terça-feira, 15 de setembro de 2015

SOBRE VONTADE E PSICANÁLISE

Arthur Schopenhauer
(1788 - 1860)

Do pensamento de Arthur Schopenhauer


À 22 de fevereiro de 1788 em Dantzig, nascia Arthur Schopenhauer. Nessa época essa cidade fazia parte da Prússia, hoje pertence à Polónia. Seu pai era um homem rico, sempre preocupado com seus negócios e muito pouco foi presente na vida do menino Arthur. Sua mãe, Johanna Schopenhauer (1766 –1838) foi grande escritora e intelectual de sua época, mas que, no entanto não conseguia estabelecer um bom vínculo com o filho. Schopenhauer sofria severas críticas vindas dela, quanto a sua maneira de ser e de pensar. Na realidade, ele nasceu e foi criado meio a um casamento conflituoso, num ambiente hostil de desentendimento e discórdia. Fato que influenciou muito o rumo de sua obra e por si só justifica a tendência depressiva da filosófica de Schopenhauer.

Arthur Schopenhauer
(1788 - 1860)

“Todas as tuas boas qualidades são empanadas porque te julgas ‘esperto demais’ e essa arrogância não te serve para nada nesse mundo, simplesmente porque não podes controlar essa tua mania de querer saber mais do que os outros, de encontrar defeitos em toda parte, menos em ti mesmo, de querer controlar tudo e de te achar capaz de melhorar as pessoas com que te relacionas. Isso serve apenas para exasperar os que se acham ao redor de ti, ninguém está interessado em ser assim ensinado e melhorado de uma forma tão violenta, menos ainda por um indivíduo tão insignificante como ainda és; ninguém pode suportar uma censura vinda de alguém que ainda demonstra tantas fraquezas em seu caráter pessoal e muito menos pode gostar dessa tua maneira de criticar os outros em um tom oracular, definindo tudo à tua maneira, sem admitir a menor objeção.”  (J. Schopenhauer em Safranski. R. SCHOPENHAUER: E OS ANOS MAIS SELVAGENS DA FILOSOFIA, 2012/1987).

Na rica obra SCHOPENHAUER: E OS ANOS MAIS SELVAGENS DA FILOSOFIA, Rudiger Safranski, biógrafo de Schopenhauer, relata um trecho de carta enviada ao filósofo por sua mãe, onde ela o condena por escancarar a realidade sem piedade, ainda que sem perceber que ela faz o mesmo com seu próprio filho. Schopenhauer certamente muito cedo aprendera esse modelo com sua progenitora.

Wolfgang Goethe
(1749 —1832)
Georg Wilhelm Friedrich Hegel
(1770 — 1831)

Foi próximo de Wolfgang Goethe (1749 —1832) e inevitavelmente influenciado pelas propostas ousadas presentes nas reflexões do amigo poeta. Cultuado por Friedrich Nietzsche (1844 —1900), desprezou Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770 — 1831).

Friedrich Nietzsche
(1844 —1900),

“Certamente pode haver outros meios para fugir do torpor que habitualmente nos envolve com uma nuvem sombria e para reencontrar-se a si mesmo, mas não conheço melhores do que pensar naqueles que foram nossos educadores e nossos mestres. É por isso que hoje penso num só mestre, no único iniciador de quem posso me glorificar - Arthur Schopenhauer. A vez dos outros chegará mais tarde.” 
Nietzsche (1874)
Arthur Schopenhauer
(1788 - 1860)


‘Schopenhauer como Educador’ é uma conferência proferida em 1874, onde Nietzsche apresenta não um professor, mas o modelo de mestre com características elevadas e expansivas. Enquanto em Nietzsche despertara afinidade, Schopenhauer atacou com grande vigor o pensamento de Hegel. Apontando certo partidarismo filosófico, Schopenhauer enxergava certo interesse político à favor do Estado da Prússia presentes nas formulações hegelianas.


Schopenhauer fora, segundo escreve o próprio Sigmund Freud (1856 – 1939), o precursor do pensamento que originou a criação da psicanálise. A preciosa formulação de Wilfred Bion  (1897-1979) a respeito de sermos ‘pensamentos em busca de pensador’ nos faz sentido aqui. 

