sábado, 19 de dezembro de 2009

A memória da perda

Já tivemos, em outra oportunidade, a chance de pensarmos sobre a distinção entre o “saudável” e o “prazeroso”.  Contaremos com os argumentos cogitados nessa ocasião para abrirmos o assunto contido no texto aqui presente. Já que falaremos de experiências emocionais de cunho um tanto quanto desconfortáveis, contudo de extrema necessidade se a intenção a priori é a de classificarmos um modelo de desenvolvimento da mente, expansão do pensamento logo, da qualidade do vínculo que se pode ter com pessoas e coisas.


Arthur Schopenhauer 
(1788-1860)
Se partirmos de certo intento onde como propõe o filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860) a angústia suscitada pelo medo da morte é a expressão máxima do sofrimento humano, então talvez fosse um tema digno de cogitação aquele cujo objeto parte das emoções geradas conforme a consciência sobre a decadência e a morte. Um saber que da ao humano o título de homo sapiens. O sabedor de sua vulnerabilidade e mortalidade, assim como referente a aquele que ele ama. Certo conhecimento mobiliza o mundo interno e cobra alguma ação psíquica no intuito de diminuir ou amenizar o efeito da descarga libidinal gerada nesse contato com a verdade. Verdade essa referente à incontestável realidade humana ou até mesmo a realidade de todo e qualquer ser vivo. A mesma angústia que ocorre aos deuses, assistindo-nos do Olímpo. Contudo, de forma inversa e velada, talvez os deuses invejem-nos a possibilidade de descansarmos um dia da obrigação do mortal em manter-se vivo, mesmo cônscio da imutabilidade do fato da morte.

Sigmund Freud 
(1856-1939)
De qualquer forma, a geração de ansiedade frente á idéia do desamparo, declínio e morte é um recurso natural do aparelho mental. A introdução dessa realidade no âmbito do funcionamento psíquico não é um processo simples. De forma hipotética, poderíamos aqui levantar algumas possibilidades de desenlace dessa experiência. Uma delas, e a que me parece ser a mais primitiva, é aquela em que o sujeito do conhecimento do real, automaticamente pronuncia a ação física. Ao ser inundado pela angústia, parte logo para ação (no mundo externo) no intuito de aplacar o desconforto gerado. A falta de recursos mentais mais aprimorados e a incapacidade de conter impulsos fazem o bebê espernear e berra quando se sente assim angustiado. Em uma linguagem psicanalítica, nesse caso a pulsão de morte é direcionada para fora do eu (em direção ao outro). Um segundo modelo seria aquele em que o sujeito, ao perceber a ineficácia da ação mecânica em conter os impulsos, o reprime, e submerso na desesperança, desiste da atuação. A partir daí, sob a regência desse modelo de funcionamento a pulsão de morte volta-se para o eu (para dentro). Como na melancolia descrita por Sigmund Freud (1856-1939) em 1917, o sujeito desse funcionamento sente como irremediável o prejuízo dessa realidade pairando sobre o eu. Como se a partir da ciência do real, nada mais despertasse seu interesse a não ser a fantasia (que exclui o próprio real). Estes dois modelos têm a função exclusiva de afastar o desconforto psíquico e estão enquadrados num funcionamento mental do qual Freud denominou em 1911 como principio do prazer-desprazer.

Um terceiro modelo e o que nos interessa sobre medida nesse momento, é justamente aquele que faz pensar. O que implica para Freud (1911), a entrada do principio da realidade. O que permite adiar certas ações através da contenção do impulso que assim ganha à chance de transformar-se em pensamento simbólico. A capacidade mental em tolerar desconfortos é que proporciona o que chamaríamos de continência psíquica e definirá o norte dessa experiência com o real. Contudo, conter emoções desse calibre, de maneira saudável, exige essencialmente criatividade. A consciência do nascimento e morte obriga a criação de um espaço entre esses dois fatos. Justamente a subseqüência de um processo do qual aprendemos chamar de “vida”.



Gradiente evolutiva

Se depois de pensarmos nesses modelos de formação psíquica, estamos de acordo, e até aqui nos faz certo sentido em comum, podemos então desenvolver a idéia de uma escala evolutiva do pensar. Uma escala onde podemos até tentar eleger um ponto de partida, contudo, assim como seu apogeu, ele nunca coincidirá com idéias acabadas ou saturadas em sua dimensão. Estamos falando do percurso seguido pelo elemento mais primitivo da mente rumo ao seu desenvolvimento, ou mais adequadamente falando, sua expansão. Um impulso gerador de fantasias no contato com a consciência da perda. Podemos sugerir talvez, a sensação gerada pelo contato com aquilo que se é capaz de chamar de realidade, como ponto de partida e a formação da idéia simbólica (a saber, a capacidade de tolerar a ausência do real sensorial), como pretensão de objetivo a se alcançar. Parece-me que isso definirá algumas experiências que se possa viver com a memória da perda e ainda o que isso pode representar. Algo como prejuízo na estrutura do ego (personalidade), ou no extremo oposto, vitória e superação de limites e consequentemente fortalecimento e expansão do eu?

Joseph Breuer 
(1842-1925)
De qualquer forma, a ideia ou o pensamento simbólico, se manifesta na capacidade de relatar em palavras a história da própria vida, já que transformar fatos em palavra exige certa habilidade simbólica. Foi a partir desse modelo que Freud abandonou o método catártico da hipnose. Em 1891, Freud publica “Contribuições à Concepção das Afasias”, obra que firmar, categoricamente, o rompimento com as hipóteses sobre os “estados hipinóides” e o método catártico de Joseph Breuer (1842-1925). O pai da psicanálise começou a perceber e a partir dessa percepção passou a criar instrumentos para identificar no discurso de seus pacientes a parte da mente que exigia cuidado.


Assim, podemos mensurar a dimensão da importância da memória da perda assim como a necessidade de nos tornarmos consciente dela para o bom funcionamento mental. Cada iminência de perda remete á experiências de sensação de desamparo ocorrida num tempo onde o acolhimento, sensação de segurança, ou de se sentir contido num ambiente saudável, eram a única maneira e justamente, o que definiria a sensação de estar vivo. A confusão do que é a morte da abstração e o que é a morte efetiva.

