundo tópico do primeiro capitulo da obra freudiana de 1905 o termo é descrito como uma espécie de desvio. Mas, é importante percebermos que esse desvio ocorre no caminho em direção ao encontro sexual, ou a copula em si. Como que um adiamento temporário no objetivo da copula, assim como um desvio no caminho do desenvolvimento sexual, descritos como sadismo, masoquismo, pedofilia, exibicionismo,voyeurismo, etc. Um atalho que desvia do outro, ou do objeto e se direciona a satisfação narcísica. Como se em certo momento, o desejo de buscar o objeto externo convertesse simplesmente em desejo de satisfação do impulso.


Em “UMA CRIANÇA É ESPANCADA - UMA CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO DA ORIGEM DAS PERVERSÕES SEXUAIS” de 1919, Freud propõe que:
“Uma fantasia dessa natureza, nascida, talvez, de causas acidentais na primitiva infância, e retida com o propósito de satisfação auto-erótica, só pode, à luz do nosso conhecimento atual, ser considerada como um traço primário de perversão”.
Porém, é importante percebermos que, apesar de parte do eu pressionar a totalidade a olhar para outro lado, só pode desviar-se aquele que segue alguma direção. Freud postulara em 1905 sobre uma polemica idéia que ainda hoje nos parece de difícil compreensão, ou no mínimo, pega o leigo de surpresa, com certa sensação (muitas vezes repleta de restrições em seu reconhecimento) de que sempre sentira algo que ao mesmo tempo acaba de conhecer.
Logo, perceberemos o fato de que, utilizamos muito mal a palavra perversão, ou pelo menos limitamos muito sua utilização se atribuirmos a ela um movimento de reprovação. A idéia é que, a perversão se apresenta como componente, até mesmo da vida sexual sadia, sendo considerada pelo sujeito como qualquer outro pensamento secreto. Freud da um passo imenso na direção da necessidade de desfazer a fronteira insolúvel entre saúde e doença, pelo menos no âmbito psicológico, ou seja, quando se estuda a mente humana.


“As perversões não são bestialidades nem degenerações no sentido patético dessas palavras. São o desenvolvimento de germes contidos, em sua totalidade, na disposição sexual indiferenciada da criança, e cuja supressão ou redirecionamento para objetivos assexuais mais elevados — sua “sublimação” — destina-se a fornecer a energia para um grande número de nossas realizações culturais.”

É o que sugere Freud no seu “FRAGMENTO DA ANÁLISE DE UM CASO DE HISTERIA” (1905[1901]), e se pudermos sustentar a direção deste pensamento freudiano, verificamos que reprovar a perversão é reprovar parte do eu. Este afastamento temporário do objeto externo, tem a exclusividade e fixação (Freud 1905) como constituinte em seu modelo. Freud nos dizia que "a neurose é o negativo da perversão", ou seja, enquanto o neurótico fantasia, o perverso atua (accting out). Esse desvio ocorreria por uma impossibilidade de satisfação do desejo sexual, o que faria com que no neurótico, a partir da repressão do impulso, criassem-se sintomas que serviriam ao aparelho psíquico como substitutos da satisfação sexual. Logo entendemos que, a neurose esconde um desejo perverso, encoberto pelo sintoma. A partir deste ponto de vista, com auxilio da psicanálise, pudemos reconhecer que todos nós temos uma coleção de neuroses e da mesma forma, passamos assim a perceber a perversão como certa característica que pode ser descoberta, até mesmo no sujeito dito normal ou saudável. Mesmo no adulto que, pelo menos a priori, conquistara o status de maturidade, conserva-se em sua personalidade (em um lugar secreto) partes infantilizadas que amiúde se revelam em situação de hiperexcitação, ou mesmo no prenúncio da perda do objeto amado.

Através de um exercício de subjetividade poderíamos pensar em algo que se manifesta através do desejo, vem sempre acompanhada de certa ânsia. Desse modo, gradualmente suscita-se um processo gerador de um modelo de estrutura, algo que possa sustentar a viabilização desse desejo, mesmo que apenas imaginativamente. A partir dai produzir-se-ia uma qualidade especial de vínculo com aquilo que é da realidade, exatamente onde está o outro, o objeto externo. Antes de tudo, no caso aqui estudado, uma espécie de dificuldade de reconhecer, integrar-se e interagir com o real. Isso se pensarmos o ato sexual como um modelo de encontro entre duas partes diversas da realidade onde existe a possibilidade de criação de uma terceira.
Verificamos por esse caminho que através de uma escala de evolução, a perversão estaria para o amor, como um primeiro tipo, um modelo menos desenvolvido, entretanto, em desenvolvimento. Um protótipo do amor que tenta bravamente seguir em frente na tentativa de desenvolver-se.

Longo é o caminho que percorre o bebê até que aprenda a amar. Até que possa ser capaz de retribuir aquilo que recebeu de seus dedicados cuidadores e criar assim um modelo que possa servir a cada nova aproximação amorosa em sua vida. Tento propor que, talvez quem hoje ame, um dia desejou perversamente. Eros (deus do amor) é filho de Afrodite (deusa da beleza, sedução) a geradora do afrodisíaco.
Mas voltando a belíssimo romance proposto no inicio do texto, se o medico tivesse sido capaz de suportar a imperfeição de seus pensamentos perversos teria a chance de integração das partes de sua personalidade abrindo assim a oportunidade de viver algo real, logo imperfeito. Talvez custasse a ele momentos de “monstros”, contudo sob sua responsabilidade em detrimento da perfeição do gentil medico bem sucedido. Seguindo o mesmo caminho, percebemos que a despeito da formulação popular, onde o titulo de perverso é atribuído a descrição do vilão, malvado e agressor, também o papel de vitima se encaixaria na descrição perversa, quando cada agressor carrega uma vitima dentro de si, pronta a ser projetada naquele que possa oferecer um modelo adequado para receber essa função.


Prof. Renato Dias Martino
Psicoterapeuta e Escritor
renatodmartino@ig.com.br
http://pensar-seasi-mesmo.blogspot.com/ 

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