Wilfred Bion 
(1897-1979)


‘de um pensamento errante em busca de algum pensador para se alojar nele’ (Bion na Quarta Conferência de New York, de 1977/1992, pg.131).

“Provavelmente muito poucas pessoas podem ter compreendido o significado, para a ciência e para a vida, do reconhecimento dos processos mentais inconscientes. Não foi, no entanto, a psicanálise, apressemo-nos a acrescentar, que deu esse primeiro passo. Há filósofos famosos que podem ser citados como precursores - acima de todos, o grande pensador Schopenhauer, cuja ‘Vontade’ inconsciente equivale aos instintos mentais da psicanálise.” (Freud em UMA DIFICULDADE NO CAMINHO DA PSICANÁLISE, 1917).
Sigmund Freud
(1856 – 1939)

Sendo o ‘inconsciente’ o conceito maior dentro da teoria psicanalítica, Freud reconhece Schopenhauer como um mestre, assim como Nietzsche o fez. Buscando inspiração nas formulações do “filósofo pessimista”, se farta de sua sinceridade no que diz respeito à natureza humana. Considera as formulações de Schopenhauer como que um caminho aberto para a criação do que hoje podemos chamar de psicanálise.

 “Já faz um bom tempo que o filósofo Arthur Schopenhauer mostrou aos homens em que medida seus feitos e interesses são determinados por aspirações sexuais – o sentido corriqueiro da expressão -, e parece incrível que todo um mundo de leitores tenha conseguido banir de sua mente, de maneira tão completa, uma advertência tão impressionante!”  (Freud em TRÊS ENSAIOS SOBRE A TEORIA DA SEXUALIDADE, 1905)
Sigmund Freud
(1856 – 1939)

A tentativa freudiana de levantar a importância da vida sexual em tudo que se configura como realização humana também encontra um ponto de apoio no pensamento de Schopenhauer. Empreitada complexa já que essa ideia na época era veementemente combatida pela ciência e pela religião; não diferente, desde sempre, desperta ainda hoje enorme resistência. Ainda assim, Schopenhauer traz em obras como "O mundo como vontade e representação" (1819), e "Parerga e Paralipomena" (1851), uma dolorida franqueza no reconhecimento da realidade, sendo frequentemente citado por Freud em sua vasta obra.

Fortemente influenciado pelas escrituras védicas - textos sagrados da Índia antiga - datadas de muito tempo antes de Cristo, Schopenhauer introduziu o pensamento indiano assim como alguns conceitos budistas na filosofia da metafísica alemã. Apesar de ter morrido aos 72 anos, em 1860, esse importante pensador transcende qualquer noção de tempo ou época, nos oferecendo um instrumento de reflexão muito adequado ao tempo contemporâneo. Contribui de forma perene quando aproxima o pensamento filosófico da espiritualidade da verdade transcendental. Pois que foi justamente no misticismo que encontrou afeto necessário para a revelação da verdade que ausente de amor converte-se em crueldade. Arthur Schopenhauer aborreceu a humanidade revelando um humano confuso e iludido.  Nisso antecipou-se em pouco menos de meio século à psicanálise de Freud.

Immanuel Kant
(1724 - 1804) 

Como única fonte de esperanças para nutrir e conduzir seu trabalho, ele busca na espiritualidade a abertura para expansão. “Na expansão da consciência Schopenhauer parece buscar em Platão e na cultura védica a serenidade que o perturbava tanto no contato com as propostas de Kant.” (Martino, 2015). O pensamento de Immanuel Kant (1724 - 1804) é gerador de desconforto para Schopenhauer, mas que, no entanto, é também aquilo que impulsiona suas reflexões rumo à expansão. As críticas ao real conhecimento da qual bradava Kant é o lugar de onde Schopenhauer parte e vai para além. Em suas formulações Kant distingue o “fenómeno” do “noumeno”. Sendo que para ele “fenómeno” representa a realidade acessível ao nosso conhecimento limitado, enquanto o “noumeno” é a “substância transcendental”, a “coisa-em-si” que é incognoscível.  O “noumeno” configura-se então para Kant como limite da possibilidade de conhecimento.