Renato Dias Martino
Psicoterapeuta e Escritor
Fone: 17-30113866
renatodmartino@ig.com.br

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Relação Destrutiva




Contribuição para o jornal Diário da Região.
Matéria de Francine Moreno sobre relações destrutivas.



Entrevista



Francine Moreno - Como se resume um relacionamento perigoso?


Prof. Renato Dias Martino - Um relacionamento perigoso pode ser aquele, em que existe um contrato não verbal de dependência. Onde um impede o outro de crescer, porém, sem que isso seja percebido com nitidez.


Francine - Como reconhecer uma pessoa destrutiva?


Prof. Martino - Pessoas destrutivas não respeitam a si mesmas, nem o outro. Isso em muitos casos é claro e visível através do comportamento, não obstante, muitas vezes só se pode perceber certas características destrutivas por meio do convívio.


Francine - Diz o ditado que a mulher deve olhar como o homem trata a mãe dele para saber como será tratada. É verdade?


Prof. Martino - Pode ser um bom início para se conhecer o funcionamento vincular daquele da qual se esta se envolvendo, apesar disso, o vínculo estabelecido entre duas pessoas deve ser singular e independente das experiências anteriores. Penso que, só alguém que é capaz de reconhecer seus próprios limites conseguirá ser respeitada e amada como merece.


Francine - Devemos nos preocupar com os problemas que o parceiro (a) teve nos seus antigos relacionamentos?


Prof. Martino - A pré-ocupação é sempre perigosa. Aquele que se pré-ocupa com o passado ou com o futuro, pode ver-se impedido de ocupar-se do presente.


Francine - Mesmo mulheres e homens inteligentes e seguros não estão imunes a relações destrutivas? Por quê?


Prof. Martino – Se existe alguma imunidade ela só pode depender da maturidade emocional, isso equivale à capacidade de conhecer-se e respeitar-se a si mesmo. Costumo dizer que a inteligência diz respeito ao 'saber' e a maturidade diz respeito ao 'ser'. Quem aprendeu respeitar-se a si mesmo não permitirá que outro o desrespeite.


Francine - Há homens e mulheres mais vulneráveis a relacionamentos perigosos?


Prof. Martino - Creio que a vulnerabilidade esteja relacionada à imaturidade emocional, onde os vínculos ainda são estabelecidos em modelos primitivos. Dessa forma o relacionamento fica exposto a formas perversas de ligação, onde não existe espaço para evolução ou crescimento, só á disposição para repetições.


Francine - E porque alguns sempre buscam esse tipo de relacionamento?


Prof. Martino – Talvez por que sejam mais cômodos. É justamente o comodismo o maior atrativo desse modelo de relacionamento. O medo de ser abandonado aliado a um sonho de viver um vínculo de dependência, como aquele em que se vive na primeira infância. Onde não se é responsável por si mesmo. Existe sempre um ganho, mesmo que inconsciente, nesse tipo de relação.


Francine - Há como se precaver destas relações destrutivas?


Prof. Martino – Sem duvida que sim. Para começar, a tarefa é propor-nos desfazer certa relação destrutiva com nós mesmos. Falo daquilo que chamamos de funcionamento autodestrutivo. É só através desse tipo de funcionamento que o outro encontra lugar para se instalar e ocupar um lugar nesse modelo de relacionamento. Na verdade, muitas vezes, no estudo de casos dessa espécie, o que se revela é que o sujeito destrutivo entra para dividir a culpa pela destruição que de alguma forma já ocorria.


Francine - Como diferenciar as preocupações legítimas de amigos e familiares das cismas e antipatias?


Prof. Martino – Antes que o outro (amigos e familiares) compreenda a forma perversa de relação, de certa forma, quem está vinculado já percebe. E na realidade, mesmo que o relacionamento esteja aparentemente numa forma inadequada, sempre existe uma força inconsciente que insiste em manter a ligação perigosa. Assim, quando amigos e familiares tentam avisar, intrometendo-se na relação, podem estar interferindo em algo bem mais complexo do que imaginam.


Francine - Quando a relação é perigosa e destrutiva a única maneira é sair?


Prof. Martino – Sim, sempre!
Penso que, evoluir os modelos de relacionamento demanda sair do modelo antigo. Isso não implica necessariamente em romper com a pessoa que se esta ligada, mas sim, com o tipo de vínculo que se tem com ela. Contudo, existem casos onde o rompimento pode ser o único recurso para se preservar as partes.


Francine - Como podemos ajudar uma pessoa que está em relacionamento assim?


Prof. Martino – Só podemos ajudar aquele que pede ajuda. De outra forma nada pode ser feito. No caso do pedido efetuado, penso que a melhor forma é conduzi-lo a um profissional.
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Link para a matéria, site do jornal.
http://www.diarioweb.com.br/novoportal/Noticias/Comportamento/2385,,Relacao+destrutiva.aspx



Prof. Renato Dias Martino
Psicoterapeuta e Escritor
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quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Por que fazer psicoterapia

Por que fazer psicoterapia 

Não me parece exagero dizer que o mundo civilizado elege aquilo que é concreto ou palpável como indicativo ou referencial para definir aquele que possa ser chamado ou não de bem sucedido na vida. O ser humano vem dedicando seu interesse quase que exclusivo a essa modalidade de conquista. Assim me parece caminhar o sujeito humano civilizado.
A humanidade parece enfrentar um período da historia onde a infertilidade (para não dizer esterilidade) na produção do pensamento é algo preocupante. O bem material se tornou tão valorizado que sufoca a cada dia a capacidade de reflexão do homem. Lembro-me então do saudoso Raul Seixas quando cantava sobre...



“As mensagens que nos chegam sem parar, ninguém pode notar, estão muito ocupados para pensar...”.Raul Seixas, S.O.S.




Como poderia então um sujeito se dispor a momentos onde a concretude das coisas simplesmente perde o valor e dentro de uma sala, deitado num divã, propor junto com seu analista, pensar e tentar através da reflexão entender sua dor, ou de alguma forma aliviar o peso de perceber sua angustias? Essa angustia que com nome de dor, a cada dia se torna mais localizada no corpo físico e longe dos conflitos psicológicos, ou pelo menos sem chance de associação entre uma e outra. Poderíamos dizer: cada dia mais perto do corpo (concreto) e mais distante da alma (subjetivo).
A tecnologia se desenvolve assustadoramente para dar conta dessa dor que surge no corpo. Medicamentos são desenvolvidos cada vez mais eficazes para amenizar essa dor e o homem ganha assim status e onipotência de um Deus. A aceitação do próprio corpo que poderia ser um bom exercício de reflexão sobre si mesmo foi substituída por um avanço espantoso na medicina estética que coloca próteses de silicone para introduzir o que se imagina faltar e retira o que não é desejável. A “casca” do ser humano fica cada vez mais bela, por pequenas fortunas. A evolução medica cura as mais variadas formas de câncer (muitas delas adquiridas pelo consumo de substancias que ele próprio criou). Na psiquiatria elaboram-se antidepressivos e ansiolíticos cada vez mais desenvolvidos, que a cada dia se aplica menos em nome de uma patologia fisiológica, mas em nome de uma psiquiatria estética, onde talvez fosse uma oportunidade de certo trabalho psicoterapeutico, no sentido de restabelecer a capacidade de pensamento e reflexão da própria vida.

Cria armas cada vez mais elaboradas para destruição em massa; promove-se catástrofes na natureza de grandes proporções, como derramamento de óleo no mar, desmatamento e destruições de rios com descarga de esgoto. Como escreve Freud em 1930, no texto O mal estar nas civilizações:

S. Freud (1856-1939)
“... As épocas futuras trarão com elas novas e provavelmente inimagináveis grandes avanços nesse campo da civilização e aumentarão ainda mais a semelhança do homem com Deus...”.


Mas, esse desejo sendo realizado sem que se desenvolva a capacidade de pensamento, caracteriza um modo perigoso de caminhar. O indivíduo se vê impelido a buscar uma garantia concreta para o amanhã. Contudo, na busca pelo material a rivalidade e a competição são conflitos sempre presentes. Em uma sociedade onde a família e suas tradições são cada dia menos valorizadas, fica também ameaçado o ambiente de acolhimento e segurança para se sonhar, imaginar e pensar. Desenvolver o aparelho pensador.
Penso que esse modelo de ser humano que somos hoje, necessita urgentemente resgatar sua capacidade de pensar - a principal habilidade que o difere dos outros animais. Pois, ao colocar essa capacidade em prática, também passa a valorizar o subjetivo. Aquilo que ainda não é, mas pode vir a ser. Esquecemos completamente de que tudo aquilo que podemos constatar pelos órgãos dos sentidos é passageiro, mas aquilo que não se pode perceber pelo sensorial é eterno.
A psicanálise assim como as psicoterapias busca, sobretudo, reconstruir essa capacidade de pensamento e imaginação, propõe a produção de pensamento pelo pensamento, esse que constrói o amanhã. O amanhã que é sempre incerto e que na verdade ainda não existe, mas nos preocupa no que poderá nos trazer. O devir. O amanhã só existe hoje se pudermos imaginá-lo e pensá-lo em suas reais possibilidades. Na relação analítica, ou seja, naquilo que se constrói entre terapeuta-paciente, o sujeito tem chance de se conhecer em seus desejos e seus medos (que andam lado a lado). Nesta descoberta podemos criar um modo de ser mais adequado para vivermos em um mundo que também se adequará a nós. Falo antes de tudo de um movimento de expansão da capacidade de reflexão e pensamento.

Prof. Renato Dias Martino
Psicoterapeuta e Escritor-
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segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Doar e aprender, receber e ensinar



Tempo Verdade Poussin Olgagrd -
O Tempo resgata a Verdade da Disputa e da Inveja Nicolas Poussin,
1640-2 Musée du Louvre, Paris
  Doar e aprender, receber e ensinar
O ensino não existe a priori. Isso se partirmos de um pressuposto onde a capacidade de aprender, talvez seja o que revela o objeto de ensino, e quem sabe, origina o objetivo de ensinar. Só aprendemos, ou apreendemos do mundo, aquilo que sentimos como necessidade ou desejo. Freud, em 1915, descreve o inconsciente como sendo a base geral do psiquismo humano. Ele propõe um sistema de funcionamento em que tudo que chega à consciência do indivíduo, passa primeiro pelo inconsciente. Quando aqui, se fala em inconsciente, o que se pretende é mencionar o lugar do eu onde não existe conhecimento. As linguagens racionais acessíveis nesse nível são extremamente escassas. Não temos controle desta área do psiquismo. Não somos donos de nós mesmos, nessa parte do eu. Por isso, alguns sonhos(que trazem em seus conteúdos grande material inconsciente) são tão assustadores e sem nexo; ou às vezes que nos espantamos com pensamentos, e até mesmo certos comportamentos estranhos que pensamos ou fizemos e não conseguimos achar um sentido para tal. São todas manifestacãoes do inconsciente onde se sente, mas não se sabe.


Se pudermos expandir o pensamento até essa detenção de realidade, poderíamos dizer que, tudo que chegou ao saber, passou antes pelo sentir. Sentir, desejar, são experiências extremamente individuais, a não ser na relação umbilical. O que a mãe sente ou deseja, implicará diretamente no futuro daquele que se encontra no seu interior.


Só buscamos conhecer aquilo que é ou, um dia foi objeto de nosso desejo. A saber, desejo é aquilo que parte do nosso interior e se pronuncia em direção ao mundo externo. Podemos até fazer uma analogia com o modelo nutritório, onde o bebe aprende amar aquela que o nutre. Para que exista aprendizado realmente, me aprece que as idéias devem seguir certo caminho. A partir do reconhecimento da necessidade a criação de um ambiente rico em afeto que permitirá, através da gratidão, que a “dependência” se transforme em “amor”.


Assim, na medida em que propomo-nos a apreender as coisas do mundo externo, criamos vínculos que nos permitem um melhor discernimento entre o que é real e o que criamos imaginativamente. Ou seja, podemos descobrir os limites entre o eu e o outro. Quantas vezes nos pegamos querendo saber sobre o outro, porém; será que queremos saber realmente o que ele deseja, ou na verdade o que nos interessa é saber se ele quer aquilo que esperamos que quisesse?