“A coisa-em-si, representada no incognoscível a nós humanos, seres cognoscentes, que seria para Kant a essência, tem seu equivalente em Schopenhauer no conceito de Vontade (Wille). Assim como Kant, Schopenhauer também se utiliza inicialmente do conceito da coisa-em-si, a qual não pode ser conhecida em sua plenitude, mas, contrariando seu mestre Kant, propõe que é possível percebê-la nas ações de nosso próprio corpo.” (Martino, 2015)

No entanto Schopenhauer propõe uma expansão do pensamento e aquilo que em Kant chamávamos de “fenómeno” revela-se como ilusão do que é a realidade e não apenas uma visão parcial dessa realidade. Então, para Shopenhauer aquele que observa apenas o fenômeno está iludido quanto à realidade dos fatos. Seguindo esse mesmo vértice reflexivo, “noumeno” para Shopenhauer configura-se na verdadeira realidade, independente da nossa vontade. Sendo que o “noumeno” revela-se insuportável à percepção humana em sua plenitude.

“Dentre as ricas contribuições do budismo encontramos o conceito de delusão como um fator mental. As delusões nascem do envolvimento com a atenção imprópria e levam a um estado de mente intranquila e descontrolada. Para o budismo são três as principais delusões: ódio, ignorância e, principalmente, o apego. A partir delas surgem as demais delusões, como inveja, ciúme, orgulho... As delusões atrapalham principalmente no desempenho da capacidade de vacuidade, necessária para uma vida de iluminação. A vacuidade é a capacidade de estar de acordo com a verdade última na ausência da existência inerente. Dentro da aplicação do Dharma, que são os ensinamentos de Buda, todos os fenômenos são, a princípio, ilusórios. Então passamos a lidar com noções de corpo e mente, sempre mantendo a vacuidade, que implica em admitir o vazio da existência inerente. Essa ausência de existência inerente se realiza quando se lida com fenômenos como se fossem sonhos. De forma onírica deve ser tratado isso que chamamos de realidade, segundo o budismo.” (Martino, 2015)

Bem como no budismo, Schopenhauer também busca na cultura védica a “União com o Todo”, na aproximação dos opostos, onde a vontade do humano não importa. Para Schopenhauer estamos presos em ilusões, geradas pela vontade. Não existindo assim, qualquer liberdade real, para aquele que está sujeito a sua própria vontade, sendo que essa vontade é desconhecida dele próprio. Partindo desse pressuposto Schopenhauer busca a Mahavakya, “grande sentença” que revela a unidade da alma individual com o todo. Schopenhauer encontra nos Upanishads, o conjunto da parte final de cada um dos quatro Vedas, o ensinamento filosófico essencial.

“Por isto, nos Vedas, cujo estudo só era permitido às três castas regeneradas, constituintes da doutrina esotérica da sua filosofia, os sábios antigos da Índia a explicaram tão diretamente quanto o conceito de per si e a língua lhes permitia, sempre de acordo com a sua maneira de expor não menos imaginosa do que rapsódica.” (Schopenhauer, 1818, pg. 137.) 
Assim como nas leituras de textos mito poéticos como o Bhagavad Gita a Canção do Senhor da Índia, Schopenhauer encontra a possibilidade de transcender a razão em sua filosofia. O Bhagavad Gita é um dialogo entre Krishna, que é a Personalidade Suprema do Senhor, e Arjuna, seu amigo que tenta fugir daquilo que é seu desígnio.
“Tal é o modo de ver com que Krishna, no Bhagavat Gita, ensina a seu discípulo estreante, Ardjuna, quando este, ao aspecto dos exércitos que estavam na iminência de combater, é tomado de tristeza (quase como Xerxes) e quer renunciar à luta para evitar a morte de tantos milhares de homens: Krishna chega a convencê-lo, e desde então a destruição de tantas existências não mais o retém: dá o sinal de combate.” (Schopenhauer, 1818, pg. 42.)
Krishna, propõe ao seu amigo que se coloque num outro plano onde os contrários se conciliam e os conflitos se resolvem na possibilidade de concórdia interior.
“Os que estão cheios de desejos egoístas consideram o céu como meta final, louvando excessivamente complicados rituais e cerimônias multiformes, com o fim de conseguirem poder e prazer em encarnações futuras. Todos os que visam ao poder e ao prazer têm da Verdade uma visão imperfeita, desorientados como estão no seu critério. Não acertaram com a senda da sabedoria. Perderam o caminho reto do seu destino. Não atingiram a experiência espiritual.”