Se pudermos estar de acordo até aqui, podemos dizer então que, aprender é algo muito mais próximo do doar que do receber. Quando guiados por certo vértice de pensamento que compreenda o modelo continente/conteúdo, aprender é doar espaço do eu para que o outro (em idéia) se instale. Da mesma forma, o ensinar se encontra bem mais próximo do receber do que do dar. Usando um vértice semelhante, receber a demanda do que realmente cabe ser ensinado. Diferente de “empurrar” a qualquer preço aquilo que se deseja que o outro aprenda, mesmo que isso não faça sentido a ele.


Assim como em nossas relações afetivas, proponho através destas linhas a tentativa de criação de um vínculo escritor-leitor num ambiente onde prevaleça a verdade e o amor. Na verdade a união dos dois termos em amor à verdade e a verdade que existe no amor.
Dessa forma, poderíamos levantar duas questões das quais imagino surgirem nas cogitações do leitor. De que verdade estaríamos falando aqui, já que estamos frente a um conceito extremamente dependente de uma experiência individual? Penso aqui na verdade enquanto direção, onde poderíamos nos orientar. Aquela verdade que nos faz eternos pesquisadores do mundo e da vida. Aquela verdade que não sossega. Aquela que nos acorda de manhã nos cobrando um tipo de resposta que não servirá mais ao depois de amanhã. Aquela que nos vira a cara a cada encontro. Aquela pela qual só podemos nos ver orientados, mas nunca possuidores.


A segunda pergunta talvez se referisse ao amor. Que amor poderíamos estar tentando propor aqui, enquanto condição para o vínculo? Penso naquele tipo de amor que atrai as diferenças. O que necessita da diferença se encantando com isso. Aquele que se desliga do eu e liga-se no outro. Aquele que enxerga ou outro além do eu no outro.
Aquele que se propõe ensinar deve ter desenvolvido a humilde idéia de que a maior parte do que se espera ensinar nunca será aprendida. E se isso acontecer, a pretensão da confirmação do resultado é algo contrario a real efetivação do vinculo aprender - ensinar.

Prof. RENATO DIAS MARTINO
Psicoterapeuta e Escritor
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sábado, 7 de novembro de 2009

Algumas publicações na revista Psique


Conhece-te a ti mesmo
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O reconhecimento da própria identidade é um processo árduo e em permanente construção abastecido de crises existenciais mas evitá-las pode colocar em xeque uma mente saudável

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No dia-a-dia estamos cercados por acontecimentos cruéis que por si só já causam sofrimento. Mas fazemos questão de revivê-los seja nos noticários no cinema nas músicas e até no turismo. Afi nal de onde vem a satisfação humana em observar cenas e situações macabras?

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Representa- te


Representa- te
Renato Dias Martino

De onde vem essa dor?
Angustia ou um buraco?
Um turbilhão, um rotor
Ou simplesmente o vácuo?
Preencher com ilusão?
Dos pés faltando o chão
Eu sei que é tudo em vão
Verdade, vida, amor...
Trocados pela dor
Sem imagem ou representação.



Prof. Renato Dias Martino
Psicoterapeuta e Escritor
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quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Xeque-mate

Orlandeli/Editoria de Arte
Xeque-mate
Francine Moreno

É comum homens e mulheres terem gratidão, até saudade, das escolhas que ocorreram ao longo da vida, quando elas, ainda hoje, são compatíveis com sentimento e razão. Mas quem já não se questionou, lembrando seu passado, sobre como pode envolver-se com certa pessoa ou trabalho? Quem não se arrependeu com a sucessão de decisões erradas que teve a ponto de reconhecer: “Eu já me meti em cada enrascada”? O fato é que arriscar deixa a vida mais interessante, o problema é que nem sempre as decisões são as mais sábias. Um dos elementos que interferem nas decisões, segundo o escritor Aquiles Mosca, é o chamado movimento de manada, que é explicado como a exigência de agir identicamente com o grupo no qual vive. O que a parcela maior fizer comanda as ações individuais. Um dos fatores que integram esta ação é a chamada prova social. Ou seja, homens e mulheres são levados a pensar que se a maioria está operando daquela forma, deve haver uma boa causa, embora esta não seja visível. “Para quem vai investir ou decidir é importante ter calma e um horizonte de tempo”, aconselha.


O que garantem os especialistas é que decidir é tomar partido, é escolher algo e perder outro. E quando o coração diz algo e a cabeça outra coisa, significa que você já tem consciência dos inevitáveis conflitos internos que aparecem nos momentos de se fazerem grandes escolhas. O correto, porém, de acordo com a psicoterapeuta comportamental neurolinguista Marcelle Vecchi, é que homens e mulheres devem manter um certo equilibro entre a razão e a emoção, uma aconselhando a outra até que cheguem a um ponto em comum, ou seja, a um ponto em que tanto para a razão como para a emoção, a decisão é aceita. “Para tomar decisões sábias é fundamental escutarmos nossa consciência”, diz a especialista Marcelle. O que é certo para um, pode não ser para outro. “Deus nos deu um termômetro interno, que é nossa consciência. Se tentar decidir algo ignorando o que a consciência indica, provavelmente perceberei que cometi um erro, e me arrependerei. Todos nós temos a capacidade de consultar nossa consciência para tomar qualquer tipo de decisão, desde as grandes até as pequenas”, explica.


Se ainda não sabe o que quer é preciso não tomar uma decisão só para se livrar do que está pendente. Marcelle sugere que o primeiro passo é saber o quê quer, depois avaliar se o quê quer não prejudica alguém, só depois disso identifique o que será preciso fazer para conseguir seu objetivo. “Não somos obrigados a tomar decisões em momentos de indecisão, não se deixe pressionar pelos outros, o momento certo de tomar uma decisão só nós podemos determinar.”


O psicoterapeuta e músico, Prof. Renato Dias Martino explica que é melhor errar do que não decidir. “O erro é a única certeza e escolhe melhor aquele que conhece bem de perto o erro. Não conheço outra forma de crescer na realidade que não seja pelo erro”. No mesmo cenário, é importante apostar todas as fichas na decisão. Quando escolher é ideal ir fundo, virar a página e não pensar mais nas demais escolhas. “O momento certo de descartar as alternativas e investir todas as fichas em uma decisão é quando essa escolha coincide com nosso sonho. Assim vale a pena e com certeza estaremos no caminho certo.”


Na opinião de Marcelle Vecchi, podemos escolher qual o momento ideal para tomar uma decisão, mas assim que tomada, devem ser excluídas as outras opções, porque elas se tornam passado. “A partir do ponto em que eu escolhi uma opção, é nesta decisão que devo focar minhas energias e meus pensamentos, as outras não existem mais.”


Seja desde já o protagonista de sua vida


O escritor Aquiles Mosca afirma que a forma como as informações nos são apresentadas interfere na nossa atitude e tolerância frente ao risco. Para encontrar um equilíbrio neste caso, segundo a psicoterapeuta comportamental neurolinguista Marcelle Vecchi, a meditação pode ser uma ferramenta preciosa. “A meditação acalma a mente e o corpo, e é uma ferramenta muito útil, pois quando estamos com uma atividade mental e corporal mais equilibrada, os fatos são vistos com mais clareza, o que facilita. Quando estamos agitados, ansiosos, tensos ou nervosos não devemos tomar decisão alguma, pois nossa mente e nosso corpo estão trabalhando numa rotação alta, o que prejudica a análise dos fatos.”


Prof. Renato Dias Martino confirma que escolha pensada é a real e mais indicada. “Quando não meditamos sobre aquilo que escolhemos, é sinal que não escolhemos, mas fomos escolhidos.”E na lista de ensinamentos de como ir em frente da melhor forma, Marcelle explica que como nem todas as decisões precisam ser tomadas de uma hora para outra, em alguns casos é possível fazer umas experiências antes do passo definitivo. “Se respeitamos o nosso momento na hora de decidir, sempre podemos fazer experiências para antever os resultados. Lembre-se que não devemos decidir pressionados pelo outro, todos nós temos um tempo que é o ideal, devemos respeitar isso.” Na lista de ferramentas básicas para tomar decisões sábias, a especialista Marcelle afirma que é essencial desenvolver a habilidade de escolher e arcar com as responsabilidades disso. “Deve em primeiro lugar ter metas claras em sua mente, depois deve se desinibir para tomar as decisões que ajudarão nessas metas, acreditando que os erros são inevitáveis e úteis, e se perdoar com facilidade. Dessa forma essa pessoa viverá sendo a protagonista de sua vida”.





Prof. Renato Dias Martino Psicoterapeuta e Escritor
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quinta-feira, 15 de outubro de 2009

O ÉDIPO SAUDÁVEL


Édipo e a esfinge (Oedipus et Sphinx),
1808, pintura de Jean Auguste Dominique Ingres;
Paris, França.
O Afastamento da figura paterna na estrutura da família, traz certas conseqüências, que merecem aqui, um olhar mais atento. Tento aqui propor um pensamento que diz respeito muito mais a presença emocional e afetiva da função paterna do que aquela presença de ordem física. Proponho isso pensando num modelo onde essa figura encontra-se presente fisicamente, contudo, ausente de alma.
Freud (1856-1939) utilizou-se do modelo triangular, baseado no mito de Édipo, para demonstrar o mecanismo de intersecção civilizatória na vida sexual da criança, onde os investimentos afetivos se deslocam em busca de melhor adequação quanto ao objeto de amor. A narrativa grega de Sófocles (496 – 406 a.C.) traz a história do herói que vive o terrível destino de se descobrir casado com a própria mãe, sendo ele assassino do próprio pai. Nesse vértice, reconhecemos os conteúdos do mundo interno de uma criança repletos de fantasias, imaginações que governa a mente daquele que está iniciando-se no doloroso processo do reconhecimento do mundo e da realidade.
         O menino descobre que tem um pai, no entanto, não faz essa descoberta de forma simples e harmoniosa como tendemos pensar ao assistir um bebê no colo do progenitor. A figura do pai está carregada de certas verdades duras para criança. A criança reconhece o pai e logo percebe que o amor da mãe não é só para ele, mas, terá que dividir a atenção da mãe com esse que passou a reconhecer. Essa experiência é por si só geradora de sentimentos como a raiva daquele que vem destruir um sonho de união exclusiva com a mãe. Esse é para Freud, o ápice do golpe da realidade no narcisismo. Ele descobre isso aos poucos e é interessante que comece o quanto antes, a desenvolver recursos para lidar com essa realidade. Através desse novo vértice da realidade, terá que encontrar outra pessoa para que possa viver certas experiências das quais, com a mãe não serão adequdas. Experiências das quais está impedido de viver com a mãe, mas que por outro lado, nutrira por muito tempo a fantasia de fazê-las com ela.                 
Isso que tento propor aqui, é um ensaio para pensarmos um modelo clássico do que Freud chamou de complexo de Édipo, até aqui, tendo a vida de um sujeito do sexo masculino como foco. Contudo e antes de prosseguirmos, seria prudente nos lembrarmos que, na verdade esse é um modelo que pode ter, e na realidade tem, um desfecho diferente tomando-se em conta as experiências familiares de cada ser humano em particular, assim como o modelo familiar que se adota em cada diferente cultura e época.
No caso da menina, a história tem algumas modificações. Com a garotinha, o interesse que era, até então, investido na mãe, em certo momento é deslocado para o pai, assim, proporcionando o que poderíamos chamar de melhor adequação do objeto de investimento. Ela percebe algumas diferenças entre a mãe e pai, quanto à posição na família, assim como elementos relacionados a gênero. A sexualidade passa a ser percebida de forma mais clara e a menina desiste em certa medida da mãe e passa a se interessar pelo pai. Entretanto, essa aproximação também lhe propõe certos impedimentos.