Com isso a Suprema Personalidade de Deus propõe no capitulo da Revelação da Verdade, o tema central da filosofia dos Vedas: a auto-realização do homem pelo autoconhecimento (Martino, 2015). No entanto, o humano faz tudo por sua vontade, chegando a mentir pra si mesmo por isso, mesmo que Krishna nos oriente que “quem a tudo renuncia, jubiloso, alcança, já agora, a mais alta paz do espírito; mas quem espera vantagem das suas obras é escravizado por seus desejos”. Assim como para o devoto de Krishna, também para Schopenhauer, o mundo dos fenómenos (a aparência, a ilusão) é sinónimo de sofrimento e dor. Logo, a supressão da vontade é o único e verdadeiro acto de liberdade.

Essa ilusão ou ainda “fenómeno”, para Schopenhauer tem nos Vedas o nome de Maya e é o poder do aspecto criativo de Deus, mas que, entretanto é também a ilusão cósmica que cria a ignorância e oculta a visão da Verdade. Deste modo então, a Realidade Ultima é percebida como universo multifacetado e parcial. “Praticar a caridade e as boas obras é libertar-se das ilusões e das miragens de Maya. E amar a humanidade é o sintoma inseparável de tal conhecimento”. (Schopenhauer, 1818, pg. 160.)
Como grande contribuição para a geração e o desenvolvimento atual da psicanálise, o conceito de vontade revela-se na forma mais primitiva, enquanto vontade de viver; o que faz do instinto sexual pulsão de vida.
“Depois desta digressão sobre a identidade do amor puro com a piedade e sobre o fenômeno das lágrimas, sintoma duma piedade que se reflete sobre a própria pessoa, retomo o fio das minhas explicações sobre o significado moral da conduta, para estabelecer que a fonte única, donde derivam bondade, amor, virtude e nobreza de ânimo, é, em última análise, originária daquilo que se chama a negação do querer-viver.” (Schopenhauer, 1818, pg. 166.)

O Eros de Freud representado no desejo mais primitivo e gerador do maior medo. Isso faz a satisfação sexual, em si mesma uma experiência narcisista.  Para Schopenhauer o mundo configura-se conforme a vontade. Vontade continua que nunca é satisfeita sendo então geradora de um eterno sentimento de insatisfação.





Prof. Renato Dias Martino
Psicoterapeuta e Escritor
renatodiasmartino@hotmail.com 
pensar-seasi-mesmo.blogspot.com.br/









Martino, Renato D. O livro do desapego - 1. ed. - São José do Rio Preto, SP : Vitrine Literária Editora, 2015.
Safranski, R. SCHOPENHAUER: E OS ANOS MAIS SELVAGENS DA FILOSOFIA, radução: William Lagos, editora: Geração Editorial, Rio de Janeiro, 2012/1987.
SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e como representação. Trad. Heraldo Barbuy. Rio de Janeiro: Ed Saraiva, 2012/1818.
NIETZSCHE, Friedrich. Schopenhauer como educador. Tradução Adriana M. Saura Vaz. Campinas: Faculdade de Educação/ UNICAMP, 1999.

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Dicas de Filmes - A Vida é Bela - (1997)

Um belo filme italiano de 1997, A Vida é Bela (La Vita è Bela), foi dirigido e protagonizado pelo genial Roberto Benigni. Durante a Segunda Grande Guerra, em 1938, na Toscana da Itália, Guido (Roberto Benigni), casa-se com Dora (Nicoletta Braschi), uma bela professora. Com a tomada das tropas nazistas, ele que é judeu, é mandado para um campo de concentração, juntamente com seu único filho, Giosuè (Giorgio Cantarini) fruto do seu casamento feliz.
 Roberto Benigni


Sua esposa, Dora, que apesar de não ser judia decide acompanha-los também. De uma forma muito bonita Guido não permite que seu filho perceba que está num lugar horrível, fazendo que ele acredite que ambos estão num campo de férias, participando de um jogo.

Preserva assim à todo custo a ilusão do garoto, prometendo que se perseverasse no jogo ganhariam um tanque de guerra.


Trailer