Lugar emocional gerador do que Freud denominou superego. O superego, regido pelo ideal de eu se estrutura por um introjetado de imagens e referenciais de interdição da satisfação do prazer. Ou seja, a parte da mente que tem função moral. O superego cria um "deveria ser", passa a nos fiscalizar e nos cobra certos pensamentos e condutas. Essa função para a menina, feita aqui pela mãe, assim como as normas culturais, são elementos provenientes da consciência que é adquirida através do contato com a realidade, mas, caminha lado a lado com elementos do mundo interno que se estruturam como fantasias. O desejo pelo amor do pai – aqui admitido como figura que esteja presente –, assim como toda fantasia que o acompanha. A possibilidade de que se viva num ambiente onde o que rege as relações é o amor, respeito e sinceridade, é o que definirá certas questões que influenciarão as futuras relações amorosas dessa criança.
Na medida em que esse interesse, investido no pai é correspondido em forma de afeto e carinho, tende a se desvincular de impulsos sexuais (mais adequadamente falando; impulsos genitais), que agora busca outro objeto mais adequado, fora do circulo familiar, socialmente aceito e sem o sentimento de culpa por usurpar o companheiro da mãe.

Se estamos de acordo até aqui, a família (ainda) é então, o lugar mais seguro para se viver experiências como a descoberta da sexualidade, que são naturalmente,  assustadoras e repletas de ameaças e entraves. Penso que, no período onde a figura paterna pôde nutrir a menina de afeto e verdade, existe maior chance de desenvolvimento adequado de questões afetivas e emocionais referentes à vida erótica e consequentemente, o desenvolvimento físico e biológico pelo resto da vida, já que estamos tratando de um modelo introjetado. 
A experiência na prática clínica da psicanálise nos mostra que, sujeitos que trazem queixas de impotência sexual, ou qualquer que sejam as questões que impedem um desenvolvimento saudável da vida sexual e até mesmo certos casos de homossexualidade, em sua maioria carregam certo histórico extremamente conturbado na descoberta da vida sexual, em que foram obstruidos de experiências saudáveis, resguardada de respeito e afeto. Existe, nesse sujeito certa insuficiência na criação de recursos para lidar com Eros, ou seja, aquilo que une os seres humanos e responde pela proliferação da nossa espécie. Recursos esses que tem sua origem no seio da família e na possibilidade das vivências edípicas.





terça-feira, 29 de setembro de 2009

A QUEBRA DO NARCISISMO DE BOB




Bob nasceu em um canil da guarda municipal, sua mãe muito dedicada tivera uma complicação durante o seu parto e seus dois irmãos não resistiram, ele então ficou sendo filho único. Sua mãe era a mascote do canil e assim como Bob ela era da raça pinsher. Sim, Bob era um pinsher pequenino. Preto com a parte inferior do corpo marrom, como num dobermann; alias, neste canil havia muitos dobermanns e eram eles quem eram treinados para fazer a ronda pela cidade.
Logo cedo os dobermanns estavam a postos para seu treino diário e Bob ainda bem pequeno, lá estava para assistir o espetáculo matinal. Ele sonhava em crescer, ser treinado e sair dali junto com um guarda municipal para cuidar da cidade. No treinamento, os dobermanns pulavam arcos, passavam por túneis, buscavam bastões que os treinadores lançavam, mas, à parte que Bob mais gostava era o treino do ataque, onde o treinador vestia nos braços longas luvas protetoras para que os enormes dobermanns, um por um, mordessem o treinador em uma simulação de ataque ao inimigo. Bob delirava ao ver tudo aquilo, a força que aqueles grandes animais tinham e a violência que mordiam.


Quando voltava pra casa ele contava tudo para sua mãe, que ouvia atentamente seu relato detalhado que incluía seu sonho de se tornar um cão de guarda.


É, Bob achava que era um dobermann, alias ele não achava, ele tinha certeza disso, quando admirava sua imagem refletida num velho caco de espelho, lá no fundo do canil. Sua coloração era idêntica com a dos grandes dobermanns. Você deve estar perguntando: Mas e a mãe dele, também não era pequenininha?


A resposta é sim. Mas, você já notou quando agente ama a nossa mãe, como ela fica grande e poderosa? Um dado da realidade que passou despercebido por ele. Talvez seu sonho fosse maior que esse ‘pequeno’ detalhe no real. E de mais a mais, Bob constatava a grandeza dela quando sua mãe contava a ele que conhecera seu pai em uma de suas saídas para passear no parque e que nunca mais o vira. Contava a ele o quanto sofrera em seu parto e o quanto lutara para que ele estivesse vivo hoje.


O sonho de Bob incluía o objetivo de ser forte e poderoso até para cuidar de sua mãe. Sua mãe entendia tudo o que ocorria, mas com lagrimas nos olhos, não tinha coragem de revelar a verdade a Bob e desfazer todo o sonho que movia a vida daquele minúsculo cachorrinho. Ele pensava nisso vinte quatro horas por dia, até dormindo ele sonhava e se agitava no ninho, sonhando que treinava com os grandes dobermanns.
Por quantas vezes nós não somos um pouco como Bob, imaginando que nosso valor esta naquilo que o outro tem ou é? Imaginamos que para sermos felizes teríamos que ser de outra raça, outro sexo, outra cor, outra forma, que não a nossa.
Quanto ao Bob? Ele ficou sabendo da verdade. Sua mãe refletiu e chegou a conclusão de que ela seria a melhor pessoa para dizer a verdade e que acharia a melhor forma, lugar e momento para revelar a ele a realidade. Ele passou alguns dias muito triste e choramingando pelos cantos. Mas um belo dia descobriu o filho do proprietário do canil, que o adotou e fez dele sua mascote. Bob acabou vendo que talvez brincar, correr e se divertir com o garoto, seria bem melhor que se arriscar em rondas pela cidade e morder as pessoas.




Prof. Renato Dias Martino
Psicoterapeuta e Escritor
Fone: 17991910375 
renatodiasmartino@hotmail.com
http://pensar-seasi-mesmo.blogspot.com/

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Dois lados ou mais


Dois lados ou mais
Renato Dias Martino

Um lado condena, o outro gargalha
Um sente pena, o outro ironiza
Um lado ajuda, o outro atrapalha
Um quebra tudo, o outro organiza

Um quer tudo, o outro diz não.
Um lado é louco, o outro é são.
Um quer ser útil, o outro não.
E o “eu” diminuto no meio dos dois,
Sofre calado com a confusão.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

O uso do “eu sei”

Surrealismo de Salvador Dali
Por que dizer “eu sei”?
Será porque sabemos realmente?
“Só sei que nada sei”.
Sócrates tomou essa máxima como seu lema e o imortalizou. Mas, se não conhecemos a nos mesmos, o que sabemos então? Estudamos anos a fio certa coisa e um dia nos damos conta que sabemos muito pouco sobre ela. A satisfação que obtemos com a sensação do “saber” é realmente gratificantes, mas penso ser útil encará-la como um domingo de descanso em uma semana de labuta, onde o ponto de interrogação é o norte do desenvolvimento e da expansão. Se não temos duvidas nos acomodamos. As certezas são as maiores ilusões criadas pela mente humana. Contentamo-nos com a certeza quando nos vimos incapazes de continuar a questionar e não porque estamos realmente certos.
Maurice Blanchot (1907 – 2003)
Maurice Blanchot (1907 – 2003) diz: “La réponse est le malheur de la question”, “A resposta é a desgraça da pergunta” (2002). A única certeza é a morte, logo; buscar incessantemente certezas e garantias é o equivalente a buscarmos a morte. A morte da pesquisa, a morte do amor (sentimento rico em incertezas), a morte da busca da vida. "Navigare necesse; vivere non est necesse" no latim, “navegar é preciso, viver não é preciso”, frase de Pompeu, general romano (106-48 AC.), dita aos marinheiros, amedrontados, que recusavam viajar durante a guerra, cf. Plutarco, in Vida de Pompeu. O poeta português Fernando António Nogueira Pessoa (Lisboa, 13 de Junho de 1888 — Lisboa, 30 de Novembro de 1935), ressuscita a idéia com a condição de que “Viver não é necessário; o que é necessário é criar”. A criação parte da falta, criamos aquilo que ainda não existe. Se não existe, logo não sabemos.
Fernando Pessoa (1888 — 1935)
Quando dizemos: “eu sei”, encerramos a busca. Já sabemos, logo; não há nada a aprender. Muitas vezes pronunciamos “eu sei” antes mesmo do outro concluir o que quer dizer. É uma maneira de não dar muita atenção, ou de ignorar alguém. Quando respondemos automaticamente: “eu sei”, o que realmente dizemos é “não estou ouvindo o que você diz”. Assim, tiramos o valor do discurso do outro. É como se parássemos de ouvir por achar que já sabemos tudo o que há para saber.
Sempre que ameaçados nos vemos impelidos a nos defender. Pode-se dizer, “eu sei” quando encontrar-se tomado por ansiedade, enquanto se espera a vez de falar. Também quando, simplesmente não estamos dispostos ou interessados em ouvir. Seja qual for o motivo, essa reação impede que possamos aprender coisas que podem ser importantes. Em um ato de descrédito em si mesmo e na própria capacidade de aprender, criamos um abismo entre o “eu” e o outro.
O “eu sei” pode servir como uma defesa para aquele que se sente ignorante e envergonhado por realmente não saber. Defendendo-se assim, acaba por não aprender.

Prof. Renato Dias Martino
Psicoterapeuta e Escritor 
Fone: 17-30113866
renatodiasmartino@hotmail.com
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terça-feira, 8 de setembro de 2009

Grupo de estudo


Primeiro Passo para se entender Psicanálise

Primeiro Passo para se entender Psicanálise
Renato Dias Martino


O que é Psicanálise?


Primeira Tópica é um modelo organizado por Sigmund Freud (Viena, 1856 – Londres, 1939), médico austríaco e fundador da Psicanálise, que se tornou a base para o pensamento psicanalítico. A partir dessa idéia metapsicológica, trazida pela Psicanálise, houve considerável mudança no vértice, na percepção, entendimento e pensamento sobre a Psicologia, Sociologia, Antropologia e, sobretudo, na forma de perceber aquilo a que chamamos de aparelho psíquico.

Quem é Freud?
Freud nasceu em 6 de maio de 1856, em Freiberg, na Moravia, pequena cidade situada onde hoje é a Tchecoslováquia. Seus pais eram judeus e ele próprio continuou judeu. Em 1860, por motivos de guerra, sua família é forçada a se mudar para Viena, onde Freud recebeu sua educação e passou boa parte de sua vida. Primeiro filho de oito irmãos e do terceiro casamento de seu pai, Jacob Freud com Amalie Nathansohn Freud, Sigmund Freud, muito cedo, se mostra interessado pelas questões da alma, assim como pela história da Bíblia.


Desafios


Um grande admirador de Charles Darwin (1809—1882), e sua teoria, o tem como referência em grande parte de suas obras. Demonstra o valor da teoria darwinista, analisando-a como um pensamento que vem quebrar o que chamou de ilusão narcisista. Em seu texto “Uma dificuldade no caminho da Psicanálise”, datado de 1917, escreve sobre três feridas narcísicas da humanidade. Quando desenvolve a Metapsicologia, demonstra que o ser humano não é totalmente dono de si mesmo.
Despertou, com isso, grande oposição, pois tira o homem do domínio de sua própria vontade. Coloca, assim, a Psicanálise entre Nicolau Copérnico (1473-1543), que corajosamente introduz a idéia de que a terra não seria o centro do universo, e o darwinismo, que propõe que o homem não está no topo da evolução biológica, sendo um animal entre os outros em evolução. Assim, inaugura certo conflito com o pensamento científico vigente em sua época, já que os olhares da Psicologia se voltavam para o ponto de vista de escolas de pensamento experimental como a do fisiologista Wilhelm Wundt (1832- 1920).


A histeria




Dr. Joseph Breuer (1842-1925), um dos médicos mais respeitados de Viena, e colega a quem Freud tinha uma grande afeição, já, em 1880, desenvolvera um estudo sobre histeria. Partindo do radical “histeros” (útero), nasce o termo histeria, que designaria um estado patológico que, a princípio, ocorreria apenas em mulheres.
A paciente, senhorita Bertha Pappenheim (1859-1936), ganha, nos estudos de Freud e Breuer, o pseudônimo de Anna O. (caso que seria publicado só 13 anos mais tarde).  

Jean-Martin Charcot (1825-1893)

 Transformações metodológicas


Em 1885, Freud recebe uma bolsa e viaja a França para estudar a histeria com Jean-Martin Charcot (1825-1893), de quem Freud já tinha conhecimento como brilhante estudioso das doenças da mente e que lhe despertara intensa admiração. Na escola Salpetrière, Charcot também fazia uso da hipnose no método da “cura” desta patologia psíquica. Freud usa o método catártico por mais algum tempo, mas começa a perceber que a hipnose, assim como o método da catarse, na busca da ab-reação, não apresentava bons resultados em todos os pacientes e passa a desenvolver e utilizar-se do método que chamou de associação livre. Com isso, inicia o rompimento com os estudos do método catártico do velho amigo e colega de estudos, Breuer.


No discurso do paciente, estariam dois tipos de conteúdo:


1) manifesto: representado nas questões explícitas;
2) latente: representado nos pontos cegos da mente.


A perspectiva passa da antiga visão horizontal para um vértice vertical, revelando uma conotação de profundidade, o que poderíamos chamar de mapeamento mental.
O aparelho psíquico pode ser estudado e entendido tendo como referência três prismas ou pontos de vista: o topográfico, o dinâmico e o econômico. Neste primeiro tópico, Freud divide o aparelho psíquico em três sistemas que, apesar de sua condição de interdependência, serão estudados, posteriormente, um a um:




- Inconsciente (Ics),
- Pré-consciente (Pcs) e
– Consciente (Cs)



Melaine Klein (1882 – 1960)

Quem ajudou?

Carl Gustav Jung (1875-1961), um grande pensador suíço e estudioso da mente humana, rompera com Freud, em 1912, uma amizade que rendera um grande avanço para o estudo da Psicanálise, o que o indicaria ao título de precursor de Freud (título esse sugerido pelo próprio Freud). Jung esteve próximo do pensamento psicanalítico em uma fase de grande expansão.
Melaine Klein (1882 – 1960) iniciou seus estudos e publica seu primeiro trabalho na década de vinte, quando a Psicanálise já se fazia uma teoria psicológica que alcançava respeito e o nome de Freud já conquistara reconhecimento e prestígio pelo mundo todo. Ela desenvolve o método da ludoterapia no tratamento e análise de crianças. Enfrenta inúmeras dificuldades como a “rivalidade teórica” com Anna Freud (1895-1982), filha de S. Freud, que, nessa época, desenvolvera também um método de psicoterapia infantil.
Donald Woods Winnicott (1896 - 1971), pediatra e psicanalista inglês, o frances Jacques-Marie Émile Lacan (1901-1981), Wilfred Ruprecht Bion (1897-1979), Antônio Ferro e, no Brasil, Walter Trinca, Antônio de Muniz Rezende e David Zimmermann, pensadores que trazem conceitos de enormes proporções para a Psicanálise. E, assim como o próprio Freud escrevera, “outros virão”.


As instancias da mente


- O Consciente (Cs)Do ponto de vista tópico, o sistema percepção-consciência está situado na periferia, ou na mais alta camada do aparelho psíquico. Do ponto de vista dinâmico, ou funcional, nele, não se inscreve qualquer traço durável das excitações. No vértice econômico, caracteriza-se pelo fato de se dispor de uma energia livremente móvel, suscetível do sobre-investir este ou aquele elemento, a energia – catexias – muito clara no mecanismo de atenção.
Funciona na base do princípio da realidade, ou seja, tem a realidade como referencial para reconhecer o que são as produções da mente, ou percepção da realidade. Mas essa é apenas uma pequena parte do que é psíquico. Logo abaixo, num referencial de vértice vertical, fica o sistema pré-consciente ou Pcs.



- O Pré-consciente (Pcs)

Freud escreve em 1915:
“O conteúdo do sistema Pcs. (ou Cs.) deriva, em parte, da vida instintual (por intermédio do Ics.) e, em parte, da percepção”.
Os elementos contidos no sistema pré-consciente podem ser exemplificados, em parte, por tudo aquilo que lembramos, mas que, de alguma forma, não conseguimos trazer à consciência. Isso nos sugere um tipo de critério de seleção baseado em uma censura que barra estes conteúdos de se tornarem conscientes.
Freud coloca uma condição para que os conteúdos emirjam para as camadas superiores do aparelho psíquico quando declara em seu texto “Instintos e suas Vicissitudes”:
“Um instinto jamais pode se tornar um objeto da consciência – somente a idéia que representa o instinto é que pode.”
É no pré-consciente que ocorre a junção de algo que está dentro com algo que está fora, momento este em que um sentimento se liga a um objeto externo, formando o que Freud chamou de representação de coisa.

- O Inconsciente (Ics)



O eu desconhecido mora no inconsciente. Em 1911, Freud chamou a atenção com o texto “Formulações sobre os dois Princípios do Funcionamento Mental”, para os processos mentais em funcionamento. Apesar de a função mais evoluída desses processos, o processo secundário (já descrito neste trabalho), fazer parte do sistema consciente, é apenas uma parte do aparelho psíquico que funciona assim. Na maioria do tempo, o psíquico funciona por um processo em que o pensamento mágico impera, cuja forma de pensar está disponível a um bebê em seus primeiros anos de vida.
O princípio do prazer é que comanda esse tipo de processo que Freud chamou de processo primário. Noções como as de tempo e espaço não têm lugar neste processo mental. Dentro deste funcionamento, a lógica se estabelece por meio dos mecanismos de condensação e deslocamento, o que permitem uma “realidade” diferente da realidade externa, conhecida do sistema consciente e compartilhada entre sujeitos. Esta realidade interna é sempre regida por um alto grau de narcisismo e onipotência, que tendem a se dissolver quando emergem para camadas mais altas do aparelho mental. Assim, as idéias passam por aquilo que Freud denominou de teste de realidade, e chegam à consciência em forma de pensamento. Já no funcionamento inconsciente o que se produz são fantasias que são dependentes do princípio do prazer.

Prof. Renato Dias Martino
Psicoterapeuta e Escritor
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